sábado, 14 de fevereiro de 2015

Bai'má Benda: burros, pobres e mal serbidos? o caralho!!!

burros, pobres e mal serbidos? o caralho!!!

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a-ver-livros: vício

Que hoje não me falem
de amor
quero lá saber
do que já não sonho
do que já não espero

É um comboio descontrolado
que já não vem
uma ave que já não voa
uma chávena fria de um chá
estranho
que nunca aconchegou
noites frias

É um vício 
que não tenho
escusam de me tentar curar

Ana Almeida

* para saber mais sobre o ilustrador turco Gurbuz Dogan Eksioglu
siga o link http://www.gurbuz-de.com/index-e.html#

Foto frase do dia: Joyce Carol Oates

Estantes de sonho: ao meu redor


Ao meu redor, livros, livros, livros...
 
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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

EU SÓ SILÊNCIO

Ontem ou melhor há uns dias porque ontem decidi não acordar eu a sair da escola como sempre e a paragem do autocarro cada vez mais perto. Sozinho com a mesma cara fez já dezoito anos e as nuvens em conversa a acompanharem-me a ganga que lhes fugia. Cheguei e enquanto esperava reparei num velho a vir lá do fundo, velho mas não tão velho como os meus velhos, o branco no cabelo enganou-me e já alguma corcunda por isso ele para mim mais velho que na realidade. Vinha com uma bengala, aliás não era uma bengala, não me lembro do nome, aquilo que os invisuais usam para palparem terreno. Seguro do caminho e óculos escuros a darem-lhe certo charme que nunca hei-de ter parou, partilhámos a mesma espera. Quando chegou o autocarro acercou-se da porta e por isso eu já pronto para o ajudar a subir. Não ajudei porque ele tão autónomo, apenas perto porque sei lá, é isso que se deve fazer. Disse-me para entrar e eu só obediência nessa altura. Entrei e esperei que ele subisse, mantive-me ali tão perto, também o motorista no aguardo mas um aguardo diferente do meu. O velho não tão velho assim fora do autocarro, imóvel com ele próprio, dono de tudo. Parecia-me contar os segundos. Nisto uma senhora baixa a caminhar até à porta onde eu ainda a esperar. Que espanto o meu quando também a senhora com aquela espécie de bengala, também a senhora com branco no cabelo e a mesma corcunda, também a senhora invisual. As pessoas dentro do autocarro que entretanto tinham deixado de ser pessoas encostavam-se cada vez mais apertadas e toda a gente a dar-lhe passagem. O tempo tão rápido porque o relógio não certo ali, nenhum relógio afinal e durante aquele bocado vários dias em nascimento. A senhora a aproximar-se da porta e eu todo silêncio, eu a ser só olhos, os meus e os deles. Passou por mim e parou no ar que faz a divisão entre o autocarro e a estrada. Lá fora o homem a esticar o braço que encheu o autocarro e também a senhora a esticar o dela que encheu o mundo e dois braços num só. O motorista sabendo que tudo aquilo certo mas em mim ainda só silêncio. A senhora desceu e o senhor deu-lhe um beijo na cara. Também os óculos se beijaram. Realmente tudo aquilo certo. Os dois de braço dado seguiram caminho e no autocarro o meu silêncio agora de todos.

Gonçalo Naves

Imagem tirada daqui: http://nogueirense.com.br/entrevista-alice-e-luiz-gallani/

Snobidando: e.e. cummings

I like my body when it is with your
i like my body when it is with your
body. It is so quite new a thing.
Muscles better and nerves more....
i like your body. i like what it does,
i like its hows. i like to feel the spine
of your body and its bones, and the trembling
-firm-smooth ness and which i will
again and again and again
kiss, i like kissing this and that of you,
i like, slowly stroking the, shocking fuzz
of your electric fur, and what-is-it comes
over parting flesh … And eyes big love-crumbs,

and possibly i like the thrill
of under me you so quite new
e.e. cummings
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Fugimos?

