sábado, 5 de maio de 2012

O Voo Picado do Falcão

Quando escolhi "O Falcão Peregrino" de Glenway Wescott sabia que estava em território conhecido, pois a literatura americana da "Geração Perdida" que viveu em Paris nas décadas de 20 e 30,  está muito presente quer na minha formação quer na minha estante.

Acabada a leitura desta magnífica novela, congratulo-me com a minha escolha, pois o prazer que senti a lê-la foi imenso e espero que se estenda a todos os que a leram.

Foi publicada no início da década de 40, período conturbado na Europa pela II Guerra Mundial, e retrata, através dos olhos de um "eu" narrador americano, uma tarde na vida dos Cullen, casal britânico que representa uma burguesia empobrecida mas, ainda assim, com um estilo de vida glamoroso: ao estilo da Bella Époque. O cenário é Chancellet, França - nos finais dos loucos anos 20, onde era possível encontrar a elite cultural e literária estrangeira.


              

Após a minha leitura, questionei-me se esta seria apenas mais uma história sobre relacionamentos, casamentos e  as  suas vicissitudes, mas uma reflexão mais aprofundada da obra demonstra que Wescott dá-nos uma visão moral e violentamente intrincada do ser humano a partir do olhar consciente de Tower, o alter ego do autor.

Este "eu" vê, reflecte e compreende - não deixando de se sentir intrigado com os acontecimentos daquela tarde. Tower é, não só o "eu" narrador/ alter ego de Wescott, mas também um espectador que nos convida a entrar na sua visão. Assim, somos por ele guiados e tornamo-nos também voyeurs: descobrimos os segredos mais íntimos das personagens.

Tower é um guia introvertido, mas que se vai transformando. E, num tom eloquente e desafiador, admite as suas inseguranças como escritor que duvida da sua percepção. Contudo, as suas observações são omniscientes, as metáforas são cheias de significado e as suas descrições revelam a empatia ou repulsa que sente pelas personagens; arrastando-nos nessa espiral psicológica.

Durante aquela tarde, Tower transforma Lucy, o falcão em vários símbolos: morte, ambição artística frustrada, velhice, ciúme, asceticismo, liberdade ou independência, domesticação e interdependência.

O bater de asas do falcão perto dos olhos do narrador ou a imagem dela por cima da cama do casal enquanto dormem sugere um indicio de morte ou desgraça. O falcão envelhecido, que se deixa morrer porque não é mais capaz de caçar, é talvez a imagem que Tower tem dos homens que se mantêm solteiros. Nas palavras da Sra. Cullen, os falcões mantêm uma relação de estreita dependência com o falcoeiro, pois necessitam de alimento. No entanto, nunca serão domados, manter-se-ão selvagens e com uma vontade única de liberdade. Estas palavras lançam a questão: seremos nós, humanos, como os falcões nas nossas relações amorosas?


                


Sempre que Tower medita nas cada vez mais raras satisfações do casamento, parece estar a andar sobre brasas e deixa-nos com a impressão que está à margem de uma sociedade que ludibria o amor e as relações pessoais, que os considera mais como assuntos manipulativos e de obrigação; e não de paixão e perdão.

A obra acaba com uma antevisão de um casamento tumultuado para Alex e a vida artística frustrada para Tower. Deixa-nos com as questões vitais sobre a vida e o amor: será que temos que renunciar à nossa liberdade para sermos capazes de amar? Conhecemos realmente o objecto dos nossos afectos? Seremos falcões agrilhoados, que se habituam e acomodam a uma relação de dependência ou interdependência? Ou amadurecemos com a vida e simplesmente ficamos conscientes da nossa solidão? 

Apesar do seu subtítulo Uma História de Amor, Tower não nos deixa qualquer resposta, apenas nos deixa espaço para as nossas próprias reflexões.

Não posso acabar sem vos mostrar a música que serviu de banda sonora enquanto lia aquela que é considerada por muitos como a maior novela americana do século XX "O Falcão Peregrino".



                                                          Sidney Bechet "Si tu vois ma mère"

Querido filho, em dois anos não esperava assim tanto!

Querido filho,

Em Maio de 2010 vieste ao Mundo. Não prometias nada impossível... Querias só partilhar o teu gosto pelos livros e pela leitura. Deixar um poema, celebrar a chegada de uma novidade, falar de autores, discutir uma leitura em conjunto com quem anda contigo no mesmo barco...

Movias pouca gente à tua volta. Alguns amigos pessoais, alguns leitores que partilhavam os mesmos gostos. Gente anónima que se identificava. Mas então surgiu a ideia de ir convidando pessoas para te fazer crescer. Um por cada mês. E foste ganhando forma, a tua palavra começou a ser semeada por outras paragens.

Quando um dia te viste num concurso entre os melhores blogues de Livros/ Literatura / Poesia, tremeste um pouco. Mas não tinhas nada a perder! Pelo contrário, conseguiste provar que a união faz a força! Juntaste os que estavam contigo e foste à luta. Uns ajudaram de uma maneira, outros de outra. No final, conseguiste passar a mensagem e elevaste o teu nome mais alto. Sabes que tens que agradecer, não sabes? Aos anónimos, aos amigos, à família... Afinal, não é para menos... ganhaste o concurso de blog do ano 2011 na tua categoria.

Também tiveste silêncios... Estranhaste alguns e questionaste porquê. Descobriste que nem sempre consegues agradar a todos. Mas nada disso te derrotou. Sabes bem que és suficientemente forte para aceitar as coisas como elas são. Não tens medo de mudar, de ser maior, de contar com a ajuda de mais ou menos gente. E, felizmente, não vives no pânico de não seres lido. Tens confiança nas tuas virtudes e qualidades. Por isso, lutas por chegar longe. Mas não procuras ficar milionário a qualquer custo!

Crescer implica dar um passo de cada vez. Pensar cada pormenor. E isso leva o seu tempo. Não podes correr o risco de falar sozinho, deixar de pedir opinião, abrir as portas a quem te deseja... A seu tempo, tu e eu vamos anunciar projectos, ideias, dar a conhecer ainda mais este mundo tão especial. Falar de livros e leituras, como sabes, é difícil. Muito mais neste País que não premeia a excelência, o amor, o trabalho... Um Portugal que lê pouco, muito pouco. Felizmente, tens a clara noção que quem ama a leitura continua a dar-te a força que precisas para sair da cama todos os dias. As palavras abastecem-te. Habitas o mundo dos sonhos perfeitos: das personagens, dos escritores, das histórias, da singela amizade que crias com os livros com que te cruzas...


Fizeste amigos para a vida. Hoje, no teu dia de anos, já contas com mais de 120 mil páginas abertas. Tens 874 comentários às coisas que deixas. 992 mensagens publicadas! Entras pela casa das pessoas nas redes sociais. Muitos ignoram-te, põem um gosto e dão-te os parabéns sabes lá bem porquê... O mundo também se alimenta das aparências. Mas tu estás atento, felizmente.

Meu filho: hoje é dia de festa! Nunca pensei que crescesses assim. O teu Pai é apenas um anónimo que trabalha numa livraria de shopping. Quantos é que sabem disto? Pouco importa! És feliz como és, tens força e personalidade própria. Continuarás a alimentar-te dos bons leitores, indiferente às invejas e críticas ao papel que, com coragem, assumes!

Sim, tu e eu vamos continuar a caminhar lado a lado. Espelho um do outro. Com muito orgulho pelo que hoje somos. Os pés bem assentes na terra. Nas vitórias e nas derrotas. Nos dias felizes e melancólicos. Para o bem e para o mal.

Obrigado por me fazeres tão bem. És e serás o meu projecto preferido. Estás sempre no pensamento e no coração. Muita força aí, tudo vai correr bem. Estamos juntos!

Um beijo do Pai,
Rodrigo

E na Feira uma Viagem a Tralalá



Wladimir Kaminer em Portugal, para nos dar livros e música.
O lançamento de «Viagem a Tralalá», novo título da colecção de Literatura de Viagens de Carlos Vaz Marques, será hoje, sábado, dia 5, na Feira do Livro de Lisboa, pelas 19h.
 
A festa Russendisko acontecerá na Pensão Amor, às 22h.

«O ponto de partida para esta «Viagem a Tralalá» reside num anseio tornado impossibilidade ao longo de gerações. É um livro que nasce atrás da Cortina de Ferro. A proibição de visitar Paris acabaria por mitificar Paris. E sabemos como a realidade, em geral, é implacável em relação aos mitos. Poucos lhe sobrevivem. Talvez por isso mesmo, Kaminer não chega a levar- nos à cidade- luz (a não ser por interposta pessoa): «Em vez de ir a Paris, fomos ao cinema.»
É deste choque entre o mito (alimentado pela impossibilidade) e a realidade (tornada possível pela queda do Muro de Berlim) que nasce o efeito cómico mais poderoso de «Viagem a Tralalá».
Onde raio é Tralalá?, há- de perguntar- se o leitor incauto ao passar os olhos pelo título deste livro. A resposta acabará por chegar a páginas tantas, embora não haja mapa que a confirme.»

 
Carlos Vaz Marques, do Prefácio
Também no Ípsilon, uma crónica de Wladimir Kaminer sobre a sua primeira vez em Lisboa.
 (clique para aumentar)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Passeio por Timor...

Quando soube que vinha para Timor-Leste, tratei de juntar meia dúzia de livros. JL Peixoto, Saramago e Vargas Llosa não podiam faltar, outros tantos e mais uns também quiseram vir dar um passeio ao Oriente. (1)

A verdade é que eles só vieram porque a minha capacidade de projecção de realidades desconhecidas é uma verdadeira nulidade. Pensava que não ia encontrar livros à minha medida em Díli, mas fui logo instalar-me numa rua onde, se seguir para a direita, encontro a livraria da D. Dulce e se for para a esquerda, a livraria do Sr. Eduardo.


A primeira, uma ilustre senhora portuguesa, é a dona da Livros & Companhia – uma livraria muito simpática e convidativa, com pinturas alusivas ao mundo das letras. Atrás do balcão, descobri com grande alegria um sorriso aberto e uns olhos escancarados, tão familiares - a Estefânia, minha aluna. Pelas estantes, passeámos pelos mais recentes sucessos de vendas e por uma secção, bem apetrechada, dedicada à causa timorense. Como nem só de livros vive uma livraria em Timor-Leste, vão aparecendo também artigos de papelaria e religião. Despedi-me de todos os presentes com a promessa deste post.



Sigo em frente, na minha rua. Uma entrada nada esclarecedora. Será aqui? Entro, a medo. Uma dezena de metros depois vejo o que procurava. Vim depois a saber que o Sr. Eduardo a chama de armazém, mas eu digo que tem pinta demais para lhe ser dado esse nome. Não sei se a quero descrever como um aquário onde aquilo que interessa não se pode molhar, ou como uma vitrine de bolos que afinal são livros. Concretamente, a livraria é uma construção envidraçada. Junto à porta, do lado de fora, algumas mesas e cadeiras, a convidar à leitura no local.


