sábado, 26 de novembro de 2011

In Seta Despedida



George

Mas nesse tempo, dantes, não sabia quem era Modigliani e outros que tais, não eram lá de casa, os pais tinham sido condenados pelas instâncias supremas à quase ignorância, gente de trabalho, diziam como se os outros não trabalhassem, e sorriam um pouco com a superioridade dessa mesma ignorância se a ouviam falar de um livro, de um filme, de um quadro nem pensar, o único que tinham visto talvez fosse a velha estampa desbotada do Angelus que estava na casa de jantar.

Com superioridade, pois, e também com uma certa indignação. Ou seria mesmo vergonha? Como quem ouve um filho atrasado dizer inépcias diante de gente de fora que depois, Senhor, pode ir contar ao mundo o que ouviu. E rir. E rir.

Já não sabe, não quer saber, quando saiu da vila e partiu à descoberta da cidade grande, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem.


I'm a Dubliner: O museu dos escritores...


Aterrado em Dublin, os primeiros passos foram dados a procurar a literatura, os livros, os cantos e recantos que dedicam frases aos grandes escritores, livrarias velhas e novas e, pois claro, a visita a este Museu.

O Museu dos Escritores em Dublin (ver site aqui) tem o ar de casa antiga, fachada típica do centro da cidade. Mas passa um pouco despercebido, portanto qualquer turista distraído pode facilmente perdê-lo.

À entrada, o simpático Sr. pergunta-me se quero levar um aparelho que explica tudo o que vamos acompanhando ao longo das salas. Enumera vários idiomas, o nosso não. Opto pelo Inglês - acreditei ser sempre preferível escutar na própria língua do que, por exemplo, Castelhano.

E assim comecei a viagem. Pelas origens da Literatura Irlandesa até aos nossos dias. Foi óptimo acompanhar a história de Jonathan Swift, George Bernard Shaw, Oscar Wilde, W. B. Yeats, Samuel Beckett, James Joyce, entre tantos outros.

O museu apresenta primeiras edições de alguns títulos, velhas máquinas de escrever, objectos pessoais, retratos, cartas escritas à mão, pinturas... Um infindável número de coisas interessantes que nos transportam a outros tempos, à vida de alguns dos nossos heróis literários. A tantas histórias desconhecidas...

Confesso que não sabia que Bram Stoker - por pura ignorância - era Irlandês. E lá estava imortalizada (por entre outros escritos e objectos) a sua grande obra: Drácula.

O espaço tem, bem lá no fundo, uma loja simpática. Aproveitei para trazer duas obras de Joyce: Dubliners e A Portrait of the Artist as a Young Man.

Saio do Museu com uma sensação enorme de alegria. Sinto que fiz parte da História. Daquele espaço, daqueles escritores, daquele ambiente... da história da minha própria vida.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Poemas que dão música - Carlos Paião


Acaba de ser lançada a biografia de Carlos Paião pela Âncora Editora.

"Depois da publicação da biografia do compositor Nóbrega e Sousa, Nuno Gonçalo da Paula prossegue as suas investigações no campo da música portuguesa contemporânea com a biografia do cantor e compositor Carlos Paião, falecido com apenas 30 anos, vítima de um acidente de viação. Nascido a 1 de Novembro de 1957, em Coimbra, Carlos Paião viveu a infância em Ílhavo, onde escreveu, aos oito anos, a primeira quadra e, um ano volvido, a primeira composição. Em Lisboa, tornou-se um médico apaixonado pela música. As suas letras foram cantadas por artistas consagrados, como Amália Rodrigues, Fafá de Belém, Nicolau Breyner, Raul Solnado, Herman José, Florbela Queiroz, Joel Branco, ou Lenita Gentil. Vencedor de vários prémios, destaca-se o Festival RTP da Canção de 1981, com o inesquecível Play-Back. O criador de O senhor extraterrestre e Eles foram tão longe editou treze singles e dois LPs, entre 1981 e 1988. A obra inclui numerosos testemunhos, entre os quais os dos pais, esposa, António Sala, Eládio Clímaco, Florbela Queiroz, Herman José, Joaquim Letria, Maria Barroso Soares, Ramon Galarza e o já falecido Raul Solnado."

