sábado, 18 de abril de 2015

Correndo o Brasil: de Flamengo até Botafogo, passada lenta e contemplativa

Rio de Janeiro
8 de Agosto de 2014


Café tomado manhã cedo num pequeno lanchonete de esquina carregado de bandeirinhas brasileiras no tecto. Restos prováveis de uma copa de muito má memória para este povo, uma humilhação entre portas.

Vou recolhendo a primeira impressão das ruas do Flamengo. Árvores altas fazem sombra ao meu caminho, o sol vai alto. Não está um calor abrasador, estamos em pleno Inverno. Mas se todos os Invernos fossem assim, certamente não saberíamos o que é o frio. Muitos milhões de cariocas nunca viram neve, isso são viagens ao imaginário longínquo de outras bandas.

As ruas são barulhentas e com muito movimento. É preciso ter cuidado ao pôr o pé no alcatrão, a qualquer momento uma manada desenfreada de veículos pode passar-nos a ferro. A maioria dos prédios altos são vedados por grades que impõem respeito e são observadas de longe por porteiros. Muitas bancas vendem o que há à mão, cada pessoa pobre faz por sobreviver mais um dia.

Caminho em direcção à praia do Flamengo e é ali que percebo, pela primeira vez, a magia do Rio. Quando olho para o Pão de Açúcar e o vejo lá ao longe, sei que o tenho que subir e conquistar. Porque o Rio aponta muitos morros ao céu, como se os montes quisessem chegar o mais perto possível de Deus.

Passeio pela praia e paro para beber água de coco. Uma frescura que carrego pelo calçadão do Flamengo, por onde passa muita gente a fazer desporto. Explicam-me que treinar ao ar livre é levado muito a sério por ali e os meus olhos comprovam-no.

A passada é feita calmamente até Botafogo, que bonito passeio é este. A tranquilidade do calçadão contrasta com o trânsito e movimento louco da estrada. Mais uma vez pareço estar entre dois mundos antagónicos que convivem juntos. Assim é o Brasil e eu vou ter vários exemplos ao longo desta viagem para o comprovar.

Entro no Praia shopping e subo à esplanada da restauração. Jamais iria ali se não fosse a conselho. A razão é simples: uma vista formidável para a marina de Botafogo, com o Pão de Açúcar como pano de fundo.

Neste momento faço parte de uma tela e peço ao meu amigo para me tirar uma foto.

O "portuga" de t-shirt de riscas e óculos escuros perpetua-se neste cenário e dá início a uma série incrível de fotografias. Tudo isto em cenários que a nossa imaginação julgava conhecer, mas que são muito mais imponentes e majestosos do que aquilo que a mente consegue conceber.

Rodrigo Ferrão 

Snobidando: Adília Lopes

Flirt por Adília Lopes

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François Maspero, por Ana Sousa Dias

E se eles estão todos na conversa sabe-se lá onde?

por ANA SOUSA DIAS


É sobretudo útil amar os vivos. Os verdadeiros. Isto disse François Maspero, editor, escritor, tradutor, livreiro, um nome que me faz carregar uma culpa alheia quando ele se viu obrigado a fechar a livraria La Joie de Lire, em Paris. Era um lugar mítico, onde se podia encontrar livros que não estavam à venda na maior parte das lojas. Na minha memória, era o equivalente, em Paris, à Barata, na Avenida de Roma, ainda pequenina e cheia de segredos, ou à Moraes, no Chiado, ou à 111 de Manuel de Brito, no Campo Grande. Abrira as portas em 1957, fechou-as em 1976, numa falência a que foi dada uma explicação: havia tantos roubos de livros que se tornou insustentável. O livreiro sabia e não denunciou ninguém à polícia nem criou um sistema de segurança. Como se roubar livros fosse justificável, porque existem para ser lidos principalmente por quem não tem dinheiro para os comprar.

Era aliás um desporto recorrente, lá como cá, quase um feito memorável, revolucionário, roubar um livro. Qualquer das três livrarias lisboetas que mencionei e muitas outras sentiram isso. Não havia então alarmes magnéticos, mas havia proibições e muitos livros circulavam clandestinamente, de mão em mão, por pura confiança. O mesmo aconteceu com obras publicadas nos anos 60 por Maspero, no tempo do gaullismo, com circuitos alternativos que passavam por Itália e pela Suíça. Experimentou a censura e a liberdade, publicou 1350 livros e revistas, e mesmo quando deixou a editora continuou a escrever e a traduzir. Dava duas razões para se ter tornado editor: a guerra e a desilusão soviética. As guerras coloniais francesas - Indochina, Argélia e as outras colónias africanas. As guerras de libertação, as revoluções, a literatura, as teorias marxistas e depois trotskistas, todo esse percurso emerge da lista de títulos e de autores em que se incluem Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade.

Maspero morreu no sábado, aos 83 anos, e o Le Monde contou a história de uma vida feita de livros, uma vida a fazer livros. Ele próprio dizia que nascera, de facto, aos 12 anos e meio, e que vira olhos nos olhos o parteiro - o gestapo que lhe levou os pais para campos de concentração. Henri morreu meses depois em Buchenwald, a mãe sobreviveu em Ruvensbruck.

