sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Todos a Paris!

Joanna Concejo à la Librairie Polonaise de Paris...




Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações




Meu querido José


Escrevo-lhe já de Coimbra, em pleno Jardim Botânico, onde as tílias e as árvores dão início a uma cerimónia solene e colorida. Apesar de o José afirmar que nos conhecemos aqui, debaixo destas venerandas árvores, numa fantástica tarde de Setembro de há cinco anos atrás, bem sabe que isso não é totalmente verdade. (Compreendo a sua ânsia de me dar forma literária, de me valorizar esteticamente, quando eu, homem de viagem e das grandes paisagens, fui feito para viver na carne e no sangue).
Mas escrevo-lhe num destes verdes banquinhos que se encontram debaixo das vetustas tílias que enfeitam este pedaço de terra ao jeito de um empírico jardim inglês. Sabia que os jardins também reflectem o pensamento dos homens? Um jardim geométrico, dividido por cores e formas, por espécies e estações reflecte um homem racional, imbuído de lógica, de segurança, de estabilidade e de desejo de harmonia em todo o Cosmos. Um jardim em jeito de bosque, onde as heras avançam livremente e as flores abundam numa explosão de cores impressionistas e as árvores pintam o fundo em pontilhados vários, é um jardim de uma alma livre e prática, que sabe onde começa a Natureza e sabe também quando o homem deve intervir, meramente como um jardineiro tolerante e sorridente, que rega as suas plantas, colhe as suas flores e saboreia os seus frutos. Como disse o velho Voltaire: Il faut soigner son jardin.
E por falar em jardins ingleses, voltemos àquela ilha mítica. Não a Grã-Bretanha, a outra, a do Chipre.
Segue mais uma ingavetável impressão dos Cadernos de Nicosia, jovem sonoro. Desta feita, Beethoven subtrai-se às estrelas como Wagner se subtrai a toda a Humanidade.
Efraim lá continua por terras de Judá e da Galileia, peregrinando com a sua família não num burrico afagado por folhas de palmeiras, mas antes pelo ar condicionado de um qualquer automóvel feito nas Ásias eletrónicas e digitais. Loucuras!
Bom, pensando melhor, deixe a impressão de Nicosia para a próxima semana, pois é bastante provável que vá desaparecer por uns dias.
Um abraço deste sempre

Seu

Gonçalo V. de Sousa.








a-ver-livros: voo rápido

A sombra do melro rasgou 
o prédio em voo 
rápido
num 11 setembro das aves
e nós na corda riscada
entre uma nuvem
e outra 
à revelia do medo
a dança que o equilíbrio
permite

Adiante a árvore abraça 
a luz 
e a noite cai, exausta
de tentar lavrar o epitáfio dos jardins
no canteiro minúsculo

Será Janeiro, um dia,
abrirás em flor e eu terei 
morrido

Ana Almeida

* autor desconhecido

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

É do borogodó: eu que sou mulher, Adelaide Monteiro


EU QUE SOU MULHER
Fui feita por acaso
Sobrevivi por acaso
Nasci de um rompante rude e destemido
Rasguei as entranhas aos montes onde mamei pão amargo
Atravessei rios com os pés descalços e saí em gelados gemidos
Fui castrada por uma sociedade insana e cortei as amarras
Reconstitui-me, juntei as peças roubadas
E … aqui estou eu!…
Eu que sou mulher de tudo e de nadas!…
Vivo neste Cosmos estirada por forças opostas
Que me distendem os tendões e músculos
Uma parte de mim é Terra, regida por Marte que me prende ao chão
Outra parte é Vénus e Lua que me desprende, liberta e me lança em sonhos
E… aqui estou eu!…
Eu que sou mulher de tudo e de nadas!…
Com dedos de pincéis e teclas
Corto as amarras do chão
Liberto os meus pés sangrentos
E sou mulher, sou sonho e criança
Elevo-me a levitar
Abraço Vénus e a Lua
Deixo Marte a descansar
Nas estrelas escrevo poemas
E nas nuvens pinto o mar
E… aqui estou eu!…
Eu que sou mulher de tudo e de nadas!…
* Adelaide Monteiro é poeta portuguesa nascida na fronteira com Espanha, no alto Douro. Sua língua primeira é o mirandês, por isso ela escreve e mantém vivo o idioma de sua aldeia, Especiosa. Conheça mais do trabalho da poeta em Especiosa meu amor.
*Escolhido por Penélope Martins, nossa ponte com o Brasil - é do borogodó ;)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

luz

caindo inúmeras vezes
na leveza do oiro sobre o vale
fôlego do outono por dentro do entardecer

quando luz a memória das estrelas
a noite é um pássaro no ventre dos olhos

escrevo a sombra flutuante entre os dedos
caminho sobre a água a que as palavras emergem
náufrago de um tempo a que não sei ser de pertença.


Helder Magalhães


Pascal Hallou

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Eu poético: Pausa

PAUSA

lancei-me aos sete mares
na busca incessante do tesouro que mora lá no fundo.
disseram-me que o teu coração jazia nas profundezas, em parte incerta.

tinha que te encontrar.

combati os deuses que dobram o cabo,
contornei os raios e tempestades,
virei as velas a favor do vento,
vi-me privado de comida
e racionei a água das chuvas.
escutei os cantos das baleias,
vi a dança dos cardumes,
guiei-me pelos seres luminosos do mar,
quando a noite caía.

e então num dia,
já quase sem esperança,
já quase sem forças,
já quase sem fé,
um raio de sol descobriu o caminho até ti.
atirei-me e bracejei com a energia que sobrava,
segurei a respiração e mergulhei.
lá no escuro reluzia o teu coração
e eu acreditei que ia ter paz, por fim.
estiquei a mão e apontei o dedo,
para não perder direcção.
dei aos pés com força,
para ganhar velocidade.
fui mexendo uma mão atrás da outra,
as pernas em perfeita sintonia.

mesmo quase a chegar,
já o nosso futuro parecia unido,
já os sonhos passeavam à frente do nosso olhar,
já todas as promessas de felicidade nadavam em redor.

começo a contar
três
dois
um...

(pausa)

passa uma rede de um barco
e eu sou pescado
para
bem
longe
de
ti.

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão