quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Balanço desta aventura

Este espaço onde escrevo regularmente foi uma importante conquista que fiz no ano de 2010.

A história começou a ser desenhada em Março. Há já algum tempo que pensava organizar qualquer coisa onde pudesse falar dos livros que leio, publicar poemas que encontro, emoções ligadas ao meu trabalho... Aventuras e desventuras!

Tudo começou na rede social Facebook. Criei um grupo chamado 'livreiro no facebook' (actual 'livros no facebook').

Inicialmente o objectivo era prestar assistência a quem precisasse de informações acerca de livros. Rapidamente difundi o projecto entre os amigos, procurando fazer cartões de cliente da livraria onde trabalhava - Almedina na Rua de Ceuta.

A necessidade aguçava o engenho. Como era difícil conseguir que me fossem visitar a uma loja de rua, comecei a propor fazer o inverso: eu levo os livros ao cliente. Nada mais simples que uma conta bancária ou, então, dar-me o dinheiro em mão.

O negócio teve um impacto imediato e muito positivo. Entre alguns clientes, enviei livros para Ílhavo, Açores, Chaves...

Ganhei clientes 'adeptos'. Invoco a minha amiga Isa, a Constança e a Carla que escrevem neste blogue, o meu amigo Manel, entre muitos outros que me entusiasmaram com elogios e força.

Pessoas que se lembram de comprar um livro e recorrem a mim. Seja uma mensagem, um telefonema, um e-mail.

Tem sido muito gratificante. Não encontro palavras para descrever o prazer que isso me dá.


Voltando à história... Cedo me apercebi que era necessário apoio de um blogue para o grupo no Facebook. Este cresceu inesperadamente entre os amigos. O 'grande' problema foi quando os amigos dos amigos começaram a chegar. As editoras, livrarias, outros blogues, gente que eu não conheço...

Aí as coisas começaram a ser mais sérias. Não podia ter medo da plateia, tinha é que inventar maneira de continuar. O blogue nasce em Maio, poucos dias depois de mudar-me para outra loja: Almedina Arrábida, Vila Nova de Gaia.

Escrever sobre os livros que lia podia ser um pouco tendencioso. Não queria que fosse um espaço de um orador. Aliás, não leio assim tanto para publicar quase todos os dias um texto.

A solução chegou com um clube de leitores virtual. A ideia é discutir-se um livro todos os meses. Mas também aí quis inovar, transformar o blogue em algo diferente. Todos os meses convido uma pessoa para escolher um livro e falarmos dele. E assim apareceram outros escritores.

A ideia é chegarmos aos 12, celebrarmos um ano de escolhas. Depois voltamos a escolher no mês que nos calhou.

Além de amigos que fiz e que são, neste momento, virtuais; convidei pessoas que conheço bem. O grupo não podia ser mais interessante, porque tem escritores, livreiros, juristas, estudantes...

Hoje celebro igualmente os números que esta 'brincadeira' alcançou. O mês de Dezembro teve novo recorde: com mais de 100 pessoas todos os dias a abrirem páginas. Foram mais de 3 mil as visualizações neste mês - o dobro de Julho.

Tenho gente que deixa comentários regularmente, uma em especial (Isabel Vaz), escreveu-me para o mail. Pessoas em vários cantos do Mundo.

Quero deixar um abraço a todos. Feliz 2011!
A vossa força é a minha. Obrigado por tudo.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

SMS

Hoje, a segunda tirada das minhas descobertas pelo mundo desconhecido dos autores sem livro. Invoco o meu irmão (mesmo não sendo filho dos meus pais).

"Caminho é o destino, caminhar é a procura, com a certeza que enquanto caminhamos, felizes, assim a vivemos. Viva a vida. Abraço"

Daniel da Silva e Melo


15 de Março 2010, às 09.41.01h (hora portuguesa).

Primo Levi, o nosso livro em Dezembro

A leitura do livro 'Se isto é um Homem' de Primo Levi prossegue a bom ritmo. O novo ano trará uma análise mais profunda. Para já, devo confessar que estou impressionado.

Este não é nem pretende ser mais um relato. É um testemunho muito triste do que foi escapar a um campo de concentração. Tão triste, que fico espantado com o que leio. Prefiro não acreditar que foi possível...

Deixo-vos o texto da página 7.


Se isto é um Homem

'Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.'

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Tenho tanto sentimento

Não param de me enviar poemas de Fernando Pessoa...
E eu não me canso de os publicar!


'Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

E enquanto a vamos pensando
Enquanto a vamos vivendo
Divididos entre errada e verdadeira
O tempo vai passando.
E os anos vão roubando
Tanto tempo sem viver
Que a vida que a gente tem
Se é a que tem que pensar
Nem sempre é a que quer ter.'

O sangue dos Outros, Simone de Beauvoir

Cenário de Guerra. Da resistência. De quem não desiste de lutar contra a ocupação.

Os grandes dilemas existencialistas da liberdade. A necessidade de sobreviver, o ódio, a mentira.

'Todos somos responsáveis por tudo perante todos', a frase escolhida para abrir o livro. Uma frase de Dostoievski.

Confesso que foi complicado ler este romance. Simone de Beauvoir tem uma escrita densa, muito existencialista. É fácil perdermo-nos nesta história. Tive que voltar atrás, ler repetido, pousar o livro por uns tempos.

A trama é completamente secundária. Aliás, é o que menos interessa. São as profundas reflexões da autora que fazem o livro.


'Simone de Beauvoir (1908-1986) nasceu em Paris. Companheira de Sartre e amiga de Camus, esteve ligada desde muito cedo ao movimento existencialista. Autora de numerosos ensaios e romances, recebeu em 1954 o prémio Goncourt.'

Não aconselho esta leitura à maioria das pessoas. Nada neste romance é alegre e deu-me vontade, por vezes, de o largar. No entanto, quem gostar de ler devagar e pensar um pouco poderá encontrar aqui matéria...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Recado aos Amigos Distantes


Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Para ser grande, sê inteiro

'Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive'


Ricardo Reis

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Livro de Novembro, Mês de Laxness

Vou quebrar as regras do blogue e escrever primeiro. Já ando há muito tempo para falar do livro do mês de Novembro, pois foi a melhor leitura que fiz em 2010.

Tenho que pedir desculpa ao Ubik, mas a vontade supera a lógica da organização. E ele virá, com certeza, dar a opinião acerca do livro que escolheu.

O mês de Dezembro é sempre duro para qualquer livreiro. Tanto Ubik como eu estamos loucos para que o Natal chegue, por fim. Para poder descansar um pouco e apontar baterias para mais um ano... (ambos estamos desculpados pelo atraso deste debate).


Não é exagerada a nota no fim do livro: 'Laxness falece aos 96 anos, consagrado como um dos maiores escritores de sempre.' Entra, efectivamente, para o meu passeio da fama.

O curioso ao ler 'Os peixes também sabem cantar' é a sensação de querer ler mais 10 livros assim. Por momentos pensei na analogia com os sul americanos: Laxness é um romancista do mundo mágico - só que vem do frio.

