Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.
Quando pronuncio a palavra Nada,
Crio algo que não cabe em nenhum não-ser.
Subi a Augusta de Monzão sacando o movimento.
(...)
Pediu cem mas deixou pela metade: um galo pra ela, vintão para o hotel. Setentinha piço e cama, era um bom negócio.
“Meia hora só, tá, gato?”
“Claro.”
No que ela entrou no carro já lhe passei o cinquentinha do michê, que ela enfiou rápido no decote. Sempre faço isso, de pagar a puta antes. Cria um clima de confiança, esquenta a relação, melhora a qualidade da foda. Viver numa sociedade regida pelo dinheiro pode ser uma merda e tudo, mas porra, um pedacinho de papel pintado que pode ser trocado tanto por um prato de esparguete com vinho numa cantina do Bexiga quanto por uma peteca de cocaína ou uma bela buceta semidepilada à meia noite e pico na rua é de tirar o chapéu, fala a verdade.
(…)
Em seguida, larguei os peitos e comecei a trabalhar com as duas mãos a bunda da puta, mais para pequena, redondinha, um melão rachado. Era uma bunda que já tinha enfrentado alguns atritos com ângulos mais agudos da realidade, como bico de sapato e brasa de cigarro, por exemplo. Muita pica já tinha transitado por ali também, indo e vindo por aquele roscofe esgrouvinhado. Putas de rua é isso mesmo, vai querer o quê? Não são garota símbolo dos cremes antirrugas da Lancôme. Se eu fosse mulher, mais ou menos gostosa, pobre e ignorante, seria uma bela putana de rua também, e teria a essa altura mais cicatrizes e hematomas a ostentar que aquela fulana, se é que ainda estaria vivo, digo viva, do que muito duvido. Não me inspiram pena as putas da Augusta. Só tesão, quando estão peladas na minha frente numa cama rançosa de uma espelunca de vinte magos, e eu torto e tarado comendo elas pela frente e por trás, fazendo o possível para achar que a vida é engraçada, meu caralho, quando não bela.
Talvez se recordem. O polémico rapper, produtor, designer de moda e mil outras coisas Kanye West – sim, o mesmo que no início do mês fez questão de banir a presença de críticos de moda nos seus desfiles em Paris... – fez gala, em 2009, de dizer que não é fã de livros.
“Sou um orgulhoso não-leitor de livros”, afirmou – e pela boca morreu o peixe. Nesse mesmo ano lançou um... livro! Bem, se é que tecnicamente se pode chamar livro a “Obrigado e Não Tem de Quê”, algo com 52 páginas, muitas delas em branco e outras apenas com uma frase a corpo mil com citações da sua umbiguista pessoa, aquilo a que ele designa como Kanyeismos.
Pois este ano, as amigas Annabelle Quezada e La Shea Delaney, leitoras confessas e disso igualmente orgulhosas, pegaram na canção “N*ggas in Paris”, de Kanye e do seu amigo Jay-Z, mudaram-lhe a letra e, durante um dia, entretiveram-se a fazer o video que vos apresento, a que chamaram “B*tches in Bookshops”.
O video está a fazer furor por aí, como se consegue perceber pelo blog de uma das raparigas. A letra – que está aí também mais abaixo – faz referências a autores vários, de Mark Twain a Proust. É divertida e faz pensar. O que é muito, nos tempos que correm. Vejam o vídeo!
B*tches in Bookshops
“Read so hard librarians tryin’ ta FINE me,
They can’t identify me,
Checked in with a pseudonym,
so I guess you can say I’m Mark Twaining.
Read so hard, I’m not lazy.
Go on Goodreads, so much rated.
Fountainhead, on my just read, gave it four stars, and then changed it.
Read so hard, I’m literary.
Goosebumps series, TOO SCARY!
Animal Farm, Jane Eyre
Barnes & Nobles, Foursquare it
No TV, I read instead
Got lotsa Bills, but not bread
BURROUGHS , GOLDING, SHAKESPEARE – all dead
Read so hard, got paper cuts
On trains while you're playin’ connect the dots
All these blisters from turning pages
Read so hard, I’m seeing spots
Your Sudoku just can’t compare
Nor Angry Birds cos lookit here
My Little Birds is getting stares
This print’s rare.
Read so hard, I memorize, The Illiad... I know lines.
Watch me spit, classic lit, epic poems that don’t rhyme.
War and Peace, piece of cake, read Tolstoy in 3 days.
Straight through, no delays.
Didn’t miss a word. Not one phrase.
Read so hard librarians tryin’ ta fineee me - That shit cray
He said Shea can we get married at the Strand
His Friday Reads are bad so he can’t have my hand
You ball so hard, OK you’re bowling
But I read so hard, I’m JK Rowling
That shit cray
Ain’t it, A? What you readin’?
AQ: DeMontaigne.
