sábado, 13 de abril de 2013

Poema à noitinha... Pedro Mexia

Identidade

A identidade, como a pele,
renova-se, perde-se de sete
em sete anos, muda no mesmo
corpo, torna diferente
a permanência humana.
A identidade é a soma
das intenções, uma foto
instantânea para um propósito
imediato que não dura.
A identidade é um equívoco
para camuflar o coração.


*Pedro Mexia, in Duplo Império


O primeiro parágrafo de «O velho e o mar»

*Um filme de Aleksandr Petrov.

Era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo e saíra havia já por oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe. Nos primeiros quarenta dias um rapaz fora come ele. Mas, após quarenta dias sem um peixe, os pais do rapaz disseram a este que o velho estava definitivamente e declaradamente salao, o que é a pior forma de azar, e o rapaz fora por ordem deles para outro barco que na primeira semana logo apanhou três belos peixes. Fazia tristeza ao rapaz ver todos os dias o velho voltar com o esquife vazio e sempre descia a ajudá-lo a trazer as linhas arrumadas ou o croque e o arpão e a vela enrolada no mastro. A vela estava remendada com quatro velhos sacos de farinha e, assim ferrada, parecia o estandarte da perpétua derrota.

*in O velho e o mar, Ernest Hemingway

*agradecimento ao João Vilhena por ter partilhado o trailer do filme

David pinta... Albert Camus

David pinta... Albert Camus

*ilustrado por David Pintor

A primeira diligência do espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. No entanto, logo que o pensamento reflecte sobre si próprio, o que primeiro descobre é uma contradição. Seria ocioso procurar, neste ponto, ser-se convincente. Ninguém, há séculos, deu uma demonstração mais clara e mais elegante do caso do que Aristóteles: "A consequência, muitas vezes ridicularizada, dessas opiniões é que elas se destroem a si próprias".

Porque, se afirmarmos que tudo é verdadeiro afirmamos a verdade da afirmação oposta, e, em consequência, a falsidade da nossa própria tese (porque a afirmação oposta não admite que ela possa ser verdadeira). E, se dissermos que tudo é falso, essa afirmação também é falsa. Se declararmos que só é falsa a afirmação oposta à nossa, ou então que só a nossa e que não é falsa, somos, todavia, obrigados a admitir um número infinito de juízos verdadeiros ou falsos.

Porque aquele que anuncia uma afirmação verdadeira, pronuncia ao mesmo tempo o juízo de que ela é verdadeira, e assim sucessivamente, até ao infinito.


*in O Mito de Sísifo, Livros do Brasil.

A leitura, in editorial do periódico "Panorama: jornal literário e instrutivo", 1837

"De todas as coisas que se oferecem ao homem para lhe recrear os momentos de ócio, é a leitura talvez a mais aprazível, e seguramente a mais proveitosa. Sem quebrar o repouso doméstico, sem vaguear pelas ondas do oceano, ou trilhar peregrino as sendas e desvios de países remotos, diante dos seus olhos se corre o pano à cena do mundo passado e presente, e do mundo da ciência e da arte; trava conversação com as personagens mais distintas de todas as épocas, e com os mais nobres engenhos de todas as idades; trata as inteligências de diversos países e bebe a largos tragos na taça da sabedoria. Cidadão de todas as repúblicas, membro de qualquer sociedade, contemporâneo de qualquer século, só o homem dado à leitura pode, com verdade, dizer que para ele foi o universo criado".

*In editorial do periódico Panorama: jornal literário e instrutivo. Lisboa: Imprensa da Sociedade de Propaganda dos Conhecimentos Úteis. N.º1, 6.5.1837.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

a-ver-outros-livros no Metro: Fernando Pessoa

Pessoa. A pessoa Pessoa é o último passageiro a chegar nesta viagem literária à estação Aeroporto do Metropolitano de Lisboa. E, no entanto, apostaria que, quando o caricaturista António seleccionou as figuras da literatura que iria incluir nesta obra, Pessoa foi dos primeiros nomes a ser escolhido. Óbvio Pessoa. Grande Pessoa. Drama em gente, como se definiu 'heteronimamente' falando.  

Da sua biografia não me atrevo a mais do que o básico. Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 Junho 1888 — Lisboa, 30 Novembro 1935), empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário,  poeta, filósofo e escritor. Grande. Já o disse. Acrescento, apenas pela curiosidade, que era afilhado da tia Anica e do General Chaby e que escreveu o primeiro poema aos 7 anos, um verso curto dedicado "À Minha Querida Mamã".