'Mundo mágico' ganha sentido nas descrições tão apuradas e intensas desse país que ninguém imagina - a Islândia. Das expressões da gente e do simbolismo presente nesta maneira de falar.

A Raquel Serejo Martins já tinha sublinhado o pedaço que aqui vou deixar, para concretizar tudo isto:

'... e se uma pessoa estivesse mais morta que viva, dizia-se “Oh, está um bocado em baixo”. Se alguém estivesse a morrer devido à idade avançada, empregava-se a seguinte frase: “Sim, tem comido menos nestes últimos dias.” Acerca de alguém que estivesse no leito da morte, dizia-se: “Sim, está a fazer as malas, o desgraçado.” De um jovem mortalmente doente, dizia-se que não parecia que viesse a ter alguma vez cabelos grisalhos para pentear. Quando um casal se separava, usava-se a seguinte frase: “Sim, acho que se passa algo de errado por ali”.'

É esta a linguagem de Álfgrímur - um miúdo que vai crescendo com a simplicidade de um desejo: ser pescador de peixes-lapa, como o avô. Mas o seu sonho vai sendo desviado pelo misterioso e famoso cantor - 'o orgulho da Islândia' - Garõar Hólm. É o desvendar dos segredos deste personagem que vai empurrar Álfgrímur para o mundo do canto, em busca da 'nota pura'. Mas será que ele vai estudar mesmo música?

Brekkukot é a terra de onde é natural: definitivamente marcado no meu mapa! Foi abandonado pela mãe e adoptado por duas pessoas a quem ele chama de avós. Gente de valores muito simples, das pescas e do campo.

A descrição das paisagens e das gentes da Islândia deixou-me completamente apaixonado. Com vontade de ir para lá e conhecer Brekkukot, de ir à apanha dos peixes, de assistir aos serviços fúnebres da 'gente pobre' - assegurados pelo canto de Álfgrímur.

Este livro é uma enorme lição de simplicidade. Tem vários valores camuflados entre as metáforas nas conversas dos personagens. Valores também vincados na beleza daqueles lugares - tão inóspitos... Mas tão ricos e espirituais!

É dos maiores livros que li. Este faz com que mantenha a paixão pela leitura... Venha mais disto! Obrigado, amigo Ubik - a escolha foi maravilhosa.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Poema de Natal

Feliz Natal para todos os leitores deste blogue!


'Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.'

O crime de Lorde Artur Savile e outros contos, Oscar Wilde

Petisco literário. Para degustar numa viagem longa de comboio ou enquanto a hora do lanche não chega!

Dos 4 contos deste livro, 'O crime de Lorde Artur Savile' e 'O fantasma de Canterville' são extraordinários. Estão bem presentes na minha memória. Arrisco a hipótese de 'O fantasma de Canterville' ser um dos melhores contos que li.


Muito ao estilo britânico, a escrita de Wilde adapta-se a todos os gostos. É impossível ficar indiferente. Até hoje estou para conhecer quem não goste do que ele pensa...

Volto a fazer um convite para que conheçam um dos melhores escritores de sempre. Este livro é uma óptima introdução.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Transcrito de Saramago...

O Amor não tem nada que ver com a Idade

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.


Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como factor de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.

José Saramago

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Oferenda

A Ana é uma grande amiga. Ela inaugura este mundo desconhecido de escritores sem livro. Com estas palavras...


Apetece morrer devagar.

Tão devagar
que não dês pela minha falta
até que seja tarde demais
e a minha ausência te expluda
no peito
como uma granada

Quero que sintas dor
e sangres
e tenhas por fim alguma certeza

Nem que seja apenas
a de que foste amado
até à morte

Ana Almeida

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O Código Da Vinci, Dan Brown

Único livro que li de Dan Brown. Há uns dias procurava sobre o que escrever aqui no blogue e dei de caras com ele.

Temos que recuar a 2004, à loucura mundial que foi este lançamento. Não sabia, mas descobri que vendeu 80 milhões de exemplares. Notável, tendo em conta que 'ainda está vivo'.

Robert Langdon e Sophie Neveu. Os grandes protagonistas desta história. O mistério? A morte do curador do museu do Louvre. E toda a simbologia que este deixou junto ao seu corpo. Um código aparentemente indecifrável.

Um livro que abala com a natureza da Religião Católica, pois funda-se em várias suposições e revelações. Desde uma linhagem descendente da união de Jesus Cristo e Maria Madalena, aos negócios da Opus Dei; os mistérios em volta do Santo Graal, os segredos do Vaticano, as histórias dos Templários.


Muita simbologia. Muita acção e suspense. A descoberta do Priorado do Sião, organização poderosa que reuniu nomes como Victor Hugo ou Leonardo da Vinci. Uma sociedade secreta, que teorizava sobre documentos, obras de arte, segredos...

E que a morte deste curador do museu, também ele pertencente a este círculo restrito, vem revelar. Um livro para pegar numa tarde... e não parar.

Nova rubrica

Há uns tempos que venho reflectindo nos imensos talentos que escrevem e que, por uma razão ou outra, não são partilhados.

Escritores sem livros. Sem nada publicado. Ou por falta de coragem ou porque nunca pensaram nisso. Ou porque têm vergonha.

Tantas e tantas razões.

Meus amigos, o mundo mudou. Hoje há muita gente a escrever. E nem tudo resulta em livros! Ainda bem, dizem uns. Permitam-me corrigir: pena que haja tanto talento no anonimato. E que se dê à estampa tanta, mas tanta coisa má!


Vou partilhar convosco coisas que me chegam. Visitas a blogues, textos que me enviam. De amigos e desconhecidos. Prometo apenas partilhar o autor. Sem mais referências...

Este é o meu compromisso.

domingo, 19 de dezembro de 2010

2010 - Vencedores e derrotados

O ano de 2010 foi um ano de poucos nomes no mundo editorial. Os vencedores acabam por ser os livros com adaptação ao cinema. 'Comer, orar, amar' consegue um ano nos lugares do top, repetindo o sucesso de anos anteriores. Também os vampiros por lá andaram. Mas aqui... Nada de novo!

Ano, igualmente, de José Saramago...

Destaque para a geração de 70 portuguesa, com José Luís Peixoto a vender bem. Ao invés, Gonçalo M. Tavares não conseguiu convencer com 'Uma Viagem à Índia'. Um livro apelidado de 'épico', mas que ainda mantém vendas muito reduzidas. O seu outro livro 'Matteo perdeu o emprego' também não rendeu o esperado.


João Tordo, por seu turno, com 'O bom Inverno', teve uma prestação positiva. Terminando os portugueses, Miguel Sousa Tavares deu um tiro no pé, com o seu álbum de fotografias por África. Já José Rodrigues dos Santos passeia-se no número um. Sem rival.

Mesmo assim, já vendi mais quantidade do número 1 português.

Culpa do preço! É este o resultado que afundou Ken Follett e a sua 'Queda dos Gigantes'. Grande expectativa no primeiro da trilogia, mas não vingou. Safou-se com outros títulos.

Nicholas Sparks voltou naturalmente ao top. Num ano que teve 'Marina' de Zafón e a re-publicação da obra do prémio Nobel. Novidade em Vargas Llosa, só mesmo o 'Sonho do Celta'.

O ano vai inteiramente para os livros de não ficção. 'A caderneta de cromos' vence o primeiro lugar, seguido da biografia de António Feio - 'Aproveitem a Vida'. A biografia de Nelson Mandela e a 'consciência' de António Damásio foram, também, livros fortes. Destaque para vários títulos sobre 'Camarate', com a biografia de Francisco Sá Carneiro a ser publicada.

O fiasco vai para o segundo livro de Rhonda Byrne com 'O poder'. A mil léguas do fenómeno que vendeu mais de 700 mil em Portugal, 'o segredo'.

Dentro dos meus destaques, Haldór Laxness viu publicado mais um livro - 'os peixes também sabem cantar' - e é a melhor leitura que fiz. Sugiro, igualmente, a importante obra reunida de Mário de Sá-Carneiro, 'Verso e Prosa'. Na minha lista de compras está 'Todos os Contos Vol. 2' de Edgar Allan Poe e um dos meus heróis: 'Primavera há-de chegar, Bandini' de John Fante. Sophia tornou-se obrigatória, mas cara...

sábado, 18 de dezembro de 2010

O culto do Chá, Wenceslau de Moraes


'Wenceslau José de Sousa de Moraes nasceu a 30 de Maio de 1854, em Lisboa, onde se tornou oficial da marinha de guerra.

A sua actividade literária inicia-se em Macau onde foi imediato da capitania do porto e professor no liceu-seminário, ao mesmo tempo que Camilo Pessanha, que mais tarde, já consumido pela tuberculose e o ópio, viria a ser reitor interino.

Wenceslau de Moraes deslocou-se depois para o Japão onde, em 1898 se tornou cônsul em Kobe, cargo que exerceria também em Osaka.'

Este pequeno livro é uma viagem ao Japão desconhecido. Às profundezas das gentes, ao campo. A todas as tradições do cultivo desta bebida. À história dos portugueses que por lá passaram.

Com ilustrações de Yoshiaki, a Relógio D'Água cedeu os direitos à Biblioteca editores Independentes que organizou esta obra.

'O chá japonês, servido invariavelmente sem leite e sem açúcar, que lhe prejudicariam o aroma, é a bebida mais suavemente agradável que possa oferecer-se ao nosso paladar (não de todos, porém, mas um paladar sentimental, um tanto sonhador... que nisto dos nossos órgãos de sentir há temperamentos, aptidões afectivas características...).'

Um livro que desperta os sentidos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Saudades

'Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!


Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!'

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Poema aos amigos

Isabel Maria Vaz.
Amiga anónima. Deste mundo a teclados.
Uma leitora assídua deste blogue e de outros.
Desconhecida fisicamente. Nunca a vi. Nem de foto.
Escreveu-me outro dia. Com 'atrevimento', diz ela.
Com naturalidade, diria eu.
Com magia, acrescento.
Agradeço-lhe as palavras. O elogio. A força da dedicatória que me deixou.
Retribuo com o poema que escolheu.
Para todo o mundo que segue este canto.

Muito obrigado.


"Não posso dar-te soluções
Para todos os problemas da vida
Não tenho resposta para as tuas dúvidas ou temores,
Mas posso ouvir-te
E compartilhar contigo.

Não posso mudar
O teu passado nem o teu futuro.
Mas quando necessitares de mim
Estarei junto a ti.

As tuas alegrias
Os teus triunfos e os teus êxitos
Não são os meus,
Mas desfruto sinceramente
Quando te vejo feliz.

Não julgo as decisões
Que tomas na vida,
Limito-me a apoiar-te,
A estimular-te
E a ajudar-te sem que me peças.

Não posso traçar-te limites
Dentro dos quais deves actuar,
Mas sim, oferecer-te o espaço
Necessário para cresceres.

Não posso evitar o teu sofrimento
Quando alguma mágoa
Te parte o coração,
Mas posso chorar contigo
E recolher os pedaços
Para armá-los novamente.

Não posso decidir quem foste
Nem quem deverás ser,
Somente posso
Amar-te como és
E ser teu amigo.

Todos os dias, penso
Nos meus amigos e amigas,
Não estás acima,
Nem abaixo nem no meio,
Não encabeças
Nem concluís a lista.
Não és o número um
Nem o número final.

E tão pouco tenho
A pretenção de ser
O primeiro
O segundo
Ou o terceiro
Da tua lista.
Basta que me queiras como amigo.

Dormir feliz.
Emanar vibrações de amor.
Saber que estamos aqui de passagem.
Melhorar as relações.
Aproveitar as oportunidades.
Escutar o coração.
Acreditar na vida.

Obrigada por seres meu amigo."

Simplesmente único!

Exageros

O Alfredo atirou o jornal ao chão,
irritadíssimo, e virou-se para mim:

- Estes jornalistas! Passam a vida a
inventar coisas, é o que te digo. Então não
afirmam que, no Sardoal, foi encontrado um frango com três pernas!
Vê lá tu! É preciso ter descaramento.

Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a tromba
com a pata do meio.


In Contos do Gin Tonic
dito por Mário Viegas

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Se isto é um homem - Porquê?

Desculpem, não fui eu que o escolhi, foi ele que me escolheu. E sim, já viram isto acontecer nalgum lado, mas é que eu acho que ele queria mesmo vir para este blog...

Se isto é um homem tem sido muito paciente comigo. Está na minha estante há demasiados meses e, por um motivo ou por outro, teve sempre que ficar para mais tarde. No entanto, há umas semanas decidi: "És o próximo!"
Quando o Rodrigo propôs que eu escolhesse o livro do mês de Dezembro, pensei que teria que adiar, uma vez mais, o meu encontro. A coisa boa dos livros é que eles nunca se aborrecem com estes percalços, mas acabam por adquirir uma autoridade moral- basicamente, fico sempre com a sensação que lhes falhei! Olhei para a lombada com dúvida e pena antecipada, mas a lombada devolveu-me um olhar muito vertical.
Em boa verdade, receava anunciar este livro por pensar que a maioria das pessoas já o tinha lido. Pensei também que talvez não fosse o mais adequado pelo carácter de relato, mais do que de peça literária, que encerra. No entanto, não demorei a perceber que ele já tinha ganho a ilustre corrida dos livros da estante da Carla quando reparei que também o Rodrigo já tinha sido escolhido por ele.

E como é que ele chegou à minha estante?
Eu tenho as melhores referências desta obra, dadas pelas pessoas da minha maior confiança literária. Tenho igualmente um interesse histórico, acrescido de uma curiosidade mórbida acerca de todos os pormenores que penso que irei lá encontrar. Há uns anos estive em Auschwitz e quero chocar-me uma vez mais, com mais distância mas com mais intimidade. Resumindo, é, para mim, um cocktail de obrigatoriedades.

