sábado, 23 de agosto de 2014
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
a-ver-livros: tempos simples
Conjuga o verbo
desnudar
no pretérito imperfeito
que não existo
no imperativo
senão do teu olhar
que me quer
despida de ornatos
Talvez amanhã
caiam as folhas
solenes
dos tempos simples
e me abraces então
cingindo a espera na mansidão
da carne
Ana Almeida
desnudar
no pretérito imperfeito
que não existo
no imperativo
senão do teu olhar
que me quer
despida de ornatos
Talvez amanhã
caiam as folhas
solenes
dos tempos simples
e me abraces então
cingindo a espera na mansidão
da carne
Ana Almeida
![]() |
* para conhecer melhor o pintor russo Andrej Mashkovtsev basta seguir o link www.artlondon.com |
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
o amOR no congela-DOR
Os
amores da adolescência, os primeiros, duram para sempre, como se fósseis e os
amantes paleontólogos de profissão, como se múmias e arqueólogos, como se folhas
secas de herbário e botânicos, como se borboletas presas por alfinetes a
quadros forrados a veludo vermelho e pendurados, não na parede do escritório
mas na parede do estômago, e lepidopterólogos,
como se um outro coração um outro corpo, como se um taxidermista de memórias
gravadas à flor da pele na fugaz arte de preservar a beleza, como se uma doença
coronária, uma mal formação do coração, um sopro, o inevitável vendaval.
Foi meu
colega de turma, quase de carteira, Joana e João, apenas um corredor a
separar-nos, três palmos vazios, um abismo, uma fenda no chão, uma parede
invisível, uma montanha, um muro a lamentar, uma fronteira entre países em
guerra, arame farpado e chão minado, motivo pelo qual, três palmos vazios, talvez,
quem sabe, João nunca viu Joana.
Nunca me
viu a mim.
Seria mesmo
eu?
Eu
própria não consigo garantir que aquela miúda de óculos de massa, franja, saia escocesa
e cachecol no mesmo padrão xadrez, era eu.
No álbum
de fotografias na mesinha de centro da sala, organizado pela minha mãe (a minha
mãe é muito organizada), com data, local e intervenientes, consta que era eu, curiosamente
os mesmos óculos de massa, a mesma franja, a mesma saia escocesa e o cachecol
no mesmo padrão xadrez.
Não
tenho mais provas do que isto.
Às vezes
parece-me que inexisto por insuficiência de provas.
Enquanto
todos sem dúvidas testemunham, garantem unânimes, que João era João.
João sem
Medo, João I, João Baptista, Don Juan, João Coração de Leão, não era mas podia ser!, sonho de uma noite
de Verão, o herói da malta, o terror e a constante dor de cabeça (da leve cabeça
pesada à pesada enxaqueca) de todos os professores sem excepção, do corpo
docente, uma guerra corpo a corpo, e a que mais batalhas perdia, a professora
de inglês.
João que apenas conseguia dizer de forma mais sofrível do que escorreita um my name is João and I am fithteen, João cujo inglês não passava do Love me do dos Beatles, não dois quartetos e dois tercetos, não um soneto, e não dos Beatles porque canção de embalar na voz da mãe, vá Deus saber onde e como a aprendeu, língua estrangeira mais do que suficiente para beijar as bocas de todas as raparigas da escola, mesmo das mais velhas, encantadas com a sua cara de anjo mau e com as quais João aprendeu (havia matérias em que se revelava um aluno de excelente) as formas, os feitios e as possíveis serventias dos corpos.
João que apenas conseguia dizer de forma mais sofrível do que escorreita um my name is João and I am fithteen, João cujo inglês não passava do Love me do dos Beatles, não dois quartetos e dois tercetos, não um soneto, e não dos Beatles porque canção de embalar na voz da mãe, vá Deus saber onde e como a aprendeu, língua estrangeira mais do que suficiente para beijar as bocas de todas as raparigas da escola, mesmo das mais velhas, encantadas com a sua cara de anjo mau e com as quais João aprendeu (havia matérias em que se revelava um aluno de excelente) as formas, os feitios e as possíveis serventias dos corpos.
Correcção:
João beijava, mais comia do que beijava, todas as bocas menos a minha boca.
A minha
boca fechada, à fome, num sorriso triste. Sorriso nenhum.
Assim o
João do meu coração, audaz, voraz, alegre, perspicaz, titular de todas as
invejas e de todos os desejos, o rapaz mais popular da escola, para mais o
melhor a jogar à bola, um príncipe perfeito a que todos, com orgulho e devoção,
ai meu rico São João, prestavam vassalagem.
Porém
sobre João passaram mais de trinta anos.
O tempo
é uma máquina de terraplanar.
O tempo
é uma tragédia doméstica.
João
velho e torto, sem dentes, sem estudos, uma vida de pedreiro suspensa em
andaimes, uma vida a rebocar paredes, a ouvir-se a cantarolar o Love me do abafado pelo barulho de máquinas, de
trânsito, de aviões, de pássaros nenhuns.
Assim
João tão diferente de João, ou a vida matou João sem Medo, o herói da malta.
Assim
eu, lentes de contacto, fato calças-casaco, blusa de seda, dentadura ordenada e
original, Joana a mosca morta que eu mesma me encarreguei de matar, larva, crisálida,
borboleta.
Assim encontrei
João à porta da minha casa, dez minutos atrasado, uma vida inteira atrasado,
depois de contratar os serviços de uma empresa de construção.
Obras em casa, outro tipo de tragédia.
