sábado, 3 de janeiro de 2015

Poema à noitinha... David Mourão-Ferreira

Ternura

 Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

*David Mourão-Ferreira, in Infinito Pessoal

Concordam com Michael Moore?

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Foto frase do dia: Platão

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Poema à noitinha... Rui Pires Cabral

A Nossa Vez

É o frio que nos tolhe ao domingo
no Inverno, quando mais rareia
a esperança. São certas fixações
da consciência, coisas que andam
pela casa à procura de um lugar

e entram clandestinas no poema.
São os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. É a espera

e a demora. São as ruas sossegadas
à hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. É a deriva
nocturna da memória: é o medo
de termos perdido sem querer

a nossa vez.

*Rui Pires Cabral, in Longe da Aldeia'

a-ver-livros: negação

Não penso, sabes
nem sinto
nada justifica gastar
as fichas
que a sorte me trouxe
e que o destino 
roubará

Não digo, sabes
nem calo
nada justifica
o som da voz
perante a eloquência
dos dedos

Ana Almeida

* para saber mais sobre a ilustradora sueca Maja Sten
siga o link www.majasten.se

Foto frase do dia: Kerouac


Poesia em matéria fria: o fio de Cecília Meireles

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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

In Se Não Agora Quando


– Na minha terra, havia poucos relógios. Havia um no campanário, mas estava parado há não sei quantos anos, talvez desde a revolução: eu nunca o vi andar, e já o meu pai dizia que ele também não. Nem mesmo o sineiro tinha relógio.

a-ver-livros: conflito

Mete a medo 
a medula na linha 
de fogo
arrisca o corpo 
na demarcação do que era
o antes
o depois
o erro
a escaramuça sanguínea 
entre a terra e o mar
e o cessar das hostilidades
sem assinatura
ou posfácio

Que há no caminho 
um conflito
para o qual nunca estarás armado. 

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor canadiano Denis Chiasson
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Foto frase do dia: King


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A língua morta de Calixto

Equatorial", de Fabiano Calixto, Tinta da China

a-ver-livros: reencontro

Antes de virar a curva
arruma o bolso
deixa à mão de semear
a chave 
que abrirá
terno
tremendo
o baú das solidões

e leva o lenço
vai acolher as lágrimas
do reencontro

Ana Almeida


The many faces of the novel

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Poesia em matéria fria: Paulo Leminski

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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

É do borogodó: e que venha!

(
que venha logo o tempo
que transborde o peito
que ocupe o espaço

O rapaz da bicicleta

lembro-me do natal ser a bicicleta
quando o natal era acordar
na manhã de abrir os presentes
que o pinheiro congregava

não me lembro de alguma vez
ter sido um ás do guiador
fazer cavalos
éguas
ou sacar piões
andar sem mãos sim
no balanço que a meninice permitia

as tardes de sábado
aconteciam à boleia da bicicleta
rumo aos campos à beira rio
e a bola chapinhava
entre os tufos de ervas
até nas gargantas não caberem mais golos

as férias grandes eram maiores
assentes sobre os raios
pelos caminhos que não conheciam fim
e o descanso caía além horizonte

agora pedalo apenas de memória
mas é como andar de bicicleta
aprende-se e não mais se esquece.

Helder Magalhães

(Fotografia do filme "O miúdo da bicicleta")

A livraria do canal

Locais de sonho...

Valerie Florence nous écrit...

"Le trouve tout du livre" au somail (au bord du canal du midi dans l'Aude) une librairie de livres d'occasion, un lieu unique, une ancienne cave, en bordure de canal, sert d'écrin aux 50 000 livres que propose la librairie. Elle accueille lecteurs, touristes, écrivains, dont René Depeste (Prix Renaudot 1986) qui a écrit sur le livre d'or: "Au Somail coule la source où chacun et chacune peuvent venir s'abreuver de livres qui font partie de la vie autant que l'eau du canal, les cigales de la garrigue...Toutes les époques sont là... Au Somail les livres sont vivants..."

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Foto frase do dia: Buko

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Poema à noitinha... Luiza Neto Jorge

Corpo Insurrecto

Sendo com o seu ouro, aurífero,
o corpo é insurrecto.
Consome-se, combustível,
no sexo, boca e recto.

Ainda antes que pegue
aos cinco sentidos a chama,
por um aceso acesso
da imaginação
ateiam-se à cama
ou a sítio algures,
terra de ninguém,
(quem desliza é o espaço
para o corpo que vem),

labaredas tais
que, lume, crepitam
nos ciclos mais extremos,
nas réstias mais íntimas,
as glândulas, esponjas
que os corpos apoiam,
zonas aquáticas
onde os órgãos boiam.

No amor, dizendo acto de o sagrar,
apertado o corpo do recém-nascido
no ovo solar, há ainda um outro
corpo incluído,
mas um corpo aquém
de ser são ou podre,
um repuxo, um magma,
substância solta,
com pulmões.

Neste amor equívoco
(ou respiração),
sendo um corpo humano,
sendo outro mais alto,
suspenso da morte,
mortalmente intenso,
mais alto e mais denso,

mais talhado é o golpe
quando o põem em prática
com desassossego na respiração
e o sossego cru de quem,
tendo o corpo nu,
a carne ardida,
lhe pede o ladrão
a bolsa ou a vida.

*Luiza Neto Jorge, in Terra Imóvel

a-ver-livros: Trajectórias

Não reconheço 
na rotação das marés
o que me trouxe a este porto
plácido pântano
pouco pacífico
ingénua brutidade
suspensa no gelo 
cortante cruel
baricentro 
do que já foi

Todos os pontos de mim 
descrevem trajectórias 
idênticas
quanto tempo leva

a atingir o solo?

Ana Almeida

* para saber mais sobre Sophie Blackall siga o link
http://www.sophieblackall.com/

Snobidando: Billy Collins



Heráclito de férias in Amor Universal, Billy Collins
 
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Poesia em matéria fria: Manoel de Barros

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domingo, 28 de dezembro de 2014

a-ver-livros: a faina

Dilui-se o tempo
na luz azul do teu rasto
esboroa-se, lenta e tenaz,
a soma fragmentada
dos teus dedos 
no assombramento
afeiçoado ao meu peito
e ouço o vento
varrer a praia
de todos os absurdos 
intempestivos
que a sensatez
deixou para trás

Para que raio a faina
se nunca rende?

Ana Almeida

* para conhecer mais sobre o artista Alexander Demidov,
da Bielorússia, siga o link artdemidow.narod.ru





Foto frase do dia: Miguel Esteves Cardoso


Helder Magalhães vem para o Clube!

Celebremos. Celebremos sempre a chegada de mais uma pessoa a este espaço. E celebremos a poesia, peça central na dinâmica do blog. E quando é da boa, tanto melhor.

Helder Magalhães vem dar um pouco mais de si, desta vez na forma directa. Aguardemos as terças, pela noite. É por aí que a aventura começa.

Penso que estamos todos encantados com esta chegada. E certamente viveremos juntos a força das palavras.

Foto: Ricardo Figueiredo de Carvalho. Na foto, Hélder Magalhães
 
 
in "dista um palmo a amplitude do peso que suportas", edição de autor, outubro de 2014


Apanhei-te a ler... dia 33

JFK
 
Encontrado no Pinterest.