E foi assim que ele encontrou o caminho pra cá.

E porque acredito no poder de sedução dele, vou-me calar e pô-lo a dizer as suas primeiras palavras:
Fui capturado pela Milícia fascista a 13 de Dezembro de 1943. Tinha vinte e quatro anos, pouco bom senso, nenhuma experiência e uma acentuada inclinação, favorecida pelo regime de segregação ao qual desde há quatro anos fora obrigado pelas leis raciais, para viver num mundo só meu, pouco real, povoado por civilizados fantasmas cartesianos, por sinceras amizades masculinas e por amizades femininas evanescentes. Cultivava um moderado e abstracto sentido de rebelião.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Excerto do livro do mês... Novembro!

Enquanto se aguardam análises mais profundas ao livro do mês de Novembro, vou dando mais umas pistas ao público.

Tenho marcada uma página para partilhar convosco.

'Eu preferiria não o ajudar a ferir outras pessoas, meu amigo, ou a causar a si próprio outras feridas para além daquela que considerar ser o seu paraíso. O rato vive numa toca. É extremamente difícil viver numa toca; pelo menos, os pássaros considerariam que seria um mau paraíso. Por outro lado, a águia sentes-se em casa nos picos das montanhas e considera-se a rainha de todos os ventos. Ah, como isso é completamente absurdo, meu amigo! E os nossos pobres pássaros das charnecas voltam todas as Primaveras à Islândia e partem todos os Outonos voando com aquelas asinhas inúteis sobre o temível oceano. Mas não se pense que o fazem acidentalmente ou à sorte. Não, têm a sua filosofia própria, embora possam ser citadas autoridades para provar que se trata de um acto de loucura. Eu nunca faria isso. Eu defendo que se deveria ajudar todas as criaturas a viver conforme o seu desejo. Mesmo que um rato me dissesse que gostaria de viajar sobre o oceano e que uma águia afirmasse que estava a pensar escavar um buraco no chão, eu diria: Força nisso. No mínimo deveríamos permitir que os outros vivessem como cada um de nós pretende viver, desde que não os impedíssemos de viver como quisessem viver. Eu sei que é possível provar que tudo correria melhor se fôssemos todos minhocas e se vivêssemos todos no mesmo quintal, mas a águia pura e simplesmente não acredita na verdade, nem o rato. Eu estou tanto do lado da águia que adere a uma doutrina manifestamente falsa, como do lado do rato, que é tão humilde na sua maneira de pensar que escava para si um buraco no chão. Eu sou amigo das aves migratórias, embora, para ser simpático, elas adiram a filosofias dúbias, talvez até mesmo erróneas.'


in 'Os peixes também sabem cantar'. Capítulo 16, pág. 114/115.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Bocage - Antologia Poética

Uma novidade nas livrarias...

'Treze poemas em cada livro, treze poemas como treze luas, como os treze poemas do calendário lunar. A lua, esse ser cambiante que muda a sua face de espelho circular. Senhora das marés, astro da fecundidade. Ritmos lunares para dar medida ao tempo, ao tempo poético.

Este livro convida-o a ler um poema por dia, ou por semana, ou mês lunar. Depois, pode deixá-lo a repousar numa estante, aberto na ilustração que quiser, que é, nem mais nem menos, a leitura que André da Loba fez das palavras do poeta, para deleite dos nossos olhos e do nosso olhar mais pessoal.'

A primeira citação do livro de Novembro...


O capítulo 6 do livro do mês de Novembro é de uma riqueza extraordinária. Para quem leu ou está a acabar a história, sabe que é uma criança a narrar.

E, como tal, há pensamentos bem próprios da idade. Como este...

'Eu tinha acabado de aprender alguns palavrões naquela altura com muito boas e diversas pessoas, e quando a vaca se recusava a mexer-se, apesar de todas as minhas chibatadas, eu costumava gritar: «Skjalda, sua velha vaca maldita!», e alguns impropérios do género.'

Leiam este livro. É formidável!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A morte de Ivan Ilitch, Lev Tolstoi

Um dos pedaços literários mais formidáveis que li. História curta e simples de um funcionário público angustiado. E das suas doenças.

Viajamos até à Rússia dos Czares. Ivan leva uma vida razoável. É casado, embora não dê muito de si à mulher. Numa altura em que comemora a sua ascensão social, começam, verdadeiramente, os seus problemas de saúde.

Obsessivo com as suas doenças, tenta de tudo para travar o inevitável. Sofre pensamentos muito desgastantes, vive com o stress à flor da pele. E é incapaz de compreender que nada disso ajuda. Apenas acentua, cada vez mais, a inevitabilidade do seu destino.


Este é um livro introspectivo, das profundezas do pensamento humano. Através de Ivan Ilitch, Tolstoi questiona as limitações da nossa condição. A morte é retratada com todas as emoções que a atormentam. Viajamos às decisões do passado de Ivan, das suas tristezas, da vida que levou.

Em poucas páginas damos por nós a pensar naquilo que fazemos. Destas duas realidades - vida e morte.

A Um Ausente

Poema perfeito... Um dos meus heróis. Há em Drummond de Andrade toda a felicidade que um amante das letras pode encontrar. Como este pedaço...


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o acto sem continuação, o acto em si,
o acto que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Há uns meses escrevia isto...

Foi há uns meses que lancei uma conversa privada com um amigo dos livros, sempre atento e presente...

Hoje partilho, com a certeza que passo uma mensagem! É sobre uma forma de estar na vida...


'Sabes, há uma coisa no mundo que me preocupa mais do que todas as outras: quando avaliamos as pessoas pela rama. Quando nos fechamos em copas a viver o egoísmo das nossas próprias vidas.

A certeza de partilhar o melhor que temos é, sem dúvida, a maior missão que nos move. Com as falhas próprias da inquietude humana, com todas as limitações físicas e intelectuais que, por vezes, nos deixam as botas com os cordões mais difíceis de desatar.

O tempo urge. Anda e não perdoa. O passado foi, o presente é e o futuro pode ser. Incerto como o tempo que fará daqui a precisamente um ano.

Um emprego é um sustento. É uma forma de contribuirmos para a sociedade. É algo convencionado pelo homem, algo pelo qual se luta. Quem não luta é marginal ou muito rico. Ou então é totalmente incapacitado, talvez muito doente.

Os livros são como a droga que nos consome e corrói por dentro. Eu não gosto apenas de ler. Adoro sentir o papel, cheirar uma velha edição, apaixonar-me por uma capa ou saber que alguém se prepara para lançar mais um.

É raro encontrar alguém assim, mesmo neste negócio. Como tu sabes, há pessoas no ramo que não se preocupam em ler muito. Desconhecem o que vendem. É indiferente vender aquilo ou peixe na lota.

Aqui critico o modo de estar na profissão, não a legitimidade para se ser como é. Isto porque é legítimo ser-se assim e, como qualquer um, fazer um bom trabalho. Não é o meu modo de estar nem o teu, nós entregamo-nos de corpo e Alma.

Está-nos no sangue e é algo que não conseguimos disfarçar...'

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Livro do mês de Dezembro, Primo Levi

Vamos estudar um pouco de história. A história de uma vida entre muitas que sentiram na pele o Holocausto. Uma prosa nua e crua acerca do maior drama na vida da humanidade.

'Se isto é um Homem' é o livro escolhido pela Carla Valério para leitura conjunta do nosso clube. Não posso esperar outra coisa que não seja uma discussão alargada de um livro triste e cruel. As expectativas para começar estão elevadas.

'Na noite de 13 de Dezembro de 1943, Primo Levi, um jovem químico membro da resistência, é detido pelas forças alemãs. Tendo confessado a sua ascendência judaica, é deportado para Auschwitz em Fevereiro do ano seguinte; aí permanecerá até finais de Janeiro de 1945, quando o campo é finalmente libertado.

Da experiência no campo nasce o escritor que neste livro relata, sem nunca ceder à tentação do melodrama e mantendo-se sempre dentro dos limites da mais rigorosa objectividade, a vida no Lager e a luta pela sobrevivência num meio em que o homem já nada conta.

Se Isto é um Homem tornou-se rapidamente um clássico da literatura italiana e é, sem qualquer dúvida, um dos livros mais importantes da vastíssima produção literária sobre as perseguições nazis aos judeus.'

Primo Levi nasceu em Turim em 1919 e suicidou-se em 1987, na mesma cidade.

Carla Valério em Dezembro

Negociação rápida. À minha pergunta se queria participar, a Carla disse logo: 'preferes clássico ou novidade?'

Mais umas mensagens e chegamos à escolha. Havia 5 possibilidades, mas esta ganhou. E cumpre-se um desejo meu - mais rápido do que planeado - ler a grande obra do italiano Primo Levi.

Quanto à pessoa que escolheu o livro de Dezembro, posso dizer que é uma leitora requintada. Gosta de se tratar com bons romances, de discuti-los, de transportá-los. Guarda alguns obrigatórios, aos quais volta sempre que preciso. Os melhores dos melhores. Poesia também faz parte!

Ganhei-a como cliente, muito recentemente. Uma mensagem e ponho-me em busca dos livros que precisa. Entrega ao domicílio e transferência bancária. O mundo pode ser tão simples, para quê complicar?


De resto, voltamos aos juristas. Daquela espécie à qual eu faço parte... A Carla é do meu ano de entrada (não do de saída). Apesar de não a ter conhecido muito bem no meu tempo em Coimbra, temos vários conhecidos e amigos em comum. E hoje partilhamos a mesma cidade - este Porto.

Quero agradecer a sua participação e dar-lhe as boas vindas. Caminho livre para sonharmos mais um pouco. Pelas letras que nos unem!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Marina, marina...

A jornada de Outubro fica fechada. O livro de Novembro (de Laxness) está nas bancas para ser discutido e, para Dezembro, está quase a sair novo escritor e mais um tesouro...

É 'tradição' dar uma opinião sobre as escolhas dos meus convidados e, não fugindo a ela, comento o livro que o Diogo Martins nos trouxe.

'Marina' de Zafón mantém-se ao estilo do escritor. Fugindo, ainda, da mágica muito própria de 'A sombra do Vento', mas fiel a uma maneira de estar na escrita: a quase adjectival 'escrita que prende'.

É impossível não tirarmos os olhos dos livros do escritor. Os cenários são sempre muito bem conseguidos, com o excelente pano de fundo da cidade condal. Saltar de pedra em pedra pelas ruas de Barcelona parece ser a grande fórmula de Zafón.


Quanto à história, um misto de thriller e policial, com toques de mistério e fantasia. As duas principais personagens são (espanto meu) duas crianças. Dotadas de um enorme espírito de aventura, Marina e Óscar Drai - rapaz que escapa constantemente do internato - entram na pele de detectives.

Uma grande viagem a outros tempos na vida de Barcelona, à misteriosa história de um homem que veio de leste e fez uma enorme fortuna na cidade. Ao seu desaparecimento - que deixou muita coisa por explicar - e de tudo que se encontrava à sua volta.

Pelo meio, descobertas macabras, assassínios, marionetas que ganham vida... Muita acção, a um ritmo alucinante.

Zafón conta uma história muito diferente dos restantes romances que lhe trouxeram fama em Portugal. Esta nada tem a ver. No entanto, está bem conseguida. Longe de ser uma referência extraordinária, de ser um livro que esteja dentro dos meus preferidos. Mas entreteve-me. Lê-se bem e rápido. O escritor consegue prender.

Deixo, por fim, uma frase: 'Pintar é escrever com a luz (...). Primeiro deves aprender o seu alfabeto; depois a sua gramática. Só então poderás ter o estilo e a magia.'

Foi o livro de Outubro. Obrigado ao Diogo. E até qualquer livro...

domingo, 5 de dezembro de 2010

Quase palpáveL

Há dias fiz o mesmo caminho que fizemos.
Lembraste? Caminhámos lado a lado sem dar as mãos.
Temos tanta dificuldade em dar as mãos.
Bem sei que não é suposto sermos vistos de mãos dadas, mas estávamos longe, muito longe, in a kingdom far far away, como nas histórias para crianças, longe do teu mundo, longe do meu mundo.
Falámos de cinema e de livros, falámos de todas as histórias, menos da nossa história.
Só não falámos do tempo.
E estava um céu tão interessante, cinzento chumbo, baixo, quase palpável, mesmo como eu gosto.
Pois, não sabias.
Qual é a minha cor preferida? Rápido, sem pensar!
Cinzento. Estás a ver, não sabias.
Depois de falarmos de tudo, sem falar de nós, sentámo-nos num banco do jardim. Primeiro lado a lado, o meu corpo longe do teu, far far away, três palmos mal medidos, e olhos postos no rio, as mãos arrumadas.
Se alguém perdesse dois minutos a olhar para nós ficaria com dúvidas, estão ou não juntos, mas ninguém perdeu dois minutos a olhar para nós.
As pessoas só perdem tempo a olhar para os outros nas felicidades e nas catástrofes, inveja ou pena, mas só um é pecado mortal.
Mesmo nós não perdemos dois minutos a olhar para nós, apenas temos olhos um para o outro.
O que é que eu faço sem teus olhos?
Até que a distância se tornou insuportável, e sem aviso desaguei no teu colo, eu em estado líquido, os teus braços à minha volta redondos e côncavos, como paredes de aquário, tu a segurar-me dentro de ti.
Eu às voltas no teu peito, uma tempestade dentro do teu peito capaz de virar todos os barcos, eu, meu porto de abrigo, dentro de ti.
Os teus dedos a afastar-me o cabelo dos olhos e a arrumá-lo com critério no armário atrás da minha orelha, os teus lábios na minha testa, no meu nariz, o teu cheiro, o compasso do teu coração, os meus olhos fechados.
Até que hoje, talvez porque estava o mesmo céu cinzento de chumbo, baixo, quase palpável, fiz o mesmo caminho.
De um lado o jardim, com os bancos de jardim, do outro lado o Tejo.
Os bancos de jardim com vista para o Tejo.
Os meus olhos apenas para os bancos de jardim.
Até que reconheci o nosso banco de jardim.
Sentei-me a olhar para o Tejo e para as gaivotas.
A verdade é que não eram gaivotas, mas não sei como chamar-lhes, e quando não se sabe inventa-se, não foi assim que nos ensinaram em pequenos, far far away.
Estive sentada cinco minutos, não mais.
Cinco minutos e a insuportabilidade da tua ausência.
Até que dez metros depois, também não sei se foram dez metros, far far away, quando não se sabe inventa-se, reconheço outro banco de jardim como o nosso banco de jardim, o que se repete dez metros depois, de repente todos me parecem iguais, e sinto-me infeliz e quase ridícula por me sentir infeliz e por não conseguir mostrar a mim mesma, eu a mim mesma, o nosso banco de jardim, porque todos os bancos de jardim me parecem iguais, e pergunto-me como é possível, se o nosso amor foi tão diferente.





sábado, 4 de dezembro de 2010

Leitura pobre!

Não quero parecer um ditador de moralismos nem um pregador em vão. Vou galgando o meu caminho desinteressadamente e com forte desejo de continuar a fazer aquilo que gosto. Mas, por vezes, dá vontade de desistir. Sair deste país que todos os dias abre os noticiários com mais e mais tristezas...

O mundo dos livros abriu, oficialmente, uma marcha que o põe em perigo. As pessoas, cada vez mais, não querem distinguir o objecto do mundo cibernáutico. O objecto 'livro' fica bem na estante... Sentam-se nas livrarias a tirar fotos ao livro, a sublinhá-lo ou, simplesmente, a copiar o que lhes interessa para um computador.


Neste planeta tão ameaçado não cabe a palavra 'crise'. Sim, eu sei que os livros são caros. Sei que os portugueses ganham muito pouco. Sei que somos analfabetos e muitos só lêem o jornal desportivo. Sei que as escolas não fizeram o máximo por nós, nem a maioria dos Pais.

Mas também sei que neste mundo a palavra crise não tem a mínima hipótese em relação a outra: EDUCAÇÃO.

Hoje tinha que gritar um pouco. Perdoem-me os que não se revêem.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A estrada, Cormac McCarthy

Um dia, um cliente indicou-me 'A estrada' como um dos maiores romances que leu. Dialogava muito com esse senhor, hoje vejo-o menos. Aparecia sempre com um amigo e regularmente largava uma nota em livros.

E foi a bom tempo que me fiz à estrada e pesquisei tudo o que havia sobre este livro e o autor. Já o conhecia de outros títulos, mas este acabou por ser o primeiro de muitos que comprei do escritor.

A bom tempo, diga-se. 'A estrada', recentemente adaptado ao cinema, é a história de um Pai e do seu filho vivendo o Apocalipse; na odisseia de atravessar a América. Nada se sabe acerca do fenómeno que dizimou o Mundo e que faz chover cinza.


O caminho é uma estrada que os leva até ao litoral. Têm uma pistola para se defender de bandidos. E muita, mas muita fome. A escassez de comida é enorme e encontrá-la é quase impossível.

A história ganha a sua grandeza no retrato impressionante sobre a sobrevivência, no amor entre Pai e filho, na solidariedade e sacrifício.

É um dos grandes livros que li. Fica para sempre nas minhas melhores memórias.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sento-me a contemplar


'Sento-me a contemplar todas as dores do mundo, toda a opressão e vergonha,
Ouço os secretos soluços convulsivos dos jovens angustiados consigo mesmos, cheios de remorsos após o que fizeram,
Vejo no meio da miséria a mãe ser maltratada pelos filhos, morrer desprezada, magra e desesperada,
Vejo a mulher maltratada pelo marido, vejo o traiçoeiro sedutor das jovens,
Reparo nos ciúmes inflamados e no amor não retribuído e que se tenta esconder, vejo estes espectáculos na terra,
Vejo as agitações do combate, a pestilência, a tirania, vejo mártires e prisioneiros,
Observo a fome no mar, observo os marinheiros tirando à sorte aquele que vai ser morto para salvar as vidas dos outros,
Observo o desrespeito e os aviltamentos lançados por gente arrogante sobre os trabalhadores, os pobres, os negros e seus semelhantes;
Tudo isto - toda a mediocridade e agonia sem fim eu contemplo sentado,
Vejo, oiço e fico em silêncio.'

Folhas de Erva, tradução de Maria de Lourdes Guimarães.
Volume I, pág 469/471. Relógio D'Água

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Foi há 3 anos...

Foi há 3 anos que comecei a ser livreiro. Desde aí, muitas mais alegrias do que tristezas. Muitos momentos para comemorar, alguns para esquecer. Perder a profissão, mudar de cidade, abandonar equipas. Começar de novo, aprender novos métodos, outras sensibilidades e mentalidades.

Há 3 anos abriu uma loja no Centro Comercial Cidade do Porto. Fiz parte dessa equipa durante ano e meio. Pelo meio, andei na abertura de outra loja em Serralves. É no Bom Sucesso que está a equipa mais combativa que vi. Muitos amigos ficaram lá. E é com eles que vou celebrar o meu passado, naquilo que de bom ele teve: espírito de união, solidariedade, ultrapassar obstáculos, cultivar alegria e amizade no emprego.


A vida levou-me a Guimarães, que jamais posso esquecer. Pela simplicidade e grandeza das pessoas. Pela humildade e entrega. Estive muito pouco tempo por lá, o contrato era mesmo só para abrir espaço.

Estou com a Almedina desde Março. Pelo caminho, já duas lojas. Vou fazer o quarto Natal e sinto-me preparado. O negócio agrada-me, é algo que falo com paixão. Porque estar nesta profissão há 3 anos não implica, necessariamente, que eu não conheça o meio há mais.

E, de mão dada ao meu Pai, desde bebé que salto de livraria em livraria. Por este Portugal, por este Mundo. Espaços que são como a minha casa: carregados de livros e histórias para contar...

sábado, 27 de novembro de 2010

O estranho caso de Benjamin Button, F. Scott Fitzgerald


Fitzgerald é um escritor com uma imaginação fora do comum. Este conto nasce de trás para a frente. Na origem está 'uma observação de Mark Twain em que o escritor lamentava que a melhor parte da vida fosse ao início e o pior ao fim.'

É precisamente essa a ironia de Benjamin Button, a personagem que vem ao mundo como velho. A vida é vista ao contrário, tendo o pequeno (velho) Benjamin que aprender a rejuvenescer.

Como lida a família adoptiva e a sociedade com isto? Esta é a história que põe a nu preconceitos e que acusa todos os desvios às normas e condutas - nos seus padrões de "normalidade".

