sábado, 1 de dezembro de 2012

Há uma nova Ilha no Porto


A editora A Ilha apresenta-se agora ao público, do pouco que sabemos uma ideia fica: promete e promete bem. Quer “editar obras de autores cuja qualidade, independentemente do seu muito ou pouco reconhecimento público, seja inegável.” Ficamos à espera de mais novidades que para já só mesmo a partir da sua página no Facebook.

A editora A ILHA acaba de publicar "Mulheres de Armas", uma antologia de histórias, algumas deles inéditas em português, marcadas por personagens femininas insubmissas, de carácter por vezes sombrio. É um livro que nos convida a revisitar autores consagrados e a descobrir outros menos conhecidos.

«Há uma grande diferença entre usarmos as normas sociais como pulseiras ou algemas»
["Quem era ela?" BAYARD TAYLOR , in MULHERES DE ARMAS - Doze histórias sobre o sexo fraco]

Heteronímia, Fernando Pessoa e Licor Beirão!

Heteronímia: do grego heteros = diferente; + ónoma = nome.

É caso para perguntar: o que têm Fernando Pessoa e o Licor Beirão em comum? Melhor ver o anúncio...

a-ver-livros: dúvidas e Melissa Peck

Qual de nós o positivo?
Qual de nós o negativo?
Qual de nós a força motriz

para o florir das primaveras
para o fluir das águas
para o cair das neves?

Qual de nós o passado? 
Qual de nós o futuro?
Qual de nós a tela pintada

e qual o livro?
Qual de nós importa?

* para conhecer mais sobre a norte-americana Melissa Peck
siga o link www.melissapeck.com

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Festa do Livro de volta à Fundação Cupertino de Miranda


E porque o Natal é feito de tradições, a Fundação Dr. António Cupertino de Miranda voltará a acolher uma nova feira do livro que decorrerá de 1 a 23 de Dezembro, das 13h00 às 20h00, nas suas instalações, na Avenida da Boavista (junto à entrada do Parque da Cidade) no Porto.

E não se esqueça um livro para além de bom amigo é também uma boa prenda!

Detective Livreiro no Clube de Leitores

Clique na imagem para aceder à página

O Clube de Leitores continua a crescer e quer fazer chegar o mundo dos livros a mais pessoas. Assim vamos alargando a nossa rede de contactos e de parcerias. Pessoas, associações, editoras, livrarias e muitas outras formas de organização e instituições que queiram trabalhar e colaborar connosco para o mesmo fim: a divulgação e promoção dos livros e da leitura.

Hoje apresentamos mais uma dessas parcerias. O Detective Livreiro, da responsabilidade do Pedro Ferreira (eu), colaborador aqui do Clube de Leitores, que passa a ter um botão com link directo aqui na barra lateral.

"Da paixão à função. Do amor pelos livros a um serviço com a garantia de qualidade de uma pessoa com experiência na área. O oficializar de algo que já era feito informalmente. Aqui ficam os serviços que podem procurar. Façam Gosto na página e venham descobrir o Detective Livreiro. Partilhem e façam desta página um favorito para mais tarde recordar e usar.
 
Forneço os seguintes serviços:
- procura de títulos não disponíveis nas redes de livrarias convencionais
- procura de listas de títulos
- venda de livros de fundo próprio e de terceiros, bibliotecas pessoais e etc
- assessoria de comunicação na área editorial
- personal shopper na área editorial

Contacta-me pelo Facebook ou pelo email detectivelivreiro[arroba]gmail.com para mais informações ou dúvidas."

1º Parágrafo: Os Cavalos de Tarquínia


- Sara levantou-se tarde. Passava já das dez horas. O calor já lá estava, igual a si próprio. Precisava sempre de alguns segundos todas as manhãs para se lembrar que estavam ali a passar as férias. Jacques continuava a dormir, a criada também. Sara foi à cozinha, bebeu uma chávena de café frio e saiu para a varanda. A criança era sempre a primeira a levantar-se. Estava sentada completamente nua nos degraus da varanda, a vigiar ao mesmo tempo a circulação dos lagartos no jardim e a dos barcos no rio.



