sábado, 9 de fevereiro de 2013

Poema à noitinha... experiência sensorial: Drummond de Andrade vs Rodrigo Leão

Hoje proponho um exercício simples... Pôr a tocar esta música de Rodrigo Leão e começar a ler o poema de Drummond de Andrade. No fim, quem sabe, fechar um pouco os olhos. 

Boa viagem!



O Tempo Passa? Não Passa

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.


*Carlos Drummond de Andrade, in Amar se Aprende Amando


Uma outra forma de ler Bukowski. Hoje com "The man with the beautiful eyes"

Inicio um ciclo que vai dar a conhecer Charles Bukowski de outra forma... Através de short stories  e poemas narrados. 

Começamos esta série com The man with the beautiful eyes. Uma animação levada a cabo por Jonathan Hodgson, com vozes de Peter Blegvad e Louis Schendler. Num belo poema... 


The Man With The Beautiful Eyes 

When we were kids 
there was a strange house 
all the shades were 
always 
drawn 
and we never heard voices 
in there 
and the yard was full of 
bamboo 
and we liked to play in 
the bamboo 
pretend we were 
Tarzan 
(although there was no 
Jane) 
and there was a 
fish pond 
a large one 
full of the 
fattest goldfish 
you ever saw 
and they were 
tame. 
They came to the 
surface of the water 
and took pieces of 
bread 
from our hands. 

Our parents had 
told us: 
" never go near that 
house" 
so, of course, 
we went. 

We wondered if anybody 
lived there. 
Weeks went by and we 
never saw 
anybody. 

Then one day 
we heard 
a voice 
from the house 
" YOU GOD DAMNED 
WHORE!" 

It was a mans 
voice. 
Then the screen 
door 
of the house was 
flung open 
and the man 
walked out. 

He was holding a 
fifth of whiskey 
in his right 
hand. 
He was about 
30. 
He had a cigar 
in his 
mouth, 
needed a 
shave. 
His hair was 
wild and 
uncombed 
and he was 
barefoot. 
In undershirt 
and pants 
but his eyes 
were 
bright 
they BLAZED 
with brightness 
and he said, 
"hey, little 
gentleman, 
having a good 
time, I 
hope?" 

Then he gave a 
little laugh 
and walked 
back into the 
house. 

We left, 
went back to my 
parents yard 
and thought 
about it. 

Our parents, 
we decided 
had wanted us 
to stay away 
from there 
because they 
never wanted us 
to see a man 
like 
that, 
a strong natural 
man 
with 
beautiful 
eyes. 

Our parents 
were ashamed 
that they were 
not 
like that 
man, 
thats why they 
wanted us to stay 
away. 

But 
we went back 
to that house 
and the bamboo 
and the tame 
goldfish. 
We went back 
many times 
for many 
weeks 
but we never 
saw 
or heard 
the man 
again. 

The shades were 
down 
as always 
and it was 
quiet. 

Then one day 
as we came back from 
school 
we saw the 
house. 

It had burned 
down, 
there was nothing 
left, 
just a smoldering 
twisted black 
foundation 
and we went to 
the fish pond 
and there was 
no water 
in it 
and the fat 
orange goldfish 
were dead 
there, 
drying out. 

We went back to 
my parents yard 
and talked about 
it 
and decided that 
our parents had 
burned their 
house down, 
had killed 
them 
had killed the 
goldfish 
because it was 
all too 
beautiful, 
even the bamboo 
forest had 
burned. 

They had been 
afraid of 
the man with the 
beautiful 
eyes. 

And 
we were afraid 
than 
that 
all throughout our lives 
things like that 
would happen, 
that nobody 
wanted 
anybody 
to be 
strong and 
beautiful 
like that, 
that 
others would never 
allow it, 
and that 
many people 
would have to 
die.

“Love Poem to No One in Particular” - o poema e o filme


Love Poem to No One in Particular

Let me touch you with my words
For my hands lie limp as empty gloves
Let my words stroke your hair
Slide down your back and tickle your belly
Ignore my wishes and stubbornly refuse to carry out my quietest desires
Let my words enter your mind bearing torches


Mark O'Brien



O filme The Sessions é baseado na história verídica de Mark O'Brien. Poeta e jornalista, O'Brien contraiu poliomielite em 1955 e passou o resto da sua vida paralisado, com o auxílio de um pulmão de ferro. Mas isso não o impediu de lutar por se exprimir. E fê-lo como escritor de artigos e de poesia. Foi também um acérrimo defensor de pessoas com algum grau de incapacidade. 

Foi co-fundador de uma editora - Lemonade Factory - que dedicou o seu trabalho à divulgação de poesia escrita por pessoas com algum tipo de deficiência incapacitante. O'Brien foi autor de vários volumes de poesia - Breathing; e uma autobiografia intitulada How I Became a Human Being: A Disabled Man’s Quest for Independence.

Quanto ao filme - The sessions - estreou recentemente em Portugal e tem Helen Hunt nomeada para os Óscares. Realizado por Ben Lewin (realizador que também teve poliomielite na infância), conta com John Hawkes no principal papel e com William H. Macy (que faz de Padre e assistente espiritual). 

A não perder! 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Passatempo «O Suave e o Negro»: as frases da finalíssima!

O Clube de Leitores e a Editora QuidNovi têm dois exemplares de O Suave e o Negro para oferecer. O concurso terminou na Sexta e estas são as frases finalistas.

Agora, ajude-nos a eleger as duas melhores. As mais votadas serão decisivas na opinião do júri - constituído pelos membros do blog.



Ana Paula Oliveira: A amizade é conjugar os verbos partilhar, compreender e ouvir no presente e no futuro do Indicativo.

Luis Ferreira: Sem amizade, não poderá haver caminho, nem principio,apenas o vácuo negro que sufoca e nos torna prisioneiros da solidão.

pat: Falar com o coração. Amar com a cabeça. Começar logo a sentir saudade, ainda agora dissemos até já.

Ana Cristina Martins: A amizade não se define, sente-se e faz-se sentir, respira-se, saboreia-se, cheira-se, ouve-se e faz-se ouvir. dá-se e recebe-se, não se diz. 

Miguel Nunes: A verdadeira essência da amizade é o facto de não existir uma verdadeira definição. Não definimos o que é gostar com amizade. Amizade poderá ser amor sem o prazer carnal. Mas em certas amizades esse mesmo prazer carnal pode existir. Amizade é a incógnita de sentirmos sem sabermos o quê.


Basta comentarem este post ou deixarem a vossa opinião no destaque que vamos dar na nossa página do facebook (Clube de Leitores) e no grupo Livros no facebook. Terça, dia 12, anunciamos vencedor.
  
Boa sorte! 

a-ver-outros-livros no Metro: a vez de Sofia

As caricaturas de António, o cartoonista a quem o Metropolitano de Lisboa encomendou a decoração artística da estação Aeroporto são 53 ao todo. Tudo gente relevante na história de Portugal - mais de uma dezena é gente da escrita. Dou a vez hoje a Sophia, retratada numa pose descontraída, copo e cigarro na mão. 

Sophia de Melo Breyner Andresen (Porto, 6 novembro 1919 - Lisboa, 2 julho 2004), poetisa mas não só. Multi-premiada, venerada, foi uma romântica de ideais claros de justiça e integridade moral. Foi na Assembleia Constituinte, no Verão Quente de 1975, que proferiu estas palavras:

"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."

Mas é na sua poesia que encostamos a cabeça e serenamos. Como neste "A Hora da Partida".

"A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
"


Perfeito para despedidas na estação do Metro, não vos parece?

1º Parágrafo: Alfreda ou A Quimera


Ao certo, ao certo, nunca consegui saber quem é Alfreda. Não me refiro, evidentemente, à sua identidade civil, mas às sua personalidade, às molas reais do seu comportamento, aos seus interesses mais profundos, às suas finalidades na vida, à sua capacidade de se prender a alguém. E também me escapam muitos aspectos concretos da sua biografia. Apenas avultam, com enervante intermitência alguns factos que, para mim, não ficaram inteiramente esclarecidos.


