sexta-feira, 24 de junho de 2011

'Viagens Brancas' em apresentação

'Viagens Brancas relata o percurso de diversas mulheres relacionadas, de alguma forma, à produção, tráfico e consumo de cocaína. Uma viagem pelas “estórias” de várias mulheres ligadas à cocaína é a proposta da jornalista Ana Cristina Pereira, para a sessão da Comunidade de Leitores.

Ana Cristina Pereira estudou Comunicação Social na Universidade do Minho. É jornalista do Público desde 1999. Dedica-se, sobretudo, às temáticas de exclusão social, como a pobreza, os tráficos, as dependências, as piores formas de trabalho infantil, a delinquência juvenil, a violência intrafamiliar, a reclusão, as migrações e as minorias. “Meninos de Ninguém”, de 2009, foi o seu primeiro livro. O livro “Viagens Brancas”, da Arcádia, foi lançado a 8 de Junho de 2011, no Centro de Respostas Integradas Porto Ocidental'


Almedina Arrábida Shopping
25 de Junho 2011, às 17h 00m

(retirado daqui.Mais sobre o livro, aqui.)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Revista Ler n.º 103

A ler de Junho dá destaque principal à entrevista que faz a Arturo Pérez-Reverte, mas é Cormac McCarthy que atrai todas as minhas atenções.

O tradutor das suas obras, Paulo Faria, faz uma viagem a San Marcos, no Texas, para conhecer pessoalmente o autor de 'A Estrada' ou de 'Suttree' (entre tantos outros). Além dos traços de personalidade do autor e de algumas aventuras descritas; o entrevistador conta a Cormac o seguinte:

'Explico-lhe porque me senti obrigado a traduzir Meridiano de Sangue pela segunda vez. Na primeira tradução não tive a coragem necessária para seguir algumas das indicações que ele me dera nas cartas. Não mergulhei na treva como devia. E ele repete-me o conselho: «Acho sempre preferível partirmos do princípio de que há no leitor uma centelha de inteligência.»'

Rogério Casanova escreve - logo a seguir - uma excelente análise à obra 'A estrada'. Percorrer este livro onde não há geografia nem destino, afirma.


aqui deixei um pequeno texto que refere o justo destaque a uma crónica que Manuel Hermínio Loureiro escreveu na Ler. É bom que Francisco José Viegas lhe dê o destaque merecido no editorial que escreve.

Assim como a Manuel António Pina... que mais à frente aparece descortinado por Osvaldo Manuel Silvestre. Aqui podemos aprender o essencial sobre a obra do Prémio Camões deste ano e ler alguns dos seus poemas.

Como este,

Volto de novo ao princípio

'A ideia de isto cansa-me
em qualquer sítio fora de qualquer sítio
onde o meu cansaço é só um conceito.

Há qualquer coisa que quer falar e apenas foge;

as palavras perseguem a sua miragem,
e eu sou o lugar onde tudo isto se passa fora de mim,
a Literatura, o cansaço e a ideia de isso.
Já não tenho palavras para não dizer qualquer coisa.

Volto de novo ao princípio de tudo, ao lado de fora, onde fala de isto
o que aqui falta está parado sobre a Literatura.'

PASTELARIA, Mário de Cesariny

A Paula Moura Pinheiro e o José Carlos Vasconcelos (responsáveis por este projecto no programa da rtp2, 'Câmara Clara') devem andar atentos ao nosso blogue... Ainda há dias Mário de Cesariny se apresentou com este poema por aqui.

Desta vez, dito por Sir Scratch, músico.

terça-feira, 21 de junho de 2011

in A Questão Finkler

"- Se achas que vais conseguir levar-me para a cama no primeiro encontro – disse ela, deixando-o levá-la para a cama no primeiro encontro - , estás bem enganando.

A sua explicação para o que aconteceu mais tarde foi que aquilo não era bem um encontro.

Assim, Treslove voltou a convidá-la, desta vez para um verdadeiro encontro. Janice apareceu usando longas luvas de ópera da época eduardina que comprara numa venda de artigo usados para caridade e não deixou levá-la para a cama.

- Então, não voltamos a combinar sair para mais encontros – disse Treslove.

Janice respondeu que não se podia planear sair para não ter um encontro, porque isso já era um encontro.

- Então, não vamos sair nem para um encontro, nem para um não-encontro – sugeriu Treslove. – Vamos só para a cama.

Ela deu-lhe uma bofetada.

- Que tipo de mulher julgas que sou?

Um dos botões de pérola das luvas de ópera cortou a face de Treslove. As luvas estavam tão sujas que este receou apanhar uma sepsia.

Depois disto pararam de combinar encontros, o que queria dizer que ele a podia levar para a cama à vontade.

- Dá-me com força – dizia-lhe Janice entre arquejos como se estivesse a ler palavras escritas no tecto.

Treslove tinha por ela uma pena que ia até às profundezas da sua alma.

Mas isso não o impediu de lhe dar com força.

E talvez ela também tivesse pena dele. De todas as namoradas de Treslove deste período, Janice foi provavelmente a única que sentiu por ele algo que poderia ser designado como afecto, embora não chegasse ao ponto de gostar da sua companhia.

- Não és propriamente um mau homem - disse-lhe uma vez. - Não quero dizer que não és feio ou mau na cama, digo que não és uma pessoa má. Há algo que te falta, mas não é a bondade."

A despedideira


Descobri Mia Couto num daqueles livrinhos de bolso, oferecidos com uma revista qualquer. Nessa altura, andava duas horas de comboio por dia, todos os dias, e um dos critérios para escolher os livros que lia era que coubessem em carteira de mulher.
E aí, “o fio das missangas” foi muito mais do que um livrinho. Foi quase uma experiência de voyeurismo literário, com a reunião de bocados de vidas de personagens tão intensas, que podiam ser pessoas.
Trago para aqui um dos meus favoritos, A despedideira.

Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios. Para ser a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no simples ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, me casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém. Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro do tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de sentimento. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra, eu me divinizei. Como perfume em que perdesse minha própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada.
Lembro desse encontro, dessa primogénita primeira-vez. Como se aquele momento fosse, afinal, toda minha vida. Aconteceu aqui, neste mesmo pátio em que agora o espero. Era uma tarde boa para a gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por ali parava. A brisa sem voar, quase nidificava. Vez e voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente, todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida.
No entanto, aparentava distância. O fumo escapava entre os seus dedos. Não levava o cigarro à boca. Em seu parado gesto, o tabaco a si se consumia. Ele gostava assim: a inteira cinza tombando intacta no chão. Pois eu tombei igualzinha àquela cinza. Desabei inteira sob o corpo dele. Depois, me desfiz em poeira, toda estrelada no chão. As mãos dele: o vento espalhando cinzas. Eu.
Nesse mesmo pátio em que se estreava me coração tudo iria, afinal, acabar. Porque ele anunciou tudo nesse poente. Que a paixão dele desbrilhara. Sem mais nada, nem outra mulher havendo Só isso: a murchidão do que, antes, florescia. Eu insisti, louca de tristeza. Não havia mesmo outra mulher? Não havia. O único intruso era o tempo, que nossa rotina deixara crescer e pesar. Ele se chegou me beijou a testa. Como se faz a um filho, um beijo longe da boca. Meu peito era um rio lavado, escoado no estuário do choro.
Era essa tarde, já descaída em escuro. Ressalvo. Diz-se que a tarde cai. Diz-se que a noite também cai. Mas eu encontro o contrário: a manhã é que cai. por um cansaço de luz, um suicídio da sombra. Lhe explico. São três os bichos que o tempo tem: manhã, tarde e noite. A noite é quem tem asas. Mas são asas de avestruz. Porque a noite as usa fechadas, ao serviço de nada. A tarde é a felina criatura. Espreguiçando, mandriosa, inventadora de sombras. A manhã, essa, é um caracol, em adolescente espiral. Sobe pelos muros, desenrodilha-se vagarosa. E tomba, no desamparo do meio-dia.
Deixem-me agora evocar, aos goles de lembrança. Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio. Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos. Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem. Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água. Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.
Porque eu não sou por mim. Existo reflectida, ardível em paixão. Como a lua: o que brilho é por luz de outro. A luz desse amante, luz dançando na água. Mesmo que surja assim, agora, distante e fria. Cinza de um cigarro nunca fumado.
Pedi-lhe que viesse uma vez mais. Para que, de novo, se despeça de mim. E passados os anos, tantos que já nem cabem na lembrança, eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. Porque esse adeus, só esse aceno é meu, todo inteiramente meu. Um adeus à medida de meu amor.
Assim, ele virá para renovar despedidas. Quando a lágrima escorrer no meu rosto eu a sorverei, como quem bebe o tempo. Essa água é, agora, meu único alimento. Meu último alento. Já não tenho mais desse amor que a sua própria conclusão. Como quem tem um corpo apenas pela ferida de o perder. Por isso, refaço a despedida. Seja esse o modo de o meu amor se fazer eternamente nosso.
Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. De mais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada, Ninguém no plural.
Ninguéns.

