sábado, 15 de dezembro de 2012

Poema à noitinha... Walter Benjamim

Se ao Mundo Predissesses teu Morrer 

«Se ao mundo predissesses teu morrer
na morte a natureza ir-te-ia à frente
volvendo com mandado intransigente
no eterno esquecimento o próprio ser

O céu se rosaria docemente
por do teu corpo a roupa enfim descer
florestas tingiria o teu sofrer
de negro e a noite o mar barca silente

Luto sem nome com estrelas mede
a estela ao teu olhar no arco celeste
e a escuridão de espesso muro impede

que a luz da nova primavera preste
A estação vê nos astros que pararam
as cisternas que a morte te espelharam.

*Walter Benjamin, in "Os Sonetos De Walter Benjamin" - Campo das Letras 
Tradução de Vasco Graça Moura

 

"Walter Benjamin escreveu um ciclo de 73 sonetos entre 1915 e 1925, isto é, entre os seus vinte e três e trinta e três anos. Os poemas são dedicados ao seu amigo Friedrich C. Heinle, um poeta de dezanove anos, e à companheira deste, Rika Seligson, que se tinha suicidado em 1914, pouco depois de começar a primeira guerra mundial. (…) Os textos foram descobertos na Bibliothèque Nationale de Paris, em 1981, com outros manuscritos que Benjamin confiara a George Bataille, em 1940, pouco antes de, por sua vez, se suicidar, e que ali tinham sido depositados. (…) Nesta sequência sobre a morte, em grande parte escrita durante os anos da guerra, depara-se-nos como que uma rejeição da violência, levando à integração da morte no acto poético, "como normalidade". (…) O patético desta obra não está apenas em o autor não ter chegado a revê-la e a organizá-la definitivamente, porventura reduzindo-a em extensão e aumentando-lhe desse modo a eficácia estética, pois há toda uma série de sonetos muito belos. Está também em ela ter ficado por mais de sessenta anos sem ser conhecida, e portanto sem ter podido gerar qualquer espécie de influência ou discussão na produção literária do seu tempo. É nesse sentido que lhe chamo opus in absentia e para ela procurei, mais do que as traduções, as «aproximações» que se seguem."

Vasco Graça Moura

Assim acontece no Bairro... Apresentação da agenda SOS Racismo


Foi hoje, no Bairro dos livros, que o Clube de Leitores se juntou à Cátia Baião e à Marta Pereira para a apresentação da Agenda SOS Racismo de 2013.

A conversa não foi só em torno da agenda, mas também deu a conhecer o SOS Racismo, as suas publicações e a actividade quotidiana, nomeadamente o apoio jurídico que a associação presta, o trabalho nas escolas e os debates e conferências em torno dos direitos humanos.


O expositor do Clube de Leitores tem à venda a agenda, assim como outras das suas publicações.

Tive a oportunidade de escolher e ler um dos textos da agenda. Escolhi o mês de Fevereiro - que é assinado pela Sara Neves. Conheçam «Muros».

Muros

«Muros há muitos... o que me separa do meu vizinho de casa, de país, de religião, economia, pensamento ou suposto estrato social. Muros há muitos... demasiados!

Cada muro encerra duas ideias essenciais. Primeiro, para cada muro erguido existem duas realidades separadas. Segundo, invarialvelmente uma realidade domina a outra. São estas as regras básicas de qualquer muro, físico ou não. E tantas vezes nos pretendem distrair desta definição, simulando ser possível um divergir no motivo da sua construção e no entendimento de ambas as partes envolvidas – seja por questões de suposta organização, regulação, ou claro, de proteção.

Cada muro reflete assim um problema, do qual invariavelmente também não é solução. E o paradoxal da história de qualquer muro é que ele agudiza a distância que cria e exponencia o domínio de uma realidade sobre a outra. Em palavras simples, agrava o problema.

Cada muro que se ergue - EUA/México, Mellila/Ceuta, Marrocos/Sahara Ocidental, Coreia do norte/Sul, Belfast, Cisjordânia e tantos outros - é consequentemente uma derrota. Um falhar claro da capacidade de resolver problemas, a humanidade no seu pior de desigualdade, injustiça e opressão.

Já cada muro que se derruba – de Berlim ao Apartheid - é finalmente uma conquista. Uma conquista da liberdade e de justiça, um aproximar claro da humanidade no seu melhor, ao outro. E isto sim...resolve problemas.»

Sara Neves
(fotos: Daniela Tedim)

Anda comigo ver os livros!!!

Cá estamos nós a marcar presença em mais um Bairro dos Livros! Desta vez, com uma banquinha bem recheada...

Temos connosco - além de material próprio do Clube de Leitores e da Maria Flauzina - o Detective Livreiro, a Revista Grisu e a Revista Ensaios de Teatro (TEatroensaio), o livro da nossa Raquel Serejo Martins, edições da Propagare, Teodolito, 7 Nós, Nova Delphi, Gato na Lua e Aftrontamento.

Temos também a agenda 2013 do SOS Racismo - que será apresentada hoje às 16h - e o livro «Lendas do Porto II» de Joel Cleto e Sérgio Jacques, publicado pela QuidNovi - será apresentado amanhã às 16h.

Apareçam!



                                                             (Fotos: Pedro Ferreira)

a-ver-livros: advento e Pascal Campion

Andamos a ler 
o mesmo livro
há meia vida

e só agora nos cruzamos
nesta prateleira sem fim

De alguma forma
entre a escuridão
e o brilho dos teus olhos
fez-se Natal

* para conhecer mais do trabalho do ilustrador franco-americano
Pascal Campion basta seguir o link pascalcampion.com

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Poema à noitinha... Ruy Cinatti

Quando o Amor Morrer Dentro de Ti

«Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram.»

*Ruy Cinatti, in “Obra Poética”



Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes (Londres, 8 de Março de 1915 — Lisboa, 12 de Outubro de 1986) foi um poeta, antropólogo e agrónomo português.
Estudou no Instituto Militar dos Pupilos do Exército, no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, onde se licenciou em Agronomia, e na Universidade de Oxford, no domínio da antropologia social.
Ruy Cinatti escreveu sobre São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Foi co-fundador de Os Cadernos de Poesia (1940) 

«Anna Karénina» de vários ângulos: o filme, o 1.º parágrafo, o excerto, a opinião, a vida de Tolstoi!

Começa assim o livro Anna Karénina de Tolstói (que recordo aqui num post da Raquel Serejo Martins): «Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.»

(edição Relógio D'Água)
Excerto:

«Embora seja uma das maiores histórias de amor da literatura mundial, Anna Karénina não é apenas um romance de aventura. Verdadeiramente interessado por temas morais, Tolstoi era um eterno preocupado com questões que são importantes para a humanidade em todas as épocas. Bom, há uma questão moral em Anna Karénina, embora não aquela que o leitor habitual possa crer que seja. Esta moral não é certamente o ter cometido adultério, Anna pagou por isso (num sentido vago pode dizer-se que é esta a moral do final de Madame Bovary). Não é isto, seguramente, por razões óbvias: se Anna ficasse com Karenin e escondesse do mundo o seu affair, não pagaria por isso primeiro com a felicidade e depois com a própria vida. Anna não foi castigada pelo seu pecado (podia muito bem ter-se safado deste) nem por violar as convenções da sociedade, muito temporais como aliás são todas as convenções e sem ter nada a ver com as eternas exigências da moralidade. Qual era então a «mensagem» moral que Tolstoi queria passar neste romance? Entendemo-la melhor se olharmos o resto do livro e compararmos a história de Lévin e Kiti com a de Vronski e Anna. O casamento de Lévin é baseado num conceito metafísico, não apenas físico, do amor, na boa-vontade e no sacrifício, no respeito mútuo. A aliança Anna-Vronski é fundada apenas no amor carnal e é aqui que reside a sua ruína.»

*Do Posfácio, de Vladimir Nabokov

Opinião:

"A personagem de Anna extrapola as páginas e é, ainda hoje, uma espécie de heroína de personalidade nobre cujo destino foi sempre condenado: casou com um homem que não amava e que lhe foi imposto por terceiros e conformou-se com a ideia até ao dia em que foi arrebatada por uma paixão incontrolável. Não conseguindo manter o seu romance escondido por muito tempo, Karénina definha por dentro e por fora, arrastando-nos com ela."