A mana Imaculada, que recebe os clientes com uma hospitalidade que pensava só existir naqueles que abrem as portas do que é seu, foi chamar o patrão. Veio então o Sr. Eduardo, nascido e criado em Timor Leste mas muito vivido em Portugal. Percebi que era um empresário de mão cheia e, no seu trato, fundiam-se os jeitos mais humildes com os gestos mais nobres. Gastou comigo muitas horas de conversa e, num momento que não consigo precisar, confidenciou-me que o espaço ainda não tinha nome mas que, assim que pusesse aquilo à maneira dele, iria ter: Café com Letras. Encontramos no pré-Café com Letras romances contemporâneos, livros técnicos, clássicos, literatura estrangeira, livros infantis, livros disto, livros daquilo, sem esquecer os livros daqueloutro. Tem também uma pequena secção de material de pintura. 
- Mas as pessoas compram?
- Não, mas pode ser que comecem a comprar.



(1)     Talvez por cá fiquem a espalhar magia na biblioteca da Faculdade de Direito que terá de ser classificada, como poderão desde já imaginar, como muito eclética.

Dia Internacional da Liberdade de Imprensa

A ONU celebrou nesta quinta-feira o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Em mensagem oficial, o secretário-geral da organização, Ban Ki-moon, disse que uma imprensa livre "dá às pessoas o acesso às informações que precisam para tomar decisões importantes".

O 3 de Maio foi escolhido por se tratar da data do aniversário da Declaração de Windhoek. Esta declaração foi aprovada durante um seminário organizado pela UNESCO sobre a "Promoção da Independência e do Pluralismo da Imprensa Africana", que se realizou em Windhoek, Namíbia, de 29 de Abril a 3 de Maio de 1991. A Declaração considera a liberdade, a independência e o pluralismo dos media como princípios essenciais para a democracia e os direitos humanos.

A liberdade de imprensa é uma condição fundamental para o exercício da democracia. Isso porque é esta qualidade que permite à imprensa denunciar abusos, vigiar o poder público e disponibilizar as informações formadoras de opinião. Uma imprensa cerceada perde sua função social, uma vez que passa a servir a interesses de um único grupo dominante, em detrimento da sua capacidade de servir à população. Ou seja: a imprensa é um poderoso meio de contra-controle do comportamento de grupos políticos e uma forma de a população ter acesso a informações que permitiriam fazer escolhas mais conscientes e contra-controlar os governantes por meio do voto.

Mas o que nos falta é uma prática cultural à população em geral: a prática de pensar politicamente sobre o país de forma menos sectária. A prática de ler não apenas aquilo que queremos ouvir sobre os políticos e partidos que apoiamos, mas de buscar toda e qualquer informação confiável. A prática de pensar sobre a diversidade de informações que pudermos obter e analisar os fatos de forma racional, pensando no bem de cultura.


Todos os anos, a organização Repórteres Sem Fronteiras estabelece uma classificação de países em termos de liberdade de imprensa. O Índice de Liberdade de Imprensa é baseado nas respostas aos relatórios enviados aos jornalistas que são membros das organizações parceiras do RSF, assim como especialistas afins, tais como pesquisadores, juristas e activistas dos direitos humanos.A pesquisa faz perguntas sobre os ataques directos aos jornalistas e meios de comunicação, bem como outras fontes indirectas de pressão contra a imprensa livre, como a pressão sobre os jornalistas ou organizações não-governamentais. A RSF é cuidadosa ao observar que o índice classifica apenas a liberdade de imprensa e não mede a qualidade do jornalismo em cada país.

Em 2009, os países onde a imprensa foi mais livre foram a Finlândia, Noruega, Irlanda, Suécia e Dinamarca. O país com o menor grau de liberdade de imprensa foi a Eritreia, seguido pela Coreia do Norte, Turcomenistão, Irão e Mianmar (Birmânia).

Mais abaixo uma pequena selecção de títulos quase como nota bibliográfica sobre o tema.
 

O Jornalista em Construção, de Joaquim Fidalgo,
da Porto Editora

Este livro procura analisar o percurso histórico feito pelos jornalistas, sobretudo entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, com vista à afirmação da sua actividade como uma autêntica profissão, socialmente reconhecida e juridicamente legitimada. Numa primeira parte, faz-se uma breve abordagem teórica da sociologia das profissões e dos diversos paradigmas que, ao longo das últimas décadas, foram sendo objecto de estudo e de debate. Na segunda parte, percorre-se o caminho, nem sempre linear, feito pelos jornalistas, em diversas latitudes e em diferentes contextos socio-culturais, procurando definir e autonomizar o seu ofício por relação com outros ofícios da comunicação. A conclusão genérica sugere que este esforço de profissionalização dos jornalistas tem sido um processo difícil, contraditório, feito de avanços e recuos, de tensões e negociações permanentes, à medida de uma actividade cuja catalogação suscita ainda hoje algumas controvérsias. 


               A Implantação da República na Imprensa Portuguesa de Nair Alexandra,
da Temas e Debates/ Círculo de Leitores

O que publicavam os jornais em 1910? Um longo arco de tendências, dos republicanos à coligação de direita que concorreu às eleições de 28 de Agosto, marcava o clima político. No centro das discussões estavam o papel da Coroa, a Igreja, as questões sociais. A refrega eleitoral decorreu num clima de acusações e ataques. Houve padres que fizeram comícios a partir do púlpito e do confessionário. Houve vagas de greves com crianças operárias e concursos de beleza infantil. Vagas de mau tempo já tinham marcado o ano agrícola, mas 1910 iria ser muito mais do que um ano duro nos campos e agitado nas cidades. A imprensa foi um reflexo e uma testemunha particular dessa altura em que foram assaltadas redacções e em que, fora da capital, jornalistas procuravam passageiros dos barcos para confirmarem que naquela madrugada de Outubro a bandeira republicana flutuava nos edifícios de Lisboa.


