sábado, 7 de junho de 2014

Poema à noitinha... Telmo Padilha

Como Inserir-me

Como inserir-me
em outro contexto
esse que proclamas
se a outra noite me chama
em desespero maior:
se o leme não comanda
a mão que se confessa
incompetente e gesta
seu próprio mar?
Onde bóiam
escombros que se vão
de mim à outra noite,
e juntá-los seria
acender novas chamas?

*Telmo Padilha, in Canto Rouco

Passatempo série «Detetive Psíquico»


O Clube de Leitores e a autora têm três exemplares para oferecer aos nossos seguidores da série O detetive psíquico. O vencedor recebe em casa os volumes I, II e o mais recente título «O Anjo Maldito» (o numero III da colecção). 

Para participar, basta responder ao seguinte: Que percentagem usamos nós do cérebro? Do que seremos capazes quando usarmos todo esse potencial oculto e desconhecido?
As melhores respostas enviadas em comentário a este post (tanto aqui no blog, como na página do facebook ou ainda no grupo) vão a uma finalíssima de 3 dias a ser votada pelos membros do blog e seguidores. 

O envio das frases deve ser feito até Sábado, dia 14 de Junho. Nos dias seguintes, anunciaremos as respostas que vão seguir para a finalíssima.

O concurso é válido para Portugal continental e ilhas.

Boa sorte! 

*O vencedor terá que enviar-nos a sua morada. Em caso de não o fizer, o Clube atribuirá o livro a outro(a) finalista. Fique atento!

Foto frase do dia: Florbela Espanca


Harold's Planet dá-nos a dica do dia!


sexta-feira, 6 de junho de 2014

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Eis a última parte do conto Lágrimas de Abril. 
Não se esqueçam de Wagner, pois deve ser a vossa companhia ao longo da leitura integral deste conto em três episódios. https://www.youtube.com/watch?v=SRmCEGHt-Qk
A morte também pode ser Redenção?



Diz-me, Maria Adelaide, porque tu sabes que desde aquela tarde de Abril em Paris que eu te amo sempre. Sempre, Maria Adelaide. E cada vez mais. A cada dia que passa, o calor da tua mão é maior. O teu sorriso é mais espaçoso. O teu amor é mais puro e verdadeiro. E tu sabes que eu não sou nenhum sentimentalista. Temos de ser práticos. Escarrar no Romantismo com a vaidade de um flâneur. (Eça teria gostado).
            Mas acredito em ti. Acredito na tua vontade de acreditar. Na tua esperança. Tu sabes.
            Março vai passando. O tempo vai passando. A Primavera cresce cada vez mais. O Sol brilha com mais intensidade. As flores crescem e abundam pelos jardins.
            Há lírios e rosas, Maria Adelaide. Lírios e rosas. Fauna e flora literária: um mundo de significados dentro de mentiras que são outras mentiras.
            Paris deve ser um segredo intemporal, Maria Adelaide, agora que Abril parece querer surgir enquanto Março se vai despedindo ao de leve.
            A minha doença cada vez mais em mim, nos meus ossos, nos meus pulmões, na próstata. Os médicos dizem-te que não devo chegar a Abril. Nova suspensão voluntária da crença. (Coleridge, essa besta, teria detestado o que por aqui vai).
Tu sabes que eu sei o que eles dizem, porque no teu silêncio, no teu dentro tu dizes-me tudo, porque nos conhecemos. Eu sei. E Abril mesmo a chegar. Vais-me amar mesmo quando eu morrer?
Eu só queria estar contigo em Paris, nos Campos Elísios, e voltar a ter forças de jovem. Queria voltar a dizer Amo-te, mas já não consigo. Gosto muito de ti. Não tenho forças para to dizer, mesmo com a tua esperança que sabes que começa a desvanecer. O tempo passa, Maria Adelaide, não podemos fazer nada. Mentira.
            Mas quero estar em Paris, outra e outra vez, contigo, e abraçar-te e beijar-te só porque és minha e eu sou teu e porque os castanheiros já estão em flor. Porque Abril chegou.
            Mas não.
            Mesmo que feche os olhos e pense com muita força não consigo viajar até Paris. 
Porque não tenho força para fechar os olhos. Não tenho braços com força para te abraçar. Não tenho voz para te dizer: Amo-te!
            Nós sabemos que o tempo continua a passar. Não para. Tenho medo que me esqueças.
          Diz-me, Maria Adelaide: Será que vais voltar a Paris e te vais lembrar de como passeávamos por entre os castanheiros e os choupos? Vais-te lembrar de nós e vais sorrir porque sabes que somos felizes? Porque seremos sempre felizes. Eu não me vou esquecer. Nunca.
Os médicos disseram-te que já não era necessário fazer mais quimioterapia. Não valia a pena. Agora é esperar. Vamos esperar, Maria Adelaide. Dá-me a tua mão. Abril é já amanhã. Vamos esperar.
            Leva-me até à janela para ver o mundo; leva-me à janela e deixa-me beber o último dia antes de Abril. E tu levas-me até à janela e dás-me a mão, como sempre. As nossas mãos dadas eram um ritual sagrado, um mito.
           