As primeiras linhas da leitura do mês: «A Terra onde o tempo parou» de Bohumil Hrabal

Comecei o livro que me propus apresentar no mês de Fevereiro. Queria deixar o seu primeiro parágrafo. Mas rapidamente desisti da ideia, porque só termina virando a página e olhando para a folha seguinte.

Deixo, então, o texto corrido até ao segundo ponto final. Para deixar algumas pistas da forma como Bohumil Hrabal escreve. Espero conquistar-vos!


Quando regressava da escola eu gostava de passar pelo areeiro, onde havia batelões com areia, barcas de que saíam pranchas sobre as quais os carregadores de areia transportavam, nos carrinhos de mão, a areia molhada dos montões enormes; carregavam a areia com pás, tão levemente que parecia que apanhavam uma nuvem fluída e movediça que brilhava ao sol, porque cada grão miudinho de areia tinha as cores do arco-íris. Uma vez pedi para carregar um carrinho dessa areia que a água trouxera das montanhas e que se não fosse dragada seria com certeza levada pelo Elba até Hamburgo e depois até ao próprio mar, mas quando quis levantar a pá, pensei que esta tinha ficado presa no fundo da barca, tive que voltar a enterrar a pá no monte de areia e depois, pesadamente, devagar, como se tirasse a pá de pez ou de goma arábica, levantei a pá por cima da prancha, mas já não consegui levá-la até ao carrinho, caiu-me das mãos, e os carregadores riram-se de mim; eu olhava os seus troncos nus: cada carregador tinha os braços tatuados com âncoras e meninas.

Bohumil Hrabal
*autor em destaque este mês, no Clube de Leitores

a-ver-livros: um olhar e Krzysztof Iwin

Nos teus olhos, pequena,
se alimentam
todas as dúvidas do mundo
que nenhum livro responde

Nos teus olhos
se reúne
todo o amor do mundo
que ninguém ainda 
soube escrever

Nos teus olhos
nos meus

* para conhecer mais da pintura do polaco Krzysztof Iwin
siga o link www.facebook.com/krzysztof.iwin.art

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Capa mole em ditadura tanto dá até que fura... (actualizado)



Daqui fica a solidariedade com a Bárbara Bulhosa. Este gesto é mais que uma defesa de uma pessoa, é um gesto pela democracia e pelo direito à liberdade de expressão. Noutro tempo e de outro modo, também os editores de hoje precisam de ter coragem. Ao editar "Diamantes de Sangue", pela Tinta-da-China, Bárbara Bulhosa constitui um exemplo vivo da coragem que se mantém indissociável do exercício como Editora.

Não estamos neste mundo só para encher as páginas de papel com tinta. Há uma maior missão que é cultural e que talha a massa de que são feitas as pessoas, as sociedades e as nações.

"Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola", que vendeu até agora cerca de sete mil exemplares, traça um retrato implacável da vida nas zonas de exploração diamantífera das Lundas, no Nordeste esquecido do país. Por isso mesmo, o assunto interessou a Bárbara Bulhosa, enquanto editora.

Para a editora, o importante, no momento de publicar o livro, foi dar a conhecer uma situação “de extrema gravidade, que não era conhecida e que estava a acontecer”. “Para mim, [a opção de publicar o livro] não tem nada a ver com Angola. Podia ser noutro país qualquer”, disse ao jornal Público. “O que me interessava era a questão dos direitos humanos e a denúncia de situações terríveis para as populações.” Considera que este é “um processo político de intimidação” e uma “pressão sobre todos os editores a quem possam chegar manuscritos sobre questões sensíveis e em que estão envolvidas pessoas com muito poder”.


Entre os queixosos estão os generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da casa militar da Presidência da República de Angola; António dos Santos França “Ndalu”, deputado do MPLA e presidente da empresa sul-africana de diamantes De Beers em Angola; Carlos Vaal da Silva, inspector-geral do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA); Armando Neto, governador de Benguela e ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA; João de Matos, também ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA.

O general Hélder Vieira Dias “Kopelipa” está actualmente a ser investigado em Portugal pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal no âmbito de um processo relacionado com alegados casos de corrupção e fugas de capitais.

Dito isto... processem-nos a todos e a todas!


[ACTUALIZADO A 11 FEVEREIRO] Fura e fura mesmo a sério. O Ministério Público acaba de anunciar o arquivamento do processo e pelas melhores razões. 

"O Ministério Público concluiu, dos elementos recolhidos nos autos, que a publicação do livro “Diamantes de Sangue” se enquadra no legítimo exercício de um direito fundamental, a liberdade de informação e de expressão, constitucionalmente protegido, que no caso concreto se sobrepõe a outros direitos. O Ministério Público concluiu pela ausência de indícios da prática de crime, atentos os elementos probatórios recolhidos e o interesse público em causa."

1º Parágrafo: Seara ao Vento


Rumorosa, às sacudidelas bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado arremete contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo arrastasse pelo interior escuro do casebre. E demora, insiste, num ganido assobiado.


a-ver-livros: pintura sobre cartão e Françoise Amadieu

Dobro-me 
e desdobro-me
sobre mim
de dentro de mim
para fora
para a sombra da árvore
que renova a folha
um dia pasta papel
prensada
printada
palavras tuas ou minhas
nas linhas rasgadas
que a natureza tece

* para conhecer mais da pintura sobre cartão da francesa Françoise Amadieu
siga o link www.amadieu.eu/francoise.amadieu

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Bohumil Hrabal em Fevereiro. Vamos ler «A Terra onde o tempo parou»

A Terra onde o tempo parou é o título de leitura conjunta para Fevereiro. E escolhi Hrabal por várias razões.

A primeira ideia: acho que ainda não lhe fizeram total justiça em Portugal. Só estão publicados os seguintes títulos: Comboios Rigorosamente Vigiados, pela Caminho (esgotado); e, pela Afrontamento, não só o livro que vamos ler, mas também Uma Solidão Demasiado Ruidosa e Eu que Servi o Rei de Inglaterra. Por fim, deu à estampa em 2010 - pela Teodolito - Terno Bárbaro.

Há poucos a falar de Hrabal e a conhecerem a sua obra. Mas quem o descobriu não vai perder muito tempo: volta a ele num ápice... Pois essa é precisamente a minha vontade, depois de ter lido Uma Solidão Demasiado Ruidosa (já há 2 anos). É uma história que me encantou. Principalmente porque fala do amor pelos livros - paixão que me acompanha. Mas também pela escrita: envolvente e arrebatadora. 


Não fico indiferente a opiniões como esta (a que está na contracapa do livro). E apresento-a ao público, para que façam esta viagem comigo:

"Rir até às lágrimas e chorar de verdade, passar da melancolia a uma forte vontade de viver, transformar a vulgaridade das coisas e os percalços sem história em objectos poéticos: é a alma de Bohumil Hrabal cavalgando A terra onde o tempo parou. O leitor, subjugado, ouve o seu próprio riso, que o sacode, incontrolável, enquanto sente ser atingido por uma inquietação cada vez mais intensa. Histórias. E por detrás das histórias, discreta mas presente, uma fase da História. A História dos anos que viram o tempo parar. Não sendo nunca o simples reflexo de uma memória nostálgica. Não foi por acaso que este livro fez parte das obras cuja versão oficial foi um pouco dourada. Mas que se publica agora com o seu texto original, pleno de vitalidade insolente."

Le Monde Diplomatique


A vida do escritor é o último motivo que apresento por hoje... Ao longo deste mês conto trazer-vos mais argumentos de peso para lerem esta obra. Espero dar-vos a conhecer melhor este grande autor. 