*Teresa d’Ornellas


Filme:


Dirigido por Joe Wright, conta com Keira Knightley, Jude Law, Aaron Johnson, Kelly Macdonald nos principais papéis.

Tolstoi em vida:

«Também conhecido como Léon Tolstoi ou Lev Nikoláievich Tolstoi (9 de setembro de 1828 - 20 de novembro de 1910) foi um escritor russo muito influente na literatura e política do seu país.
Junto a Fiódor Dostoievski, Tolstoi foi um dos grandes da literatura russa do século XIX. As suas obras mais famosas são Guerra e Paz e Anna Karénina.

Tolstoi serviu no exército durante as guerras do Cáucaso e durante a Guerra da Crimeia como tenente. Esta experiência converteu-o num pacifista.

Anna Karenina (1867) conta as histórias paralelas de uma mulher presa nas convenções sociais e um proprietário de terras filósofo (reflexo do próprio Tolstoi), que tenta melhorar as vidas dos seus servos.
Guerra e Paz é uma monumental obra, onde Tolstoi descreve dezenas de diferentes personagens durante a invasão napoleónica de 1812, na qual os russos pegaram fogo a Moscovo.
Nos seus últimos anos depois de várias crises espirituais converteu-se numa pessoa profundamente religiosa, criticando as instituições eclesiásticas em Ressurreição, o que provocou a sua excomunhão.»

1º Parágrafo: Myra


Myra atravessou os carris desconjuntados em direcção ao mar.


a-ver-livros: fantasma e Laura Vinader

Consigo ouvir-te os passos no soalho antigo
fantasma de mim
é-me fácil viver como se 
não tivesses deixado de espreitar-me
quando leio
no silêncio suave da luz da tarde

Só não sou capaz 
de me trazer de volta
aos dias negros do futuro

* para conhecer mais da pintura da espanhola Laura Vinader
siga o link www.lauravinader.com


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Poema à noitinha... Nuno Júdice

O Amor, um Dever de Passagem

«Fui envenenado pela dor obscura do Futuro.
Eu sabia já que algo se preparava contra o meu corpo.
Agora torço-me de agonia
nos versos deste poema.
Esta é a terra outrora fértil que os meus dedos dilaceram.
Os meus lábios são feitos desta terra,
são lama quente.
Vou partir pelo teu rosto para mais longe.
A minha fome é ter-te olhado
e estar cego. Agora eu sei que te abres para o fogo
do relâmpago.
Tenho a convicção dos temporais.
já não sei nem o que digo nem o que isso importa. Guia
dos meus cabelos rasos, da melancolia,
da vida efémera dos gestos.
Nesse dia fui melhor actor do que a minha sinceridade.

A cesura enerva-me no estômago
Cortei de manhã as pontas dos dedos mas sei já que
elas crescerão de novo a proteger as unhas.
Talvez a vida seja estranha,
talvez a vida seja simples,
talvez a vida seja outra vida.
A linha branca da Beleza é a minha atitude que se transforma.

A violência do sono sobe
sobre o meu conhecimento.

Fui algures um horizonte na secessão das pálpebras.»




*Nuno Júdice, in "O Pavão Sonoro", 1972. Poeta, ficcionista e ensaísta, Nuno Júdice nasceu em 1949. Foi Director da revista literária Tabacaria, editada pela Casa Fernando Pessoa.

Open Mic: “Give me some Poetry!” no Festival do Livro em Dezembro



Vem aí mais um Festival do Livro e, mais uma vez, estaremos por lá. Muitas surpresas e muitas coisas boas como sempre. Desta vez fica este apelo a quem quer dar voz às letras.

No 2º Festival do Livro, no antigo edifício AXA, nos Aliados, dias 14, 15 e 16 de Dezembro, haverá espaço para todos os poetas publicados e “escritores de gaveta” ao micro.

Durante 10 minutos, serão todos convidados a partilhar os versos mais íntimos e a fazer ouvir a sua voz e as suas palavras ao microfone do Festival.

Para isso, só têm de se inscrever, indicando o nome, número de contacto, dia em que gostariam de tomar o palco (14, 15 ou 16 de Dezembro), e o horário (manhã, tarde ou noite), através de mensagem na página de Facebook do Bairro dos Livros, ou através de email para bairrodoslivros@gmail.com.