Gosto muito de ti. (o silêncio)

Tu sabes que eu quero dizer que te amo mas não tenho forças, mas tu sabes que nas palavras gosto muito de ti está muito mais do que gostar, porque tu vês com os olhos de dentro. Tu vês com o coração e sabes o que eu quero dizer. O Inexplicável. O Indizível.
            O fim do dia aproxima-se, a tarde é um horizonte caiado de Sol. A lua surge redonda, cheia, como um poço mágico. Ao longe, as montanhas ainda brancas com a neve de Janeiro nos cumes.
            Sabes, Maria Adelaide, eu vou morrer hoje.
            Tu sabes. Eu sei. Nós sabemos.
            Beija-me com os teus lábios. Abraça-me com toda a força que eu não tenho. Olha para mim e diz-me que nunca te vais esquecer de mim. Nunca. (Amor grande e bom e pleno. Ao longe, Wagner ou a ilusão)
            Porque eu só morrerei verdadeiramente quando te esqueceres de mim. E isso é que é morrer. Ser esquecido por quem nos ama.
              Deita-me na cama porque me dói o corpo todo.
           Deita-me na cama e dá-me a tua mão. Vamos à cerimónia que são as nossas mãos juntas, pela última vez.
            E as nossas mãos são mais, muito mais que as nossas mãos. São passarinhos brancos a voar até Paris. Tu sabes até onde eles voam.
            Deita-me, Maria Adelaide, deita-me, porque já não sei que mais dizer. A minha força é um ínfimo suspiro.
Nunca te esqueças de mim.
A noite surge escura, estrelada. A Lua brilha como uma pedra preciosa, altar de todas as ânsias. A sua claridade vem ao encontro do quarto onde estou deitado, vem ao encontro da minha face pálida como a cal das paredes que era a minha doença.
            Olho para ti, Maria Adelaide.
Gosto muito de ti.
É meia-noite.
            Continuo a olhar para ti e a amar-te ainda mais. Oiço Wagner, algures, em mim, não me perguntes porquê, Wagner, surgiu como a Redenção. Wagner, Maria Adelaide... Wagner...

Abril chegou, Maria Adelaide, nunca te esqueças de mim.

Foto frase do dia: Fernando Pessoa


Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Acabo de receber, caros amigos, pelo correio, azul, com urgência!, uma carta de Gonçalo que transcrevo, pois a carta não é mais nem menos do que mais umas impressões dos seus Cadernos de Nicosia.
Ora, este texto, intitulado "Impressões sobre Tannhäuser" serve como uma tentativa de explicação do conto  Lágrimas de Abril na sua totalidade!
Transcrevo o que Gonçalo que disse na sua carta: "Meu Querido José, peço-lhe que, antes de publicar a última parte do conto que na seguinte lhe envio, faça publicar estas impressões, ainda que com pouco nexo, sobre o amor e personagem que ama Maria Adelaide. No fundo, Maria Adelaide é uma e todas as mulheres, ou talvez não. Nunca fui dogmático, além do mais, a Literatura nunca precisou de mim. Por isso, peço-lhe, pelo cão, diria Sócrates, que me faça publicar estas linhas quase sem nexo, e já com alguns anos, sobre aquilo que já pensei sobre Wagner e o Amor. O que penso, hoje, daria outra carta, outra conversa.
Espero que encontre pela internet a abertura de Tannhäuser, para que se leia o conto completo ao som desse tão saboroso mundo encantado.
Muito seu.
Gonçalo V. de S.

“A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa.” (I Cor. 13,4).
O amor é capaz de superar todas as ameaças, todas as adversidades, todos os males, todas as injustiças, todas as guerras, fomes, pestes, silêncios. O amor é capaz de superar a própria vida e a morte.
Que impressões, então, de angústia, são estas que sinto ao escutar a abertura de Tannhäuser no meu quarto de hotel, com as janelas abertas para as ruas largas? Ao fundo, a Universidade do Chipre e a promessa, talvez, de uma tarde perfeita. Falta-me a personagem feminina. Onde estás, Maria Adelaide?
            No meu quarto uma pequena estátua de Vénus e talvez seja por isso que escuto esta abertura de Wagner. Não sei. Só sei que é um aperto enorme no coração, um aperto angustiadamente bom e saudável. Uma dor carinhosa, como um quase síndrome de Stendhal.
            Wagner, de tão cerebral que é, foi mais romântico que todos os heróis de Hugo ou Camilo. Tannhäuser é o Gilgamesh da nossa cultura, e até Deus se curvou perante ele, ao fazer florir o seu cajado!
            Aqui, nesta ilha onde se cruza o Egipto e todo o Norte de África, toda a Europa Mediterrânica, toda a costa da Palestina e das terras divinas para as religiões do Livro, que são porta para o Tigre e o Eufrates, porta para os pais da escrita e da narrativa, aqui, em Nicosia, no Chipre, vislumbro Vénus e Tannhäuser e Elisabeth, o papa e as paisagens italianas pintadas num céu azul e laranja, enquanto o vento fustiga as oliveiras e o cheiro a pão quente com azeitonas e vinho paira pelas colinas quase verdejantes do meu viajar interior. Sempre a mesma questão: quem é Wagner para me enfeitiçar com esta angustiada e prazerosa dor que quase dá vontade de chorar sem saber, verdadeiramente, por quê? Por quê? Por quê, Richard Wagner? Quem és tu? Bardo? Pastor? Poeta? Louco?
            “A caridade jamais acabará.” (I Cor. 13,8) Pasmo perante São Paulo e as suas reflexões, que são Cristo, sobre a caridade, o perdão e o amor. Quem é Vénus senão todas as mulheres e todo o desejo puro e carnal? Sim, porque o desejo carnal também é puro, pois, feitos à imagem e semelhança de Deus, Este também é carne, mas carne que não se corrompe em si. Deus corrompe-se em cada um de nós. Quanto mais amamos, mais nos corrompemos! Quanto maior é a nossa corrupção, maior será o divino e a alteza e magnanimidade de Deus! É o nosso amor que faz de Deus o que Ele é: ser supremo criador de criaturas que sem amar não são nada! Tannhäuser, Tannhäuser, Tannhäuser! Como é que não podias tu, amante incondicional, ter o perdão divino? O teu cajado floriu, assim como o de José mil anos antes.
Somos todos Vénus e Tannhäusers, pois somos feitos de pureza, corrupção e amor. “Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá” (I Cor. 13,10). Até lá, pequemos e sejamos impuros: amando-nos.
            O amor é o veneno e o antídoto. Maria Adelaide, que é feito de ti? Maria Adelaide? Maria Adelaide?
            Volto para o quarto e fecho a janela. O calor é abrasador e o meu refresco terminou. Pensei em voltar a sair à rua. O panamá olha-me, pensativo, à espera de uma resposta nos jardins de Nicosia. Água com gás e menta! E soda! Soda e limão, em doses barrocas!, grito eu para o velho Efraim.
            Sento-me no chaise-longue. Abro um livro à sorte.
            “Tudo o que sei… só sei porque amo.”
           


 https://www.youtube.com/watch?v=SRmCEGHt-Qk (A pedido de Gonçalo, para ouvir enquanto se lê estas impressões e o conto Lágrimas de Abril, quando este estiver completo)

a-ver-livros: contra o medo

Não te prendas
à insula que te isola
faz a ponte
entre ti e as sombras
de outras copas 
de outras nuvens
Usa as asas, 
amor,
e ousa o voo

Que o medo não é mais
do que a vertigem 
do ninho

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor polaco Igor Morski
siga o link www.igor.morski.pl

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Como prometido, ainda que com umas horas de atraso (ou engano propositado?) eis a segunda parte do conto Lágrimas de Abril , de Gonçalo, o Flâneur das sensações azuis.