Bohumil Hrabal nasceu em Brno em 1914. Concluiu o curso de Direito em Praga em 1939, mas tendo os invasores alemães encerrado as universidades checas, só conseguiu o diploma em 1946.

Nunca exercerá a profissão. Em vez disso, será sucessivamente escriturário, fiel de armazém, empregado dos caminhos-de-ferro, operário metalúrgico, embalador de papel velho e figurante de teatro. Em 1963, publica o seu primeiro livro, Uma Pérola no Fundo, e é imediatamente acolhido como um grande escritor.

Os livros seguintes alicerçam a sua reputação, nomeadamente Comboios Rigorosamente Vigiados, que inspirará um filme, tornado famoso e exibido há anos em Portugal.


Depois de 1968, dois livros de Hrabal, já impressos, foram destruídos e até 1976, não voltou a ser editado no seu país. Actualmente é um dos nomes mais prestigiados da literatura checa, com grande repercussão em todo o mundo.

Não tenho dúvidas que será uma aposta ganha! Fiquem connosco.

«O Aleph» de Jorge Luis Borges, depois de passar a capa...

Passei há pouco tempo na livraria para levantar uma das obras pela qual mais tempo esperei. É o conto que dá nome a um conjunto de dezassete, reunidos em livro pela Quetzal: O Aleph.

E este é precisamente o seu primeiro parágrafo. Destaque, mal se abre o livro. Fotografei-o e troquei-lhe as cores. Para ser mais fácil lerem-no.

1º Parágrafo: O Delfim


Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Bravo, o Engenheiro.


a-ver-livros: virar da página e Frank Leenhouts

Sob a placidez do silêncio
o rugir de um rio selvagem
o bramir de um tronco
que se retorce sobre si
e sobre os raios de luz
o frémito da luta
contra os bosques escuros
da inaptitude criminosa
que teimam 
em multiplicar-se 
nas avenidas dos dias

Sob a placidez do silêncio
o restolhar da folha
que viras
sem nada mudar

* para conhecer mais sobre o pintor holandês Frank Leenhouts
siga o link www.frankleenhouts.net

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

a-ver-outros-livros no Metro: Eça uma vez

Eça uma vez um cartoonista chamado António - António Moreira Antunes, de seu nome completo -, a quem o Metropolitano de Lisboa decidiu encomendar a decoração artística da estação Aeroporto, inaugurada em Julho passado. Conhecido por uma crítica incisiva nos cartoons que produz regularmente para o jornal Expresso, seguiu neste projecto outra abordagem. 


foto Carla Rosado / Público
"Deixei de lado a crítica e estas são caricaturas simpáticas, sobretudo de homenagem, a gente que nos marcou", afirmou o artista na inauguração, assumindo que este foi um "desafio profundo". Ao todo, estão espalhadas pelas paredes do Metro caricaturas de 53 personalidades - mais de uma dezena gente da escrita.
 

Estes são os factos, coisa de jornalista. Podia limitar-me a mostrar-vos as imagens. Mas preferi fazer uma pequena série - ligando a caricatura ao autor que representa. Digamos que um registo. Digamos que me dará prazer. Espero que vos dê prazer.


E começo com Eça, só porque sim.
 

José Maria Eça de Queirós (Póvoa de Varzim, 25 novembro 1845 - Paris, 16 agosto 1900), autor de clássicos como "Os Maias" e "O Crime do Padre Amaro". Foi também o autor de "Correspondência de Fradique Mendes", onde fui buscar este trecho.