Morreu com 47 anos de idade. Reza a história que a sua última frase foi escrita na cama do hospital, em inglês, com a data de 29 de Novembro de 1935: "I know not what tomorrow will bring" ("Não sei o que o amanhã trará").

Olho-o na parede de mármore, traçado a negro, e o ícone visual em que se transformou pouco ou nada significa ao meu olhar. Para mim, Pessoa primeiro é Álvaro de Campos, o velhinho volume dos seus poemas que não faço ideia como me veio parar às mãos e que li com mais fervor do que uma bíblia. Que analisei, glosei, sublinhei, linha por linha. Cheguei a saber poemas inteiros de cor, como bóias de salvação para uma adolescência intensa. E que ainda hoje me acompanha na prateleira aqui atrás, sempre à mão de semear, colado já com fita cola, daquela antiga, que amarelece e estala.

Percebi-o homem quando, num Verão, trabalhei na Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais, de onde sou. E soube que, numa altura em que tentava dar novo rumo à vida, poeta preso numa profissão que não o fazia feliz, candidatou-se ao cargo de conservador. Foi rejeitado, por falta de habilitações, ao que se sabe. Imaginei-o a imaginar-se em casa entre aquelas paredes vetustas cobertas de livros. Imaginei-o danado por lhe matarem o sonho.

Sim, Pessoa é para mim muito o que eu imaginei de Pessoa. E isso não interessa nada. Por isso, e apenas pela curiosidade, deixo-vos antes a carta de Fernando António requerendo o lugar de conservador-bibliotecário.

"Exma. Comissão Administrativa do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães

Fernando Nogueira Pessoa, solteiro, maior, escritor, residente em Lisboa, na Rua Coelho da Rocha, número dezasseis, primeiro andar, e provisòriamente em Cascais, na Rua Oriental do Passeio, porta dois, vem concorrer perante V.Exa ao lugar de conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, com os fundamentos seguintes, expostos no termo do artigo 6º e seus §§, do Regulamento do Museu-Biblioteca, conforme estão transcritos no anúncio inserto em O Século, de Lisboa, do dia 1 do mês corrente.

O requerente tem 44 anos de idade, é natural de Lisboa, freguesia dos Mártires, e filho legítimo de Joaquim Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Nogueira Pessoa, ambos já falecidos. Não junta certidão de idade, nem, aliás, certidão de registo criminal, por o citado artigo 6º e seus §§ não exigirem, nem explicita nem implìcitamente, outros documentos que não sejam os rigorosamente precisos para apreciar a afirmação das habilitações neles indicadas, como motivos de preferência.

São as seguintes as habilitações do requerente, expostas nos termos do citado artigo e seus §§, pela ordem dos mesmos §§, e com o apoio documental que irá sendo indicado no decurso da presente exposição:

§ 1 - O requerente tem o Curso ou Exame Intermédio da Universidade (inglesa) do Cabo da Boa Esperança, como prova com a respectiva carta. À parte isto, foi concedido ao requerente, na mesma Universidade, o Prémio Rainha Vitória, de estilo inglês, como prova com a carta oficial assinada pelo secretário arquivista da Universidade, em que se comunica ao requerente a concessão do prémio. Juntam-se os 2 citados documentos. § 3 - O requerente tem uma já extensa colaboração dispersa por várias revistas portuguesas, de onde se lhe advém o ser hoje conhecido no País, sobretudo entre as novas gerações, a um ponto quase injustificável para quem se tem abstido de reunir em livros essa colaboração. Importa talvez citar as revistas em que essa colaboração foi ou mais assídua ou mais marcante. A Águia (nos anos 1912 a 1914), Orpheu, Centauro, Contemporânea, Presença, Athena e Descobrimento. Foi o requerente um dos directores do Orpheu, e dirigiu, conjuntamente com o pintor Ruy Vaz, a revista de arte Athena. - À abstenção do requerente de publicar livros fazem excepção os quatro folhetos em verso inglês que, destinados à Biblioteca do Museu- Biblioteca, acompanham o presente requerimento.