Descobrir... Ana Marta Fortuna

Descobrir novos talentos. Escritores quase sem livro, com um livro, com uma obra vasta mas que não chega ao conhecimento geral ou não chega aos tops das livrarias. Uma espécie de nova rubrica no blogue à qual chamo para colaboração toda a gente. Leitores, visitantes esporádicos, amigos do Facebook e malta que por aqui escreve, aqui fica o desafio. O Rodrigo já tinha apelado a que os nossos textos de escrita pessoal viessem aqui parar para que a Raquel Serejo Martins não fosse a única.

Eu da minha parte faço um "mea culpa". A verdade é que parte da minha produção pessoal acaba por estar num outro projecto/blogue em que colaboro e como não tem sobrado nem inspiração nem textos para mais por aqui tem ficado só as leituras, as criticas e as crónicas sobre livros e a vida à volta deles. Para que o desafio não ficasse no vazio lembrei-me desta ideia que talvez possa ser muito engraçada. Trazer aqui novos e velhos talentos, esquecidos ou ainda por descobrir. Mais uma vez o repto para que os e as leitores nos mandem coisas que escrevem ou escreveram.


Para hoje e para já começo com Ana Marta Fortuna. É tendencioso porque é minha amiga, uma pessoa muito importante e que me deu o grande privilégio de fazer parte da apresentação do seu livro aquando do lançamento no Porto.

A poesia sai-lhe dos dedos de uma forma suave e leve. A cidade, qualquer uma, aquelas em que habitamos está reflectida nas suas palavras. Há amor e desamor, alegrias e tristezas espalhadas em frases curtas ou em pequenas rimas. Descontraída mas empenhada como deve ser a boa poesia. Bate-nos levemente como quem chama por nós, com o peso de uma nuvem.

Publicada na Alma Azul, vencedora da 2ª edição de "Uma boa razão para escrever um livro" em 2008 com o título "O Peso da Nuvem" é assim que podemos encontrar esta mulher-menina que mantinha também o blogue A Destreza das Dúvidas onde podemos encontrar muitas mais palavras e muitas imagens escolhidas e escritas por esta autora.

E porque as palavras dela falam melhor que qualquer coisa que se possa dizer, procurem-na numa livraria e leiam o que se segue.

"Passo todos os dias por ti,
todos os dias te imagino,
todos os dias escondo
e todos os dias vão sendo iguais
na ausência do meu abrigo."

"Vou morrer aqui
como gostava que tivesse sido a minha vida"

"Não me assusta a dor
assusta-me a ideia
de nunca sentir nada mais
para além da dor"

domingo, 19 de junho de 2011

Tenho uma Grande Constipação


'Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.'

Álvaro de Campos