          Agora acompanhas-me, dás-me a tua delicada mão que sente a minha pele já fria e próxima da morte. Tornei-me numa sombra que vive pela tua luz irradiante. A minha doença sempre a tentar fugir de ti, mas eu ainda sou mais forte que a minha doença, o meu amor por ti, Maria Adelaide, ainda é invencível, será sempre invencível, mesmo depois de a morte poisar as suas asas negras sobre mim. Porque a minha força é a tua força, e essa força é inesgotável, inabalável, incansável, incrível.
            A enfermeira diz para me levares para o quarto porque tenho de descansar, mas eu não quero. Eu quero que me leves até ao pátio do hospital para poder saborear um pouco deste ar de Fevereiro. Penso escutar Brahms.
            Leva-me até lá fora, Maria Adelaide, tenho de ver o sol e o céu que tanta falta me estão fazendo.
Vamos, Maria Adelaide. Com certeza que o horizonte já deve ser verde e os lameiros já devem estar cheios de água; com certeza que os bosques já estão com um novo aroma e que  os pássaros já começam a chilrear sem tanta timidez.
            Porque o mundo é fora deste hospital, Maria Adelaide. Tu sabes que eu sei que o mundo é lá fora e sorris para mim como se tudo fosse sempre novo. E é sempre novo, contigo a meu lado.
           
Gosto muito de ti.

            Porque eu quero ir lá fora respirar o mundo e beber um pouco deste Fevereiro que não pode ser sempre doentio. E tu sabes que eu preciso beber o mundo. Tu sabes. Há uma ordem, um equilíbrio que não pode deixar de existir simplesmente.
            Tu sabes.

Vamos, Maria Adelaide, antes que o dia se esgote. Tu sabes. Vamos, Maria Adelaide, vamos ver os choupos e todas as árvores do mundo. Vamos ver as montanhas e o quarto onde nos criam, mentindo. Vamos visitar o mundo todo que fica para lá destas portas e destas palavras.
            Porque, como lágrimas, somos força invisível em cada mês, em cada estação; como o céu, somos uma imensidade poderosa, viva, infinita. O nosso silêncio é a fúria das ondas do mar sem fim que é o nosso amor.
            Vamos, Maria Adelaide. Vamo-nos amar sem fim.
Março. Março é a Primavera a nascer. Como tu, Maria Adelaide, no dia do nosso casamento.
            Parece que não me vão deixar sair deste hospital nunca mais.
         Com certeza que os teus alunos devem estar a estranhar este longo período de ausência. Eles já devem saber. Que interessa isso? Dizes-me com um sorriso enquanto me beijas a testa pálida.
            O hospital é sempre a mesma coisa. (Descrição do hospital com laivos Realistas) Sempre palidez, sempre cal, sempre gente a entrar e a sair. Há toda uma indiferença por cada doença que se encontra em cada sala, em cada quarto, em cada esquina, em cada cadeira. É cada um por si. E tu comigo. Sempre comigo, Maria Adelaide. Sempre.
            Tu sabes tão bem como eu que vou morrer. Tu sabes. Eu sei. E finges ter esperança, na esperança que eu acredite em ti. E eu sempre acreditei em ti, Maria Adelaide. Sempre.
            Os médicos sempre a dizerem-te para eu não fazer nada, para repousar, para descansar, e eu com uma vontade imensa de ver a Primavera nascer em cada manhã, lá fora, no mundo que agora parece muito distante. No mundo que agora é uma manhã de Março.
            Eu com uma vontade maior que uma lei. Uma vontade enorme de ver as amendoeiras em flor, o rio a correr docemente, as flores a desabotoarem cada botão que é um segredo para todo o mundo que é uma grande indiferença.
            Depois de eu morrer, vais-me continuar a amar?
Eu sempre a querer ver o mundo que era fora daquele hospital, daquele quarto, mas os médicos não deixavam, o tempo não deixava. A minha vontade era correr contigo a meu lado, voltarmos a ser felizes em Paris e em todo o mundo, mas os médicos não deixavam, o tempo não deixava.
            Tu a sorrires para mim era um antídoto, uma paz que atravessa o sangue e as veias. Os nossos beijos, Maria Adelaide, eram fogo que queimava por fora e por dentro. As nossas lágrimas eram sangue que fervilhava em cada veia, em cada palpitação.
            Crescíamos dentro das coisas íntimas como ramos de árvores interiores que se espalham pelo corpo que há dentro de cada homem, de cada vontade, de cada sonho. Crescíamos dentro dos segredos e do silêncio que há em cada peito, em cada gesto que carrega um significado.
            A nossa pele era um rio de memórias sem fim. Os nossos corpos eram uma noite estrelada e romântica.
Que vais fazer à nossa casa? Vais vendê-la? Vai deixar de ser Casa? Talvez a nossa Casa seja o nosso amor, as paredes que sustentam todo o nosso querer. Por isso, nunca seremos refugiados ou sem-abrigo, porque nos temos um ao outro. Sempre. És a minha Casa.
            Talvez.
O hospital cada vez mais pálido, mais frio, mais sensabor. A tua mão sempre a aquecer a minha mão. O teu sorriso a aquecer-me por dentro. A tua esperança sempre a dar-me forças, onde já não havia tempo nem lugar para a força. Acentuar o trágico. (Racine teria desviado o olhar).
            Tu, Maria Adelaide, amas-me sem fim, eu sei.
            Tenho medo que te esqueças de mim, depois de morrer. Tenho medo de me tornar numa memória distante, vaga, que seja uma poeira, um pó de uma estante, uma fotografia escondida. Tenho medo que tenhas medo de voltar a falar de mim. Tenho medo que venhas a esconder o nosso amor que nunca acabará.

