sábado, 6 de novembro de 2010

Fado da Doroteia


Doroteia deixou-me em dores.
Doroteia deixou-me em prantos.
Partiu-me o coração e a alma,
ai... deixou-me vazio o corpo.

Doroteia levou a roupa,
levou o gato, os sapatos,
levou-me o caleidoscópio
e o meu velho cachimbo de ópio.

Doroteia cantava fados,
cantigas de amor-ciúme,
uma voz de mar e açafrão,
num corpo de ventos e lume.

Doroteia saiu de casa.
Deixou-me um adeus num papel.
Deixou-me os seus chinelos velhos.
Deixou-me do dedo o anel.

Doroteia não soube amar,
a mim que tanto bem lhe quis,
a mim que tanto bem lhe quero,
pois da minha vida era o sal,
da minha vida era o tempero.

E desde que se foi embora,
que chove no meio da sala,
e eu passo os dias no quarto,
a comer poemas de amor,
acompanhados a boleros.

Eu sei que sou um sonhador,
sei que ela não mais vai voltar.
Mas...
... enquanto chover na sala
eu não vou sair do quarto.
... e a ler poemas de amor
vou dar de comer à dor.




A doença dos livros

Há pessoas com a doença dos livros? Primeiro deixem-me tentar aclarar o conceito. Falo, por exemplo, do meu Pai. Por mais livros que tenha, não pára de mandar vir mais. Vivo numa casa com milhares e milhares de livros.

O escritório tinha duas janelas. Agora, as janelas viraram estantes. Na entrada temos livros, na sala de jantar, nas escadas, na sala de estar, nos quartos, corredores... Nasci neste mundo.

Por isso não estranho o facto de adorar livros. O meu Pai colecciona livros antigos, eu sou diferente. Gosto de literatura, história e filosofia. Não ando à procura de raridades, mas de grande escrita! O tempo fez-me um monstro devorador, não consigo passar um dia sem ler.

Hoje já não compro por impulso. Compro as promoções, os livros de bolso, aquilo que as pessoas que lêem e me são próximas me aconselham. Nada mais. Antigamente quase que contava o dia para que determinado livro chegasse. Com a típica febre de o ter em casa. Estou controlado, consigo esperar as oportunidades.

Falo da feira do livro, falo em promoções que as empresas fazem. Todos os livros têm ciclos. Muitos deles, de repente, são comprados por 5 ou 10€, quando o preço de mercado é 20 ou 25. O tempo ensinou-me a ser paciente.


Tenho muitos livros para ler. Penso sempre numa óptica de futuro. Se morrer novo, alguém fica com eles. Se morrer velho, tenho matéria para continuar a sonhar - por muitos anos. E a escrever sobre eles. É este o meu espaço no Mundo.

Quando era pequeno corria as livrarias da baixa do Porto. Agora, já desapareceram quase todas. A casa da Avó também tinha livros, como a do Pai. A biblioteca no Jardim do Marquês, hoje uma ruína, era o sítio das minhas tardes.

Acho que sou doente. Não podia não o ser.

Existe mesmo a doença dos livros? Ou serei eu um doente sem doença?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Remate ao livro de Setembro, Michael Gregorio

Ainda não fiz justiça ao romance do mês passado e seria mau não escrever sobre ele. Por isso, aqui vai...

Hanno Stiffeniis. Decorem este nome. Neste policial, passado na Prússia, Stiffeniis é um mero desconhecido e jovem magistrado. Um dia recebe uma carta (que julga ser assinada pelo Rei) com uma importante missiva: investigar uma série de mortes misteriosas ocorridas em Königsberg.

O espanto é enorme, até porque o magistrado da outra cidade é admirado e conhecido pelos seus métodos eficazes. Além disso, ele é de uma comarca pequena, pouco habituada ao grande crime. O que passaria na cabeça das autoridades para ele ser mandatado? Sem possibilidade de escolha, Hanno é conduzido ao seu destino.