Curiosamente li este livro depois de ver o filme. Na tela do grande ecrã, a história estica. Aliás, este é um pequeno conto - uma manhã ou tarde chega para o lermos. Boas memórias traz-me este filme. Vi-o num avião que me levou a Hong Kong, em 2009.

Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu


Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Procura-se escritor de blogue...

As aventuras pelas leituras, a descoberta de mais uma obra... Escrever sobre livros, publicar poesia, apresentar novidades, debater questões do mundo livreiro.

É este o nosso blogue. Já conta com alguns participantes. Em muito honraram as suas escolhas de leitura conjunta. Consegui ler tudo aquilo que propuseram e entusiasmar-me com o aceso debate.

Continuo a acreditar plenamente na máxima de conhecer as pessoas pelos livros que escolhem. O livro marca, definitivamente, um estilo próprio, um modo de estar, um sentimento.


Hoje lanço um desafio: alguém quer escolher um livro de leitura conjunta? Começa já no próximo mês. O contrato é válido quando a proposta chegar. Basta entrar neste espírito. Deixem sugestões aqui no blogue ou no grupo: 'livros no facebook'. Qualquer meio serve para alargar esta equipa!

Até qualquer livro...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ferreira Gullar

Muito pouco se falou de Ferreira Gullar, prémio Camões em 2010. Aliás, quando saiu o veredicto, correu um certo espanto no mundo livreiro: o que havia deste autor brasileiro para mostrar?

Estranho - para um poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta. Que conta com uma vasta obra e 80 anos de vida. Será que as pontes entre nós e o povo brasileiro não andam, ainda, um pouco desligadas?

Pergunto, como pode este nome ganhar o maior prémio da Lusofonia e tanta gente o desconhecer? Ou não haver nada disponível para ler neste país? Só muito recentemente se começa a ver alguma coisa...

Hoje deixo um pouco dele, num poema oferecido por uma amiga. Lamentavelmente, também pouco sei de Ferreira Gullar. Recentemente, saiu 'Rabo de Foguete - Os Anos de Exílio' e 'Poema Sujo' - um dos grandes poemas deste autor.

Venham conhecê-lo comigo. Em breve discutimos um pouco a sua obra...


Metade

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Obra Poética, Sophia de Mello Breyner Andresen

Ora aqui está a prenda que vou pedir ao Pai Natal. Um grande investimento na minha biblioteca, 920 páginas.

É caso para dizer: finalmente! Já há alguns anos que não se faz uma grande homenagem a um dos maiores vultos da poética portuguesa. Por momentos cheguei a pensar que estava esquecida. Que só se resumia às histórias que os miúdos lêem na escola.

Cheguei a temer o definitivo enterro da Poeta. Acho muito cara a presente edição, mas é mais forte do que eu. Não resisto a tê-la perto de mim.


"A presente edição, agrupando pela primeira vez num único tomo a obra poética da autora, segue e actualiza os critérios de fixação de texto adoptados na segunda das referidas séries, a série das edições «revistas». Publica-se igualmente, neste volume, um conjunto de poemas dispersos em revistas, em livros colectivos, em jornais e num cartaz, desde textos que remontam à primeira fase da produção de Sophia, dos anos 1940, até aos últimos poemas escritos em 2001. Alguns destes textos já foram dados a conhecer na antologia Mar, a partir da 5.a edição, saída em 2004 (selecção e organização de Maria Andresen de Sousa Tavares).
Não se inclui no presente volume um número considerável de poemas inéditos, que integram o espólio da autora, e que aguardam publicação em futura edição crítica."

Manual de prestidigitação, Mário Cesariny

É um ilusionista das palavras, Mário Cesariny...

Constrói textos como quer, sem regras. Não escreve para que o entendam. Apenas escreve. Não escreve para ser comentado. Isso é impossível.

Em 2008 peguei neste livro. Voltei a ele há pouco tempo. Para absorver cada sentido. Para pensar mais um pouco.


alquimia do verbo

agora fiquei triste, realmente,
emudeci!

o que esta boca sente
quando sorri!

o jardim está sem gente
e anda um vago sonho por aí

quando voltar a minha força ausente
hei-de pensar neste alibi

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Os livros com extras...

Um livro que oferece uma colher de pau, um que traz um ursinho de peluche, outro que tem uma renda, um que está com uma flor que é um gancho para o cabelo... O que é que andamos a fazer aos livros?

Outro dia debatia o facto dos livros serem caros, hoje pergunto: não pagamos também estes adereços? Se pagamos, porque é que compramos?

Qual é a motivação inerente a estes fenómenos? Constituir uma prenda válida? É mesmo isto que me vai convencer a comprar um livro?


Decerto não imaginam estes fenómenos com o Saramago, Lobo Antunes ou outros escritores de nomeada...

Eu dou a minha opinião mais sincera: sou incapaz de confiar num livro que me ofereça um extra. Os livros não são para decorar estantes, são para ler. Valem pelo conteúdo, mais nada.

Continuarmos a dar azo a estas coisas é condenarmos o livro. Ele que está, cada vez mais, em vias de extinção...

sábado, 20 de novembro de 2010

As palavras


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Livros caros?

Considero os livros caros em Portugal.

Aponto algumas razões: as capas elaboradas, os modelos grandes (geralmente no estrangeiro encontramos mais o formato de bolso), os direitos e o preço das traduções. Ainda acresce o transporte, a negociação publicitária e muitos outros factores que só as editoras conhecem.

Hoje deixo conselhos práticos. Como sabem, os livros têm tempo de vida. Como tal, é natural que alguns deles sejam saldados com o decorrer do tempo. Há empresas que apostam em campanhas tipo 'leve 4, pague 3' ou em packs promocionais.

É de esperar que as editoras promovam, mais cedo ou mais tarde, os packs de livros que envolvam uma sequela. Como exemplo, está agora no mercado uma caixa com os 3 livros de Stieg Larsson.

Existem várias colecções de bolso que são cópias mais baratas das versões normais. Autores como Dan Brown ou Daniel Silva (colecção 11/17), Jorge Amado e Mark Twain (Leya) ou Fiódor Dostoiévski e Homero (BI).

Uma boa altura para os packs promocionais é o Natal. Grande maioria desta oferta em livraria lança-se agora.

Outra boa aposta pode ser o mês de Janeiro. Isto no caso das livrarias que decidem acompanhar a época de saldos - tal como uma marca de roupa, por exemplo. Algumas feiras podem aparecer e, para grande surpresa do consumidor, vêm-se preços como 2, 3 ou 5 euros por livros que são bem mais caros.


Também pode aproveitar os livros com defeito. Na minha opinião é um excelente negócio. Mas eu apenas me preocupo com o conteúdo, não com a capa. Grande maioria das livrarias aposta em expô-los, um pouco ao monte, em determinadas épocas. Mas atenção, nunca aposte em danificar livros para o funcionário lhe fazer desconto. Não resulta.

Não experimente negociar descontos com quem o atende. Além de ser um mau exemplo, a generalidade das livrarias tem um cartão de vantagens. Como é lógico, deverá fazê-lo.