Obras em casa, outro tipo de tragédia.
João
irreconhecível.
Como se
fosse possível eu não reconhecer João.
João a
cumprir o vaticinado, parece que é bruxa, pela minha mãe, e não que a minha mãe
conhecesse João, todas as mães a mesma maldição, se não estudas vais para
trolha, com respectivo homólogo feminino se não estudas acabas como mulher-a-dias.
Como se
uma mulher não pudesse ser mulher todos os dias.
Mas eu
estudei, não sou mulher-a-dias, posso ser mulher todos os dias e não apenas
máquina de lavar, de secar, de aspirar ou simples vassoura.
Eu a
dançar na sala com um pau de vassoura.
Posso
ser a mulher que quiser e não sei que mulher quero ser.
João que
mais uma vez não me reconheceu.
Entrou,
falou da obra, dos detalhes de construção, dos materiais, do orçamento.
Falou
comigo sem falar comigo.
Falou de
olhos nos meus olhos, sem me ver, nem em meus olhos ver o brilho de uma vontade
antiga, quase esquecida.
A
vontade minha de lhe dar, talvez roubar seja palavra mais certa, um beijo, e
não um beijo, O BEIJO, e não a este João, ao João que foi, um beijo velho e
bolorento, tantos os beijos que morrem nas bocas quietas, e de sabor
previsivelmente amargo.
Raquel Serejo Martins
a-ver-livros: a patranha
conta baixinho a mentira
em que ainda acreditas
repete e silaba
letra por letra
a patranha
malogrado o sonho
na falsidade dos actos
que fiquem as palavras
bonitas
num papel qualquer
arrumado na estante
da lembrança
Ana Almeida
em que ainda acreditas
repete e silaba
letra por letra
a patranha
malogrado o sonho
na falsidade dos actos
que fiquem as palavras
bonitas
num papel qualquer
arrumado na estante
da lembrança
Ana Almeida
![]() |
* para saber mais sobre a ilustradora norte-americana Ashley Goldberg (AshleyG) siga o link www.etsy.com/pt/shop/ashleyg |
terça-feira, 19 de agosto de 2014
histórias da unha do dedão do pé do fim do mundo, de Manoel de Barros
Manoel de Barros, célebre poeta brasileiro nascido em Cuiabá (MT), em 1916, iniciou cedo sua vida na literatura. Ainda pequeno já escrevia e em 1937 publicou seu primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado. De lá pra cá não parou mais. Premiado por vários livros, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura pelo conjunto da obra, em 1998.
Penélope Martins
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
O poeta mais popular de Santo Tirso
Hoje não me apetece escrever - ando em corrida e as palavras tropeçam-me nos pés, efémeras. Assim sendo, cruzei a net em busca de uma boa notícia sobre livros para partilhar convosco. Achei algo sobre George R.R. Martin andar a pensar em aproveitar uns restos da Guerra dos Tronos para fazer um novo conto. Acho lindamente, e pronto.
Não sei como nem porquê, fui parar a uma deliciosa crónica de não sei quando no Jornal de Notícias. João Luís Barreto Guimarães assina-a, enquanto "poeta mais popular de Santo Tirso". Não lhe conhecia sequer o nome - e escusam de me vir dizer que é uma tremenda falha minha porque já me apercebi disso.
Fui à caça e, da minha descoberta pessoal, trago-vos um poema dele - de que adorei o estilo. Não digam que não sou vossa amiga.
Ana Almeida
"este poema foi escrito ontem hoje não
vou escrever (na face nego sorrisos como
quem fecha janelas) hoje só preciso de
mim (este poema é grátis: não está
incluído no preço do livro). hoje
não tocarei o corpo da Corona Four
uma ‘azerty’ americana já com uma certa
idade (ainda é das que escreve poesia a
preto e ranco) faz um mês que se perdeu
a tecla da letra « » só por isso não
tenho escrito sobre o rilho dos teus
olhos. o meu copo está vazio (hoje
não é poedia) depois eu mando alguém
uscar as minhas palavras"
(João Luís Barreto Guimarães in Poesia Reunida, Quetzal, 2011)
Não sei como nem porquê, fui parar a uma deliciosa crónica de não sei quando no Jornal de Notícias. João Luís Barreto Guimarães assina-a, enquanto "poeta mais popular de Santo Tirso". Não lhe conhecia sequer o nome - e escusam de me vir dizer que é uma tremenda falha minha porque já me apercebi disso.
Fui à caça e, da minha descoberta pessoal, trago-vos um poema dele - de que adorei o estilo. Não digam que não sou vossa amiga.
Ana Almeida
"este poema foi escrito ontem hoje não
vou escrever (na face nego sorrisos como
quem fecha janelas) hoje só preciso de
mim (este poema é grátis: não está
incluído no preço do livro). hoje
não tocarei o corpo da Corona Four
uma ‘azerty’ americana já com uma certa
idade (ainda é das que escreve poesia a
preto e ranco) faz um mês que se perdeu
a tecla da letra « » só por isso não
tenho escrito sobre o rilho dos teus
olhos. o meu copo está vazio (hoje
não é poedia) depois eu mando alguém
uscar as minhas palavras"
(João Luís Barreto Guimarães in Poesia Reunida, Quetzal, 2011)
domingo, 17 de agosto de 2014
Apanhei-te a ler... dia 15
Tim Burton e Michael Keaton
Encontrado na página Improbables Bibliothèques,
Improbables Librairies. A não perder por nada!
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