"A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra.
"
 

1º Parágrafo: O Hóspede de Job


Espalmada em córregos secos, numa terra de barro e areão que encarquilha ao sol; rasgados os campos pela estrada longa de asfalto ou por baforadas ronceiras de comboio – assim, no despontar da charneca, fica Cercal Novo: um clarim, uma igreja abraçada ao quartel, meia dúzia de casas ao correr da estrada, e principalmente um silvo, um delicado traço de fumo a alastrar sobre a planície:
“Uuuuu...”
“O comboio de Évora”, dizem os militares nas casernas.


a-ver-livros: a biblioteca branca e Kjell Torriset

É o tempo das magnólias,
meu amor,
e das camélias 


E dou por mim a olhá-las
como se me pudessem salvar
da banalidade dos dias
das angústias silenciosas
das madrugadas


É o tempo das magnólias
e, meu amor,
estão em flor


* para conhecer mais da pintura da norueguesa Kjell Torriset
basta seguir o link www.kjelltorriset.com

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Metade Maior apresentado no Porto

"Metade Maior", o mais recente romance de Julieta Monginho, é uma obra-prima de ironia, de sensibilidade, de subtileza. Tecido de pequenos traços - mas traços indeléveis na memória e no fascínio dos leitores - este é um livro que dá eco a uma multiplicidade de vozes, de gargalhadas, de melancólicos murmúrios também. Como um grande circo chegado da infância de cada um de nós, como a memória de um épico Fellini.

A vencedora do Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB 2008, com "A terceira mãe", vem ao Porto apresentar a sua mais recente obra. Para aguçar o apetite aqui fica o convite e um excerto do texto lido, na sessão de lançamento do livro em Lisboa, pela autora
«Tal como o mundo, este livro começou com uma maçã. Partida amorosamente em duas metades desiguais. Quem parte e reparte e não fica com a maior parte tem a arte da justiça sábia, a que dispensa o positivismo e a aritmética, por ser conduzida pelo amor.

Começou, depois, quando ouvi falar dos buracos que por aí vão, no centro da cidade. Disse-me Teresa Espírito Santo, então Presidente da CPCJ de Lisboa Centro: "Abre-se um buraco e sai uma família inteira, às vezes várias famílias todas juntas". E eu fui lá ver. Espreitei labirintos, subi e desci escadas. Subi os degraus encerados da pensão que um homem sobe na primeira frase do livro.

Esta frase criou um movimento que por sua vez criou personagens e foram elas que criaram a história. Não reivindico o lugar passivo do escritor (aliás penso que é uma treta), mas desta vez o que fiz foi tentar interpretar o universo que nasceu da interacção entre elas.
Quando pela primeira vez percorri a Av. Almirante Reis, que é o ponto de referência real desta avenida imaginária - da pacatez da Praceta João do Rio até à babilónia do Martim Moniz - fiquei deslumbrada pela diversidade em expansão, pelos infinitos enredos que pareciam estar ali com o propósito de que alguém os escrevesse.

Fez-me lembrar uma ocasião, há alguns anos, enquanto almoçava no Museu Reina Sofia, quando vi aquela profusão de cores, maneiras de vestir, de falar, de olhar, dos visitantes.

Lembro-me de ter comentado: daqui a uns anos vão estar todos misturados, mulatos de olhos em bico, olhos azuis e franjas negras, caras pálidas coroadas de penas, uma festa. Como sabemos agora, era um sonho irresponsável e muito acima das nossas possibilidades.
Na Avenida Almirante Reis, este sonho começou a desenrolar-se ao contrário. O movimento de expansão começou a regredir, o espaço das pessoas começou a encolher. Sempre que lá voltava via cada vez mais buracos e cada vez mais gente a desaparecer dentro deles. Gente que pouco a pouco vai perdendo mobilidade, sendo despojada até do desejo de deslocação.

O sonho da expansão da diversidade ficou lá atrás, como um ex-futuro que hoje nos parece interdito, sacrificado por um desígnio que sentimos demente e injusto.

A ilusão da aritmética não se confunde com a justiça nem pode substituí-la.

"A justiça não existe. A justiça existirá se nós a praticarmos", disse o filósofo Allain. "A justiça não faz a felicidade, mas nenhuma felicidade dispensa a justiça", diz o filósofo André Compte-Sponville. A justiça procura-se através da palavra que afirma o direito, sem nunca deixar de interrogar a fragilidade e a contradição do humano, acrescento eu.