You use a Kindle? I carry spines.
Supporting bookshops like a bra, Calvin Klein.
Nerdy boy, he’s so slow
Tuesday we started Foucault
He’s still stuck on the intro? He’s a no go.
It’s sad I had to kick him out my house though –
He mispronounced an author - MARCEL PROUST
Don’t read in the dark
I highlight with markers
While laying in the park
And wearing Warby Parkers
Marriage Plot broke my heart
And it made me read Barthes
I special ordered a
A softcover not hard- HUAH?
Read so hard libraries tryin’ ta fine me
I am now marking my place
Don’t wanna crease on my page
Don’t let me forget this page
Don’t let me forget this page
I may forget where I left off so I’ll use this little post it…
I hope it doesn’t fall out, I hope that it stays stickie…
I am now marking my place
Don’t wanna crease on my page
Don’t let me forget this page
I got bookmarks at home
But I forgot one for the road
AQ: I got a bookmark I can loan
La Shea: Know how many bookmarks I own?
I am now bookmarking my page
DON’T LET ME FORGET THIS PAGE
-age-age-age-age-age.”
Vanessa Bell, a pintora, era irmã mais velha de Virginia, a escritora. Artista de créditos reconhecidos, espécie de matriarca não-oficial do círculo de pintores, escritores e outros artistas e intelectuais que viria a ficar conhecido como Grupo de Bloomsbury. Vanessa nasceu em 1879 e partiu em 1961, octogenária, depois de uma vida longeva, recheada de polémica, amores, arte e morte.
Ninguém o poderia prever quando as duas manas eram apenas crianças ou adolescentes, no seio de uma família privilegiada, a jogar criquete no relvado e, nos tempos livres das aulas com tutores particulares, entretidas na salinha privada com livros e tintas. No entanto, estava lá tudo. Por exemplo, ambos os pais já tinham sido casados em primeiras núpcias e tinha outros filhos. Do lado paterno, Laura, que seria dada como louca. Do materno, Stella, que morreria cedo, e Gerald e George, que marcariam para sempre as duas meias-irmãs, Vanessa e Virginia, ao abusar delas sexualmente desde tenra idade, como se veio a revelar muito mais tarde.
Quando ambos os progenitores morrem, Vanessa quer afastar-se dos meios-irmãos o mais que lhe for possível. Vende a propriedade de Westminster, onde viviam, e com Virginia e os dois irmãos mais novos, Thoby e Adrian, muda-se para Bloomsbury, onde tudo começa a acontecer à medida que os rapazes vão crescendo, indo estudar para Cambridge e trazendo depois os colegas de lá para tertúlias caseiras.
Espíritos livres, criativos e de muitas formas torturados, as manas avançam na vida por caminhos paralelos, recheados de casos amorosos, hetero e homossexuais. Virginia, é do conhecimento geral, no meio de vários relacionamentos, entregou-se aos prazeres sáficos, embora casada com Leonard Woolf. A também escritora Vita Sackville-West foi talvez a sua verdadeira grande paixão. Pois também Vanessa viveu um ‘casamento aberto’. Deu o nó com Clive Bell em 1907, de quem teve dois filhos, Julian e Quentin, mas ambos tiveram os amantes que quiseram, fazendo vidas praticamente separadas. Ela nomeadamente com o pintor Duncan Grant, com quem teve uma filha, Angelica, – que Bell perfilhou, para evitar falatório – e com quem marcou também um estilo de decoração de interiores que perdurou por muito tempo, pintando paredes, portas e móveis na quinta de Charleston, para onde foram viver a determinado momento. Ele, ela, as crianças e, na maior parte do tempo, também o amante de Duncan, David Garnett.
Mas interessam-me as irmãs, sempre insatisfeitas, inquietas. Como interessou, por exemplo, ao realizador Stephen Daldry que, no filme “As Horas”, deu o papel de Virginia a Nicole Kidman e o de Vanessa a Miranda Richardson. Sim, eram as duas muito próximas. E de várias maneiras. Desde a ciumeira entre manas – que leva Virginia a manter um flirt prolongado com o cunhado –, até ao amor e apoio incondicional que manifestam constantemente. No caso de Virginia, por exemplo, quando na primavera de 1911, ela própria no meio de mais uma depressão, vai ter com Vanessa à Turquia onde, de férias, esta sofrera um aborto espontâneo e um colapso nervoso. Escrevendo à irmã em 1937, Virginia interroga-se: “Achas que temos o mesmo par de olhos, apenas com diferentes óculos?”