Quanto o serem ou não estes escritos "de reconhecido mérito", melhor o poderão V.Exas averiguar com perguntas casuais nos meios literários e artísticos portugueses do que o poderá demonstar, de modo realmente probante, qualquer documentação. O requerente chama, porém, a atenção de V.Exas para os dois estudos que lhe foram dedicados pelo jovem - e não fica mal dizer notável - crítico coimbrão João Gaspar Simões, a págs, 171 a 191 do livro Temas (Edições Presença, Coimbra, 1929) e a págs, 164 a 193 do livro O Mistério da Poesia (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931), assim como para o que do requerente diz Pierre Hourcade no artigo Panorama du Modernisme Littéraire ao Portugal inserto no número de Janeiro-Maio (nº1.2) do Bulletin des Études Portugaises, publicados pela Imprensa da Universidade de Coimbra e pelo Institut Français au Portugal. Quanto a opiniões, presumivelmente autorizadas, sobre os versos ingleses do requerente juntam-se as críticas que aos dois primeiros folhetos (os dois segundos não foram enviados a jornais) foram feitas pelo Suplemento Literário do Times e pelo Glasgow Herald, apresentado assim, em certo modo, opiniões representativas da crítica inglesa e escocesa.

§ 4 - Os documentos citados em referência ao § 1 e a este juntos demonstram mais do que o necessário quanto ao conhecimento que o requerente tem da língua inglesa. Quanto ao seu conhecimento da língua francesa, crê o requerente que na ausência de prova documental realmente válida (como a que tem para o inglês), o melhor que pode fazer é juntar uma folha de impressão da Contemporânea, número 7, onde, a págs. 20 e 21, vêm três canções (Trois Chansons Mortes) que escreveu em francês. - No texto do artigo 6º pròpriamente dito, do Regulamento, diz-se que é necessário que o conservador-bibliotecário seja pessoa de "reconhecida competência e idoneidade". Salvo o que de competência e idoneidade está implícito nas habilitações indicadas como motivos de preferência nos §§ di artigo e portanto se prova documentalmente pelos documentos referentes às indicações de cada §, a competência e a idoneidade não são susceptíveis de prova documental. Incluem, até, elementos, como o aspecto físico e a educação, que são indocumentáveis por natureza.

Cascais, 16 de Setembro de 1932
"



Foto: Carla Rosado, Público
E ainda só por curiosidade, conto-vos que, em 2000, a Câmara de Cascais realizou uma sessão simbólica de tomada de posse de Fernando Pessoa como director da biblioteca do Museu Condes de Castro Guimarães. Num comunicado emitido então, revelava que a candidatura de Pessoa ao cargo tinha o objectivo de permitir ao poeta afastar-se um pouco de Lisboa, numa altura em que já passava largos períodos em casa da irmã, em São João do Estoril, e assim poder dedicar-se mais à sua obra literária, para além de que o ordenado de 31 escudos viria a melhorar em muito a sua difícil situação financeira. 


Um detalhe para fechar uma viagem pelas caricaturas literárias de António. O Metro encerrou. Obrigada por terem feito esta viagem comigo. Mind the gap.

1º Parágrafo: Eu Sou a Lenda


Naqueles dias nublados, Robert Neville nunca tinha a certeza de quando o Sol se punha, e, muitas vezes, eles já estavam nas ruas antes de ele conseguir voltar. Se tivesse sido mais lógico, teria conseguido calcular, aproximadamente, quando chegariam; no entanto, ainda se regia pelo velho hábito de adivinhar a chegada da noite olhando para o céu, e naqueles dias cheios de nuvens, esse método não funcionava. Por causa disso, ficava em casa nesses dias.


* Tradução de Fernando Ribeiro e David Soares

a-ver-livros: partilha e Kay Ritter

Partilha as tuas asas, 
amor,
que quero voar

Partilha o teu peito

Que no regresso anseio
pelo ninho que faz a forma
como me olhas

* para conhecer mais sobre a pintora Kay Ritter
siga o link www.kayritter.com

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Desafio poético... O melhor poema que passou até hoje no Clube de Leitores!

Estes são alguns dos poemas mais vistos de sempre no blog Clube de Leitores.

Vamos juntar os votos que saírem do grupo livros no facebook, comentários neste post ou na página do Clube de Leitores e ver quem ganha...

Alice Vieira: http://www.blogclubedeleitores.com/2012/06/poema-noitinha-alice-vieira.html

Mia Couto: http://www.blogclubedeleitores.com/2012/08/poema-noitinha-mia-couto.html

Jorge de Sena: http://www.blogclubedeleitores.com/2012/09/poema-noitinha-jorge-de-sena.html

Halldór Laxness: http://www.blogclubedeleitores.com/2012/11/poema-noitinha-halldor-laxness-in-gente.html

Valter Hugo Mãe: http://www.blogclubedeleitores.com/2013/01/poema-noitinha-o-regresso-de-valter.html

Manuel António Pina: http://www.blogclubedeleitores.com/2013/01/poema-noitinha-cafe-orfeu-de-manuel.html

Gonçalo M. Tavares: http://www.blogclubedeleitores.com/2013/02/poema-noitinha-goncalo-m-tavares.html

Maria do Rosário Pedreira: http://www.blogclubedeleitores.com/2013/03/poema-noitinha-maria-do-rosario-pedreira.html


1º Parágrafo: Em Busca


Lágrimas rasaram-lhe os olhos. Apesar do controlo de emoções e da repugnância que sentia em chorar perante aqueles homens, deixara-se vencer. De olhos húmidos fitou o cadáver a ser retirado do caixão e transportado para a cova aberta, o corpo morto aparentando leveza envolta num sudário branco. Oh, Como te gastaste, mãe.


* Tradução de Estefânia Vicente Duarte
* É considerado um dos primeiros escritores contemporâneos da literatura árabe.
* Nasceu no Cairo em 1912, filhos de um funcionário público, estudou na Universidade do Cairo e trabalhou no mesmo serviço estatal do pai até se reformar em 1971.

a-ver-livros: navegação à vista e Gregg Chadwick

Não me aborreças
há mares que eu não conheço
e não há tempo a perder

Não me interrompas
navego sem leme nem vela
que o vento é de letras

Não me atrapalhes
vem comigo

* para saber mais sobre o pintor americano Gregg Chadwick
siga o link www.greggchadwick.com

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Bairro dos Livros sai à rua já no próximo sábado porque... Ler é Agitar


Numa altura em que agitar é obrigatório, os livros e as leituras cumprem também o seu papel. Haverá arma melhor que a palavra? Pois o próximo Bairro dos Livros vai tratar de apurar essa arma. Venha ao "Ler é Agitar" começar uma revolução de palavras! É o convite do Clube de leitores para o próximo sábado nas ruas do Porto.

12h00 * “TERAPIA ATRAVÉS DO CONTO”
LIVRARIA UNICEPE
Pr. Carlos Alberto, 128A
Oficina de Escrita Criativa
por Claúdia Almeida (Oficina da Psicologia)
Inscrição Gratuita

15h30 * Leitura do Conto

LIVRARIA MOREIRA DA COSTA
Rua de Avis, 30

15h00 * “OFICINA DE RECITAÇÃO”

AUDITÓRIO PINC
Pr. Coronel Pacheco, 2
Oficina de declamação de Poesia
por Nuno Meireles
Inscrição: cultureprint@gmail.com

18h30 * Performance Poética pelos alunos da Oficina

 
LIVRARIA INCM
Pr. Gomes Teixeira, 1 a 7

16h30 * “OS LIVROS QUE AGITARAM A MINHA VIDA”

Tertúlia com Alípio de Freitas + Camilo Mortágua
[apr. Paulo Esperança: AJA NORTE]
CAFÉ PROGRESSO
Rua Actor João Guedes, 5
Leituras por: Judite Almeida e Ana Afonso
Música por: Helena Sarmento, Manuel Magalhães, Ana Ribeiro e Fernando Lacerda



1º Parágrafo: Al-Gharb


Fátima é um caso à parte, singular, único. Concebida num rarefeito oásis do Magreb, entre um regato quase ressequido, um cardo triste e uma palmeira senil, fruto do furtivo encontro entre um bandido idríssida das areias e uma submissa e carente túnica negra sem rosto, sem passado nem futuro, Fátima, por vontade e capricho de Alá, nasceu com a estrutura atómica de uma princesa de alta estirpe.


a-ver-livros: rasto e Jean Jullien

Não procures em mim o best-seller
sou antes o volume esquecido
na prateleira do fundo
capa amarelecida e dobrada num canto
pelas mãos de um menino
que o leu e cresceu
e esqueceu as palavras enrodilhadas 
umas nas outras e nele e nos dias que vieram

Não procures em mim senão o volume
que te fez quem és sem deixar rasto

* para conhecer mais sobre o artista francês Jean Jullien
siga o link www.jeanjullien.com/

terça-feira, 9 de abril de 2013

Conheçam o fantástico movimento "Mailbooks For Good. Re-gift the gift of reading"

Vale a pena ver isto.