Da Liberdade Mitificada à Liberdade Subvertida de José Tengarrinha, 
das Edições Colibri

Esta obra situa-se na continuidade dos estudos sobre a história da imprensa em Portugal, a que o autor se vem dedicando desde os anos sessenta. Nela trata do controlo exercido pelo aparelho ideológico do Estado sobre a imprensa, e do modo como se insere a actividade censória na política liberal, face, quer aos ideais de liberdade proclamados quer às limitações do funcionamento concreto do regime.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sublinhado no livro do mês de Abril, «O Falcão Peregrino». Sobre as (in)consequências do amor(es)

Glenway Wescott escreve assim, na página 46:


"(...) se avalias mal a situação acabas por te apaixonar por alguém que jamais te poderá amar. Se os amores passados te magoaram de algum modo, não serás capaz de o segurar quando ele te aparecer de novo, não serás capaz de o agarrar com firmeza. A compaixão, ou a autocompaixão, terão embotado as tuas garras, que não deixarão marca nenhuma. Aí, esvoaças novamente para o teu poleiro, frustrado e coberto de vergonha. A vida é quase sempre poleiro. Não há ninho; e não tens ninguém a teu lado, ninguém que pouse exactamente na mesma rocha ou no mesmo ramo. As circunstâncias da paixão são sempre demasiado mesquinhas para que a harmonia se dê. Por isso, deixas-te ficar pousado no poleiro, tentando permanecer imóvel, e dormitas ou sonhas para te poupares a trabalhos. E tais são as coisas que deves ocultar, em prol dos outros, das boas maneiras: o formigueiro na mãos, o mau sabor na boca, o olhar enevoado e o corpo oco e inchado; com o teu grito de desejo - ai, ai - a zumbir-te nos ouvidos. Ninguém o ouve; e tu sentes-te tão cansado de ti mesmo que mal podes esperar pela velhice..."

A partida do delfim Fernando Lopes


Há coincidência tristes e uma delas foi esta. No passado dia 26 de Abril usei o excerto de um filme do Fernando Lopes para falar sobre um livro e a propósito de um dia de chuva na Feira do Livro de Lisboa. Neste post que se chama "A chuva da liberdade a regar o dia de Feira " parte da homenagem a este grande senhor do cinema já estava feita. "Uma Abelha na Chuva" de Carlos Oliveira, adaptado em 1972 por Fernando Lopes ao cinema.

Ontem, faleceu Fernando Lopes, com uma carreira de 50 anos, era, a par de Paulo Rocha e Manoel de Oliveira, uma das referências do cinema português. O corpo de Fernando Lopes vai estar em câmara ardente amanhã, quinta-feira, no Palácio Galveias, em Lisboa, entre as 18h e as 22h numa cerimónia laica. Na sexta-feira, o realizador vai ser cremado numa cerimónia privada.

Como falamos de livros e porque o Fernando Lopes também foi um homem de livros, fica mais uma homenagem dupla. Desta feita com "O Delfim", um filme realizado por Fernando Lopes, no ano de 2002. O argumento, escrito por Vasco Pulido Valente, baseia-se na obra homónima de José Cardoso Pires.


Portugal, finais dos anos 60. Tomás Palma Bravo, o Delfim, o Infante, é o herdeiro de um mundo em decomposição. É ele o dono da Lagoa, da Gafeira, de Maria das Mercês, sua mulher infecunda, de Domingos, seu criado preto e maneta, de um mastim e de um "Jaguar E", que o leva da Gafeira a Lisboa e às prostitutas. Um caçador, detective e narrador, que todos os anos volta à Lagoa para caçar patos reais, descobre, um ano depois, que Domingos apareceu morto na cama do casal Palma Bravo e que Maria das Mercês apareceu a boiar na Lagoa. Quanto a Tomás Palma Bravo e ao mastim, dizem-lhe que desapareceram sem deixar rasto. E que da neblina da Lagoa se ouvem agora misteriosos latidos. Fica aqui também parte de uma série documental, "Grandes Livros" onde se aborda essa obra do José Cardoso Pires.


“… Tudo abstracto: tempo recordações… Emigrantes reduzidos a bandeira de luto em corpos de mulheres jovens gafeirenses que vivem nesses casos a minha volta e os desconhecidos que fui buscar aos bares e às conversas do acaso ainda… diz o meu lado crítico – tornam mais abstracto esta viagem à roda de meu quarto.”

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A Nossa Vida como um Conjunto de Metáforas

Robert Musil é autor de um dos maiores romances do século XX -  O Homem sem Qualidades - "grande" no tamanho - 3 volumes - e extraordinário nos pensamentos. Como este.

«Pensemos, por exemplo, nos grandes escritores. Podemos orientar a nossa vida por eles, mas não podemos extrair das suas obras o elixir da vida. Eles deram uma forma tão rígida àquilo que os moveu que tudo isso está ali, mesmo nas entrelinhas, como metal laminado. Mas, que disseram eles na verdade? Ninguém sabe. Eles próprios nunca o souberam explicar cabalmente. São como um campo sobre o qual voam as abelhas; e ao mesmo tempo, eles são esse próprio voo. Os seus pensamentos e sentimentos assumem toda a escala da transição entre verdades ou erros que, se necessário, podem ser demonstrados, e seres mutáveis que se aproximam ou afastam de nós quando os queremos observar.

É impossível destacar o pensamento de um livro da página que o encerra. Acena-nos como o rosto de alguém que passa rapidamente por nós, numa fila com outros rostos, e por um instante surge carregado de sentido. Estou outra vez a exagerar um pouco. Mas agora queria perguntar-lhe: que coisa acontece na nossa vida que não seja aquilo que acabo de descrever? Não falo das impressões mais exactas, mensuráveis e definíveis; todos os outros conceitos em que baseamos a nossa vida não passam de metáforas que ficaram cristalizadas. Entre quantas ideias não oscila e paira um conceito tão simples como o da virilidade? E como um sopro que muda de forma a cada respiração, e nada é estável, nenhuma impressão, nenhuma ordem. Se, como eu disse, pomos de lado na literatura aquilo que não nos convém, tudo o que fazemos é reconstituir o estado original da vida.»


