quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O meu livreiro é assim.. como nós


O meu livreiro não tem nome, tem nomes. Não tem morada, está um bocado por aí, por todo lado... não, não é Deus, nenhum deles. O meu livreiro são muitos livreiros. Eu próprio sou livreiro de muitas pessoas, às vezes com "casa", às vezes sem "casa". O livreiro não tem fronteiras, está na cidade onde estou, onde estive, onde possa vir a estar. Está sempre à distância do esticar de uma mão para uma prateleira.

O meu livreiro é muitas vezes o meu amigo, a minha amiga, aquele que está ao lado quando é preciso. A biblioteca lá de casa às vezes também é o meu livreiro e livraria. A biblioteca da cidade, da faculdade, a biblioteca daquele amigo a quem pedimos um conselho sobre este ou aquele livro, acabam por ser livreiros também.

Isto tudo porque o meu livreiro não tem só uma livraria, não trabalha somente numa livraria. O meu livreiro gosta de livros. Ama livros. Não o vende como os outros, não os arruma como os outros, não lhe chama produto. Sabe os seus nomes e os seus autores e editoras como a professora da primária sabe o nome dos alunos e dos pais. O meu livreiro lê, não porque tenha que ler mas porque gosta de o fazer.

O livreiro é, sou, somos... um profissional em extinção, deparando-se com o naufrágio do seu sonho. A toque pessoal, a afinidade, o prazer de ver um cliente e amigo a sair pela porta da loja com um óptimo livro nas mãos, perdeu-se para a impessoalidade, a mecanicidade, o desconhecimento e o interesse de livrar-se o mais rápido do cliente x ou y, o número x ou a venda y, com o intuito de garantir outra venda.

Entre os mais humildes comércios do mundo está o livreiro embora a sua "mercadoria" seja a base da civilização, pois é nela que se fixa a experiência humana. O livro não interessa ao nosso estômago nem à nossa vaidade. Não é, portanto, compulsivamente adquirido. Será?

Ou existem ainda os esfomeados de livros? O meu livreiro tem urgência de mudar a nossa situação actual. O meu livreiro e eu. Eu e aqueles de quem sou livreiro. Urge realmente uma mudança. Urge a fome de letras e que os livros voltem a ser nossos.

Já agora, a livraria mais antiga do mundo, em actividade contínua no local actual, é a Livraria Bertrand, em Lisboa, na rua Garret 73/75, desde 1773. E também lá, já tive os meus livreiros.

E acabava citando o Jaime Bulhosa (a partir do blogue da Pó dos Livros), porque escreve e descreve tão bem o que eu sinto sobre o meu livreiro, sobre o ser livreiro.

"Um livreiro é um homem que quando descansa lê; quando trabalha lê; sobretudo catálogos, facturas, sinopses, títulos, autores, fichas técnicas, mas lê; quando passeia, detém-se diante das montras de outras livrarias e inveja os livros que os outros podem ler; quando vai a outra cidade, a outro país, visita outros livreiros, compra mais livros e lê; quando não está a ler fala sobre livros; quando fala sobre livros faz os outros lerem."

9 comentários:

  1. Amei <3 Claro que este texto tinha que ser do Pedro, fantástico! E que tantas vezes é também o meu livreiro. :)

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  2. Fantástico texto, parabéns. Se não tivesse a profissão que tenho, seria livreira, certamente. Os melhores sítios para se trabalhar: bibliotecas e livrarias.

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  3. Ena pá! Deu vontade de te ter numa livraria bem pertinho :) Palavras tão bonitas *

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  4. Este post deu-me saudades de ir a uma livraria...

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  5. Texto belíssimo, de tirar a respiração. Faz falta gente como o Pedro nas livrarias.

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  6. Devia imprimir e distribuir esse texto pelo mundo todo. Beleza!

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  7. Bem verdade Rosilene. O texto está realmente muito bom. Adorei a ideia e a forma como está escrito. Parabéns Sr. Pedro

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  8. Só para ver se te faço sombra, Pedro! Este teu texto não pára de subir na audiência dos mais lidos de sempre aqui no blog ;)

    Fiquem com o meu grito: http://www.blogclubedeleitores.com/2012/03/o-grito-do-livreiro.html

    ah ah - a ver se cola!

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  9. Ia dizer que cheguei tarde a este texto mas nunca se chega tarde a uma coisa tão gostosa :)

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