À medida que lhe vão relatando os homicídios, Stiffeniis começa a ficar confuso. Inicialmente recusa a tese de que as mortes tenham sido provocadas por uma terrível arma, a garra do Diabo. Depois, renuncia à opinião que tudo seria uma conspiração preparada pelos franceses de Napoleão para invadir a Prússia.


Pelo meio, os donos de uma pensão que se enforcam, uma Deusa Albina que dizem ser bruxa. E, para grande espanto do leitor, Immanuel Kant. O famoso filósofo é o responsável pela vinda do magistrado a Königsberg. Com ele vai tendo diálogos 'iluministas', carregados de interesse e mistério.

O professor Kant, já em idade avançada, consegue desconstruir pensamentos com Stiffeniis - que conhecera, anos antes, ainda como estudante. No entanto, a solução dos mistérios só aparece na hora em que tentam matar o investigador... Uma visita ao seu passado mais profundo.

Mas afinal do que é que eu estou para aqui a falar? Espero que o tenham lido...

Este romance deixou-me satisfeito. Não olharia para ele se não mo dissessem para ler. Agradeço à Elsa Martins Esteves. Acredito que se podem conhecer melhor as pessoas através daquilo que lêem. E eu ganhei uma amizade, bem representada por este livro.

Obrigado!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Contos de São Petersburgo, Nikolai Gógol

Eis a colectânea perfeita que reúne os principais contos de Gógol, autor injustamente esquecido tanto no seu tempo como no nosso.

Morrer em delírio, conseguem imaginar? Completamente asfixiado pela agonia, Gogól sucumbe. Abalado pela perda da mulher de um amigo, abandona a escrita, reza e jejua. Manda queimar parte da sua obra. Onze dias depois, a morte.


O título deste conjunto de contos engana. Dos seis, cinco passam-se verdadeiramente em São Petersburgo. A magia de passar de uma história para outra é conhecer uma cidade imperial, mergulhada no século XIX em que Gogól viveu.


Se 'Avenida Névski' e 'Diário de um louco' são dois excelentes exemplos do melhor que há neste género, é com 'Nariz' que o autor atinge a genialidade. Conseguem pensar num nariz à solta pelas ruas de São Petersburgo? A história de um 'independente' nariz que resolve abandonar o rosto de um oficial.

Mais não digo...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ubik, mais um membro!

Quis o destino que o pseudónimo encontrado pelo grande amigo 'Ubik' fosse um título de um livro: de Philip K. Dick.

Trabalhei de perto com Ubik. É convidado do negócio, tem a minha profissão. Provavelmente a pessoa mais apaixonada por livros que conheço. Compulsivo e doente - como se quer.


É um enorme privilégio tê-lo aqui, tive medo que não aceitasse. É grande amigo meu, muito especial e com o poder mágico de encantar qualquer pessoa com as 'palavras'. Anda um pouco destreinado na escrita, à qual foge por estar convencido que não tem tempo. Mas eu não aceito respostas dessas...

Vivo muito perto dele, embora a distância seja hoje maior. O destino separou-nos no dia-a-dia, mas nunca pôs em causa a amizade. Se pudesse escolher alguém para entrar num negócio, ele entrava logo. Às claras...



Falar com Ubik sobre livros é tratá-los por tu. Percorremos qualquer livraria - velha ou nova e paramos livro sim, livro sim. Passam-se boas horas a descobrir este mundo encantado... Sempre que conseguimos estar juntos, celebramos a felicidade de falar a mesma língua.


O seu local de eleição é em Paris. Imagino-o perfeitamente - circundado por livros, do chão ao tecto. Um dia, meu caro, lutarás por ter um local assim. A livraria que falo é a 'Shakespeare and company'; espaço que parece saído de um conto. Ainda não fui lá, mas partilho as fotos que Ubik trouxe.


Hoje assino um cheque em branco. Caro amigo, sabes bem que podes escrever o que quiseres. Leste mais de um milhar de livros, para ti não é difícil encaixar aqui.

Ubik irá apresentar o livro deste mês. Brevemente...