terça-feira, 9 de agosto de 2016

enquanto o meu país não lê,





enquanto o meu país não lê, campanhas distorcem conceitos de igualdade e equidade, reforçando o mérito como consequência natural, não oportunidade;
enquanto o meu país não lê, pessoas se manifestam nas ruas com faixas indizíveis como 'queremos intervenção militar' e 'viva o fim da cultura';
enquanto o meu país não lê, jovens negros são espancados até a morte pela polícia que os devia proteger;
enquanto o meu país não lê, mulheres são distribuídas como estampa para o consumo como promessa de um sexo fácil;
enquanto o meu país não lê, indígenas são sacrificados sempre e tanto como antes, contra qualquer ideia de dignidade;
enquanto o meu país não lê, milhares de autoridades religiosas passeiam de helicópteros com dinheiro extorquido em seus templos;
enquanto o meu país não lê, professores são brutalmente agredidos com salários ínfimos e bombas de gás atiradas a mando do próprio governador de estado;
enquanto o meu país não lê, os fogos de artifício distraem quem pagou fortuna para ver uma festa suportada por um povo refém da miséria;
enquanto o meu país não lê, o desvio de dinheiro público é tolerado quando praticado por doutores e empresários e nomes tradicionais;
enquanto o meu país não lê, favelas são incendiadas para abrir espaços aos novos empreendimentos da especulação imobiliária;
enquanto o meu país não lê, crianças portam armas e são mão-de-obra barata para o tráfico de drogas, enquanto outros pleiteiam seu encarceramento precoce;
enquanto o meu país não lê, o lixo é revirado para se transformar em alimento para milhares de famílias.
enquanto o meu país não lê, pedaços de papel minguam seus escritos direitos impraticáveis.


- texto de Penélope Martins, para nossa conexão semanal 'É do borogodó!',
- fotografias de Tércio Teixeira, fotógrafo do Coletivo R.U.A. 


veludo


o veludo da tarde à superfície
das águas as mãos em ave
à espera de um redemoinho
na corrente de ser dança.


Helder Magalhães



Anka Zhuravleva arts