sábado, 9 de abril de 2011

Sobre o Café, o Tabaco e o Álcool - Honoré de Balzac

Este livro vale mais pela piada dos pontos de vista de Honoré de Balzac do que, propriamente, ser ou não ser um grande pedaço de escrita.

Na verdade, são 'notas do séc. XIX sobre os pequenos prazeres de ontem e de hoje.' Mas... no 'ontem' e no 'hoje' do autor.

O que Balzac pretende expor são argumentos que 'põem acima de tudo em causa as faculdades geradoras e reprodutivas do homem, fazendo temer pelas gerações vindouras.'


Fiquem com a exposição de um dos seus vários pensamentos:

'Os destinos de um povo estão dependentes tanto da sua alimentação como do seu regime nutricional. Os cereais geraram os povos artistas. A aguardente dizimou as raças indígenas. Para mim a Rússia é uma autocracia sustentada pelo álcool. Não terá sido o abuso do chocolate em parte responsável pela humilhação da nação espanhola, que, aquando da sua descoberta, ia reconquistar o império romano? O tabaco já fez justiça contra os turcos, os holandeses, e ameaça a Alemanha. (...)'

Teorias!!...

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Talvez porque não se fala de outra coisa...


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,

se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal,

o manso boi coloquial, a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,

rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,

não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,

galo que cante a cores na minha prateleira,

alvura arrendada para o meu devaneio,

bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,

golpe até ao osso, fome sem entretém,

perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,

rocim engraxado, feira cabisbaixa,

meu remorso,

meu remorso de todos nós...


Alexandre O'Neill,

in "Feira Cabisbaixa", 1965

É aqui que vivemos!

É de encher os olhos a animação que a editora Forth Estate, pertencente à HarperCollins, de Inglaterra, criou para comemorar seu 25º aniversário. “City of Books” é um stop-motion muito bem feito, que mostra uma cidade onde tudo é feito a partir de livros. Prédios, pessoas, passeios e até os pássaros foram criados com páginas, palavras e capas de mais de 1000 livros de verdade. Cada movimentozinho que se vê foi fotografado, um trabalho de 2 semanas que envolveu 20 animadores, trabalhando em turnos. No final do filme vemos a frase “this is where we live”, algo como “é aqui que nós vivemos”. Ao retratar um mundo feito de histórias, a editora também quis fazer uma homenagem a todos os amantes dos livros. Pelo meios umas tantas piadas subtis... descubram por vocês!


This Is Where We Live from 4th Estate on Vimeo.

O Fantasma dos Canterville (e outros contos), Oscar Wilde

Esta compilação da Dom Quixote, inclui 5 histórias de pequeno formato. 'O Fantasma dos Canterville', 'O Pescador e a Sua Alma', 'O Dia dos Anos da Infanta', 'A Esfinge sem Segredo' e 'O crime de Lorde Arthur Saville.'

Curiosamente, repeti leitura de dois deles, presentes na colectânea organizada pela BI (Biblioteca de Editores Independentes) com o título do conto 'O crime de Lorde Arthur Saville.'

'O Fantasma dos Canterville' é possivelmente um dos maiores contos que li. Julgo ser uma peça chave para compreender o génio de Oscar Wilde.


O Fantasma vive num Castelo há mais de 300 anos. A sua presença sempre foi coroada com grandes e valentes sustos. Até que uma família decide comprar e ir viver no seu espaço. Aquilo que, aparentemente, se tornou um bom motivo para pregar partidas; na verdade veio a ser uma grande frustração para o Fantasma.

A família americana que compra este Castelo Inglês não fica impressionada com a sua performance... A dada altura, são as crianças que pregam sustos ao Fantasma! Os medos invertem-se. E a família não liga patavina ao espírito...

Conseguem imaginar um Fantasma com medo?

O melhor é não perder tempo. Leiam e riam-se um pouco...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Sou


'Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.'

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um Livro Estranho

Análise de 'Uma Viagem à Índia', Gonçalo M. Tavares

'A Índia é um país grande. Não pela
extensão mas porque é antigo. O tempo, num
país inteligente, é a extensão mais significativa.
Milhares de metros quadrados ocupam, em teoria,
uma superfície importante.
Também o número de andares dos edifícios
é facto bem visível das janelas dos aviões.
Porém, é a História de um país
que dá a intensidade da ligação da árvore à terra.
E cada país é uma árvore.'

(n.º 17, Canto VII)


Não dá para imaginar, de forma clarividente, o que vai Gonçalo M. Tavares escrever nas histórias que conta. Os títulos que escolhe não deixam antever o que depois relata.

Este foi o meu erro. Julguei que íamos permanecer bastante tempo na Índia. Empurrado pelos livros que li passados neste 'país grande' como, por exemplo, 'O tigre Branco' de Adiga ou 'Siddhartha' de Hesse; imaginei um romance com uma grande dose de espiritualidade, de auto-conhecimento, de busca interior.

É talvez esse o objectivo de Bloom, personagem central da narrativa. É inegável que parte em busca de respostas, de pacificar a sua Alma pelos crimes que cometeu.

No entanto - e aqui a surpresa - volta rapidamente. Aliás, arriscou-se a não regressar e a única recordação que traz é um livro antigo. Dos 'males' que procurava curar, nada sarou.

Deixo no ar a possibilidade, inclusive, desta personagem ter chegado a Paris ainda mais maléfica e profundamente melancólica.

Este livro é supremo. Não é por acaso que fui tirando várias anotações ao que nele se escreve. O grande trunfo de Gonçalo M. Tavares não é contar uma história épica, mas, no caso de 'Uma Viagem à Índia', criar uma personagem que dificilmente se esquece.

E é Bloom, meu novo herói literário, que, no meio das suas paranóias pessoais, nos põe a pensar sobre inúmeras questões em redor do Mundo, da condição e limitação humanas, da procura de respostas a perguntas difíceis.

Gonçalo M. Tavares cria a personagem por excelência. Carregada de dúvidas, com uma enorme tendência para o tédio, não muito segura do que procura, fugitiva dos pecados que comete, sem capacidade para responder imediatamente.

E daí sai toda uma nova filosofia. 'Uma viagem à Índia' é, afinal, uma longa caminhada pelo génio do escritor. Pelo que pensa, pelo que nos põe a pensar. Não é qualquer um que consegue escrever uma história assim: sem grande elenco, muito pausada e, ao mesmo tempo, com um estilo de epopeia.

Este livro confirma aquilo que já suspeitava do autor: estamos, de facto, perante um caso sério de literatura mundial. Confirma, igualmente, um estilo e um modo de estar muito próprios. Qualquer dia corremos o risco de adjectivar esta sua presença, imortalizando o seu nome.

Este foi mais um livro de leitura conjunta no blogue. Até à data, o que mais 'tinta' correu, dado o meu crescente entusiasmo à medida que ia galgando mais um Canto. Agradeço à Luma Garbin a possibilidade que me deu de antecipar esta leitura. Confesso que senti as tuas dúvidas iniciais, não sabia o que esperar. Embora, pelo que li do autor, acreditasse estar em boas mãos.

Rapidamente concluí que era para se saborear devagar. Cada recanto, cada frase, cada pensamento com significado... E assim foi. Este é o meu conselho: deixem-se levar, muito lentamente, por Bloom.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Mãezinha, António Gedeão

Por Vítor D' Andrade.

A minha Viagem à Índia


“Ele aproxima-se da mulher e o mundo prossegue, mas nada que aconteça poderá impedir o definitivo tédio de Bloom, o nosso herói.”

Antes de mais, acabei a epopeia numa excitação literária em tudo antagónica ao tédio do nosso herói. Se nada impedirá o definitivo tédio de Bloom, nada impedirá também que Gonçalo M. Tavares receba um lugar cativo na estante imaginária onde ponho os livros e autores que mais me marcaram. Uns, marcam-nos pela simplicidade de suas histórias, outros, por aquele twist final que nos apanhou de surpresa, outros ainda, por personagens que para sempre recordaremos como velhas amigas, e lugares aos quais sonhamos regressar. No caso desta Viagem à Índia, senti-me imersa em 456 páginas de uma inquietante mistura de literatura e filosofia, uma fusão das artes de narrar e questionar a que GMT já nos habituou em textos anteriores.

De início, confesso que a ideia do livro me assombrou. Lusíadas, Joyce, melancolia, tédio? «O que sairá dali?», pensei eu. Sobretudo, é um livro que em tudo aspira a uma maturidade que não sabia se já teria chegado ao nosso autor.
O resultado foi arrebatador.

Para quem já tinha lido alguns dos seus habitantes d'O Bairro e sido submetida à cruel ordem alfabética de acontecimentos de Matteo perdeu o emprego, este livro foi, realmente, o ponto em que as histórias se unem. Lemos, e sentimos uma forte presença das grandes questões que, regra geral, inquetam as personagens de GMT. Senti-me viajar, mais que entre Europa e Índia, mais mesmo que nos devaneios de Bloom, na materialização de um universo “Tavariano”. A obsessão pela ordem das coisas (que vai da natural à alfabética), pela relatividade do mundo material (de um terramoto, que bem dobrado pode caber em meros centímetros, esquecido no bolso de alguém), pelos profundos questionamentos sobre a condição humana permeados de personagens que interrompem quem narra para atar os sapatos ou coçar uma orelha; deuses que actuam como se não existissem, não existindo, de facto, com extrema eficácia; homens, que não disfarçam a maldade com que foram brindados desde o nascimento.

Desassossego.
Muitas perguntas, nos faz este livro. Acaba-mo-lo mais vazios de respostas do que no instante em que o abrimos. Perguntas, umas tolas, outras ébrias, outras sóbrias; muitas acutilantes, como aquela picada de mosquito que ainda vai coçar mesmo passados muitos dias de termos espezinhado o animal contra o chão da cozinha.

“O mundo está nas imediações do nada, a desordem é um prenúncio, e o inferno torna-se indispensável em certas semanas monótonas.”

O livro deixa um sabor amargo na boca. Em tudo exalta uma melancolia inatamente portuguesa, que cresce nos corpos lusitanos como um cancro inevitável. Bloom sabe que não lhe pode fugir, e isso torna-o indissociável do seu país, por mais voltas que dê ao Globo. Foi até ao Oriente mais profundo tentar recomeçar sua vida, conhecer a paz e a sabedoria, e tudo o que aprendeu foi que nem milhares de kilómetros poriam o rádio de seu pai a funcionar.

Contudo, é a capacidade de nos aborrecermos, são a iminência e a emanência do tédio que, desde os primórdios, nos impelem a evoluir, a questionar, a querer mais porque “só isto” não chega. E Gonçalo M. Tavares, claramente, não se contenta com pouco.

Concluo assim a MINHA viagem literária, convidando os companheiros de bordo a juntarem-se, com mais prismas deste enorme caleidoscópio que é um livro devorado!

Viver

'Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?


Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?

O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?'

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A Maior Flor do Mundo, José Saramago



Sabia que José Saramago tinha escrito um livro para crianças (dos 7 aos 77, como costuma dizer-se, porque estes livros, se bem que recomendados para os mais novos, não têm, por assim dizer, "limites de idade")? "A Maior Flor do Mundo" conta a história de um menino que vai até ao fim do mundo para salvar uma flor. Ou ainda, como diz o Nobel da Literatura, é "uma proposta para as crianças reinventarem outras histórias". As ilustrações são de João Caetano.

O melhor é vermos o pequeno filme... Realizado na Galiza, vizinha Espanha.

domingo, 3 de abril de 2011

O fundador deste blogue é do F.C. Porto

O fundador deste blogue é do Futebol Clube do Porto e, como tal, deixa alguns conselhos à comunidade de leitores.



Os últimos cantos...

Antes da análise da obra, as últimas frases que 'me' ficaram:

Canto VIII

20

'Nada de novo. O dinheiro não é uma invenção
do ar livre: foi criado nas fábricas,
nos compartimentos espessos, nos grandes edifícios.
Na cidade, o gosto a leite já lembra mais a máquina
que a vaca. Entardece, e as meias que de manhã
eram brancas são despidas em casa já negras.
O fumo baixo come lentamente os tornozelos
ocupados. A cidade bebe vinho, e alguns pais
distraídos cantam canções pornográficas
para as crianças adormecerem. Se alguém ouvir o galo
pensará de imediato que começou a catástrofe.'

28

'A hipocrisia, por exemplo, é das velharias mais
difíceis de o homem se livrar; apegou-se ao homem
como o lixo ao trapo já sujíssimo de pó.
Conhecer crápulas, diga-se, não é uma raridade:
normalmente são mansos, entram discretos
como empregados de mesa de restaurantes
de luxo e acabam a tentar degolar
quem acabou de adormecer.'

54

'E os amigos dão conselhos, o que é
perigosíssimo. Inimigos acumulam
ameaças, mas estas suportam-se bem.
A infelicidade, ameaçada, é afinal um bom aviso.
As ameaças dos inimigos são pois os verdadeiros
conselhos.'


Canto IX

33

'Os dias são instrumentos que exigem afinação,
e o amor tem um ouvido particular, capaz de
reconhecer as mais leves variações. Invulneráveis
à morte só os mortos e, temporariamente, os que amam.
Mas sem falsas expectativas: o melhor lado não é perfeito
porque é lado - e um lado tem sempre o lado oposto.'

Canto X

68

'Os crimes rodam, como os planetas,
em volta de cada homem,
e cada crime escolhe o seu cidadão. Nascemos,
e começa a desordem.
A realidade acelera. Atravessada pelos homens,
a realidade perde mitos e ganha engenharia.
As construções são já em maior número
que todas as outras espécies animais.'

O magnífico Reitor, Diogo Freitas do Amaral

Esqueçam, por momentos, o homem político. Até mesmo o professor de Direito. Freitas do Amaral tem ensaios políticos, uma conhecida biografia do nosso primeiro Rei, algumas obras de episódios importantes na cena política do país, como o caso Camarate. E, claro, livros importantes no Direito.

'O magnífico Reitor' é a sua primeira peça de teatro. Alcançou fama, pois foi levada a cena em 2001 pelo Teatro da Trindade.


'O texto baseia-se num facto histórico ocorrido no Portugal de Salazar: a proibição do «Dia do Estudante» pelo governo, em 1962, e a crise académica e política daí resultante.'

O livro explora outros sentimentos, como o conflito entre gerações, a corrupção do poder. E sobre factos históricos importantes, como a repressão da ditadura sobre os estudantes e este caso específico: o movimento estudantil de 1962.

Imaginavam Freitas do Amaral neste registo?