sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Eu poético: Desencontro

DESENCONTRO

1. Pedro

Podíamos ter sido a história um do outro,
no dia que te vi em Alfama.
Naquela rua estreita que eu subia
e tu descias tão delicada,
os nossos olhares cruzaram,
rasgando no meu rosto
um sorriso tímido,
que disfarçava as bochechas coradas que levava
e que tu cravaste fixamente.
Passei a teu lado,
senti o travo intenso do teu cheiro
e olhei para trás para perceber
se o teu passo era firme,
delicado ou oscilante.
Por breves segundos parei,
senti um nó na voz
que me impediu de te chamar.
O coração pediu que descesse,
me ajoelhasse ali mesmo,
e te prometesse o próximo jantar.

----- desencontro -----

2. Cinderela

Naquele dia, vinha da feira da ladra,
cruzei as portas do sol e segui.
Vi um rapaz ao longe,
distraído com o canário que assobiava na janela de uma casa.
Ele olhou-me de cima a baixo, mas não disse nada.
Por momentos matutei um plano,
pedir-lhe indicações,
mas ele não pareceu com vontade
de suspender o pensamento.
Foi por ali,
num passo trapalhão e descompassado.
Fiquei a pensar naquela desarmonia de vontades,
sonhei que ele tropeçasse numa pedra
e eu fosse em seu socorro.
A razão pediu para voltar atrás
e gritar bem alto que queria ir ver a lua reflectida no Tejo,
mas a minha alma impediu.
Sinto-me só,
precisava apenas de uma mão
que me desse força até casa.

(o desencontro é estatisticamente o maior delinquente do mundo)

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão