sábado, 15 de janeiro de 2011

vieniš(um)as - solidão, Nuno Guimarães

Mas quem és tu para escrever assim? A quem escreves com tanto amor? Como é que te atreves?

Não respondas. Contar o segredo seria perder a piada. És poeta... Não te esqueças!

Uma coisa tenho a certeza: a Musa que te inspira é poderosa! Pessoa que capta tanto sentimento e amor, deve ter muita sorte.

Todo este livro fez-me conhecer alguém que não imaginava. Sei que não te escondes na carapaça abandonada de um caranguejo... Não tens medo de mostrar ao Mundo como és.

E isso é notável.

Onde andam as editoras portuguesas para pôr este livro, 'provavelmente o primeiro não só na Lituânia, mas também no mundo, de um autor, nestas duas línguas'; à venda nas livrarias?

Para quem não sabe, não é demais repetir... O Nuno publicou 'vieniš(um)as - solidão' na Lituânia, em edição bilíngue. Contou com a ajuda de duas alunas. Este país acolheu-o de braços abertos. Espero que aqui também sintas um abraço!


Escrevi uma mensagem ao Nuno. Pedi-lhe autorização para falar do livro que gentilmente me ofereceu. E, entre muitos que podia deixar, escolhi este poema:

O POEMA MORREU

'hoje o poema morreu,
sangrando estrofes numa morte lenta
derrotado
abandonado
praticamente esmagado
por palavras duplicadas
casualmente encontradas
nesse canto apaixonado

hoje em procura desesperada
o poema descobriu-te enamorada
e lembrou-se, de repente
do que te ouviu dizer
de um modo convincente
do que sentiu ao te ler
tornando-se teu confidente
do que te viu escrever
desse jeito tão ardente

hoje o poema morreu
nos teus braços
de forma tranquila e calma.
paz à sua alma!'

Retalho de conversa...

Pois bem, hoje apresento um pensamento que tive há muito tempo atrás, numa conversa. Mais um pedaço neste mundo de 'escritores sem livro'...

'Sabes o que eu acho? Que realmente perco algum tempo em coisas estúpidas! Sem dúvida que não sei bem lidar com ele, não tenho imaginação para viver sem socializar, apanhar sol, sair... Mas, dentro do tempo desaproveitado, vou aproveitando para fazer coisas que gosto. Indiferente a críticas e a comentários. Faço o que gosto, bem ou mal. Não me arrependo nada na minha maneira de ser e acredito sempre que posso ser melhor. Mais importante, ser melhor com as pessoas que me rodeiam. Não me interessa se as pessoas prestam ou não atenção às coisas que digo ou escrevo. Não me interessa se me tratam por idiota ou ídolo. Não vivo obcecado com as críticas e os elogios.


Vivo com a certeza de ser puro e verdadeiro, de fazer o que acho certo e de procurar estar sempre a aprender mais com as pessoas que lutam para estar comigo. Todas as pessoas que são importantes para mim sabem-no mesmo. E há muitas formas de gostar: escrevendo sobre elas, falando com elas, pensando nelas... O saber que estamos unidos, estendemos a mão, somos bons ouvintes e conselheiros e, sobretudo, amigos... É esta a luta que travo todos os dias.

Há uma coisa que me faz muito feliz: ser acarinhado por muita gente, sentir que tenho uma família óptima e ir coleccionando amigos por qualquer sítio onde passe. É a certeza que tenho que, com os altos e os baixos da vida, sigo o caminho certo... O caminho do amor verdadeiro, vivido de forma simples e sensata. E sem esperar nada em troca!'

Rodrigo Ferrão

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

«8 ícones», Arsenii Tarkovskii

Este livro... pequeno, escasso em letras e com esta frase - A grande Poesia parece não estar na moda. Não há memória da moda de um Mito, dita por Paulo da Costa Domingos em Dezembro de 1986... Este gato maltês, número 17 da Assírio, parece passar completamente ao lado de quem não procura livros num mural de livraria...


Deixo-vos parte deste livro-poema, Vida, Vida. Espero que gostem.

página 25:

Não acredito em pressentimentos, nem agoiros
Me assustam. Não evito a calúnia
Ou o veneno. Não há morte sobre a terra.
Todos são imortais. Tudo é imortal. Não há
Que ter medo da morte aos sete
Nem aos setenta. O real e a luz
Existem, mas não a morte ou a treva.
Viemos hoje à enseada,
E o cardume da imortalidade veio
Quando eu puxava as redes.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O meu olhar sobre Primo...


'Se isto é um homem' é um livro cruel. Por momentos desejei transportar-me até lá e acabar com aquele massacre. Não falo apenas das vidas, mas 'aquela' condição humana.

Parece incrível, mas viver ali pareceu-me sempre pior do que morrer. Primo Levi escreve o pior pesadelo que podemos imaginar.

Uma coisa é avaliarmos o Holocausto através do estudo da História. Outra coisa é percebermos a história de um homem que lá esteve. Que sentiu, cheirou, tremeu de frio, emagreceu de fome, negociou a sobrevivência...

Todos marcados por um número... Entrando ali, perdia-se a identidade de um nome. Passava-se a ser conhecido por um número de série. Números que distinguiam classes de homens e nacionalidades. Como se isso, realmente, importasse...

Neste mundo dos esgotos, ninguém escolhe se vai ou não sobreviver. É o corpo que revela quem vai primeiro. Ou um capricho de sorte.

Primo Levi teve a sorte de ter sobrevivido. Sinceramente, apesar de lhe agradecer este livro, preferia não ter vindo contá-lo ao mundo.

Encerramos mais um livro do mês. Quero deixar uma palavra especial de apreço à Carla Valério que soube escolher esta história.

Que tantas sensações de desconforto me trouxe. E de humanidade...

Bibliotecas Cheias de Fantasmas são bibliotecas cheias de histórias para contar

Jacques Bonnet é tradutor, editor, escritor e historiador de arte. Para além disso é também um bibliófilo e é considerado uma referência no que diz respeito a livros raros e alguma da teoria da literatura. A par da sua actividade profissional mantém uma biblioteca de mais de 40 mil exemplares.

O livro “Bibliotecas Cheias de Fantasmas”, que nos chega a Portugal numa edição da Quetzal, é um ensaio em jeito de meditação sobre os livros, os leitores e as bibliotecas, escrito por alguém que vive no meio de livros. Numa época em que a importância dos livros e a sua utilização como objecto, tal como os conhecemos desde sempre, levanta um dos maiores desafios de sempre quer para o objecto em sentido estrito, quer para o papel mais lato de meio de comunicação e divulgação. O desafio e a tentação sedutora de uma internet cada vez mais capaz de agilizar a comunicação entre pessoas que se acabam por fechar sobre si mesmas rodeadas e absorvidas pelas redes sociais online. O espaço diário e de quotidiano que as televisões continuam a ocupar no tempos livres e de lazer e a quantidade de outras plataformas de entretenimento que surgem todos os dias e cada vez com mais capacidade para simular cenários de vida que se assemelham a uma perfeição cada vez mais inatingível nas nossas vidas.


Se escrever um livro é já um acto de coragem, escrever um livro sobre livros parece ser ainda mais arriscado. A esta altura vale a pena fazer uma nota um pouco à parte. É verdade que se publica muito em Portugal, muitas das vezes sem grande critério ou populando as prateleiras das livrarias com edições pagas pelos próprios autores, nem sempre primando pela qualidade. O aumento da implantação das grande redes de livrarias que acabam por arrasar o mercado dos pequenos livreiros e as relações entre editores e livrarias. O papel  do livreiro, daquele que lê e dá a ler, daquele que conhece os catálogos das editoras e que faz escolhas para as prateleiras da sua loja/ livraria não utilizando só como critério os ditos comportamentos do mercado ou sujeitando-se às ditaduras dos best-seller e dos livros com capas de encher o olho. Bonnet faz isso, leva-nos para um caminho de conhecimento dos livros com os livros. Encaminha-nos para uma viagem que parte dos livros e das histórias sobre livros, parte da sua biblioteca abrindo as suas portas aos leitores.

Escrever sobre livros que falam sobre livros é sempre uma tarefa difícil. Tanto para criticar e mesmo até de conseguir escrever. O desafio é esse, após a leitura deste livro.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pedro Ferreira abre o ano...

O mês a avançar, a avançar... E o anúncio de mais um um livro não chegava.

Não me lembrei do Pedro mais cedo. E estive para não o convidar. Apenas porque sei que entra em vários blogues. 'Mais um?', pensei para mim...