            Tenho medo que me esqueças.

Porque há forças mais poderosas que o tempo. Há momentos mais eternos que o infinito. Há vidas, Maria Adelaide, que se tornam intemporais nos outros.

            Diz-me, Maria Adelaide, o teu amor por mim vai ser uma arca sem chave, sem tesouro lá dentro? Vais esconder as nossas fotografias? Vais queimar as minhas roupas? Vais ter medo de falar de mim e do nosso amor?

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Poema à noitinha... António Osório

Amo os Teus Defeitos

Amo os teus defeitos, e tantos
eram, as tuas faltas para comigo
e as minhas; essa ênfase
de rechaçar por timidez; solidão
de fazer trepadeiras, agasalhos
para velhos, depois para netos;
indulgência de plantar e ver
o crescimento da oliveira do paraíso,
carregada de flores persistentemente
caducas; essa autoridade, irremediável
desafio; e a astúcia
de termos ambos quase a mesma cara.

*António Osório, in A Ignorância da Morte

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



"Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira." Assim começa o grande romance de Tolstoi Anna Karénina.
Será a banalidade um aspecto da felicidade?
E a infelicidade? Ser infeliz é ser genuíno?
Dúvidas que o Gonçalo me lançou logo após me enviar este conto que também faz parte do livro de contos Homens e Demónios.
Eis a primeira parte deste estranho conto de um homem moribundo.