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Poesia em matéria fria: Manoel e as árvores

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José

Como prometido, ainda que odeie solenemente, de fraque, gravata e palavra de honra, a palavra promessa, envio-lhe, a 2ª parte deste meu texto testamentário. Eis, pois, a segunda parte. Não espere comentários da minha parte, já que da sua, jovem frenético, todas as tempestades sonoras da indagação são possíveis. É somente uma das partes deste meu texto, nada mais. Perguntas, lance-as aos leitores, troque ideias com eles. Comigo, em relação a estes textos, nada há a dizer. O testamentário crava-lhes, como pregos santos, as definitivas palavras que desta caneta de feltro prateado saem. Efraim e eu esperamos por si esta noite, para jantar. A senhora (…) ficou encantada com as suas palavras, meu caro amigo. Esperamos, ansiosamente, por si, jovem oitocentista filho das maluqueiras do século!
Um abraço e até mais logo.

G. V de Sousa.




Noites depois, numa praia de Copacabana, ao som destes dois feiticeiros que criavam maravilhas com a voz e com as sensações. Noites depois, com o vento, menino de colo embalando todas as brisas de mar que chegavam ao baile onde tudo aconteceu.
Vislumbrei-te como quem encontra um tesouro precioso, daqueles que temos a certeza de jamais querer perder, porque brilho como o dos teus cabelos, do teu sorriso e do teu olhar não é coisa que se encontre em alguma parte do mundo. O teu cabelo, meu amor impossível e perdido, de um tom claro e loiro. O teu olhar, grave e doce, onde se estendiam as mais altas montanhas, os mais profundos oceanos. Os teus lábios sedosos e suaves embalavam a música que era como um prolongamento do teu sorriso: inenarrável.
Tudo era música e tudo era a tua existência que preenchia todos os espaços vazios, todas as sombras e todos os silêncios opacos e lamacentos. A dor parecia não existir.
Vi-me ali, no Brasil, nesse Verão de 1968, nesse Brasil mítico, distante e azulado. Um brasil de um azul verde que gritava amarelo ao longo dos braços do Cristo cristão e judeu e muçulmano e budista. De todos nós.
Aquela foi a primeira noite após o prelúdio que vivera meses antes, com Papa John, o senhor Sinatra e meu primo Jobim, nos Estados Unidos. (Ainda que pense que noites destas vivem-se somente para dentro). A noite era calma, de uma placidez bucólica, havendo um céu morno de praias estendidas nos teus braços morenos do sol da praia, senhora minha dos dourados pensamentos perfeitos.
Dançavas numa das salas do Copacabana Palace, no teu esplendor de maresia e búzios sagrados. Vi-te e não foi a primeira vez que me apaixonei. Mas foi a primeira vez que soube o que era o Amor. Esse coup de foudre tão parisiense e cosmopolita avassalou-me num outro hemisfério, no outro lado do mundo de uma forma que temo jamais voltar a experienciar. E isso basta! Ver-te era Tudo, luminosa Madona das causas impossíveis. Dançavas com o teu elegante Polka Dot azul escuro e o mar e o céu eram o prolongamento desse vestido mais importante do que qualquer sudário ou oráculo. “Nossa senhora das coisas impossíveis que procuramos em vão”, e lembrei-me de toda essa ladainha do senhor engenheiro naval e também eu embarquei no teu olhar líquido e tranquilo. E também eu me senti dentro de um poema maior que todos nós que estávamos naquela sala, menos tu. Menos tu que eras a linha por onde o poema brotava. 
O Amor, de facto, só pode ter nascido no Brasil, nessa terra mítica, bela e perfumada! Só esse solo encantado seria capaz de enfeitiçar os Românticos que um dia seriam visionários das coisas impossíveis! Mas o possível era poder ver-te como um menino órfão que descobre que sua mãe afinal está viva. (Mas o que eu sentia era muito mais do que poder conhecer a mãe que nunca tive).

Papa John, meses antes, aconselhara-me a visitar o Brasil. O Rio de Janeiro, Boy, já te comprei a passagem. Irás antes do Carnaval, no dia 25 de Fevereiro, e regressarás assim que quiseres. Diverte-te, dinheiro não te faltará! 

Foi assim, que no dia 28 de Fevereiro de 1968, noite de Lua Cheia (mais tarde disseste-me que era Lua Nova, e eu acreditei, porque palavras tuas eram como cristais em forma de eternidade), te vislumbrei numa das salas desse exótico e cosmopolita hotel de porte Atlântico. Vi-te como um romeiro que encontra a sua última peregrinação (e eu era ainda tão novo). Vi-te como quem descobre segredos Definitivos sobre Deus, a Beleza, a Verdade ou o Sentido da Vida. (Segredos que ainda hoje guardo com carinho e com a ternura de uma ficção maliciosa e verdadeira. Somos mais humanos e melhores no papel, meu Tesouro de tardes distantes.
O Carnaval acabara há poucas horas. Passeei por ele como mero turista que avista ao longe todas as coisas, sem nunca me aproximar demasiado.
Ali estavas tu, dançando graciosamente, suavemente, delicadamente. A noite era o teu vestido e a tua dança. A noite eras tu, dourada senhora dos meus pensamentos perfeitos. Fim da 2ª parte.

Foto frase do dia: Oliver Jeffers

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O Emigrante, Murilo Mendes


A biblioteca do Mosteiro

Podia ser o meu quarto... mas não é!
É a biblioteca do mosteiro de St. Florian, na Aústria. Investiguem - http://www.stift-st-florian.at/en/monastery-st-florian/monastery-library.html#C 

 
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Introdução à Maçonaria

Começo esta critica com uma pergunta, que o autor põe nas suas palavras finais: Poderá um maçon falar objetiva e desapaixonadamente da Maçonaria? Julgo e ao contrário da conclusão a que este chegou, de que o conseguiu, que dificilmente o conseguirei, mas irei tentar. Este pequeno grande livro com pouco mais do que 150 páginas, que já vai na 7.ª Edição – aliás a ultima edição, a 7.ª, é de Setembro de 2012 – é um verdadeiro best-seller e tudo por causa de um livro que tem apenas um objetivo muito simples, como aliás resume o autor e muito bem numa simples frase: uma simples introdução ao conhecimento da Maçonaria.

Não pretende por isso ser desmistificador de nada, apenas introduzir o tema de uma maneira desapaixonada e simples, é óbvio que o livro tem algumas lacunas e nas edições mais antigas – as duas primeiras – estas eram gritantes, sendo que a partir da 3.ª Edição – que foi editada em 2001 – as mesmas esbatem-se, embora subsistam algumas que vos darei conta no decurso desta critica, mas só nota quem realmente é conhecedor profundo destes assuntos, assim e de forma global esta introdução ao tema complexo Maçonaria é muito bem conseguida.

O autor, António Arnault, past ou seja antigo –Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitanov. GOL – de longe a obediência – ver o que é na pág. 61/62 da 7.ª Edição – maior e exclusivamente Portuguesa é um advogado, autor (com mais de 30 obras publicadas) e político português (oposicionista à ditadura, fundador da ASP e posteriormente do PS, em 1973, deputado constituinte e da Assembleia da Republica, seu Vice-Presidente e Ministro por este partido) a quem é atribuído – e diga-se com toda a justiça – o titulo de pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pois foi o seu principal impulsionador após a publicação, em 1978, de uma obra publicada em co-autoria com Mário Mendes e Miller Guerra intitulada: Serviço Nacional de Saúde: uma aposta no futuro. Este levou estas ideias à prática enquanto Ministro dos Assuntos Sociais do II Governo Constitucional, sendo uma das grandes conquistas reformistas de centro-esquerda do pós 25 de Abril e que ao contrário do que hoje gostam muito de se apropriar, nada tem de marxista mas muito de social-democrata nórdica e de trabalhista britânica, aliás dois dos sistemas onde se inspirou.

Resumindo a estrutura da obra, esta começa por fazer uma breve introdução aos princípios gerais e valores fundamentais que enformam a Maçonaria, passando para uma síntese histórica introdutória mais geral, na globalidade razoavelmente conseguida, posteriormente aborda também sinteticamente alguns temas mais complicados para um outsider e/ou profano – e já expliquei o significado do que é AQUI – entender, acrescentando alguns apenas a partir da 3.ª Edição, como o Segredo Maçónico. O resumo histórico sobre a Maçonaria em Portugal é o capitulo seguinte e aqui tenho a apontar um reparo, o autor, ignora claramente a Federação Portuguesa da Ordem Maçónica Mista Internacional Le Droit Humain – O Direito Humano inserindo-a, não sei porque diabo e com uma frase que nem a este lembraria, no capitulo da Maçonaria Feminina e com uma indicação claramente descontextualizada, não fosse esta minha Obediência a terceira maior de cariz liberal e adogmática do nosso país, e uma das maiores do mundo em número de membros e com certeza a maior Ordem mista e a mais internacional (estando atualmente em mais de 50 países com 22 Federações), facto que não corrigiu em todas as edições posteriores apesar de e desde 2008 haver um tratado entre esta Federação e o GOL, podendo este erro e caso este o quisesse ter sido corrigido na 6.ª e 7.ª edições. No capitulo seguinte aborda os chamados temas quentes, ou seja, a Carbonária, a Opus Dei e as relações com a Igreja Católica, remata a parte principal, antes das Palavras finais, com dois capítulos muito interessantes que veio corrigindo e aprimorando ao longo destas sete edições intitulados de Héptálogos.

Na chamada área de Documentos, temos documentos históricos, uma lista de Maçons ilustres estrangeiros e portugueses, os Grão-mestres e Grã-mestres das Obediências portuguesas – e mais uma vez ignora primeiro a Jurisdição e posteriormente a Federação Portuguesa do Direito Humano – e uma Bibliografia, mais ou menos completa, na qual por provável desconhecimento, não pôs livros tão interessantes como: A verdadeira história da Maçonaria de Jorge Blaschke e Santiago Río, 2006, Editora Quidnovi; Os Franco-Mações, 2003 de mais de 20 autores – de entre eles Pierre Simon, Jean Verdun, Jean-Robert Ragache e Alexandre de Jugoslávia antigos dignitários de obediências francesas – Editora Pergaminho; Dicionário dos Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gbeerbrant, Editorial Teorema. Nos Documentos destaco dois, não só pelo seu interesse como pela sua importância histórica: o primeiro é a Explicação da Maçonaria aos recém-recebidos que é um discurso proferido pelo Orador da Loja Lisboa, Padre D. André de Morais Sarmento – sim era um Padre – em 1790 ou 1791, que é apenas e só o mais antigo texto maçónico português conhecido – e continua com bastante atualidade – e que chegou aos nossos dias por estar integrado num processo da Inquisição; o segundo é o artigo de Fernando Pessoa – que refere textualmente não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem (...) não sou, porém, antimaçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável – no Diário de Lisboa, datado de 4 de fevereiro de 1935, em que este defendendo os maçons e a Maçonaria protesta contra o projeto de lei que proíbe as sociedades secretas e que foi aprovado pela Assembleia Nacional do Estado Novo nesse mesmo ano, neste artigo o poeta desmistifica algumas das propaladas mentiras e muitas das mistificações sobre a Maçonaria.

Em conclusão, mesmo com lacunas mas um maçon tem a tarefa, sempre inacabada, de afeiçoar a pedra bruta e de «construir o templo interior», é de todos os melhor livro para quem quer conhecer o que é a Maçonaria e caso esteja interessado em aderir a esta em esclarecer eventuais dúvidas. Como a próxima segunda-feira é a terceira do mês de Fevereiro e eu nesta analiso/critico livros sobre história & romance histórico resolvi escolher-vos um livro muito interessante que é um misto de romance e de história real intitulado O Último Cabalista de Lisboa escrito por um autor descendente de Judeos portugueses e luso-americano, Richard Zimler.

Saudações a todos os leitores e boas leituras,

.'.Sandro Figueiredo Pires.'.

Post-scriptum: Apenas público a crónica hoje e não na 2.ª Feira, como seria de esperar, mas a 7.ª Edição que encomendei no inicio da semana que passou só me chegou semana e meia depois, embora tendo a 6.ª Edição de maio de 2009, seria injusto não verificar se os reparos que faço se mantinham – e infelizmente mantêm-se – na ultima reedição desta obra de 2012.

a-ver-livros: página obrigatória

Perpassa-me o arrepio
na manhã pantanosa
em que me forço ao texto
e espero a noite
Trespassa-me o tempo
que não corre
sangram os dedos no bulir
que passa a compasso
na desarmonia da alma
que espera, desespera, 
como quem toma de emboscada
a redenção

Sobro eu, exangue,
página obrigatória de nada
descomposta arrogância de crer
que será de novo
tempo de magnólia

Ana Almeida

* para saber mais sobre o ilustrador polaco Pawel Kuczynski
siga o link http://www.pawelkuczynski.com/index.php

Emílio Miranda - A crónica de Um suicídio (13 a 20)

A Crónica de Um suicídio
 
 
13.
E a cidade acolheu-o em plena adolescência. Com uma mala semivazia na mão e um caderno garatujado de poemas.
Não tinha lembrança de quando começara a escrever.
Nem o que fizera com que a escrita se transformasse rapidamente no centro da sua vida.
 