Clarice Lispector na Gulbenkian

Estive em Lisboa no passado fim-de-semana. Entre outras coisas, fui à Gulbenkian. Além da maravilhosa exposição 360º Ciência Descoberta, deixo aqui uma sugestão de aventura: o mundo de Clarice...

Informa o site e o panfleto da exposição:

Três décadas e meia após a morte de Clarice Lispector, a Fundação Gulbenkian apresenta a exposição A hora da Estrela, integrada nas comemorações do Ano do Brasil em Portugal. Divulgar a obra de uma das mais destacadas vozes da literatura brasileira é um dos objetivos desta exposição, que ocupará a Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian entre 5 de abril e 23 de junho.

Aproximar as gerações mais novas da sua obra é um dos objetivos da exposição, que tem a coordenação e curadoria de Júlia Peregrino (a mesma coordenadora de Fernando Pessoa, Plural como o Universo), mas também do escritor Ferreira Gullar, Prémio Camões 2010. A exposição já foi apresentada no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Bogotá, tendo sido visitada por mais de 700 mil pessoas.


A galeria de exposições temporárias do Museu receberá a mostra tal como foi vista no Brasil, dividida em seis núcleos, e onde se pretendem recriar ambientes dos seus livros ou passos da sua existência. Textos, fac-símiles, fotografias e documentos pessoais são mostrados nesta exposição, que também recria ambientes e cenários que inspiravam a escritora. Cartas de Erico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes e muitos outros, ajudam a conhecer melhor a personalidade de Clarice.

Nascida na Ucrânia, em 1920, Clarice Lispector chegou ao Brasil com menos de dois anos de idade. Antes de se mudar para o Rio de Janeiro, em 1937, viveu em Alagoas e em Pernambuco. Passou muitos anos fora, acompanhando o marido diplomata, mas nunca se desligou do Brasil, onde morreu em 1977. Perto do coração selvagem foi o primeiro dos seus 26 livros, hoje publicados em mais de 20 línguas.

1º Parágrafo: O Último Távora


Numa manhã chuvosa de Janeiro, uma espessa fumarada negra subiu no céu de Lisboa, ao som de gritos de desespero.


a-ver-livros: torvelinho e Katsuhisa Toda

Como travar o torvelinho
em que me trazes, inclemente
se as águas correm sob as pedras
e os lábios estão secos 
se o vento dança na figueira
e o meu peito está parado
na esquina por onde não voltas a passar

* para saber mais sobre o artista japonês Katsuhisa Toda
siga o link www.artelino.com/forum/artists=Katsuhisa+Toda

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Poema à noitinha... Emily Dickinson

Diz Toda a Verdade

Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente -
O êxito está no Circuito
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer
A esplêndida surpresa da Verdade

Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças
Com uma amável explicação
A Verdade deve ofuscar gradualmente
Ou cada homem ficará cego

*In «Poemas e Cartas, Antologia para um recital», da Cotovia.


raquel patriarca | cinco.abril.doismiletreze

Com a devida autorização da Raquel, aqui fica um pensamento dela. Espero que gostem!

hoje sonhei com um amigo meu aquilo que pareceu mais de metade da noite. na verdade devem ter sido alguns segundos ou minutos nas horas perto da madrugada. as horas em que chegam os sonhos malucos. não faço ideia como ou porquê, ele vivia no paço dos duques de guimarães que não ficava em guimarães mas aqui no porto e não era dos duques, era dele. e todas as salas, salinhas e salões e quartos e corredores, cozinhas e varandas estavam cheios de estantes altas com todos os livros que alguma vez quis ter na vida e que são muitos. como uma espécie de várias secções de uma enorme e maravilhosa biblioteca que não tinha princípio nem fim. nunca cheguei a perceber porquê, mas ele não era feliz e eu estive durante tempos sem tempo a conversar com ele, os dois escondidos numa salinha com cadeirões de couro com orelhas e mais livros nas estantes e em pilhas no chão em cima das carpetes. entretanto acontecia o que parecia ser um jantar de gala com centenas de pessoas que, para meu espanto, só tinham olhos para os folhos dos reposteiros e das roupas umas das outras, para as carnes e as sobremesas e não chegavam a dar conta dos livros, dos sofás ou da infelicidade do meu querido amigo, a quem queria ajudar sem nenhuma capacidade ou sabedoria. tenho ideia de ter estado a ler poesia em voz alta mas baixinho e de haver um abraço muito muito longo, cheio de mensagens partilhadas e entendidas mas com palavras nenhumas. depois acordei sem provar as sobremesas e passei o dia a trabalhar e a pensar no paço dos duques, na biblioteca, nos sofás de couro com orelhas e no meu amigo. e a querer ter a certeza de que ele é feliz.