* O Homem sem Qualidades é publicado em 3 volumes pela Dom Quixote. 

"Esta é uma obra singular e única no panorama da ficção do século XX.
Mais do que um romance, O Homem sem Qualidades é o maior projecto romanesco, deliberada e quase necessariamente inconcluso e inconclusivo, da literatura do século passado. Um rio sem limites nem margens, que não desagua em nenhum mar conhecido, objecto inclassificável, para lá do "literário" e da ficção."

1º de Maio, o direito à cultura e o direito à indignação... é cultura oh parvo!

Foto tirada num wc na Feira do Livro de Lisboa
Pedro Ferreira 2012

O 1º de Maio deste ano fica marcado pela acção publicitária do Pingo Doce. Não concordando de todo com este tipo de acções, por muito que sejam apelativas para as carteiras apertadas das pessoas. Mas não vou perder-me a comentar esta situação, ela serve só como âncora para mais uma vez falar dos problemas que afectam o sector livreiro.

Para além das sucessivas machadadas que são dadas nos pequenos e independentes editores, seja pelo cumprimento parcial das regras do sector, seja pela tomada de poder dos orgãos de protecção do sector pelos grande grupos económicos, minando a relação de negociação entre parceiros sociais, há nos últimos tempos uma sucessão de acontecimentos que passam impunes.

Nas Feiras do Livro, tem existido uma coisa que se chama Hora H. Semelhante ao que fez hoje o Pingo Doce: durante uma hora os editores podem colocar títulos com 50% de desconto. Mais do que ter aqui uma série de respostas para lidar com esta situação, gostava que este post pudesse abrir um debate sobre o assunto entre os nossos leitores, aqui no blogue e no grupo do Facebook. 


Esta iniciativa é injusta logo à partida e logo pela organização que a promove. A APEL representa livreiros e editores. Os editores negoceiam com os livreiros com uma determinada margem e, estando na mesma associação, uns passam a ter privilégios de concorrência que são à partida injustos e desleais.

Tenho me batido em várias discussões sobre o assunto e vou reproduzir aqui alguns dos tópicos dessas discussões e até de comentários anteriores.
Há um completo desestruturar da relação entre editores e livreiros e uma irresponsabilidade. não pode valer tudo no consumo, mesmo que isso possa parecer apetecível para os consumidores. Para que os produtos culturais se mantenham dignos têm de ser valorizados e não tratados como quilinhos de feijão em promoção. Não quero com isto dizer que a cultura tenha que ser cara para ser boa, mas que um livro não pode ser tratado pelo mercado como uma batata.



O que está por detrás da hora H não é incentivar à cultura. E esse embaratecer de preços em stocks de que eles se querem livrar só por questões economicistas, faz com que depois se vinguem em preços de outros livros. A injustiça para com as livrarias é brutal, são eles que vendem os livros todo o ano e têm despesas com rendas, contas e funcionários. Criam postos de trabalho e supostamente atendimento e ajuda ao cliente. Neste momento as margens de negociação são completamente loucas. Já para não falar da concorrência desleal, dumping e uma série de outras irregularidades das leis de mercado. Este tipo de iniciativas só prejudica os pequenos editores e beneficia os grupos editoriais que de livros têm cada vez menos.

A APEL tem o dever de proteger os interesses de todos: livreiros, editores e também dos leitores e já se devia ter apercebido que a promoção desta iniciativa em nada ajuda quem mais dificuldades tem. Cria guetos na própria feira, espaços isolados e desiguais com regras próprias e com o tempo afastará não só as pessoas como as próprias editoras com menos capacidade de implantação financeira.

Querem fazer promoções, assumam e mantenham-nas durante todo o dia ou durante toda a feira, seleccionando títulos. Façam cumprir verdadeiramente a lei do preço fixo. Retirem o IVA do preço dos livros. Promovam o livro enquanto objecto e enquanto mais valia cultural.
Não andem é a atirar areia para os olhos das pessoas e a engana-las com estratégias de marketing for dummies!
 
As Utopias concretizo-as todos os dias porque o direito a sonhar, esse ninguém me tira!

terça-feira, 1 de maio de 2012

Coimbra Revisited


 A viagem que nos trouxe a Coimbra mantém o contexto da procura dos cantos e recantos. Da agenda, dos cafés com livros, dos autores. Afigura-se um desafio. Em primeiro porque a responsabilidade é acrescida, vários foram os anos em que, quem daqui vos narra, por cá viveu e cresceu. Em segundo porque, por não ser da terra, a vivência Coimbrã correu pelo lado oposto às marcas de dado adquirido dos autóctones. Por ter mais do que sentimento e  emoção sobre este pentágono desenhado será difícil não cair na selecção dos meus cantos, seguramente descurando outros, esvoaçar pelo que me encanta a fundo, ou  entrelaçar-me em analepses. Por isto, por toda a ligação, permitam-me a veleidade de dedicar três textos a esta cidade, na certeza que muito ficará por dizer. Vários foram os momentos em que me queixei do desconhecimento generalizado sobre Coimbra. Sinto-me na premissa de transformar a queixa em contributo.



Parte Primeira:

Coimbra, não sendo a cidade berço foi o casulo de descanso eterno que D. Afonso Henriques escolheu. E ali está, no lado oposto ao seu filho, na bela Igreja de Santa Cruz, feita de pedra morena, outrora Mosteiro e, por isso, fora das portas da antiga cidade. Por definição um Mosteiro situa-se fora da traça original das muralharas de uma cidade, ao contrário de um Convento que estará sempre dentro da malha urbana. Por esta diferença é fácil perceber o desenho originário das urbes e é garantido espantarmo-nos com Coimbra. Fora do Arco da porta de Almedina,  estendia o Mosteiro a sua propriedade até ao Jardim da Sereia, Quinta de Santa Cruz de sua graça primeira. Um jardim que já foi bonito mas também perigoso. Hoje tem um pouco menos de encanto mas mais segurança na passagem. Fecha a Praça da República e abre-se ingreme para si, com a fonte da Sereia por postal. As sereias, essas criaturas míticas e desviantes da concentração marinheira, musas de canto hipnotizante, transformadas aqui, por interpretação poética, nas figuras de um tritão e de um golfinho, fazendo esquecer o nome original da fonte: A Fonte das Nogueiras. Três estátuas à entrada, a Fé, a Caridade e a Esperança. Há bancos de jardim, há infindo espaço para sentar no chão, para ler, para escrever, para fotografar. Do cimo acompanha-se, pelo olhar em frente, o frenesim da Praça da República até perder a noção de fim da Av. Sá da Bandeira. Pela esquerda da Avenida, como quem desce, apresenta-se o  Teatro Académico Gil Vicente seguido da Associação Académica de Coimbra. Continuamos até encontrar a estátua do Leão em homenagem a Luís Vaz de Camões.

O Leão de Camões é uma estátua erguida pelos estudantes desta cidade, em 1880, aquando do assinalar dos 300 anos volvidos sobre a morte de Luís Vaz. Inicialmente encontrava-se onde hoje é a Faculdade de Letras, outrora um jardim, toda uma parte que desapareceu no Estado Novo aquando da destruição da Alta. Não foi adaptada, requalificada, não. Foi destruída. Ali nasceram os edificios novos da Universidade, mas sem cuidado nem contexto. A estátua passou dali para a Rua do Arco da Traição, paredes meias com o Instituto Justiça e Paz. Da localização que hoje tem sabe-se que não será definitiva mas ignora-se a nova “casa”. Deste ponto da Avenida parto para a rua da Misericórdia onde me vou sentar na “ varanda” mínima da Torre de Anto. A casa do estudante António Nobre. Daqui sim, iniciar uma longa estória, do Choupal até à Lapa, dos Penedos à Saudade. Falar da Questão Coimbrã, de Eça, de Antero, de Feliciano de Castilho. Não esquecendo o Padre António Vieira que deixei para trás. Passarei pela casa de Fernando Namora, pela Sé velha de José Afonso, pelos recantos de Miguel Torga. Não me esquecerei de Almeida Garrett nem de Teófilo Braga. Trindade Coelho também caminhará comigo, ele e a Carolina Michaelis, João de Deus e Vergílio Ferreira. Até Camilo Castelo Branco. Em cada rua, em cada jardim. Dos Estudantes, da Liberdade, dos movimentos circulares. Dos grupos de teatro à música, Dos segredos aos enredos literários. De Carlos Paredes, porque não me perdoaria se não falasse nele. E da história da guitarra coimbrã e das suas belíssimas trovas. Dos poemas. De todos quantos conseguir.

Um apontamento sobre três espaços antes de marcar lugar para o fim da semana: O primeiro, Café Santa Cruz, antigo refeitório do Antigo Mosteiro, paredes meias com a Igreja. Palco, em tempos, de importantes decisões e tertúlias literárias. Hoje espaço de conversas de café, de fado de Coimbra, de exposições e livros. É um encanto aberto para a praça 8 de Maio. O segundo, a casa de Fados À Capella, criado numa antiga capela privada onde ocorrem eventos culturais e claro está, cordas dedilhadas em minúcia. O terceiro, no último andar de uma antiga capela na Rua da Sofia, hoje espaço comercial, um café cuja entrada se faz ao nível da rua, quase sem se dar conta da fachada do edifício, mas que mantém aquele recanto inviolado de nichos e pedra cheia de história. Em qualquer um destes espaços o canto de escrita eremita é perfeito. Coimbra é isto, é o eterno transformar e chamar a si, não se destrói, adequa-se. E ai de alguém que fale em profanação porque aqui a liberdade teve um custo mais alto do que se pensa, porque aqui a identidade sempre se chamou Coimbra. Quem a veio destruir quis cala-la, e ela respondeu com toda a força que tinha e, em vez de também destruir, adaptou. Ela, Coimbra, quando se liberta e grita alto, quando explode no Mondego, toma a figura de mulher guerreira. Coimbra não é uma cidade, Coimbra é identidade.

Até para a semana, com datas e eventos, com companheiros de crónica e com a agenda debaixo do braço.
*Foto: Jardim das Nogueiras ou da Sereia.

Foi o primeiro dia! Finalmente... Dia Internacional do Jazz


O jazz é uma expressão musical que pode «derrubar barreiras e simbolizar a paz e a unidade», defende a UNESCO na proclamação do Dia Internacional do Jazz, que se assinala esta segunda-feira, pela primeira vez. A Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência Cultura decretou 30 de Abril como o Dia Internacional do Jazz por proposta do músico e compositor Herbie Hancock, embaixador da boa vontade da UNESCO.

Na mensagem oficial deste dia, a directora-geral da UNESCO,Irina Bokova, sublinhou que o jazz foi e continua a ser «a força que promove uma transformação social positiva».
«Por ter as suas raízes na escravatura, esta música fez crescer uma voz apaixonada contra todas as formas de opressão. Fala a linguagem da liberdade que é compreendida por todas as culturas. São também estes os objectivos que guiam a UNESCO nos seus esforços de construir pontes dialogantes entre todas as culturas e sociedades», afirmou Irina Bokova.