* Tradução de Maria da Piedade Ferreira

a-ver-livros: gelada com Frédéric Rébéna

Agarra-me nas mãos geladas
esconde-as
no calor ilusório dos teus sonhos

Preciso ser tua antes
que expluda em mil
pedacinhos sem pertença

Antes que estilhasse
o que resta
das desilusões

* para saber mais sobre o francês Frédéric Rébéna
siga o link  www.garance-illustration.com/index

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Lendas do Porto, o regresso!


É um regresso muito esperado pelo público. Depois do sucesso que foi o Lendas do Porto eis que surge agora um segundo volume. Desta cidade e região com tanta história para contar só se poderia mesmo pensar esta obra em volumes. De certo que será um sucesso como o primeiro. O Clube de Leitores preparou várias surpresas para este livro, para já fica o convite para no sábado virem à apresentação no Porto... brevemente mais noticias!

O livro será apresentado por Rui Moreira, Presidente da Associação Comercial do Porto e director da revista “O Tripeiro”. A sessão terá lugar a 1 de Dezembro, sábado, pelas 17h00, no Pátio das Nações do Palácio da Bolsa, no Porto (Rua Ferreira Borges, 101).

"Podemos, na maior parte das vezes, sorrir com o carácter naif e fabuloso das velhas lendas de mouras encantadas e de tesouros escondidos ou perdidos, mas persistimos no gosto de conhecer e perpetuar essas narrativas tecidas ao longo dos tempos. Cativados pela sua magia e poesia, contrastante com este nosso mundo em aceleração técnica e informativa, condescendemos a deixarmo-nos encantar por histórias que, durante largos séculos, foram sendo forjadas…" - da introdução de Joel Cleto

Depois do sucesso de Lendas do Porto, este segundo volume dá a conhecer mais duas dezenas de histórias tradicionais da região, não abdicando de uma análise crítica que não só explica o que nelas é inverosímil, mas que valoriza também o que nelas há de credível. Do povo que habitava há mais de dois mil anos o Monte da Senhora da Saúde, de que se perdeu a memória, até aos surpreendentes materiais de construção utilizados por Siza Vieira na Casa de Chá da Boa Nova, o leitor encontrará também, ao longo das páginas deste livro, as lendas que justificaram a relação da cidade com os seus três santos padroeiros, o motivo da associação do Futebol Clube do Porto ao dragão, a explicação de topónimos como Vitória ou Campanhã.

E porque o Porto é um território comum de Identidade, de Memória e de Património(s), de uma comunidade que não se confina ao espaço definido pelo rio Douro e pela Estrada da Circunvalação, as lendas que explicam a construção da igreja de Matosinhos, o reflexo da peste negra nas margens de Gaia, ou a origem das Águas Santas da Maia, juntam-se às suas congéneres portuenses, à mistura com tesouros até hoje escondidos, belas mouras encantadas, misteriosas deslocações de igrejas…

1º Parágrafo: O Homem que Olha


Seis e meia. Durmo pouco, não mais do que seis horas por noite e, mal acordo, consagro cinco, dez minutos a essa estranha ocupação que tem o nome de pensamento. Em que penso? Dito assim, poderá até parecer ridículo: penso no fim do mundo. Não sei quando nem de que maneira teve início este hábito; talvez não há muito tempo, a seguir à leitura de um livro que por acaso descobri em cima da mesa de trabalho do meu pai, que ensina Física na universidade – um livro, como muitos outros, acerca da guerra nuclear. Ou talvez tenha havido outro motivo vindo não se sabe de onde e depois desaparecido da minha memória, como desaparece a semente, uma vez que a planta cresceu. Por outro lado, é inexacto dizer que penso na guerra nuclear. Talvez pense apenas na impossibilidade de a pensar. Mas não há dúvida que nesses cinco, dez minutos após o despertar não é noutra coisa que penso.


* Tradução de Miguel Serras Pereira

a-ver-livros: poeiras e Lucien Mandosse

O tempo passa 
e as estrelas explodem
palavras enrolam-se nas treliças
das tuas pernas 
e fazem sombra aos dias
há sonhos que crescem
amadurecem
e definham até à poeira vaga
dos ossos

E ainda assim chamamos-lhe
amor

* para saber mais sobre o pintor francês Lucien Mandosse
siga os links www.flickr.com/photos/11598243www.facebook.com/pages/Lucien-mandosse

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Poema à noitinha... Emily Dickinson

*O Êxito Parece a Mais Doce das Coisas

«O êxito parece a mais doce das coisas
A quem nunca venceu na vida.
Ter a compreensão de um néctar
Exige a mais dolorosa necessidade.