De bairristas para bairristas.
Poetas e autores: ao palco!

1º Parágrafo: Campo de Sangue


Estão quatro mulheres na sala. Destas é preciso saber antes de tudo que estão aqui por causa de um homem que cometeu eu crime e que se por acaso se encontrassem na rua não se cumprimentariam.


a-ver-livros: quase, quase e Tatiana Deriy

Tenho na memória
todas as histórias do mundo
e o que resta da tua voz

É quase Natal, não é?

* para conhecer mais sobre a pintora russa Tatiana Deriy
siga o link www.artrussia.ru/artists

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Nas minhas fotografias cabem palavras



Lentamente aproximo o fósforo em chama da fotografia. Sei que a chama não aguenta muito mais tempo mas também sei que a fotografia arderá rapidamente. Deito fogo aos sorrisos, aos sonhos, às vidas futuras contidas naqueles olhares. É como se queimasse pessoas numa fogueira que as fizesse desaparecer para sempre.

Renego as imagens. Renego as palavras. Finalmente, o silêncio. Finalmente, a noite. O profundo vazio que substitui a mágoa. Sinto que te aproximas de mim. Imagino o que pensarás ao ver-me ali naquelas figuras. E é a tua mão na minha coluna, a vergar-me o corpo cansado. Dizes-me: não ouses jamais sonhar, não finjas que perdeste a visão, não digas nunca mais. Não ouses.

O peso dessa mão é o peso de um caminho. Hoje é a noite dos sonhos. Das lembranças que não criámos, as fotografias que não existem guardadas no álbum antigo e poeirento. Afinal, diz-me o silêncio, nunca foste um passado. Finjo que acredito que fico melhor sem o teu sorriso.
Sem poder desenhar o contorno do teu rosto com os dedos.

Chegou a minha noite. Chegou o branco à folha de papel preenchida.
Até amanhã.


Foto e Texto: Pedro Ferreira

Joel Cleto e as Lendas do Porto com o Clube de Leitores no Festival do Livro

(Clique na imagem para aumentar)


É com enorme prazer que vos convidamos para a apresentação do segundo volume de «Lendas do Porto», com os autores Joel Cleto e Sérgio Jacques e que contará, de certeza, com uma conversa animada por tão bons comunicadores.

A história da cidade do Porto tem sido alvo de bastante atenção nos últimos tempos. A propagação de blogues e páginas nas redes sociais sobre este tema e o sucesso dos livros em torno do mesmo não nos passa indiferente.

Se "Ler é mágico", esta cidade é o melhor cenário para essa magia, rodeada de estórias, história e lendas, marcada por tantas figuras ligadas aos livros e à literatura. Difícil é escolher por onde começar!

Porque o Porto é um território comum de Identidade, de Memória e de Património(s), de uma comunidade que não se confina ao espaço definido pelo rio Douro e pela Estrada da Circunvalação, as lendas que explicam a construção da igreja de Matosinhos, o reflexo da peste negra nas margens de Gaia, ou a origem das Águas Santas da Maia, juntam-se às suas congéneres portuenses, à mistura com tesouros até hoje escondidos, belas mouras encantadas, misteriosas deslocações de igrejas…

Domingo, dia 16 de Dezembro não há desculpa para ficar em casa!

1º Parágrafo: Intimações de Morte


Quando eu era uma criança, e pensava como uma criança, e falava como uma criança, Jane Frost apaixonou-se pelo caçador do filme de Charles Laughton. Durante anos contou histórias às sua boneca na margem do rio, escreveu nos dedos palavras misteriosas com tinta azul, e procurou-o nas sombras do seu quarto, com medo e desejo, enquanto ao longe se ouvia o som sempre igual de uma máquina de escrever ou alguém que assobiava debaixo da janela.


a-ver-livros: dúvidas que teimam e Inha Bastos

Terá pronúncia o pensamento
ou ouves-te ler noutra voz
que não aquela com que dizes 
a raiva
de não ser ainda o amanhã 
com que sonhas?

Terá pronúncia a tua raiva?

* para conhecer mais da pintura da brasileira Inha Bastos
siga o link nossaavenida.wordpress.com/-inha-pastos-brasil

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Rui Zink em entrevista

A propósito do seu último livro
A Instalação do Medo



RSM: A instalação do medo, o quanto há de metáfora e de literalidade neste título, neste livro?
R: A pergunta deve ser feita à dona realidade, não a mim. Eu apenas transcrevo.

RSM: “Bom dia, minha senhora, viemos para instalar o medo. E, vai ver, é uma categoria.
In A instalação do medo
Já bateram à sua porta para instalar o medo?
R: Já. Ultimamente é todos os dias.


RSM: “Ela sabe o que a espera, sabe também que não sabe o que a espera”.
In A instalação do medo
O inesperado “mete” medo?
R: O medo instala-se, seja em que situação for, nas fímbrias da imaginação. Como um polícia que (aconteceu-me há 30 anos) mal chegamos à esquadra-coito fica calmo e pergunta por que motivo não estou eu também calmo.

RSM: “Tempos desalmados pedem gente desalmada.
In A instalação do medo
Concorda?
R: Não. Transcrevi-o e (prontos transcrevi-o) mas acho uma monstruosidade.

RSM: “- O medo é a pragmática da metafísica. / - Ou a metafísica tornada pragmática.
In A instalação do medo
O que é o medo?
R: O medo é um desequilíbrio artificial provocado voluntariamente ou involuntariamente no íntimo de um indivíduo ou de um colectivo. Quando vivíamos em grutas era um utensílio, hoje o mais das vezes é uma filhadaputice.

RSM: De que é que tem medo?
R: De que algo aconteça aos meus filhos. What else?

RSM: Qual a sua personagem preferida e porquê?
R: Gosto da mulher. Tem tomates. Até hoje não conheci uma mulher que não os tivesse. Até hoje, infelizmente, conheci muito poucos homens que os tivessem.


RSM: Os instaladores do medo são previsíveis?
R: Eles bem julgam que não são, mas...

RSM: Estava muito curiosa pelo final do livro. Não revelando pitada, digo apenas que me surpreendeu e que o final sustenta perfeitamente toda a narrativa.
Posto isto, uma pergunta mais comezinha, no final, o medo perde ou ganha?
R: Boa pergunta. A minha tentação (juro) é responder, mas já passei dos 50 anos e virei sábio.

RSM: Como foi o processo de concepção do livro, antes da palavra no papel já tem estruturadas as linhas de efabulação ou tudo acontece de forma mais livre e solta a posteriori, ou seja, enquanto escreve?
R: Quando escrevo para publicar, e obviamente nem sempre o faço, tento pensar no "leitor ideal". Ou seja, estou a contar uma história, não a baptizar uma alforreca. Penso em mil hipóteses e depois, que remédio, escolho um caminho. Sabendo sempre que, depois, vou poder rever mas que rever nunca é escrever.

RSM: Depois do último ponto final, o trabalho de revisão dá-lhe prazer, mete-lhe medo ou entedia-o?
R: Gosto muito, muito mesmo, de rever. É a única parte pela qual mereço mérito - e que me orgulha enquanto ser pensante.

RSM: Uma coisa que este livro não conseguiu fazer foi o permitir-me abstrair do tempo em que vivo, das horas do quotidiano. Nesse sentido o livro “incomodou-me”?
Quer com este livro “incomodar” os leitores?
R: Esse é o drama do escritor que tenta ser honesto. Um livro é um livro, certo? Um livro é um livro. A sua função primeira é entreter. Mas, por vezes, uma pessoa descobre que, complicando a vida ao leitor, serve melhor o leitor. Com o risco de o leitor ir buscar autores mais amáveis. Mais amáveis serão... mas não o amam tanto. Mal comparado, é como com os filhos: fazer as vontadezinhas faz de nós melhores pais? (Eu sei que parece arrogante dizer que sei mais que os leitores, mas por acaso, desculpem qualquer coisinha, sei: sou mais velho, mais experiente, mais lido, trabalhei mais que vocês... Não vos chega o meu amor? Querem também que minta e diga que vos acho o máximo, infelizes?)

RSM: São os livros capazes de incomodar e no limite de mudar vidas?
R: Sim. Raramente, mas sim. Essa é a fé.