Pois aqui no blogue não poderia passar em branco e na Feira do Livro de Lisboa também. hoje pelo Parque Eduardo VII várias pequenas perfomances encheram os jardins de músicas. Pelas bancas foram algumas as editoras que escolheram títulos dedicados a esta área.
Destacamos alguns títulos.


Quem procura um livro sintético, mas bem documentado, sobre a evolução do Jazz e dos Blues tem nesta enciclopédia um excelente aliado. Publicado em 2006 pelas Edições Afrontamento, com prefácio de John Scofield, este é um livro cujos conteúdos e respectiva paginação foram pensados de forma a permitir uma leitura fácil, arrumada e cronológica.
É assim que cada década merece um capítulo específico (com uma separação clara entre o que é Jazz e o que é Blues). E como falar de música implica audição, o livro conta com links de internet que remetem para um site onde é possível ouvir. Para melhor perspectivar a evolução do Jazz e dos Blues cada capítulo fornece ainda citações de músicos ou de críticos contemporâneos e caixas informativas sobre os temas de referência de cada época e também das melodias então populares.


Da autoria de José Duarte, a obra é composta por uma primeira parte em torno da história do jazz, organizada cronologicamente segundo os principais movimentos, e pelos principais eventos ligados ao jazz, decorridos entre 1917 e 2009. Informações, biografias e sugestões sobre o mundo do jazz completam o livro «História do Jazz» assinado por um dos nomes maiores da cultura musical, em Portugal.



"Jazz e Literatura", de Miguel Martins, resulta "de um labor de prazer realizado ao longo dos anos, do sabor das minhas leituras: anotar as referências ao género musical da nossa predilecção, o jazz, e pensá-las". E, de facto, o livro apresenta definições, correntes, filosofias do jazz e vem recheado de referências bibliográficas. Fala da importância do jazz na obra de escritores e de poetas e da sua influência nas sociedades, nomeadamente na portuguesa.
A grande música negra na poesia e na ficção contemporâneas e as letras das canções como literatura. De Malcolm Lowry à Beat Generation, de Georges Simenon a António Ferro, passando pela banda desenhada e pelo cinema, diversas perspectivas conformam um novo olhar sobre o jazz.


segunda-feira, 30 de abril de 2012

CARTAS DAS OUTRAS | Ratatuille & Nemo



Querido Nemo,

Adorei a tua vinda ao meu restaurante com a Dory. Imagino que ela já se tenha esquecido de tudo o que comeu, e ainda bem, pelo menos não sofres com as queixas tipicamente femininas sobre as calorias e o que vão engordar.

Ah, e sobre esse tema da memória que tanto te preocupa, li que uma das piores coisas é pôr o despertador para meia hora mais cedo e depois dormitarmos de 10 em 10 minutos. Dizem que adormecemos novamente e que é muito violento voltar a acordar quebrando esse sono…. E stressada como é a Dory, imagino-a a fazer isso…. Está atento.

Outro exercício bom são palavras cruzadas e muito amor.

Paris voltou ao tempo frio mas sem chuva. E nem sempre é romântico.

E tu como andas? Sempre foste a Madagáscar ver o Alex? Soube que já saiu da prisão, mas nem sei como está.

Vai dando notícias,
Ratatuille


Caro Ratatuille,

Boas notícias!!! No próximo dia 15 voltamos a Paris para uma jantarada. Consegui reunir a malta toda do liceu! O nosso grupinho! Vai o Alex (que está a encarrilar com um novo trabalho no teatro na Casa Conveniente), vai a Gloria (que está obesa), a Marty e o Melman (cuja mais recente pseudo-doença adquirida é renal….), vai o Simbad e a Nala (que atravessam uma crise conjugal típica da meia idade), o Aladin e o Shrek e a Fiona (com as suas 5 crias insuportáveis).

Vê lá se preparas um bom manjar…mas não faças sushi….. que até me dá arrepios…. Ver-me despido e cru e enrolado numa alga…grrrrrrrr…..

Parabéns pela estrela Michelin e pelas críticas que já fui lendo e ouvindo!!! Que não te suba a fama, mas antes mais e boas receitas, à cabeça!

Hoje regresso a casa. A viagem foi longa e ótima. Mas vai saber bem regressar à rotina.


Abraço e até breve,

Nemo


*Ilustração de Inês Portugal: Ratatuille (trata-se de um boneco já velhote que precisa de corda para ter energia) e Nemo aparece sob a forma de tecido do chapéu de chefe de cozinha. O chapéu pode ter sido oferecido pelo próprio ao seu amigo Ratatuille (como na Anatomia de Grey onde os médicos têm toucas e máscaras cheias de desenhos)

Uma Banana do Japão para novos horizontes literários

De volta aos livros propriamente ditos, a escolha de hoje recai sobre uma autora relativamente pouco conhecida em Portugal. Vamos à literatura japonesa e à oportunidade de poder ler esta autora por poucos euros. A editora em Portugal que tem uma boa parte, para não dizer toda a obra desta autora, é a Cavalo de Ferro. Com um catalogo exemplar nos últimos tempos tem andado a saldar as suas obras "mais antigas", entre elas as de Banana Yoshimoto, que podem ser encontradas na Feira do Livro em Lisboa e também no mercado do livro que está a acontecer simultâneamente no Porto no Palácio de Cristal.

Vamos lá passar os olhos por duas obras e abrir o apetite para alargar a biblioteca a novas literaturas em modo low cost, a combinar com os bolsos dos portugueses.