De entre o purpúreo Exército
Que hoje empunhou a Bandeira
Nenhum outro poderá dar uma tão clara
Definição da Vitória

Como o vencido - agonizante -
Em cujo ouvido interdito
A distante ária triunfal
Ressoa nítida e pungente!»

*In «Poemas e Cartas, Antologia para um recital», da Cotovia. 


«Emily Dickinson (1830-1886), ignorada no seu tempo e até às primeiras décadas do nosso século, é hoje reconhecida como um dos maiores vultos da literatura norte-americana. Uma vida de isolamento literário, marcada pela exclusão gradual do seu círculo de amigos e por uma existência retirada num mundo muito próprio, restringe a fragmentos os seus dados biográficos. Uma escrita enigmática, assente em construções elípticas e num sentido a descobrir, próximo do aforismo, caracterizam o seu universo poético. A confluência da sua vida e obra cativa-nos pelo paradoxo, e é na busca da revelação que radicam o prazer da leitura e o interesse do estudo da poesia dickinsoniana».

Cecília Rego Pinheiro, in «Phala», nº57

Vamos conhecer a obra de Vladislav Vančura, «Markéta Lazarová». Conferência no dia 30 na Casa Fernando Pessoa


*A bela Markéta Lazarová, uma jovem pia e de coração humilde, filha mais nova do bandido Lazar, é raptada por Mikolas, descendente de Kozlík, impetuoso líder de uma temível família de salteadores de estrada, rival de Lazar. A rapariga renuncia a Deus e à família e perde-se de amores pelo seu raptor, envolvendo-se numa guerra sangrenta que vai espalhando a morte e a desgraça à sua volta. 

Markéta Lazarová, tida como a obra maior de Vladislav Vančura, é a prova de que os grandes amores não precisam de ser amores-perfeitos. Nesta espécie de poema épico moderno, em que o amor e a morte são duas faces da mesma moeda, Vančura eleva a um patamar superior o culto da palavra e a arte estilística, o que resulta numa narrativa fascinante, que, não sendo fácil, nos prende desde o primeiro momento.

Marketá Lazarová foi adaptado para o cinema em 1967, por František Vláčil sendo considerado por muitos o maior filme checo de todos os tempos. «Em Markéta Lazarová, Vančura faz pela literatura checa algo semelhante ao que James Joyce fez pela literatura inglesa com Ulysses: romper com o realismo que dominava anteriormente para abrir uma nova fronteira estilística.»

*Alex Zucker, tradutor para inglês de Markéta Lazarová 

«Vladislav Vančura, o meu primeiro amor literário.»
Milan Kundera


Vladislav Vančura (1891 - 1942) foi médico, novelista, contista, cronista, dramaturgo, guionista e ensaísta. O «poeta da ficção» - como era apelidado – lutou incansavelmente contra o nazismo, tendo morrido às mãos da Gestapo durante a ocupação nazi da República Checa.

Tido como um dos grandes artífices da literatura checa moderna e um dos maiores escritores europeus da sua época, tornou-se conhecido precisamente com este Marketá Lazarová, uma novela histórica inspirada nos seus antepassados, cavaleiros da nobreza rural checa, publicada pela primeira vez em 1931 e que depressa de transformou num bestseller.

1º Parágrafo: História de Mayta


Correr de manhã pelo Malecón de Barranco, quando a humidade da noite impregna ainda a atmosfera e mantém as veredas escorregadias e brilhantes, é uma boa maneira de começar o dia. O céu está cinzento, mesmo de verão, pois o Sol nunca aparece sobre o bairro antes das dez e a neblina torna imprecisa a fronteira entre as coisas, o perfil das gaivotas, o alcatraz que perpassa voando pela linha quebradiça do asfalto. O mar surge cor de chumbo, verde-escuro, fumegante, encabrestado, com manchas de espuma e ondas que avançam conservando a mesma distância até à praia. Por vezes, um barquito de pescadores sacode-se entre os rolos de água; por vezes, um rajada de vento afasta as nuvens e surgem ao longe La Punta e as ilhas terrosas de San Lorenzo e o Frontón. É uma bela paisagem, desde que centremos o olhar nos elementos e nos pássaros. Porque aquilo que o homem fez, pelo contrário, é feio.


* Tradução de José Carlos Gonzáles

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Quase um livro que deu filme... o Não que deu filme



Apesar da boa recepção por parte da crítica internacional, especialmente na última edição do Festival de Cannes, e do bom público na primeira semana, o filme “NÃO”, do realizador Pablo Larraín, provocou controvérsias nos meios intelectual e político chilenos. O filme tem provocado algumas reacções indignadas, e não precisamente dos defensores do Pinochet. Algumas das críticas mais ferozes vieram de figuras ligadas à defesa da volta para a democracia que estiveram naquela campanha.

O foco da controvérsia gira em torno do tamanho da importância que a televisão teve na campanha para a queda do ditador. A polémica começou nas redes sociais, quando o escritor Pedro Lemebel travou um ríspido debate via twitter com Pedro Peirano, um dos argumentistas do filme, e criticou a versão que o filme apresenta sobre aquele momento histórico do país. Para Lemebel, “a impressão que se tem é a de que a derrota de Pinochet só foi possível por causa da campanha na televisão. Os movimentos sociais, que foram muito mais decisivos, são mostrados como imbecis ideológicos incapazes de entender como se derruba um ditador”.

Peirano, por sua vez, argumentou que o filme não ignorou a mobilização social, embora tenha dado prioridade à campanha, já que o personagem principal é um publicitário, interpretado pelo actor mexicano Gael García Bernal, responsável pelos os anúncios de televisão para a oposição no plebiscito, bem como boa parte da campanha.

Seguindo os acontecimentos reais e também a linha de argumento do Antonio Skármeta em "Os Dias do Arco-Íris", não há muito mais a acrescentar sobre a história deste filme a não ser aconselhar o seu visionamento para completar a leitura deste mês no blogue.




1º Parágrafo: A Queda


Posso oferecer-lhe os meus serviços, meu caro senhor, sem me tornar inoportuno? Receio que não saiba fazer-se entender pelo respeitável gorila que preside aos destinos deste estabelecimento. Com efeito, ele fala apenas holandês. A não me autorizar que defenda a sua causa, ele nunca adivinhará que o senhor quer gin. Olhe, espero ter sido compreendido; aquele aceno de cabeça deve querer dizer que se rende aos meus argumentos. Lá vai ele, com efeito, despacha-se com sábia lentidão. O senhor está com sorte, ele não resmungou. Quando se recusa a servir alguém, basta-lhe resmungar: ninguém insiste. Ser senhor dos seus humores é o privilégio dos grandes animais. Mas vou retirar-me, caro senhor, e muito gosto em o ter servido. Muito obrigado, aceitaria se tivesse a certeza de não ser maçador. É muito amável. Vou trazer então o meu copo para junto do seu.



* Tradução de José Terra
* Revisão de Arnaldo de Carvalho
* Capa Daniel Barradas

a-ver-livros: inclinações e Leonard Everett Fisher

Inclina-te sobre o passado
há gaivotas na terra que se escondem
debaixo das tuas unhas
há resquícios de sol
nas sombras
e ouve-se ao longe o rumor
do mar batido no molhe

Inclina-te sobre o que resta 
dos dias
em que os dias ainda não tinham passado

* para conhecer mais sobre o Pulitzer americano Leonard Everett Fisher
siga o link www.westport-news.com/living/article/

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Poema(s) à noitinha... Ana Almeida

A Ana não é só uma grande amiga. Não é só a colaboradora que nos enche as manhãs com o a-ver-livros. Não é só a grande dinamizadora das conversas no Facebook sobre o blog. Não é só a orgulhosa dona de uma cadela com o nome de Vodka. Não é só uma pessoa que fica um pouco atrapalhada quando os amigos a elogiam assim tão publicamente...

Não! A Ana também vai construindo os seus poemas. E muitos deles oferece a este espaço. Tantos outros são só dela e de quem os descobre. Como eu faço, sempre que algum pedaço é por ela deixado...

Fica apenas uma amostra, em forma de convite. Acho que vão gostar desta viagem. Parabéns por mais um ano, Ana!


«Dizes chuva, digo arco-íris.
Dizes vento, digo moinhos, ou três mastros,
velas bojudas, a cortar mar
em direcção a algo novo e excitante.

Dizes não, digo sim, porque não?
Digo arrisca, digo petisca, digo há-de correr bem,
digo tem tudo para dar certo,
digo deixa de olhar o reflexo da lua na lama.

E um dia calo-me.
Desisto de tentar contagiar-te.»


«Acordei com o teu nome entre os lábios.
Quem dera em meus braços
corpo e designação,
sorriso e respiração.

Acordei com o teu nome entre os lábios.
E desejei por instantes
a magia das palavras,
invocação.»
«Quero dormir e não posso.
Rasga-se-me a alma no teu silêncio
quando quero ser veia
em ti
a que pulsa mais intensamente
no teu peito.

Não esperes de mim loucura
ou desvario
o rasgo ou gesto
que te desencadeie a coragem
que ainda não tiveste.

Um dia
chorarás a escolha
que não fazes
quando nem o silêncio
me torna
menos tua.»


«Tenho saudades
de mim
mas não me encontro

Cruzo-me com o que resta
cá dentro
e tenho a certeza
de que não pertenço

Pergunto por mim
aqui e ali
ninguém se recorda
de ouvir os meus passos

Passo pela minha própria vida
invisível

Se desaparecer quem vai procurar
Se me evaporar quem vai dar pela falta»

*Todos os poemas são da autoria de Ana Almeida e podem ser encontrados no seu blog: http://analmeidices.blogspot.pt/

1º Parágrafo: Os Espiões


FORMEI-ME EM LETRAS e na bebida busco esquecer. Mas só bebo nos fins de semana. De segunda a sexta trabalho numa editora, onde uma das minhas funções é examinar os originais que chegam pelo correio, entram pelas janelas, caem do teto, brotam do chão ou são atirados na minha mesa pelo Marcito, dono da editora, com a frase “Vê se isso presta”. A enxurrada de autores querendo ser publicados começou depois que um livrinho nosso chamado Astrologia e Amor – Um Guia Sideral para Namorados fez tanto sucesso que permitiu ao Marcito comprar duas motos novas para sua coleção. De repente nos descobriram, e os originais não pararam mais de chegar. Eu os examino e decido o seu futuro. Nas segundas-feiras estou sempre de ressaca, e os originais que chegam vão direto das minhas mãos trêmulas para o lixo. E nas segundas-feiras minhas cartas de rejeição são ferozes. Recomendo ao autor que não apenas nunca mais nos mande originais como nunca mais escreva uma linha, uma palavra, um recibo. Se Guerra e Paz caísse na minha mesa numa segunda-feira, eu mandaria seu autor plantar cebolas. Cervantes? Desista, hombre. Flaubert? Proust? Não me façam rir. Graham Greene? Tente Farmácia. Nem le Carré escaparia. Certa vez recomendei a uma mulher chamada Corina que se ocupasse de afazeres domésticos e poupasse o mundo da sua óbvia demência, a de pensar que era poeta. Um dia ela entrou na minha sala brandindo o livro rejeitado que publicara por outra editora e o atirou na minha cabeça. Quando me perguntam a origem da pequena cicatriz que tenho sobre o olho esquerdo, respondo:
- Poesia.


a-ver-livros: a luz e o caos e Paul Huet

Na história da minha vida
há mais sombras que luz
mais buracos negros
que supernovas

ainda assim sempre se sorri
na escuridão
e se encontra a graça
no caos

* para saber mais sobre o pintor francês Paul Huet (1803-1869)
siga o link  www.artnet.com/artists/paul-huet

domingo, 25 de novembro de 2012

Tabacaria

(ao domingo) Letras Focadas


“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas”

Hoje "Letras Focadas" mergulham em Fernando Pessoa. Um mergulho na diversidade: Pessoa é um, em muitos. Cada heterónimo pessoano tem em si mesmo a representação simbólica dos vários universos do poeta. 

Gastaram-se já rios de tinta no estudo e interpretação desta diversidade e muito mais se gastará, já que reler Pessoa é descobrir novos caminhos interpretativos. Lê-se pela centésima vez, como se fosse a primeira. Este é sem dúvida um dos grandes fascínios da vasta obra de Pessoa.

Hoje trago a publicação completa do poema "A Tabacaria" pela pena de Álvaro de Campos.

A ilustração é minha. Após ter andado meses em busca de uma foto que traduzisse a minha interpretação deste poema, encontrei esse olhar, bem focado, numa rua da cidade de Lagos. Olhei, cliquei e de imediato, associei ao poema.

Espero que gostem. Eu continuarei eternamente apaixonada por este poeta que me dá, em cada leitura, um novo olhar.

********


TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15-1-1928



Elsa Martins Esteves

A Esquerda Radical... de onde vem e para onde vai



Portugal 2012... o que mais vem aí? De onde vem esta crise? Perante o espectro da crise que assola a Europa o que aconteceu à esquerda, em particular à esquerda radical? Os politólogos Luke March e André Freire ensaiam uma resposta num livro lançado pela QuidNovi que veio enriquecer um debate quando se procuram alternativas às politicas actuais.

Apesar de as receitas de política económica associadas à direita neoliberal terem sido largamente postas em causa com a crise financeira internacional de 2008 e suas sequelas, a verdade é que parecem ser as forças político-partidárias que mais apoio eleitoral têm recebido desde então (eleições para o Parlamento Europeu 2009, eleições nacionais desde então). Porém, por um lado, sem alternativas e alternância não há democracia de qualidade. Por outro lado, os partidos de esquerda têm sido historicamente pilares essenciais das democracias europeias.

Relativamente à categorização das esquerdas radicais europeias, os autores do livro consideram que existem "duas grandes famílias": a da extrema-esquerda, que "geralmente inclui os ortodoxos, que se renovaram menos, sendo partidos potencialmente mais anticapitalistas e menos cooperantes do ponto de vista da formação de governo", e a da esquerda radical, que agrupa os partidos "potencialmente mais cooperantes em matérias de governo e mais moderados ideologicamente".

O crescente número de estudos sobre a esquerda radical desde de meados da década de 2000 indica, com efeito, que esta começa a recuperar a atenção académica perdida no início da década anterior. Os autores do presente volume contam-se entre aqueles que procuram recolocar o estudo da esquerda radical no centro da investigação comparada sobre a política partidária europeia. Ainda há, porém, um longo caminho a percorrer até que a esquerda radical receba atenção equivalente aos outros partidos ditos «de nicho», como os da direita radical e mesmo os Verdes.

O que faz falta, segundo os especialistas, é precisamente a continuidade. “Os movimentos estão aí, o que é preciso são veículos partidários organizados que criem alternativas de voto” – uma situação saudável e que traria respostas à população que não se revê no actual panorama político. Outro dos problemas para o qual o investigador André Freire chama a atenção é “o estatuto da oposição não estar muito claro”. Para o politólogo, os partidos do centro governam com uma conivência mútua, que cria uma alternância cúmplice levando as pessoas a acreditar que é tudo igual, o que descredibiliza a democracia.

Por tudo isto, a mudança que está por acontecer no sistema partidário português à esquerda não depende só do acentuar da crise avisa André Freire: “Pode vir de um novo partido que force a restante esquerda a um compromisso ou de uma forte pressão social”.

O presente volume pretende dar mais um passo nessa direcção, combinando uma resenha do estado actual da esquerda radical em toda a Europa — o plano geral — com uma análise da esquerda radical em Portugal — o particular. Portugal é um caso de especial interesse, uma vez que a esquerda radical tem sido aqui tradicionalmente forte, embora tenha sofrido um forte revés nas eleições legislativas de 2011.

a-ver-livros: amor-ódio e Émile Berchmans

Desfolho-te sem pressa
roço-me nas tuas páginas imperfeitas

inspiro-te o cheiro a passado 
recheado de amores que não eu

Hei-de odiar-te um dia 
como te amo hoje

* para saber mais sobre o belga Émile Berchmans
siga o link www.wittert.ulg.ac.be/fr/flori/opera/berchmans