Janeiro. O tempo era frio. O céu não surgia pintado de azul mar. Não havia segredos ou mistérios no ar. Tudo era frio e nevoeiro e incerteza. Janeiro.
Tu a meu lado, no jardim, no rio, na viagem. O frio era a certeza inevitável e dolorosa do meu amor por ti. Constante. Fiel. A certeza mortal e moribunda de te ter só para mim, em mim, por ti. Éramos um só, caminhando pelas florestas despidas de Primavera e de tempos amenos. Vivíamos de uma forma perfeita todas as definições plenas de amor e felicidade dentro do locus horrendus que outros inventaram.
Depois, a realidade a ser os teus lábios dizendo o meu nome como um segredo bom e grande e justo. Depois os teus olhos pedindo os meus olhos e a minha boca como quem pede: água. Depois o teu sorriso a ser o meu sorriso. O teu palpitar a ser o meu palpitar. O teu corpo a pedir o meu corpo como uma súplica morna: amor. O teu vaso acolhendo, sem medo ou receio, a minha vida, o meu futuro que, inconsciente, pedia: vida. És a minha vida, dizia-te, enquanto os leitores acreditavam, ou não, nos momentos que só nós vivemos e não vivemos.
O tempo. Sempre.
Escrevo para poder respirar e para não ter medo da verdade. O que é a verdade? O que é a mentira? Verdades ficcionais? Mentiras reais? Que interessa tudo isso? Para que serve o mundo e a vida?
            Agora estou nesta cadeira de rodas e tu sorris-me e fazes-me feliz neste momento que é todo o tempo. E esta cadeira de rodas prende-me o corpo que quer ir beber desse ar fresco de Janeiro, que sendo doentio, é fresco, porque, para mim, é a liberdade de uma doença que me aprisiona. E a doença que há em mim é terminal, dizem os médicos.
Num momento estamos em Janeiro, saboreando toda uma paisagem. Noutro momento tens uma doença terminal. Inevitável. Que anuncia o fim de tudo o que foram os teus projectos, de tudo o que foi a tua vida até agora.
            Num momento, o mundo faz sentido, noutro, não.
Tu, Maria Adelaide, sempre me acompanhaste, porque me amas sempre mais.
            Mas eu pergunto-me: Amar-me-ás depois de eu morrer?
            Acompanhas-me com o teu sorriso, com o teu olhar acolhedor, enternecedor, com a tua beleza de mulher imaculada, sempre bela, que nunca foi corrompida pelo mal. Minha. Acompanhas-me com tudo o que és para mim, que vale tanto. Que não tem valor. Vejo a minha vida e toda a minha vontade no teu silêncio, no teu dentro.

Tenho medo que me esqueças. Depois, o vazio…

            Os teus cabelos são o vento que me sussurra ao ouvido palavras de um amor romântico e verdadeiro como sempre foi o nosso.

            Lembras-te, Maria Adelaide, de quando íamos passear para o cais, de mão dada, como dois jovens apaixonados? Lembras-te de como éramos felizes na nossa indiferença perante o mundo que nos era indiferente? Lembras-te, Maria Adelaide, dos tempos que passámos juntos, que duram para sempre, lembras-te?
            Agora é Fevereiro e há todo um mundo lá fora, à nossa espera. Mas eu não tenho forças. E tu sabes o quanto me custa não poder ver o mundo e o sol!
            Fevereiro é um hospital. É um quarto pálido, com cal por todo o lado. Fevereiro é a minha doença sem fim a espalhar-se por cada canto do quarto e deste hospital pálido. E a doença é pegajosa e prende-se a tudo.
            Lembras-te, Maria Adelaide, do dia do nosso casamento? Como ias bela, eras uma manhã de Primavera a florir.

            Diz-me, Maria Adelaide, vais continuar a amar-me como dantes, depois de eu morrer?
           
Lembro-me da nossa viagem a Paris, antes de sermos namorados, Maria Adelaide, e do anel que te dei nos Campos Elísios. O sol brilhava com toda a beleza das coisas mundiais, os castanheiros já estavam em flor. Abril. E disse: Amo-te. Nunca mais me hei-de esquecer dessa nossa viagem a Paris. E perguntei-te se querias ser minha namorada. Beijámo-nos. Tu respondeste, sim, meu tonto. Beijámo-nos. Lembras-te, Maria Adelaide? Nunca me esquecerei.
            Nunca.

Vais continuar a gostar de mim depois de eu morrer?

WOODLAND, by Alireza Darvish

WOODLAND
(The Drawings) Vision Bound Unbound
Alireza Darvish 2014



a-ver-livros: ecos

De que falam 
quando falam de tudo
as vozes que acham
que tudo sabem?
De que falam?
quando só escutam
o que pode trazer respostas 
nunca perguntas
águas turvas de realidade 
impura
nunca a limpidez 
criadora
da dúvida
De que falam
as vozes que não ecoam
mais do que
o nada?