14.
Por isso quando ela se sentou ao seu lado, na carruagem do comboio naquela noite álgida, não conseguiu esconder a sua vaidade, nem perante a sua curiosidade escusar-se a ler-lhe o poema que entretanto esboçara.
 
15.
Na noite fria
Acendeu-se a alegria
Num perfume
Que passou a correr-me nas veias.
 
16.
Sorriram. E deram então conta de que a carruagem estava afinal vazia, de todos quantos se tinham entretanto apeado.
E mais sorriram quando se aperceberam de que estavam prestes a descer na mesma estação.
O que, mais do que uma coincidência, só podia significar que o universo lhes destinava mais do que aquele simples e primeiro encontro…
 
17.
Deitados sobre a erva macia, ambos fitam o céu de mãos dadas. Estão tão apaixonados que no céu há mais do que nuvens e do que aves: há elefantes, girafas e rinocerontes. O céu é a terra dos seus sonhos.
Estreitado nos dedos que se entrecruzam, depois dos beijos dados e das carícias e da invenção do mundo dos desejos saciados.
Que se renovam.
Como se não houvesse um fim para mais nada.
 
18.
Isabel é um poema constante na sua cabeça. É sobre ela que escreve tudo quanto respira. Tudo se transforma nela e nela tudo é belo.
Até as coisas mais ignóbeis.
Como a fome do mundo.
As guerras que se travam num outro continente.
Os vivos que morrem da incúria e do desleixo. Como se fossem coisas e não gente que sente, que sonha e que ama.
O amor é o melhor do mundo!
O amor é o pão e o vinho que alguém quis que fosse corpo sagrado.
Transformado em religião.
 
19.
Enquanto o avô foi vivo, acompanhava-o com a avó à missa. A igreja da aldeia, pintada de azuis e de dourados era um local mágico, onde as palavras ganhavam vida na sua imaginação…
Havia um homem na terra, de barbas e coração manso, que curava todas as feridas e prometia a vida eterna.
Mas o avô e a avó e a mãe tinham morrido.
Sem nenhuma esperança de ressurreição.
Sem que nenhum terceiro dia os tivesse ressuscitado.
 
20.
Quantas mais mentiras haveria disfarçadas de verdades?
 
*Emílio Miranda



Eu poético: «No princípio»

NO PRINCÍPIO

No princípio era o verbo amar.
E eu e tu sonhávamos com viagens sem destino.
E tu e eu víamos nos sorrisos um do outro
uma mensagem de felicidade futura.
Folheávamos as mesmas histórias dos livros
e sentíamos arrepios nas mesmíssimas cenas dos filmes.
Arrancávamos as flores do prado
e tu construías colares de linha e agulha.
Usavas o teu vestido favorito e corrias monte abaixo, pés descalços.
No rio que ali passava procurávamos os girinos e as rãs.
A água gelada transformava o corpo em rocha,
mas nós não quebrávamos.
Mas nós ganhávamos ainda mais vida.
Mas nós éramos apenas nós
- fiéis crentes no gerúndio prosseguindo.

Ah, no princípio era o verbo acreditar.
E nós sabíamos transformar as lágrimas em forças inquebráveis.
Seguíamos pela rua de mão dada,
mirávamos a ermita e pedíamos em segredo boa sorte.
Acreditávamos que mudar o mundo
era combater silêncios sepulcrais com música,
que a forma de justificar o fim um do outro
era somente a promessa de um encontro marcado no paraíso.