A vida das duas mantém-se fortemente ligada até ao fim, entre romances de sexualidades várias, desgraças em catadupa e muito talento artístico, uma para as palavras, outra calando-as mais e mais a cada desaire e transformando-as em quadro atrás de quadro, isolando-se numa dolorosa explosão de criatividade. Como quando, ao lado de Duncan e depois do nascimento da filha de ambos, este volta a assumir a sua homossexualidade e Vanessa, em vez de se revoltar, aceita apenas e contenta-se em manter o maravilhoso e intenso carinho que tinham um pelo outro pintando lado a lado para o resto da vida. Ou mais tarde, em 1937, quando lhe morre o filho mais velho, Julian, bombardeado quando conduzia uma ambulância durante a Guerra Civil Espanhola. Ou por fim, em 1941, quando Virginia, considerando que está a enlouquecer de vez, escolhe encher os bolsos de pedras e entrar rio Ouse adentro, deixando uma nota de suicídio.
Curiosamente, Virginia odiava posar. Apesar disso, em tela de 1911, Vanessa retrata-a a tricotar, afundada num cadeirão. Tal como a personagem Mrs. Ramsay, num momento de calma intimidade, em “Rumo ao Farol”, sendo apenas ela mesma. Mas Vanessa imortalizou-a também numa outra tela, em 1934, que fora exposta na Galeria Lefevre, vendida a um coleccionador privado e desaparecida depois na voragem do tempo. Pensava-se até que pudesse ter sido destruída durante a segunda Guerra Mundial.
Até que, 70 anos depois, em 2004, um telefone tocou na fundação que garante a memória de Charleston e alguém informou que o quadro ainda existia e continuava até na mesma família de quem primeiro o adquiriu – que o veio a ceder para exposição. Vanessa imortaliza-a sentada na saleta da casa de Londres, 52 Tavistock Square, pés em cima de um tapete desenhado por Duncan Grant. Numa carta, a escritora recordava que, embora surgisse depois no quadro com ar sério e sem qualquer livro nas mãos, durante as sessões em que foi feito, ela e Vanessa se mantiveram entretidas com a leitura das escandalosas memórias da amiga Ottoline Morrell.
Vanessa pintara este quadro na sequência de um pedido feito pela National Portrait Gallery, que Virginia escolheu declinar. Numa carta para o sobrinho Quentin Bell, a escritora explicava: “Eles vão guardá-lo numa cave algures. E dez anos depois de eu morrer vão expo-lo e dizer: alguém quer saber como era Virginia Woolf? E todos vão responder: não. E vai acabar por ser destruído.” Enganava-se. Como se terá enganado quem pensou que Vanessa era “apenas” a irmã mais velha da formidável escritora. As duas partilharam vidas incomuns, intensas, retorcidas e é difícil dizer qual delas influenciou mais a outra.
Certo é que, como Vanessa escreveu um dia, “Será uma vida estranha, mas... deverá ser uma boa vida para pintar”. Virginia não teria dito – ou escrito – melhor.
Talvez o italiano mais português que conheci – partilhava a nossa nacionalidade desde 2004 –, escritor, tradutor, apaixonado por Fernando Pessoa, eterno nomeado para o Nobel da Literatura, Tabucchi admitia sonhar muitas vezes na língua que é a nossa. E faz sensivelmente dois anos que, ao jornal i, diria algo que me ficou, muito antes da conotação política que hoje têm os bolos em questão: "Para escrever tem de haver uma urgência, um desejo. Tem de me apetecer escrever como me apetece comer uns pastéis de nata. Preciso daquilo, naquele momento." Faz sentido.
Não lhe quero escrever uma elegia nem cair no saco sem fundo das biografias. Só despedir-me simbolicamente do corpo que teve bigode e depois deixou de ter, que das palavras que deixa não me separarei nunca. Aliás, ele e eu partilhamos a perspectiva da morte de que dá conta numa entrevista ao Público ao falar do livro “Tristano Morre”.
“Quando se é mais novo, é uma ideia tão longínqua que normalmente pensamos que nunca morremos. É uma das maiores desgraças que pairam sobre o mundo moderno. As pessoas que estão no poder, sobretudo, devem pensar que nunca vão morrer. É por essa razão que são tão estúpidas. A modernidade elidiu a ideia da morte. É uma omissão incrível. Um dos factores mais negativos do comportamento da nossa sociedade. Deveria ensinar-se aos miúdos, na escola, da maneira mais natural, que temos de morrer. A ideia de sermos mortais ajuda muito a viver. “
Em breve será Abril e Tabucchi voltará a viver através de "O Tempo Envelhece Depressa", conjunto de contos sobre a passagem do tempo, passado e presente, a editar pela D. Quixote, que já anunciou também mais onze livros para os próximos três anos, entre novidades e reedições, as farturas que surgem depois do adeus. Antes disso, já no dia 2 de Abril, a partir das 10h30, a Casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique, Lisboa, vai organizar uma maratona de leitura integral do “Requiem”, que será gravada para que possa ser acessível para os invisuais. Acho que Antonio, onde quer que esteja, e mesmo avesso como sempre foi a computadores e à internet, gosta disso.