sábado, 25 de setembro de 2010

Metade da Coisa, Manuel de Souza Falcão

Design simples, como os textos. É isso que se pretende. Viajar em singelas palavras e ir mastigando. Suavemente como o nosso prato favorito. Poesia que nos faz pensar. Cada poema se liga ao próximo e, assim sucessivamente, se conta uma história.

A propagare anda por aí a celebrar este mundo poético.

'O Primeiro livro de poemas de Manuel de Souza Falcão (Metade da Coisa, Propagare 2009) compreende dezasseis textos. São textos simples. Alguns directos. E outros muito directos. De desencontro. Dolorosos. De desconforto e de fadiga. De desencanto e do amor que não é possível ter. Um livro concebido como se de um objecto se tratasse. Uma capa macia com o título gravado a quente, a vermelho sangue, que necessita de luz (ou de Luz?) para ser lido, parece querer compensar o leitor de uma leitura dura. De inverno rigoroso e de luz ausente. O livro é dedicado a Pedro Parcerias (1971-2007).'

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A cantiga de maldizer

"Ai dona fea! Foste-vos queixar
Que vos nunca louv'en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via;
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!

Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
E pois havedes tan gran coraçon
Que vos eu loe en esta razon,
Vos quero já loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora já en bom cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!"


fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trovadorismo

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Carlos Ruiz Zafón

'O Cemitério dos Livros Esquecidos'... Foi este local que me encantou quando li 'A Sombra do Vento'.

Já foi há uns 5 anos que peguei nele, ainda não vendia livros e este título estava longe de ser um campeão de vendas. Veio-me parar às mãos depois de ter lido o 'Cem anos de Solidão', por isso foram tempos de grandes leituras.


Sempere é um personagem inesquecível. O relato da sua história começa no pós guerra, quando o seu pai lhe revela 'o cemitério dos livros esquecidos'. Sempere tem que escolher um livro no meio de centenas para que este seja protegido e jamais desapareça.

Na busca de informações sobre o livro que escolheu - a Sombra do Vento - Sempere vai envolver-se em paixões, mistérios e grandes segredos que a cidade de Barcelona esconde.

No seguinte livro, 'O jogo do Anjo', Zafón volta ao cemitério dos livros esquecidos. Numa época diferente, anos 20. A mesma cidade, mas diferentes histórias para contar.


Esperava um pouco mais deste romance, confesso. O que falta neste é a magia de Barcelona. A roçar o policial em muitos casos, o autor acaba por fugir um pouco ao estilo do outro livro - mais descritivo e pausado.

Aqui é-nos contada a história de um jovem escritor a quem é prometida uma fortuna para escrever um livro 'como nunca existiu'. Pelo meio, amores impossíveis...

O que há de bom neste livro é o regresso à livraria 'Sempere e filhos' ou ao 'cemitério dos livros esquecidos'. No entanto, a meu ver, é um livro que podia ser menos extenso e mais simplificado. Não digo que tenha sido uma desilusão, mas há sempre um risco quando se comparam livros do mesmo autor.

Vamos agora a 'Marina', na mesma Barcelona, muitos anos mais tarde. Já está no carrinho de compras. Deixo aquilo que se conhece... Vamos aguardar mais uns dias...


«Por qualquer estranha razão, sentimo-nos mais próximos de algumas das nossas criaturas sem sabermos explicar muito bem o porquê. De entre todos os livros que publiquei desde que comecei neste estranho ofício de romancista, lá por 1992, Marina é um dos meus favoritos.» «À medida que avançava na escrita, tudo naquela história começou a ter sabor a despedida e, quando a terminei, tive a impressão de que qualquer coisa dentro de mim, qualquer coisa que ainda hoje não sei muito bem o que era, mas de que sinto falta dia a dia, ficou ali para sempre.» Carlos Ruiz Zafón

«Marina disse-me uma vez que apenas recordamos o que nunca aconteceu. Passaria uma eternidade antes que compreendesse aquelas palavras. Mas mais vale começar pelo princípio, que neste caso é o fim.» «Em Maio de 1980 desapareci do mundo durante uma semana. No espaço de sete dias e sete noites, ninguém soube do meu paradeiro.» «Não sabia então que oceano do tempo mais tarde ou mais cedo nos devolve as recordações que nele enterramos. Quinze anos mais tarde, a memória daquele dia voltou até mim. Vi aquele rapaz a vaguear por entre as brumas da estação de Francia e o nome de Marina tornou-se de novo incandescente como uma ferida fresca. «Todos temos um segredo fechado à chave nas águas-furtadas da alma. Este é o meu.»

Ana Salomé

Lume

'Comecei a fumar para te pedir lume.
Tens lume? Perguntei-te.
Sim. Disseste. Levaste a mão ao bolso.
Engatilhaste o zippo. Todo prateado.
Abeiraste-te e fizeste concha com a mão direita.
Eras canhoto, como o coração.
Agora. Disseste.
E levei o cigarro até à chama.
Já está. E sorriste.
Importas-te que te acompanhe? Perguntaste.
Não, claro que não. Claro que não.
Está frio. Disseste. E esfregaste as mãos.
O cigarro sempre aquece.
Sim. Tossi.
Estás bem? Perguntaste.
Estou muito bem.
Óptimo. Disseste. E sorriste.
Aquele café além é acolhedor. Não tomas nada?
Um chá fazia bem à tosse. Perguntaste. E disseste.
Sim, um chá calhava bem. Estava mesmo a apetecer-me.
Parece que adivinhei. Disseste. E aí sorri eu.
Tomámos chá e de imediato fizemos planos de vida
Que correram mal, imediatamente mal.


Comecei a fumar para te pedir lume.
Para passar o frio.

Descobri que não viria a morrer
Nem de cancro pulmonar, nem de amor,
mas da própria morte, mal o lume se apagou
e o café fechou as portas. Para sempre.'