Não foi tão problemático. Ele disse logo que sim. Escolheu imediatamente o livro e apenas fez duas perguntas. Simples.

O Pedro anda nos livros há uns anos. Colaborou com a Afrontamento e, neste momento, trabalha com a Deriva.

Apesar de o conhecer há uns tempos, mais recentemente fomos crescendo enquanto amigos. E pareceu-me, mais cedo ou mais tarde, que os livros nos iam fazer partilhar projectos. Este é mais um na vida dele.

Caro amigo, é um prazer enorme ter-te por cá. Podes abusar!

Se isto é um homem

13 de Dezembro de 1943 e 27 de Janeiro de 1945. A História contada neste livro entremeia estas duas datas - quando dizemos as datas, tudo parece ainda mais real.

Todos nós estudámos o holocausto, todos nós lemos sobre a conjuntura política, as ideias, os números desgraçados e as estatísticas que depois se fizeram. O que este livro nos traz de novo é que é um desses números que nos guia durante 410 dias da sua vida num campo de concentração, relatando e analisando factos com uma isenção própria de quem está distante e onde pôs à vista "o que o homem teve coragem de fazer ao homem". Arrisco dizer que estamos perante a mais crua descrição do género humano alguma vez feita. Vejamos que os próprios contornos são excepcionais e cruéis e a ininterrupta situação-[para além do]-limite  irrepetível: o homem pôde aparecer na sua pureza mais negra, e o autor transpôs tudo isto para as nossas folhas de papel.

Levi era um químico por formação académica mas o seu livro demonstra uma capacidade de análise filosófica, sociológica e antropológica impressionante e que nunca chega a ser toldada. De facto, ele mistura-se naquilo porque ele faz parte daquilo, mas parece que nunca abandona a sua alma de cientista : relata os acontecimentos maioritariamente na segunda pessoa do plural, sabendo sempre que, ao descrever-se, fala dos outros e quando pensa os outros, vê-se a si. E deste modo, ao contrário de qualquer vítima, nunca se mostra mais miserável do que um outro.

Talvez esse distanciamento não tenha sido intencional. Talvez ele simplesmente fizesse já totalmente parte da "massa anónima", onde todos perdiam a sua individualidade devido ao despojamento absoluto a que eram submetidos, passando apenas a pura ausência a insuflar aqueles corpos famintos e curvados. E talvez assim tenha encontrado um meu modo de justificar a alegria e conforto que senti ao ler que "Durante umas horas, podemos ser infelizes à maneira dos homens livres".

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Querida Avó...

O meu dia de anos foi o da despedida da minha Avó. Celebramos duas vidas: a vida cheia da Avó e a continuação da minha. ‎'Há gente que fica na história da história da gente.'


Dedico estas palavras.

'Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...'

José Gomes Ferreira

(Obrigado à prima Leonor Ferrão Sottomayor, por ter partilhado este texto)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um adeus...


'Se vale a pena viver
e se a morte faz parte da vida,
então,
morrer também vale a pena...'

há dentro do MAR um FADO

Há dentro do mar um fado
Que às vezes consigo ouvir
Fala de gente que vive
Sem pés assentes no chão.

Conta-me de um marinheiro
Que uma só vez amou
Porém esqueceu o porto
Onde o seu amor deixou.

E sempre que a terra vai
Procura em todos os olhos
Os verdes do seu amor
Que nunca mais encontrou.

O caso de um pescador
Que por ao mar dar o peixe
De mãos vazias voltava
Aos braços do seu amor,

Seu amor nada dizia
Por perceber-lhe a tristeza
Um mar vazio de peixe
Não tem grande serventia.

A vida de um timoneiro
À procura de uma estrela
Não uma estrela qualquer
Do firmamento a mais bela.

Mas são tantas as estrelas
Tantas e tão belas são
Que ao leme as suas mãos
Se perdem nessa missão.

E um capitão-de-fragata
A almirante promovido
Que em tempos de paz aprende
Como trina uma guitarra.

E todos os fins de tarde
Vêm gaivotas e peixes
Quais fregueses, ouvir fados
Sobre uns tais de portugueses.

Povo de navegadores
De pescadores de baleias
De poetas, de escritores
E da saudade os cantores!


Raquel Serejo Martins