Ana Almeida

* para conhecer mais da pintura da húngara Marta Kiss
basta seguir o link www.kissmarta.com

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Poema à noitinha... Vasco Miranda

Respira Naturalmente

Respira naturalmente como erva
Acordada ao orvalho da manhã.
Voz exacta da noite é o silêncio e a
Seta que trespassa os nossos olhos fundidos
No espanto do milagre
Inominado.
Respira como quem canta.
Natural. Espontâneamente.
Ou como quem apenas vive. Ou
Mente, e apenas mente.
No olhar traído,
A sombra dúctil de ser
Força móvel e irreversível.
Gume de um só lado. Vamos!
Respira. Abre, diurno, à inflexível luz
A dor do teu olhar calado.

*Vasco Miranda, in Poesia 71 - Portugália Editora

Foto frase do dia: C. S. Lewis


Tom Gauld: Four Obstacles to Writing

Four Obstacles to Writing, Tom Gauld. 


a-ver-livros: ter ou não ter

Tenho sono 
e não tenho sono. 
Tenho rumo 
e não tenho boleia. 
Tenho a tua falta 
e não conheço 
a saudade.

Ana Almeida


terça-feira, 3 de junho de 2014

Poema à noitinha... António José Forte

Retrato do Artista em Cão Jovem

Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás de lágrimas maiores
este é de todos o teu melhor retrato
o de cão jovem a que só falta falar
o de cão através da cidade
com uma dor adolescente
de esquina para esquina cada vez maior
latindo docemente a cada lua
voltando o focinho a cada esperança
ainda sem dentes para as piores surpresas
mas avançando a passo firme
ao encontro dos alimentos

aqui estás tal qual
és bem tu o cão jovem que ninguém esperava
o cão de circo para os domingos da família
o cão vadio dos outros dias da semana
o cão de sempre
cada vez que há um cão jovem
neste local da terra

*António José Forte, in 40 Noites de Insónia de Fogo de Dentes numa Girándola Implacável e Outros Poemas

Foto frase do dia: Raul Seixas


É do borogodó: a chícara contada

PARA VER O VÍDEO SIGA O LINK:
https://www.youtube.com/watch?v=SsEt3_JyNGE&feature=youtu.be

E se os livros nascessem das árvores?

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Poema à noitinha... Mário de Sá-Carneiro

A Inegualável

Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de setim...
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem joias pretas...

E tão febril e delicada
Que não podesses dar um passo -
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de côr no regaço...

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias fôssem guisos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata...

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim -
Os teus espasmos, de sêda...

- Água fria e clara numa noite azul,
Água, devia ser o teu amor por mim...

*Mário de Sá-Carneiro, in Indícios de Oiro

Tom Gauld: VIRGIL'S HELL TOURS INC.

VIRGIL'S HELL TOURS INC., Tom Gauld.

Emílio Miranda, dia 25

Acreditas que sei amar melhor porque digo palavras belas?
Elas já são todo o meu amor…
Todo o amor que sei…

Emílio Miranda 


Foto: Cláudia Miranda

about today

Paul Naller, Hidden Cafe



espero por ti na esplanada 5 versos antes
do teu regresso, na companhia da dona do café que janta sozinha ao balcão
lá dentro, e com o piscar de olhos das ambulâncias que passam
com ar de criança matreira que sabe que alguém está a ser enganado
e eu estendendo a quilometragem dos versos no meu bloco minúsculo
mudo as diretrizes orientadoras da criação
pois sei bem que chego sempre adiantado
servo da premonição das tuas pernas
que ora são portas de carne abertas a amores estrangeiros
ora são as 2 esferográficas do meu estojo imaginário,
necessárias à minha geografia respiratória.

domingo, 1 de junho de 2014

Snobidando: John Mateer

ANTOLOGIA BREVE, John Mateer -Língua Morta, 2011
Tradução de Miguel Martins.

Acompanhe a página da Livraria Snob no Facebook. Abre brevemente, em Guimarães. Pode lá encontrar isto e muito mais.

A conversa entre Matilde Campilho e José Mário Silva

A conversa entre Matilde Campilho e José Mário Silva, no Atual, a propósito de «Jóquei».

*retirado da página do Facebook, das Edições tinta-da-China.


Apanhei-te a ler... dia 4

Barack Obama

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

As cores das flores

                                         "As flores são de cor passarinho e existem muitas cores de flores.
Por isso há muitos passarinhos, porque há um passarinho para que cada flor tenha a sua cor."