terça-feira, 13 de junho de 2017

por mais escuta, por mais leitores



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Muitas pessoas parecem preocupadas em incentivar e formar leitores. Ficam repetindo palavras de ordem, “LEIAM”, “LEIAM MAIS”, “LER É BOM”, e eu, que sou uma leitora em processo, fico sempre me perguntando de que tipo de leitura estamos falando.
No começo do ano, estive num colégio para falar com educadores do ensino fundamental, primeiro ao nono ano, e minha proposta era discutir o plano de leitura em sala de aula a partir das considerações iniciais de cada professor, discutindo títulos selecionados e a forma que se processa a leitura desde sua escolha. Em um segundo momento, a conversa seguiria pelas dialógicas com o conteúdo dos livros lidos.
Assim que entrei na sala para a exposição de ideias, senti a disposição do espaço como um problema aparente. Tradição na disciplina corretiva, linear, arrochada, enfileirada. Mesa maior para o professor, uma distância entre os corpos.
A proposta de reconfiguração foi recusada… Era mais prático assim.
Segui querendo saber quem gostava de ler, quem lia em casa costumeiramente. Perguntei qual o livro que indicavam para as crianças com mais entusiasmo.
De cara eu me deparei com “LEIO muito para a faculdade, para a pós, para o trabalho…”, sem contar que o livro imediato da lembrança era o pequeno garoto no planetinha com a rosa e o “TU te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Fiz menção à alguns selos editoriais paulistas (para não ir muito longe) que mantêm um ativo catálogo apto ao debate. Nadinha.
Comecei, então, a flutuar pelas histórias da imaginação, pelas brincadeiras da infância, pela memória no cheiro a bolo assando na casa das avós, por tantos joelhos ralados em tombos de bicicleta, caça às pipas. Veio história, veio lágrima, veio riso.
Passamos a inventariar tudo isso como material imprescindível para lermo-nos e, a partir disso, temos material para afetar outros leitores.
Tínhamos, enfim, salvação para nossas leituras, nossas percepções sobre a relevância de provocar reflexões através dos livros que são, sobretudo, instrumentos para futuras conversas (interiores e exteriores).
A sequência da minha intervenção foi para discutir a busca da re-significação da narrativa presente na oralidade, o indivíduo nas relações que permeiam a sua existência e o envolvimento na leitura – com a presença do livro – como brinquedo do sentir.
Parecia que tudo ia muitíssimo bem até que a coordenadora veio ter comigo uma conversa estranha cobrando um plano de trabalho de práticas mais efetivas para a sala de aula, o que fazer para cada criança gostar de ler e sair devorando com apetite inquestionável os títulos que lhe são indicados – uns com mais de 30 anos de história na escola, sem a menor conexão com sua infância…
Tive que repassar tudo o que fiz, ali de pé no corredor. E ficam reverberando para sempre as perguntas: como encantar uma criança a se tornar leitora sem escutá-la, sem saber de sua história, sem brincar com ela conduzindo as narrativas desse brincar? Como pode ser bom subjugar a capacidade de escolha do outro e empurrar atividades goela abaixo para que ele se exprema dentro de si e dê somente o que a gente quer?
Eu me aproximei da leitura pelas rodas de ciranda que brincava com minha avó, mãe e primos. Aqueles cantares ainda são lidos por mim. Minha formação como leitora passa pelos almoços que levavam violão de sobremesa, por canções da música popular, por canções da tradição oral. Meu afeto com a leitura nasceu lá no ponto do tricô escutando atenta a voz da avó falando sobre pereiras, roupas no tanque, casamento, batom vermelho, massa de pão, surra, travessias longas. Só me faz sentido a leitura porque viajei na memória de meu avô muitas e muitas vezes, de terras distantes à uma época que só posso viver na imaginação.
Ler é antes de tudo saber escutar e penetrar na escuta como quem sabe o bulbo ao ver a folha.
Aos educadores eu desejo toda coragem e fé para resgate das crianças que eles foram.
Image result for penelope martins  - Meu nome é Penélope Martins, sou escritora e narradora de histórias, mantenho conexão com o Clube de Leitores a partir do Brasil para alimentar nossa ponte de leituras em língua portuguesa, sob a rubrica É do Borogodó!