Mas um dia o verbo foi-se transformando
e tudo se conjugou no partir.
Num último sopro, gelada, agarrada a mim,
corria no teu rosto a saudade.
E então esboçaste com esforço um adeus num suspiro.
Chegou o fim, tu e eu fechámos os olhos.
Ali mesmo chorei e tu seguiste para a última morada.

Resta-me recorrer às memórias de todos os nossos princípios verbais.
E continuar de pé, aqui na terra.

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

encandeamento

percorro o alfabeto da carne
que das palavras o reverso é o meu tecto
leio na pele o rútilo
das estrelas que morreram faz tempo
e sobre o papel cinjo
as letras a filigrana e sangue
apenas visíveis à contraluz

quero o encandeamento
para além daquele que seduz
aquele que forja no âmago
o magnânimo
o verso que só a fenda do silêncio
reconhece seu

uma voz que se tece
subterrânea
é mais exímia que uma bala.


Helder Magalhães


Rui Costa - Photography

É do borogodó: Saudade



Era uma vez um Rei sábio que sabia tudo e falava todas as línguas.
O primeiro dia da semana, segunda-feira, é dedicado à Lua, por isso no espanhol a denominação Lunes.
Toda segunda-feira, o Rei lança um desafio. Qualquer pessoa pode se inscrever e, se for selecionada, pode fazer qualquer pergunta ao Rei.  Naquela segunda-feira em que começava a história, a vez era de um tal Fernando.
– Excelentíssima Excelência, queria saber o que é a “saudade”.

E o Rei se calou. E a corte ficou boquiaberta. O Rei sabia a resposta para todo tipo de pergunta, mas não sabia a resposta para a pergunta de Fernando.
Mandou o homem voltar depois de seis dias para ter a resposta.

Fernando vinha de uma cidade onde as calçadas têm desenhos em preto e branco, que, a medida que o tempo avança, vão mudando de forma. Fernando era um homem que usava terninho preto, uma gravatinha, um bigodinho, e uns óculos pequeninos. Fernando levava consigo uma pastinha, de onde tirava seu caderninho com dúvidas e perguntas…

A terça-feira é dedicada ao planeta Marte, por isso no francês se chama Mardi.
O Rei partiu à biblioteca. Começou pelos dicionários. Espanhol, francês, inglês, alemão e nada. Quase a perder o almoço, o Rei alcançou o dicionário de português.
Saudade. Saudade é saudade.
Como? Como se pode definir uma palavra com a mesma palavra?
Não, aquilo não ia bem. Na biblioteca estava só o Rei. Quase só, pois a pergunta era fantasma a repetir ‘quem sou’.

Na quarta-feira, dia dedicado ao planeta Mercúrio (por isso que no italiano se chama Mercoledí), os assessores da Coroa diziam que não poderiam definir a tal Saudade, mas tinham uma sugestão para o Rei sentisse o que é.
O Rei fez as malas. Deveria partir por um dia inteiro. Só poderia regressar ao palácio no dia seguinte, na mesma hora da partida.
O Rei se despediu da esposa com um beijo na boca, dos filhos com um beijo na testa, do cão com um beijo no focinho, e saiu pela mesma porta por onde, na segunda-feira, tinha surgido Fernando com a tal pergunta.
Frio da noite com o pouco agasalho, espirro, tosse e febre. Sim, febre. Saudade parecia ser febre.
O Rei voltou antes do horário combinado com a resposta, mas Fernando recusou, porque saudade não poderia ser denominada como febre, embora pudesse causar o mal.

Era quinta-feira, dia de Júpiter, por isso em romeno o dia é Joi.
A pergunta de Fernando não deixava o Rei em paz.
E veio a sexta-feira, a inquietação aumentava. Por sorte, a Rainha teve a ideia de ajudar o esposo na busca pelo significado de Saudade.

Sexta-feira é dia dedicado ao planeta Vênus. Vênus também é o nome romano para Afrodite, a deusa do amor. Talvez seja a sexta-feira o dia ideal para a Rainha exercer seu domínio sobre a questão que atormentava o seu querido marido.
Enfim. O sábado traz respostas infalíveis. Sábado em holandês é Zaterdag, porque é o dia dedicado ao planeta Saturno.
Sábado, o Rei acordou só. Levantou só, caminhou só, tomou só o seu desjejum que ele sozinho preparou. Não se ouviam as crianças pelos corredores do castelo. O cão tinha desaparecido. O som doce da voz da Rainha havia sumido.
Nesse momento, Fernando espreitou pela janela e o Rei pediu que ele não dissesse nada.