Oportunidade por excelência é, geralmente, a feira do livro. Mas não se deixe influenciar. A generalidade da baixa de preços é de 20%. Compensa, obviamente, visitar a feira com regularidade, pois existe o hábito do livro do dia - com baixas de 40% ou mais no seleccionado. Mas o melhor caso dá-se quando o cliente sabe bem o preço de mercado e quanto é o saldo. Os grandes grupos editoriais são os que mais rebaixas fazem - a capacidade de transportar e expor o livro é muito maior.

Por fim, a visita aos sites também constitui uma alternativa. Aqui dois alertas: algumas empresas podem não pagar o transporte (e, como tal, não compensar a compra pelo site, mas sim ir directamente à loja). As promoções do site nunca se aplicam em loja. Poupe essa viagem, não vai valer a pena. Esteja atento aos 'livros do dia' ou, ciclicamente, promoções especiais.

Então, os livros são mesmo caros em Portugal?

p.s.- aqui não abordo a questão do livro técnico. Isso é outro campeonato.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O remorso de Baltazar Serapião, Valter Hugo Mãe

Devia anunciar este autor com minúsculas. É assim que prefere ver escrito o seu pseudónimo. Conheci-o na sessão de apresentação deste livro, há uns dois anos, na loja onde trabalhava.

A capa convidou-me a lê-lo. Os colegas puxaram uns pelos outros. Fomos conhecendo a história e aconselhando o nosso público. Estava ali um valor que era desconhecido para muita gente, mas que tinha ganho o prémio literário José Saramago em 2007.

Saramago escreveu: 'Este livro é um tsunami, não no sentido destrutivo, mas de força. Foi a primeira imagem que me veio à cabeça quando o li. [...] Quando foi publicado? E os sismógrafos não deram por nada? Oh, que terra insensível: este livro é uma revolução. Tem de ser lido, porque traz muito de novo e fertilizará a literatura.'


A linguagem de Valter é muito diferente daquilo que estamos habituados a ver. Ele vai buscar expressões muito próprias da nossa língua, alguns vocábulos esquecidos pelo tempo ou por quem os usa. Arcaica e rude, dirão alguns.

Organiza uma história notável e muito violenta acerca da condição feminina na sociedade medieval. Da mulher de Baltazar, dividida por ele e pelo senhor Feudal. Um romance sobre a violência doméstica, mas da pior que se consegue imaginar. Nas longas porradas de Baltazar à sua mulher, como forma de a educar e deter poder sobre ela. Da disputa com o seu Senhor pela posse dela, da infidelidade. Tudo servido com toques de bruxaria, da partilha da casa com uma vaca Sarga, dotada de linguagem e pensamento próprio.

Destaco a opinião de Maria Augusta Silva que sintetiza toda esta nova experiência de escrita: 'Aquilo com que valter hugo mãe nos arrebata […] não se liga a sintagmas de pernas para o ar ou à escrita sem maiúsculas. Aí, nada de novo. […] Então por que merece ser destacado o novo romance de valter hugo mãe? Porque estamos perante uma obra de invulgar plasticidade literária sem ofuscar a crueza do enredo nem o imaginoso remorso do protagonista. Porque, sem moralismos, as grandes metáforas da violência e do sexo, das tiranias, das solidões, dos medos e silêncios, estão neste livro, mostrando-nos que todos os tempos, do passado ao futuro, têm as suas idades médias. E as suas bestas.'

Vai valer a pena ler este livro.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A solidão, por Vinicius

'A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflecte. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o património de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.'

domingo, 14 de novembro de 2010

A salvação de Wang-Fô e outros contos orientais, Marguerite Yourcenar


'Da China à Grécia, dos Balcãs ao Japão, o conjunto de fábulas e lendas que constituem os Contos Orientais, remete o leitor para o espaço do sonho e do mito. Uma obra que se lê com prazer de uma das grandes escritoras de sempre.'

Dez contos. De um mundo que conhecemos mal, mas que, em maior ou menor grau, todos sentimos um certo fascínio. Das lendas dos povos asiáticos, tão diferentes deste nosso Ocidente. Nos cheiros, nas cores, na forma de sentir a terra, na filosofia escondida para lá das emoções.

Wang-Fô passou a ser um dos meus pintores preferidos de sempre. E nunca saiu do papel de uma história contada! Ele é um velho mestre que contempla as estrelas, ama as coisas. Troca as suas pinturas por caldo de milho miúdo. É assim que se alimenta. Um modo de vida ou de subsistência? Para mim, será sempre uma forma de ser, uma forma de estar.

Yourcenar escreve ao sabor do vento - '(...) aquele saco, aos olhos de Ling, ia cheio de montanhas sob a neve, de rios pela Primavera e do rosto da Lua no Verão.'

Este é um bom livro para voltarmos. As vezes que forem precisas. Cada conto acrescenta um ponto na nossa imaginação. No despertar emocional de conhecer o estranho. De desejar fazer uma mochila, pô-la às costas e partir.

*(uma opinião), por Rodrigo Ferrão

sábado, 13 de novembro de 2010

Abrindo o livro de Laxness

Abro o livro deste mês. Apetece-me devorá-lo e contar a história já amanhã. Seria quebrar as regras (muito vagas) deste clube de leitores.

Cada coisa a seu tempo. O meu papel é divulgá-lo, convencer mais pessoas a participar nesta experiência conjunta.

Hoje destaco o perfil de Laxness, no texto que a 'Cavalo de Ferro' organizou. Ainda pouco sei da história, ainda pouco sei do escritor, do seu país... e já estou encantado. Temos matéria para fazer correr muita tinta...


'Halldór Laxness nasce em 1902 e torna-se lenda no seu próprio tempo. Em 1955 é galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.

Logo em 1927, um crítico escreve sobre ele: «Finalmente! Finalmente! A Islândia tem um novo grande escritor.»

A partir daí seguem-se várias obras-primas: Salka Valka, «Gente independente», «A luz do mundo», «O sino da Islândia», «Os peixes também sabem cantar», apenas para citar alguns dos livros mais famosos. Além dos romances, Laxness escreveu também contos, ensaios, teatro e poesia.

A sua obra está traduzida em mais de 45 línguas e publicada em mais de 500 edições, com enorme sucesso em todo o mundo.

Halldór Laxness é um verdadeiro mágico com as palavras. Ele detém uma inesgotável gama de estilos e temas. nenhum dos seus romances se assemelha. Laxness consegue sempre surpreender o leitor, é detentor de uma imaginação inesgotável e de recursos técnicos surpreendentes. É muito feliz na expressividade e na caracterização brilhante das personagens.

No seu percurso, Halldór Laxness nunca se cingiu apenas a um ideal ou crença. Inicia a sua carreira enquanto católico, depois torna-se socialista, e mais tarde perde o interesse por todas as doutrinas - excepto, talvez pelo Taoismo.

Laxness falece aos 96 anos, consagrado como um dos maiores escritores de sempre.'