As personagens deste livro debatem-se, como nós, com o encolher do espaço e a distorção do movimento, num tempo confuso, veloz mas sem objectivos, desencontrado da medida humana. Todas sonham que cada dia é o primeiro e nunca será último. Se isso será fim ou princípio é o que vamos ver.»

1º Parágrafo: Fado Alexandrino


Saiu a arrastar a mala, misturado com os colegas, do edifício desbotado do quartel, e distinguiu logo, do outro lado das grades, no passeio, uma espécie de monstro marinho de caras, de corpos e de mãos, que se agitava, aguardando-os, no meio dia cinzento da Encarnação, em que os semáforos boiavam ao acaso, suspensos da neblina como frutos de luz. Qualquer avião invisível assobiava por cima das nuvens. Um pelotão de cadetes passou a correr, quase junto a eles, mastigando o cascalho da parada com as mandíbulas das botas enormes, esporeado por um furriel cujos olhos vazios se assemelhavam aos dos cães de louça dos aparadores.


Passatempo «O Suave e o Negro»


O Clube de Leitores e a Editora QuidNovi têm dois exemplares de O Suave e o Negro para oferecer a quem deixar as melhores definições de amizade (é um dos temas do romance).

Para participar é muito simples: basta comentarem este post ou deixarem a vossa definição no destaque que vamos dar ao passatempo na nossa página do facebook (Clube de Leitores)no grupo Livros no facebook ou ainda na página da QuidNovi.

Mal haja veredicto, entraremos em contacto com os vencedores. Sejam rápidos: o passatempo começa hoje, dia 4 e termina sexta, dia 8.

Boa sorte!

Uma amizade pode ser destrutiva a ponto de se transformar num vício? Pode.
*(in O Suave e o Negro, Manuel Monteiro)

a-ver-livros: navegação à vista e Fabio Hurtado

Faz-te ao rio comigo
não temas
confia que corre
na direcção das horas
melhores
dos portos seguros

Mesmo as pedras
que lhe lançarmos
farão círculos felizes
como as estrofes 
do livro antigo

* para conhecer mais sobre o pinto espanhol Fabio Hurtado
basta seguir o link www.fabiohurtado.com

domingo, 3 de fevereiro de 2013

À conversa com... Manuel Monteiro (II)


Pedro Ferreira (PF): Disse anteriormente que escreve desde os 7 anos. Anda a publicar da gaveta ou esses escritos estão arrumados e são para ficar arrumados?

Manuel Monteiro (MM):
São para ficar arrumados. Há uma frase ou outra que já tive a tentação de encaixar - mas sinto que seria servir comida requentada. Além disso, cada livro é um organismo autónomo, que dita ao escritor como e o que ser escrito, pelo que por mais coruscante que possa ser algo que escrevi no passado, inseri-lo parece-me sempre forçar a dinâmica natural de uma obra.


PF: Uma das características inovadoras da escrita presente no "O Suave e o Negro" é a forma como o narrador participante actua sobre as personagens e sobre o enredo. Surgiu naturalmente aquela forma? Sendo um risco notório, acha que foi bem sucedido e que é compreendido na sua intenção?

MM: Um grande risco. Não sei como será compreendido. Mas voltaria a fazê-lo se escrevesse novamente a obra.


PF: Considera-se uma pessoa de esquerda? No actual momento politico do país qual seria o grande mote que gostaria de passar aos seus leitores.
 
MM: Considero. Não se resignem.


PF: Portugal é um país com uma grande taxa de publicação e uma fraca taxa de leitura, muitos analfabetos e muita iliteracia. Continua a ser um bom país para escritores? Como comenta estes factos. 

MM: É extraordinariamente difícil publicar em Portugal. As editoras, regra geral, não lêem os manuscritos originais, não apostam na qualidade literária, têm medo de publicar desconhecidos. Os editores são avaliados pela facturação que conseguem, um critério frio e objectivo, não pela qualidade das obras, um critério sempre mais subjectivo. Lembra-se daquela jornalista que enviou um livro de Vergílio Ferreira para publicação fazendo-se passar por uma novata no meio e que não conseguiu publicá-lo? Os prémios literários para obras inéditas são uma forma de contrariar isto... Depois há as editoras que publicam tudo desde que o autor compre o número de exemplares que lhes garante uma margem de lucro mesmo que o livro nunca venda um exemplar. Essas editoras calculam o custo da impressão dos livros, aplica uma margem e ganham automaticamente dinheiro quando o autor assina o contrato. Não veria nenhum problema se as expectativas ante o autor fossem honestamente geridas. Não são. A distribuição e divulgação desses livros é paupérrima e depois de assinado o contrato e recebido o dinheirinho, o autor deixa de ser uma preocupação da editora.


PF: Por último gostava de lhe deixar espaço livre para acrescentar a pergunta/resposta que não lhe costumam fazer e que gostava que lhe fizessem.

MM: ESTA NÃO SEI :) VENHA MAIS UMA


É pois com este desejo de manter a conversa que encerramos por já esta entrevista. Fica a promessa de voltarmos à conversa, se possível presencial, em outras oportunidades que de certeza surgirão. Esperamos que tenham gostado e que tenha servido de motivador para a leitura do livro do mês.

O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry: o livro em Pop-Up


O Principezinho, O Grande Livro Pop-up, é uma prenda obrigatória a todos os amantes desta grandiosa obra. Publicado em 2009 pela Editorial Presença, que o apresenta assim: "Uma nova apresentação do clássico, desta vez com grande interactividade: ilustrações em 3 dimensões! Surpreenda-se com janelas que abrem para o maravilhoso mundo do Principezinho e revelam a história na íntegra."


Encantado com as ilustrações e com todas as potencialidades de um livro em Pop-Up, diverti-me a tirar algumas fotografias.

Deixo-vos, também, a dedicatória que Saint-Exupéry faz ao seu grande amigo Léon Werth. Vale a pena ler!

PARA LEÓN WERTH 

As crianças que me perdoem por ter dedicado este livro a uma pessoa crescida. Mas tenho uma desculpa de peso: essa pessoa é o meu maior amigo no mundo inteiro. E tenho outra desculpa: essa pessoa crescida é capaz de entender tudo, mesmo os livros para crianças- E tenho outra desculpa, a terceira: essa pessoa crescida mora em França em França passa fome e passa frio. Bem precisa de ser consolada. Mas se todas estas desculpas não chegarem, então gostava de dedicar este livro à criança que essa pessoa crescida já foi. Porque todas as pessoas crescidas já foram crianças. (Há é poucas que se lembrem.) Por isso, a minha dedicatória passa a ser assim:

Para Léon Werth,
quando ele era pequeno.


Cronicando pela Ásia... Rumo ao sul da Malásia

Gemas,
21 de Abril 2009

Será bonito ir de comboio para um ponto geográfico chamado Gemas? - interrogo.
Não sei, estava muito escuro à hora que apanhei este estranho 'vagão' na estação de Kuala Lumpur. Eram 23:30 e esperava-me uma viagem de 17 horas que ia atravessar o país de sul a norte pelo meio da selva.

[P1010664.JPG]

Até aqui tudo bem, não fosse a locomotiva que me transportava... um todo o terreno com ar condicionado e exóticos insectos por perto. Mas antes disso, resolvi fazer contas à vida. Tudo o que sobrou depois de comprar os bilhetes (nunca cheguei a perceber como se chamava a moeda da Malásia, portanto apelidei a despesa em 19 Malaios) foi um dinheirinho ridículo que me permitiu comprar um pacote de bolachas para a viagem inteira! E, podem crer, foi exactamente a única comida que vi.

Éramos poucos estrangeiros. Um americano ainda me deu me deu um pouco do seu pão doce e água. Nas aldeias que parávamos não havia multibanco. Percalços de viagens não planeadas e sem destino... Apenas com algumas coordenadas e ideias na cabeça!


Rodrigo Ferrão