*Raquel Patriarca


1º Parágrafo: Império à deriva


A 25 de Setembro de 1807, uma carruagem corria pelas ruas mal empedradas de Lisboa. Depois de percorrer as colinas que rodeavam o porto, saiu para campo aberto e começou a chocalhar através de prados e pomares de citrinos. Sentado na cabina ia o nobre irlandês de vinte e sete anos, Percy Clinton Sydney Smythe, sexto visconde de Strangford, enviado da Inglaterra em Lisboa. Enquanto a carruagem se dirigia para norte, Strangford trabalhava em maços de correspondência diplomática espalhados no colo – cartas de Jorge III, recomendações do secretário dos negócios estrangeiros britânico, George Canning, e do seu congénere português, António de Araújo – preparando o mais crucial encontro da sua carreira. Em percursos mais planos da estrada, tomava notas ou fazia comentários nas margens dos seus papéis e o resto do tempo ensaiava mentalmente o que planeara dizer quando estivesse cara a cara com o príncipe regente de Portugal, D. João.


* Tradução de António Costa

a-ver-livros: primeiro passo e Gérard Dubois

Hesitar no gesto
no passo
no virar da página que falta
tropeçar nas vírgulas
fora de sítio
titubear em torno da interrogação
forma de expressão
subir ou não subir
afinal

* para conhecer mais sobre o pintor francês Gérard Dubois
basta seguir o link www.gdubois.com

domingo, 7 de abril de 2013

SamuT


Fotografia de Teresa Lamas Serra

Não me perguntes o nome, quantos anos tenho, se gosto de estudar, se gosto de tâmaras, se tenho um cão.
Não me faças perguntas ridículas.
Espero mais de ti.
Não espero nada de ti.
Não desvies os teus olhos dos meus pés descalços.
Tenho sapatos.
Tenho sapatos e tenho a alegria de andar com os pés descalços.
Tenho uma bicicleta. Foi prenda de anos.
Uma bicicleta tem uma utilidade relativa no deserto, utilidade nenhuma, mas na cidade voa como um pássaro.
Um pássaro a planar rente ao chão.
Consegues imaginar?
O meu avô diz que a mim me sobra imaginação.
A minha bicicleta é inútil no deserto, porque os desertos não são lugares próprios para pássaros, talvez a ausência de árvores, de ninhos, de sombras.
Eu, tu, nós, temos um não sei quê de bicicleta, e não é como se tivéssemos rodinhas nos pés, que isso é mais patins, eu sei, o que eu quero dizer é que servimos para pouco, também somos inúteis em muitos lugares.
Só no fim é que percebemos que são poucos os lugares certos, é o que diz o meu avô, e também diz que eu ainda não sei nada, porque estou apenas no princípio de tudo.
Certos para quê, avô?
Certos para se ser feliz.
Já tenho oito anos.
Já soprei oito velas.
Um bolo de figos e mel, uma bicicleta.
Já andaste de camelo?
Tem um não sei quê de barco.
O que é o quê?
Não sei, nunca andei de barco.
Um barco também é inútil no deserto.
Gosto de barcos, principalmente das caravelas, as velas como luas em quarto crescente, como nos livros de história, gosto tanto, que quando sopra o vento penso que sou, quer dizer, imagino que sou, de braços abertos, um barco à vela, mas acabo a fazer lembrar um avião, deve ser do vento!
No deserto o vento é muito forte, tão forte que move montanhas. Já reparaste que não há montanhas no deserto.
Portanto, não sirvo para barco.
A serventia de uma pessoa está na cabeça, nas mãos, nos pés ou no sorriso, outra frase que o meu avô repete para eu aprender, enquanto enfia o dedo indicador na minha testa, o mesmo dedo que depois aponta para as minhas mãos, para os meus pés, para o seu sorriso, e faz assim apesar de dizer que apontar é feio.
E porque já experimentei, sei que sou inútil com um bisturi na mão, com um pincel, com um cinzel, com uma agulha, mesmo com dedal pico-me nos dedos.
Acho que sou, espero ser útil com uma colher de pau na mão, e não estou a falar em lutas de espadas, que assim já parti quatro colheres, quatro valentes mosquetes que o meu pai me atestou com os nós dos dedos da não direita, mesmo para doer, como se o meu cocuruto uma noz.
O meu pai é cozinheiro. O meu avô é cozinheiro.
Dizem que o meu bisavô também era cozinheiro.
Quase nasci dentro de uma cozinha e, numa cozinha gosto de tudo, dos cheiros às panelas e tachos, aos livros de cozinha, as fotografias das sobremesas como histórias de encantar a fazer crescer água na boca.
Já consigo partir um ovo e separar a gema da clara, só com uma mão.
Para dizer mesmo a verdade não gosto de tudo numa cozinha, não gosto de lavar loiça, o pior é que é a única coisa que me deixam fazer, dizem que ainda não tenho idade para mexer no fogo.
Irritam-me mesmo, e mais me irritam porque parece que têm gosto em ver-me contrariado, porque todos os dias me põem a lavar pratos e copos e colheres de garfos.
Lavar garfos, o que detesto mais.
Mas o que mais, demais, me irrita é que na cozinha, quieta, silenciosa, ociosa, de olhos nas minhas costas, de sorriso trocista, a máquina de lavar loiça.


