A poesia saiu à rua e eu vesti-me de versos só para a ver
passar. Ela desfilava pura, sem grandes truques ou artimanhas. Limpa, ao seu
ritmo, carregada de geometria e sentido próprio.
A poesia sou eu, sem saber muito bem que EU sou. Procura
duvidar sobre o mundo particular, de um corpo que pensa e reflecte. Procura
enquadrar o espaço da alma que não tem resposta. Procura um sentido, como
qualquer homem ou mulher que explore esta forma de ser.
Não há acto mais livre do que o poema. Mesmo que ele nos
prenda à fatalidade de um certo ritmo, o poema floresce como uma ideia
cristalina e bela. O pensamento encontra a palavra e a emoção. E depois carrega
tristeza, saudade, amor, morte. E desagua, por fim, numa forma, sem caminhos
certos ou direcções pré-estabelecidas.
Deixei-me apanhar pela escrita, sem saber bem porquê. Acto
espontâneo de um leitor experiente, talvez. A verdade é que vivo ainda a surpresa
máxima de perceber que a minha palavra é também a expressão de um sentimento de
alguém. Isso é o meu super poder, estou certo que é um segredo bem próprio e
guardado a sete chaves dentro de mim.
Nunca percebi bem isso de dar categorias às emoções. O ser
humano emociona-se porque sim. Porque precisa, ponto. Porque tem que ser. E dar
espaço ao sentimento exprime-se de diversas maneiras.
Eu encontrei na poesia a minha voz, mesmo que a minha voz
não soe bem a muita gente. Não escrevi para ninguém em particular, o poema é um
acto egoísta de gritar ao mundo bem alto aquilo que me vai. Mesmo que
ficcionado, mesmo que forçado… o que escrevo tem o seu quê de vivido.
Mas quando leio o que fiz, surpreendo-me. O meu livro é
também um acto de descoberta muito própria daquilo que carrego e por vezes
desconheço. Tantas vezes me questiono sobre quem é aquele actor que mora em mim? Não tenho resposta para isso!
Passo por este livro e encontro tanta coisa que desconheço. Leio
e identifico claramente aquilo que é meu. E leio tudo o que não sou, de
todo. No processo de me ler, não sei bem o que pensar. Cada vez que passo os
olhos pelo livro que fiz, fico confuso. Tudo isto é uma leitura diferente, cada
vez é uma nova aventura.
foto: André Gomes
Guimarães foi um dos berços da minha infância.
Creixomil é o lugar que sempre me pareceu o mundo. Pelo menos o mundo enquanto fui
criança.
Foi bom sentir o campo a espreitar pelo fundo da
janela. Foi sempre bom escutar o sino da Igreja, a recordar-nos de hora-a-hora
que a vida é um ápice. E nesse ápice, queimamos tempo.
A infância é o lugar mais bonito onde mora o coração. Quando
somos crianças, os sonhos moram todos connosco. Lá habitam também as pessoas
que nos fazem falta, todos aqueles que construíram o nosso presente.
Só se dá valor à saudade de ser criança quando se cresce.
Tenho a certeza que não há saudade mais profunda do que essa de ter o mundo à
nossa frente, pelo canto da janela. E o mundo pode ser o caminho que nos
leva aos campos do milho e à ribeira. Ou aquela rã que encontramos no charco.
Ou a promessa tão simples do pôr-do-sol.
Fui tão feliz aqui em Guimarães. A cidade cresceu em mim
como uma promessa de regresso. E não há nada mais bom do que voltar aos sítios
onde mora a felicidade, onde os sorrisos dos encontros se desfazem em abraços
sentidos. Acredito puramente na filosofia do abraço. E quando o dou, acho
sempre que a energia dessa pessoa me está a ser transferida.
Lembro-me desses verões onde descia a rampa da casa a
correr. Ou quando me esfarrapava todo ao cair da bicicleta. O almoço e o jantar
eram os pontos altos das minhas preocupações, e os únicos horários a cumprir.
Tudo o resto era apenas a liberdade de ser, de existir só porque fui feito para
viver neste mundo.
Tenho tantas saudades das pessoas da minha infância.
Daquelas que partiram, daquelas que estão ainda comigo. Crescer é talvez o pior
crime da existência. Devia existir uma cláusula contra tudo isso, crescer podia
perfeitamente ser uma escolha. Se pudesse lá voltar, não hesitava um segundo.
Não sendo possível, encontro e refugio-me na palavra. Só a palavra me salva
dessa ideia macabra de um dia virar pó, lançado ao vento.
A memória vive comigo, como uma recordação dos sítios por
onde passo. E por mais que a vida passe, os lugares nunca deixam de viver em
mim. Assim como as pessoas, todos os momentos tristes e alegres.
Guimarães é também o berço de grandes amizades. E esta
livraria condensou sempre as pessoas mais importantes desta minha cidade. O meu
livro também são estes amigos, também são estes momentos, também é este espaço.
E hoje celebro-o, sem qualquer medo da emoção de dizer a toda esta gente que
amo verdadeiramente cada um em si, com todas as pequenas singularidades que
compõem um corpo. Um corpo onde gasto e deixo morar os abraços, sentindo o peso
de cada amigo, de cada momento, de cada sorriso rasgado... na certeza do encontro.
Agradeço genuinamente a todos os que construíram o livro
comigo. Sem eles, eu não acharia possível criar o objecto. É profundamente uma
honra contar com pessoas como a Ana Paula Oliveira no processo de criação.
Escrever pode ser um acto solitário, mas construir um livro nunca o é. E a Ana
Paula sabe bem o valor do que é publicar. Essa, por si só, seria a razão mais
válida para a convidar a estar hoje comigo. Mas não é a principal razão. A
verdade, é que eu precisava de mais uma amiga a quem abraçar, pura e
simplesmente. E para estar aqui presente na discussão pública da minha
felicidade. Obrigado por estares comigo, pelo teu apoio.
Não posso deixar de homenagear o meu avô, a quem dedico este
livro. Senti sempre que a força de o fazer vem dele e da felicidade de o ter
comigo na infância e adolescência. Se pudesse resgatar pessoas à morte,
convidava-o a voltar. De qualquer forma, ele viverá sempre em mim. Eu também
sou ele, de múltiplas e variadas formas.
A minha família, meu rumo e prioridade máxima, ajudou-me
sempre a ser genuíno. Não podia ter mais sorte em ter os pais que tenho, as
irmãs que tenho, avó, os tios e primos que vivem comigo. Eles são a força que me
inspirou a escrever, o meu livro é o espelho de muitas memórias passadas com
todos eles.
Por último, quero agradecer a todos vós por este instante.
Acreditem que bastaria uma pessoa apenas para me fazer sentir bem, mas fico
muito contente por contar com muitos amigos na plateia.
Aventurem-se a descobrir este livro, terei todo o prazer de
o discutir convosco. Muito obrigado a todos.
foto: André Gomes
*Rodrigo Ferrão, no dia da apresentação de «Todos os tempos verbais», na Livraria Snob, Guimarães
Agradecimentos:
David Pintor | Ana Almeida | Ana Paula Oliveira | Helder Magalhães |
Clara Amorim | Sara Costa Leite | Daniel Gonçalves | Emília Araújo |
Duarte Pereira | Eduardo Fernandes | Livraria Snob | RealBase