sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Clube de Leitores COM_vida: Jorge Silva Melo


NINGUÉM ME TIRA

Pois é, ninguém me tira este prazer, o dos primeiros ensaios, quando, da letra do livro (ou da miserável fotocópia), os olhos dos actores se começam a levantar, quando o corpo começa a tomar conta das palavras, quando elas saem na harmonia dos desenvolvimentos. Passámos, esta semana, duas tardes a ensaiar POR TUDO E POR NADA, o belíssimo desafio de Nathalie SARRAUTE. Só nós os três, o Pedro Carraca, o João Meireles. A Rita Lopes Alves apareceu com umas propostas de guarda-roupa, coisa para vermos como serão as calças, o camisolão para o João Meireles (temos que perceber que ele está em casa, sempre em casa), o fato para o Pedro Carraca (temos de perceber que ele veio da rua), o tom para o cenário (eu digo: "um bom apartamento da Cinco de Outubro, mas já sem pais, esvaziado de móveis, só o sofá, duas cadeiras, uma mesa/secretária). E lembro-me daquela belíssima gravura que me ofereceu um dia o JORGE MARTINS, em papel estranhamente verde: uma porta entreaberta, luz que passa, uma frincha. E é disso que trata a peça: a brecha, a frincha, o abismo, a luz que passa ou rasga. Ninguém me tira essa alegria, a de ir apalpando o texto, de ir vendo os corpos descobrir em si mesmos a noite das palavras, a de ir vendo os actores (sempre eles, os ressuscitadores) a acendê-las.

(fotografia de Jorge Gonçalves de um ensaio de POR TUDO E POR NADA
com Pedro Carraca e João Meireles, Artistas Unidos)

Jorge Silva Melo
(Convidado do Clube de Leitores)

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