RSM: É paralelamente professor, leccionar e escrever são trabalhos que convivem bem juntos ou “um” “devora” o “outro”?
R: Nadamos no mesmo mar. Para mim (pelo menos para mim) é o mesmo mar. Recuso-me a dar aulas que não sejam uma #$% aventura. Despeçam-me quando quiserem, be my guest, burrocratas.

RSM: Quais os três escritores que mais gosta neste momento?
Inês Pedrosa, Alberto Pimenta, António Carlos Cortez. São os que estão à minha frente e não os trocava por nada deste mundo. Cada momento é um vodca absoluto, e esta publicidade é grátis.

RSM: Quais os últimos três livros que gostou de ler?
R: Isto é para ver se me apanham em contradição, é? Mas não há contradição, há dialética. Um livro é um livro, uma unidade. Uma unidade em movimento. De nada, Alberto Pimenta (Boca). Dentro de ti ver o mar, Inês Pedrosa (D. Quixote). O coleccionador de Mundos, Ilja Torjanow (Arkheion).

Obrigada.

Clube de Leitores, no Festival do Livro apresenta...

(clique na imagem para aumentar)

Depois de termos feito a recomendação desta agenda no blogue - como uma boa opção para 2013 - vamos um pouco mais além. 

Aproveitando o Festival do Livro no fim de semana de 14, 15 e 16 de Dezembro, no Edifício AXA na Avenida dos Aliados, no Porto, damos espaço a que o Movimento SOS Racismo possa fazer a apresentação pública da agenda.

Integrando isto no tema "Ler é mágico", fica o desafio: a transformação do livro. O livro que não é só um livro. Esta agenda já tem tradição de não ser só uma agenda e estar sempre recheada de textos e dicas sobre o tema escolhido para cada ano. Este ano sobre a discriminação de uma forma mais generalista. Um livro em forma de agenda que também é uma causa.

1º Parágrafo: No Silêncio de Deus


Era um almoço de trabalho. Nada mais. Ela e ele e um gravador, o barulho dos talheres, vozes ao fundo, talvez uma música a brincar com as memórias. No carro levava os livros dele, algumas edições antigas, o novo romance, coisas por dizer. Estacionou vinte minutos antes da hora combinada para ter a certeza de que o gravador estava a gravar; para se olhar no espelho, mínimo, na pala que protege do sol; para respirar fundo.


a-ver-livros: será, Richard Piloco?

Será que lês o que escrevo?
Será que te deixo a pensar
ou apenas perdido
nos sonhos 
entre uma página e outra
Será que te incomodo 
e abano e abalo
e remexo-te as entranhas
e te prendo ao fio condutor
das minhas frases à tôa
Será que me vais reconhecer
quando me sentar à tua frente
sem pudores
sem temores
pedaço de luz perdida por aí
à espera de candeia 
que me acolha
Será que te distrais apenas
com a vida que passa
lá fora?

* para conhecer mais da pintura do norte-americano Richard Piloco
siga os links richardpiloco.blogspot.pt e www.eegallery.com

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

360 GrauS


O mundo dá uma volta de 360 graus quando nos morre um pai.
Sim, 360 graus, porque tudo igual, tudo na mesma.
Os teus pés no mesmo sítio.
O céu com nuvens ou sem nuvens.
O mar a Oeste.

E, no entanto, nada igual.

Tudo diferente.

Olhas para as tuas mãos e não as reconheces.
Os movimentos não são teus.
A carne não é tua.
Olhas para os teus olhos no espelho.
E não os teus olhos.

Tem os olhos verdes do pai.

E não tu atrás do teu nariz.

Tem o nariz do pai.

E perguntas-te onde estás.
E não sabes responder onde estás.

Apesar da tua casa, das portas, das janelas, de um vidro partido que há meses, dizes que tens de trocar, da cama no quarto, das chaves ao lado do telefone no móvel do corredor. Um móvel com um não sei quê de barco atracado no cais, por nunca assentar por completo no chão, ou uma das quatro pernas mais curta ou defeituoso o chão.

Desligaste o telefone.
Não sabes porque desligaste o telefone.

Não sabes o que fazer.

Fazes a barba.