Diz uma lenda que a palavra saudade surgiu no período dos descobrimentos. Era uma definição para a solidão dos portugueses que estavam no Brasil longe de seu país e de seus familiares.
A melancolia se combinava a nostalgia, o saudoso só sabia que sentia saudades, muitas saudades de tudo como era, como hoje estava e no mais, aquilo que ainda poderia ter sido.

Domingo é o dia dedicado ao Sol, talvez seja perfeito para a folga semanal justamente pelo brilho do Astro nas nossas vidas. Dia para que nos aproximemos de tudo que nos faz bem, mesmo que a gente não sabia definir o que é, nem o porquê de assim ser.

A história do Rei sábio e sua mais sábia Rainha, está no livro especial de Claudio Hochman, SAUDADE, editado no Brasil pela Companhia das Letrinhas. Hochman é autor argentino que vive em Lisboa, desde 2002, sobre as calçadas branco e preto distantes demais dos casarios coloridos de Buenos Aires…

* escolhido por Penélope Martins
 

Bai'má Benda: Secas e política pela manhã? Que conjuntura!

Secas e política pela manhã? Que conjuntura!

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Descobrir o mundo

Merci à Nathalie Seroux Photographe
 
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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

PERGUNTEI-ME

Multidão de sem olhares eu sou,
Vejo o mundo deixar de ficar.
Mudo como sempre,
Não mudo, sou mudo,
Não gosto de mudar.

Quem pouco quer vê-se no afinal, 
De casar por bondade. 
E acaba por transformar, 
A beleza em felicidade.

Que coisa estranha esta,
Tudo em meu redor é sabedoria,
Intelectuais, professores,
Doutores,
E eu coitado, sem categoria,
Fino travo a ironia.

E que doce tentação,
Ter inconsciência,
Desta inquietação,
Que é ser todo experiência,
Existindo com o coração,
E sem inteligência.

Por isso,
Para algo grande,
Permanecer sereno. 
Porque o ego a crescer,
É o corpo mais pequeno

Gonçalo Naves


Foto tirada daqui: http://www.meditacaouniversal.com.br/um-pequeno-gesto-de-humildade-e-amor/

a-ver-livros: muda

Como é que tudo muda dentro
e, tão súbito, 
o que era sol é já sombra
o que era luz é já medo
o que era nós
é já restos de laços e cordas
prisão e derrota
os dois lados do coração
separados pela ponte
que antes uniu o leito
e a vida

Como é que tudo muda dentro
e, tão súbito,
o que era escolha é já fuga
o que era amor é já plano
pedido socorro
resgate 
nada

Como é que tudo muda dentro
e é preciso fingir
que nada muda fora?

Ana Almeida

* para conhecer melhor a ilustradora madrilena Eva Vázquez
é seguir o link evavazquezblog.blogspot.pt/

O sinal de estacionamento dos leitores

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Poesia em matéria fria: Millôr Fernandes

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domingo, 8 de fevereiro de 2015

Snobidando: Manuel de Castro

O Manuel de Castro do dia.
Em "Bonsoir, Madame", Língua Morta, 2013

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In Deste Mundo e do Outro

O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.
 
 

De Leminski a Philippe Petit


surpresa de ser
tão solta e tão presa
a noite dá meiavolta
e volta a ser nossa
toda a beleza que possa

Paulo Leminski, Toda Poesia


"Na poesia contemporânea brasileira, poucos autores tiveram a bravura travestida de nonchalance do curibitiano Paulo Leminski. Tal coo Philippe Petit, o equilibrista francês que, em 1974, fez do temerário percurso sobre a corda estendida entre as Torres Gémeas um espectáculo de risco e cálculo, Leminski foi corajoso o bastante para se equilibrar entre dois enormes edifícios que rivalizavam naquela mesma década: a poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, e a lírica que florescia entre os jovens da chama 'geração mimeógrafo'." Do prefácio do livro.



Philippe Petit, a atravessar as Torres Gémeas

Apanhei-te a ler... dia 39

Robert Redford
 
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