Raquel Serejo Martins


NOTA: Este texto nasceu sobre este olhar que me encantou, sobre a fotografia de Teresa Lamas Serra, que trouxe este olhar até aos meus olhos, até aos vossos olhos.


David Pintor autografa um livro...

Fui ao encontro de David Pintor, aquando do lançamento no Porto do livro O Grande Chefe - escrito por Carlos Nogueira e com ilustrações de David.

Comprei o livro e conversei com ele uns minutos. Qual o meu espanto quando percebo que o autógrafo que me deu saiu assim...

Apreciem!

*O elefante, o menino super herói, a dedicatória e os pássaros não existiam!

David Pintor em:
Bloghttp://www.davidpintor.blogspot.pt/
Facebookhttps://www.facebook.com/pages/David-Pintor-ilustraciones/197902626909227

120 anos de Almada, pim!

Hoje, há 120 anos, em São Tomé, concretamente na Roça da Saudade, freguesia da Trindade, nascia Almada Negreiros, filho de um tenente de cavalaria de Aljustrel e uma mestiça com fortuna. Fortuna a nossa, que a cultura portuguesa ficaria marcada de forma indelével pelo menino José, poeta, futurista e tudo.

Razões para comemorar, pois claro. E se ontem houve animação no Largo do Chiado, hoje inaugura-se nos também lisboetas Calçada da Glória e Largo da Oliveirinha a exposição colectiva de Arte Urbana “Almada por se7e”.  Quando forem 18 horas, lá estarão sete jovens nomes da arte urbana a reinterpretarem algumas peças e temas emblemáticos de Almada.

Mais cedo, já às 16h15 na sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, uma sessão da peça "Olhos de Gigante", a partir de Almada Negreiros, pelo Teatro O Bando. O espectáculo vai estar em cena de 24 a 28 deste mês, tendo ainda uma sessão especial em língua gestual portuguesa agendada para dia 21.

Do programa completo de comemorações, que se vai estender ao longo do ano e pode ficar a conhecer através deste link, destaco ainda as tertúlias que vão decorrer em Maio e Junho no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, a exposição na Biblioteca Nacional e também o colóquio internacional que, em Novembro, vai reunir em Lisboa diversos estudiosos da obra de Almada.

Mas o programa é largo e merece que nele atentem. Até porque, em breve, na Ribeira das Naus, surgirá um monumento a Almada criado a partir do desenho Auto-Reminiscência, um auto-retrato de 1949.

Uma forma de o homenagear também é deixar-vos este vídeo: a sua última intervenção pública, no verão de 1969, participando no programa televisivo Zip-Zip - realizado por Luís Andrade, lamentavelmente falecido ontem.

E porque Almada Negreiros, o artista, foi também homem - e pai e avô - deixo-vos ainda este mimo: uma pequena entrevista das netas, Rita e Catarina, dada hoje à TSF. 
Continuação de um bom domingo. E boas leituras, pois claro!