Lembras-te do teu pai, o fantasma do teu pai ao teu lado, a explicar, a dar instruções, a demonstrar, o que fazer, como fazer. A sorrir.

O sorriso indestrutível do teu pai.

A cara branca do creme para barbear.
O sorriso branco.
O rosto, primeiro enviesado para a esquerda, a lâmina em sentido descendente, da orelha para o queixo, a sulcar o rosto como um arado a terra, a mão direita a agitar a gilete dentro da água no lavatório.
Depois, igual, repetes do outro lado.

A simetria assimétrica dos teus gestos no espelho.

Depois de queixo levantado, quase altivo, fazes ao contrário, fazes debaixo para cima, em sentido ascendente, assim vês, e por fim o bigode debaixo do nariz, recolhes os lábios para esticar a pele, assim, para evitar cortes, e outra vez a gilete de cima para baixo.

Tu, a imaginar um bigode que não existe.
Tu, a imitar-lhe os gestos perfeitos, de forma imperfeita.

Passas a cara por água, secas e, para terminar… o fantasma do teu pai a abrir a porta do móvel sobre o lavatório, a desaparecer do espelho, a voltar ao espelho depois de fechar a porta… um cheirinho!

O teu pai a agitar frasco, a trautear uma melodia.

Fazes um esforço, e não te consegues lembrar da música, apesar de sempre a mesma música.
A mão esquerda do teu pai, uma concha onde deposita um líquido espesso e branco, um líquido que cheira ao cheiro do teu pai, depois uma mão na outra, depois as duas mãos no rosto, paf, paf, duas palmadinhas sonoras e leves como borboletas.

Depois a tua mão em concha, as tuas mãos uma na outra, as tuas mãos no rosto.
Tu, a imitar-lhe os gestos perfeitos, de forma imperfeita.

E paf, paf, as mãos do teu pai na tua cara, sonoras e leves!
O sorriso do teu pai depois do gesto.
O teu sorriso em consequência.
As tuas mãos na tua cara, paf, paf.
E não um sorriso em consequência.
Os teus olhos no espelho.
Os teus olhos no espelho cheios de água.


«Ler é Mágico» é o lema do próximo Bairro dos Livros. 14, 15 e 16 de Dezembro, nos Aliados

Aí está mais um Bairro dos Livros, desta feita com o lema «Ler é Mágico». E na forma de festival - ou seja, 3 dias dedicados ao mundo dos livros (vai no segundo, depois do sucesso que foi o evento no Palácio de Cristal).

14, 15 e 16 de Dezembro, no antigo edifício AXA, na Avenida dos Aliados - Porto. Deixamos os horários (para não chegarem cedo de mais) - Sexta: 15h às 24h \ Sábado: 12h às 24h\ Domingo: 12h às 18h.

Como sempre, o Clube de Leitores aposta na divulgação deste evento e marca presença.

Por hoje, segue a programação.

Fica desde já o apelo: não faltem! Vai valer a pena.

Acompanhem o Bairro pelo facebook em https://www.facebook.com/bairrodoslivros?fref=ts ou pelo site http://bairrodoslivros.wordpress.com/


SEXTA - 14

ESPAÇO BAIRRO

17.00h vem pintar um mural 
criação colectiva com Ivo Cruz

18.00h vamos tricotar estrelas 
oficina Ovelha Negra

PALCO AVENIDA

19.00h gaiteiros de Miranda + Abílio Topa
com degustação de produtos regionais

21.30h sessão de curtas "tudo isto é fado" 
fado lusitano de abi feijó sanguetinta de Filipe Abranches
guisado de galinha de Joana Toste
fado de um homem crescido de Pedro Brito 
:: por Cineclube do Porto

22.30h fa-la-do concerto de fado

24.00h contos para reflectir
sessão de contos para adultos por Thomas Bakk

SÁBADO - 15

ESPAÇO BAIRRO

14.30h oficina “o meu primeiro jornal:
o bairro dos livros" inscrição: 7 euros criança + adulto
Chefe de redacção: Paulo Soares

16.00h construção de globos de neve
oficina aventuras urbanas 2€

17.00h ler as estrelas é mágico!
visita ao planetário portátil
sessões de 10 em 10 min até às 18h

PALCO AVENIDA

15.00h bacocos e bicharocos
sessão de contos para crianças por
Thomas Bakk: o contador de historias

16.00h lançamento agenda “SOS Racismo" 
:: por Clube de leitores

17.00h "literatura, politica e cidadania"
tertúlia com António Veríssimo + Luis Isidoro + Susana Campos + Carlos Vinagre + Bernardino Guimarães 
:: por Movimento Cultura e Cidadania + extrapolar - incomunidades + rádio manobras + Movimento amigos maiores

18.45h “luz azul” performance teatral
inspirada na obra “o ano do pensamento mágico” de Joan Didion e outros textos por máscara solta

22.00h “inter” peça de teatro
por Helena Mancelos e Cármen Mesa, a partir do livro “inter-cidades” de Minês Castanheira

23.00h “clorofilazul” concerto

DOMINGO - 16

ESPAÇO BAIRRO

14.15h "feijão, bu e o muro"
apresentação do livro com a autora Luísa Soares 
:: por associação prensa 451

15.00h “era uma vez um cão”
sessão com Adélia CarvalhoCátia Vidinhas, autoras do livro, edição tcharan, por livraria papa-livros

16.00h “o pássaro que não queria voar” apresentação do livro infantil de Sérgio Lorré com apresentação por Tozé Santos (grupo perfume) 
:: Por edicoes tdp

17.00h hora do conto “arturo”
oficina de escrita e ilustração a partir do livro infantil de Davide Cali e Ninamasina, por edições bruaá

PALCO AVENIDA

12.30h hora do conto “solaina”
+ concerto de harmónica por Xico Carinho: apresentação do livro-cd 
:: por editora kalandraka

14.30h bacocos e bicharocos
sessão de contos para crianças por
Thomas Bakk: o contador de histórias

16.00h tertúlia “lendas do Porto II”
com Joel Cleto + Sérgio Jacques
:: por Clube de leitores

Open Mic: microfone aberto para a tua poesia. marca a uma hora ou
aparece de surpresa. O micro e teu!

"circulo de fogo" marcha de bombos por escola Artística Soares dos Réis + movimento amigos maiores
Rua sta. Catarina >> edifício AXA -  Sábado :: 14.30h

Rádio Manobras :: Emissões em directo

Vem pintar um mural criação colectiva :: Ivo Cruz

“inter” exposição de desenhos de Helena MancelosDaniela Carneiro

“10 caricaturas de autores conhecidos” - exposição do ilustrador David Pintor :: por illustopia


(clique nas imagens para aumentar)

1º Parágrafo: Metade Maior


O homem sobe os quatro lanços devagar, apreciando o encerado dos degraus. Quando Alice abrir a porta, serão um casal de circunstância, o quarto pronto para uma tarde.


a-ver-livros: princípio, fim e Miro Biały

Agarro-me a ti
como à vida
jangada de papel sem remo ou leme
viagem sem destino
outro
que o final

Mesmo que não passe
apenas
de outro recomeço
* para conhecer mais da arte do pintor polaco Miro Bialy
basta seguir o link www.artmirobialy.com

domingo, 9 de dezembro de 2012

E.M. de Melo e Castro, Miguel-Manso, Bénédicte Houart... Tudo poemas para esta noite!

[Todos os poemas foram retirados do Facebook, directamente do mural de JDuarte da Silva Pereira.]

CRÍPTICA

Para quem não sabe ler
Toda a escrita é críptica

O alfabeto cirílico é críptico para mim

Os ideogramas chineses ou japoneses
São igualmente crípticos (para mim)
Para os economistas
A poesia é críptica

Para os imbecis
A inteligência é críptica

Para os cegos de nascença
A cor é críptica

Para todos os homens
A sua vida é críptica

Para os vivos
A morte é críptica

Para os mortos
O que será a morte?

*E.M. de Melo e Castro


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*Miguel-Manso

[HÁ COLARES QUE SÃO COLEIRAS]

há colares que são coleiras

há mulheres que são cadelas
certos homens, cães raivosos

os cães propriamente ditos
não foram para aqui chamados
embora metam o nariz em todo o lado
farejando coisas imaginárias
e, de resto, não falam, ladram
têm com certeza razão

*Bénédicte Houart