Hoje recordamos - em jeito de tributo - Pó de Arroz. Numa versão de Tiago Bettencourt e Mantha, mais curta que o original.



"Pó de Arroz,
Na face das pequenas
Será beleza apenas, só
Uma corzinha com

Pó de arroz
Rosa é, mulher o pôs
E o homem vai nas cenas
Eva e Adão outra vez
É como enfeitar um embrulho
Arroz com gorgulho talvez

Pó de arroz
Do teu arrozal
Esse pó que é fatal
És a tal que me encanta com

Pó de Arroz
Não faz nenhum mal
É de arroz integral
Infernal, quando chegas com
Todo o teu arroz

Pó de Arroz
Tens hoje só pra mim
Pós de perlimpimpim
És um arroz doce sim

Pode ser
Um canto de sereia
Serei a tua teia
E tu serás meu algoz

Mas quando te vais alindar
Alindada vens dar no arroz"

Lembra-te, por Mário Cesariny


Um poema que podem encontrar em Pena Capital.

"Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos"

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

a-ver-livros: A leitora descalça

Oberlin, no estado norte-americano do Ohio, ali para a zona de Cleveland e Detroit, é uma cidadezinha com 11 quilómetros quadrados.

Sensivelmente o mesmo que a nossa cidade do Cacém, ali para os lados de Sintra. Com a diferença de que eles têm 8.000 e poucos habitantes e, por cá, na mesma área, somam-se 120 mil e mais uns trocos. Enfim.

Contra os nossos prédios e mais prédios e a IC19, eles avançam com uma zona mais verde do que urbana rodeando um pólo universitário essencialmente virado para as artes, famoso entre outros aspectos por ter sido a primeira instituição de ensino superior nos EUA a aceitar regularmente mulheres e negros.

Sim, aquela comunidade tem qualidade de vida. E tem outra coisa que me chamou a atenção: sentido de humor.

Junto ao balcão principal da Biblioteca Mudd, no coração do campus, a escultura “The Reading Girl” lá está, umas vezes envergando peças de roupa, outras vezes acessórios, na maior parte do tempo calçado, marcando as memórias de geração atrás de geração de estudantes que a embelezaram. Ao que foi possível apurar, nesta altura do campeonato – e na maior parte do tempo – a rapariga que lê tem no pezinho delicado uma sapatilha Converse azul, tamanho 38.

Arrancada da pedra pelo escultor novecentista John Adams Jackson – muitos anos depois dele ter deixado de ser um jovem aprendiz de maquinista e poucos antes de regressar à italiana Florença que o cativou na juventude para viver o resto dos seus dias – “The Reading Girl” tem data de nascimento em 1869.

Na sua tez pálida, ela é a testemunha impávida do passar do tempo numa biblioteca que vibra com a rápida evolução das tecnologias. O mundo pula e avança e ela continua ali, perdida no encanto da leitura.

Quero acreditar que, de vez em quando, levanta os olhos do livro que tem nas mãos e pisca o olho a alguém.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Marcadores de Livros: Irish Writers

Em muitas livrarias e nos museus dedicados aos escritores de Dublin encontram-se à venda marcadores de livros com imensos feitios. O que me acompanhou para Portugal faz parte da Liam Blake Collection. Blake é um fotógrafo que dedica o seu tempo a mostrar as paisagens, costumes e pessoas da Irlanda. Sempre de uma forma criativa e poética. Desde já, o convite ao seu site.

Aconselho também outra visita para descobrirem o melhor da Irlanda em formatos pequenos. É de lá que vem este marcador de livros. Ver aqui.


Depois da publicidade, venho deixar as citações que me calharam. Para melhor entenderem a essência, ficam em Inglês.

"Being Irish, he had an abiding sense of tragedy, which sustained him through temporary periods of joy." - W. B. Yeats (1865-1939)

"Our greatest glory consists not in never falling, but in rising every time we fall." - Oliver Goldsmith (1728-1792)

"A man who is not affraid of the sea will soon be drowned, he said, for he will be going out on a day he shouldn't. But we do be afraid of the sea, and we do only be drownded now and again." - John Millington Synge (1871-1909)

"Conversation about the weather is the last refuge of the unimaginative." - Oscar Wilde (1854-1900)

"On Pembroke Road look out for my ghost,
Dishevelled with shoes untied,
Playing through the railings with little children
Whose children have long since died." - Patrick Kavanagh (1904-1967)

I'm a Dubliner: os irmãos Yeats


Muita gente fala do grande escritor William Butler Yeats (mais conhecido por W.B. Yeats) sem saber que é irmão de um dos maiores pintores Irlandeses daquele tempo: Jack Butler Yeats.

"Os temas favoritos de Yeats incluem a paisagem (e o céu), cavalos, o circo e os saltimbancos. As suas obras iniciais distinguem-se por uma energia simples no uso da linha e da cor; as suas obras mais tardias, por um tratamento extremamente vigoroso e experimental na aplicação de pinceladas quase grosseiras. Usa frequentemente a pincelada no seu todo, aplicando a tinta numa grande variedade de formas, mostrando-se interessado no poder expressivo da cor. Apesar da sua posição como o mais importante dos artistas irlandeses do século XX, com um sucesso comercial também assinalável, não teve discípulos e nunca deixou ninguém vê-lo a trabalhar - o que ajudou a torná-lo uma figura única.", diz a wikipédia na biografia do pintor.


Chegado a Dublin, percebi logo que não podia estar perante o prémio Nobel da literatura Yeats e, ao mesmo tempo, imaginar que ele pintava assim. E era verdade: há dois Yeats famosos na Irlanda: William e Jack.

Mas não foram só os homens da casa que se dedicaram às artes. As irmãs fizeram ambas parte do movimento Arts and Crafts. Elizabeth e Susan foram professoras de arte.


Numa cidade onde a maioria dos museus é gratuita, podem ver a obra de Jack na National Gallery of Ireland, espaço fabuloso da melhor pintura Irlandesa e alguns quadros de artistas mundialmente famosos, como um Picasso ou um Van Gogh.

Para terminar, deixo foto junto a uma frase do Yeats (escritor). Estão espalhadas por Dublin, é só procurar! Os Irlandeses têm imenso orgulho dos famosos que emprestaram ao Mundo...

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A primeira foto de Dublin...


Dublin vai ser contada aos poucos neste blogue... Para já, apareço aqui com o amigo Oscar Wilde. Não liguem aos olhos fechados, fiquei ofuscado com tanto livro e literatura à minha volta...

(abram a foto e leiam a frase!)

domingo, 20 de novembro de 2011

In Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia



A Prova de Vida

É quase certo que enquanto viveu ninguém o tratou por senhor. Era simplesmente o Jaime. Para a mulher, os vizinhos, o patrão, o padre, as crianças e o correio.

(...)

O casamento com a Mariana tinha sido um arranjo. Ela era expedita, dessas raparigas saudáveis de quem o velhos dizem quando elas passam: não tarda a emprenhar. Mas órfã e pobre, a viver com uma avó que ia mendigar às terras de longe, para que não se soubesse. Sabia-se, claro.

O Jaime tinha uma horta, uma burra e aquele defeito de ser calado. Ninguém lhe conhecia mais senão. Era bom jornaleiro, os patrões traziam-no nas palmas, só se embebedava nos dias de festa, e isso porque os outros apostavam que um dia ainda haviam de o fazer falar.

O namoro foi curto, celebrou-lhes o casamento entre duas missas, e o primeiro filho, um rapaz, nasceu como compete: aos nove meses.

O resto da sua vida quase se passou sem história. Ia à jorna, ia à feira, de meio em meio ano mandava ferrar a burra. Chamaram-lhe uma vez o médico por estar às portas da morte com uma dor no peito. Acirravam-no quando a mulher aparecia grávida. De brincadeira, a ver se havia maneira de o pôr a falar.

Inventavam absurdos. Que na feira de Izeda tinham visto a Mariana aparceirar um cigano e meteram-se depois ambos por um campo de trigo.

- Faz as contas. A Catarina nasceu em Março. A feira é em Julho. E da feira a Março quanto tempo vai? Diz lá. Ó Jaime, onde é que ias arranjar aqueles olhos azuis à rapariga?

Sorria.