Filha do filósofo, poeta e crítico literário Takaaki Yoshimoto, Banana Yoshimoto cresceu numa família liberal e esquerdista, tendo aprendido desde cedo o valor da independência. Graduou-se pela faculdade de Artes da Universidade Nihon, especializando-se em Literatura. Durante essa época, tomou para si o pseudónimo "Banana", por causa do seu amor por flores de bananeira, ela considera o nome tão "bonito" quanto "propositadamente androgeno". Apesar do sucesso literário, Banana Yoshimoto procura levar uma vida discreta e modesta.




Lua de Mel, na tradução para inglês "Kitchen", mais próximo do título real, surge na edição portuguesa, estranha, muito fora do design habitual da editora. Este livro retrata uma bela história de amor entre dois jovens que foram criados juntos – Manaka e Hiroshi (eram vizinhos), tornaram-se cúmplices, confidentes e casam-se com apenas 18 anos. O seu amor foi construído sobre um passado em comum, mas as suas personalidades são muito diferentes. Manaka sempre foi amada e protegida pelo pai, pela madrasta e pela sua mãe que vive em Brisbane – Austrália, enquanto que Hiroshi foi abandonado pelos pais e criado por um avô cuja saúde débil fez com que Hiroshi se sentisse permanentemente em pânico perante a hipótese de não estar com ele quando este viesse a falecer. Este constante peso sobre os seus ombros fez com que Hiroshi se tornasse num jovem tímido, reservado e assombrado por sentimentos totalmente contrários aos sentidos durante a chamada idade da adolescência.

É um romance diferente, com uma história de amor que não segue as normas do romance ocidental e actual. É um amor não piegas, ainda que ambos concordem que não conseguem viver um sem o outro – um amor puro, ingénuo, que parte da apreciação mútua de pequenas coisas da vida, como koalas, golfinhos, estrelas, a noite. Esta é uma peculiaridade muito própria dos orientais, nomeadamente dos japoneses.




O segundo escolhido chama-se Arco-Íris. Após a morte da sua mãe e da sua avó, a jovem Eiko parte sozinha para Tóquio. Inicia assim uma nova fase da sua vida. Em Tóquio trabalha no Arco-íris, um restaurante polinésio. Involuntariamente acaba por se envolver nos problemas e confusões do casal de proprietários. Eiko sente-se esmagada e exausta num ambiente de mentira e traição. Antes que os dramas alheios a sufoquem, decide fazer a viagem dos seus sonhos, e parte para o Taiti.

No seu estilo único, Banana Yoshimoto conta-nos uma história simples, mas profunda. Uma história sobre a dificuldade de acreditar no amor depois de experimentar a dor e a traição, e sobre a capacidade de encontrarmos na natureza a energia para redescobrirmos o equilíbrio interior.

Porque estou de passagem por Lisboa... Poema e música sobre a cidade

Poema maravilhoso de Álvaro de Campos. Mais à frente, outro poema. Desta vez cantado por Sérgio Godinho em dueto com Caetano Veloso (Lisboa que amanhece).

Singela memória da cidade que me acolhe várias vezes. Nesta semana, por cá passeio de férias!

Lisboa*

"Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.

Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
A força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores."

*Álvaro Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)

domingo, 29 de abril de 2012

Entre o mar de chuva e o mar de maleitas... como se sobrevive no mundo dos livros


O mundo dos livros não anda famoso. Junta-se ao panorama geral das crises, a de valores e a de valores, os problemas de quem nunca percebeu o mercado. Aliás, de quem pensou que os livros podiam ser tratados como outro produto qualquer.

Para muita dessa desgraça têm contribuído as distribuidoras e os seus respectivos vendedores. Poucos são os que se salvam, poucos são os que sentem pelos livros a mesma paixão de um leitor ou de um bom livreiro. Vendem livros, como venderiam um carro ou batatas fritas. Saem das escolas de marketing e gestão cheios de vontades que não conseguem concretizar e nem sabem concretizar. Iludem-se e iludem outros.

A par disso vão caindo os "grandes" da distribuição, há uns anos atrás a Centralivros e agora chega a noticia da insolvência da Sodilivros. Cada vez que cai um destes monstros vão atrás as editoras por eles representados. Dividas que ficam por pagar, livros perdidos em armazéns, livros que não são devolvidos, editoras que morrem ou ficam maltratadas por estas falhas.

O último grito que saiu a público é do Luís Oliveira, editor da Antígona, que escreve uma carta aberta sobre a situação presente da CE Sodilivros. Solidários com este editor que fala e com todos os outros que se calam mas sofrem à mesma aqui fica a reprodução da carta.

"A CE Sodilivros, a maior distribuidora de livros em Portugal, no mercado há mais de vinte anos, acaba de pedir a insolvência, deixando em grandes dificuldades e com muitas dívidas as mais de quarenta editoras que distribuía, incluindo a Antígona e a Orfeu Negro. Os administradores desta empresa, o Sr. José da Ponte e o Dr. João Salgado, o patrão da mesma e também proprietário da Coimbra Editora, têm-se comportado como descarados malfeitores. Quase todas as distribuidoras de livros faliram nos últimos trinta anos.
Há aqui um erro; onde está esse erro?
Os meios de comunicação social têm estado silenciosos, indiferentes à desgraça dos editores e do pessoal trabalhador da CE Sodilivros.
Jornais e televisões andam muito ocupados com as banalidades do Governo e afins.
Deseja-se que a partir desta comunicação acordem para este gravíssimo problema cultural, ficando a Antígona disponível para fornecer todas as informações necessárias."


Lisboa, 20 de Abril de 2012
Luís Oliveira
Editor da Antígona  



Nos dias que correm tem sido mesmo difícil contornar estes problemas. Não falando directamente de livros, o mundo que os rodeia não é fácil. No entanto acho que não faz sentido amar os livros fechar os olhos a estes problemas. Os problemas tem de ser encarados pelos vários intervenientes como sendo de todos, do editor ao leitor sem esquecer ninguém!