A morte do livreiro foi um prenúncio do que aconteceu dois dias depois. Günther Grass e Eduardo Galeano juntaram-se a ele, num festival de letras e de ideias que talvez esteja a acontecer em algum lugar onde Herberto Helder os esperava, desassossegado por Manoel de Oliveira insistindo em filmar tudo e por Tolentino de Nóbrega a fazer a reportagem. Que mês de abril estamos a ter.
É sobretudo útil amar os vivos. Os verdadeiros. Os nossos mortos por vezes são os verdadeiros vivos.

*in: http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4510964

Estantes de sonho: o escorrega

Nem sei por onde comece...

Encontrado na página Bookshelf Porn. A não perder por nada! 


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Átomo, Judith Teixeira


*Judith Teixeira, in Poesia e Prosa
Organização de Fábio Mário da Silva e Cláudia Pazos Alonzo

Dom Quixote, 2015

Snobidando: Clarice Lispector

"Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia."

Clarice Lispector - Água Viva

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quinta-feira, 16 de abril de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Dear José

Ainda turisto e vagueio pelas magnânimas atlânticas e célticas montanhas do Norte. Não me canso desta visão, deste horizonte amplo, deste azul escuro de um verde lusco-fusco.
Envio-lhe um poema desse impossível livro de poesia tropical de nome Brasil Lindo e Trigueiro. É imperativo que lhe faça alguns esclarecimentos que, aliás, já suspeito que saiba do que estou a falar, tendo em conta o fervor que tem pelo Bossa Nova. (E as palavras que me dirigiu na última missiva alertaram-me para um interessante jogo irónico!) Nos meus testamentários textos, fragmentados e incompletos (e assim irão continuar) deve ter notado que falo de uma música de meu primo Jobim de nome Chega de Saudade. Pois a verdade é que a minha influência foi mínima ou quase inexistente, tendo em conta que a letra foi escrita em 1964, pelo Tom do Vinicius e pelo poetinha. Nessa altura, só havia conhecido alguma poesia de Vinicius e pouco mais. A Bossa Nova era algo por nascer para o mundo, tendo em conta que a presença de Tom Jobim nos Estados Unidos foi fundamental para o alcance e internacionalização desse ritmo tão quente e por si tão querido. (Estranhei não me ter corrigido, mas, assim que li a sua última missiva, subentendi que o jovem frenético e românticos das Águas de Abril começa a entrar no meu jogo. Não é quem escreve que tem que fazer as grandes descobertas, mas sim os leitores. Esses sim, que estejam atentos e que construam as suas narrativas. Isso, para mim, como sabe, é indiferente, se as constroem ou não. Apesar de permitir que tudo isto seja publicado, escrevo para mim. Isso basta. O resto não interessa.
Quero que publique o que acabei de escrever, pois ainda vão pensar que misturei datas e tempos e pessoas sem noção do que fazia. Falso. Tudo pensado. Atenção, jovem das abomináveis andanças post-modernas!, o testamentário texto que lhe fiz chegar são meros esboços de algo bem mais pensado e bem mais longo. Quase uma novela. A tentação do fogo tem sido uma constante, e, aqui nestas terras de Eire, a tentação da água é ainda mais premente e avassaladora. Tenho conseguido manter o controlo, por ora. Água e Fogo são elementos muito presentes e fortes nestas insulares terras a norte dos trópicos. Assim fosse a vida, uma viagem para lá dos trópicos e das coisas.
Deixo-lhe aqui um esboço de algo que em breve lhe chegará às mãos e aos olhos e à mente: “Mas que nunca calem a tua vontade de quereres ir para lá dos cumes das montanhas, ou dos bruxuleantes céus que se escondem em donaires desejos nocturnos. Merencório deve ser o teu espírito, homem de hoje, deixado num canto de uma cidade abandonada à pressa pelo caos do individualismo. Colhe as tuas flores, cheira-as, mas não as largues. Guarda-as porque ser triste é ser só
Ainda não sei o que chamar a palavras com este intuito. Mas isso pouco importa. Noto que o José surte alguma influência em mim, visto que já começo a pensar, ainda que vaga e alcoolicamente, em títulos. Ainda mal!
Pois bem, aí vai mais um poema que reli há umas noites atrás. Enquanto o relia imediatamente me lembrei do poema de Vinicius de nome Carta ao Tom 74. Carta ou poema? Ambos ou nenhum? Bossa Nova e Poesia parecem ser tantas coisas, mas isso são conversas para o meu regresso.
Um hebraico cumprimento de Efraim.
Outro do

Seu

G. V. de Sousa.

P.S. (Não sei se consigo terminar este poema, querido José)



Hei-de escrever-te


Hei-de escrever-te um dia
Quando apertar a saudade
Para me lembrar da alegria
Que abraçava a cidade.

Mas enquanto não chegar essa hora
Irei recordar com carinho
Aquele teu beijinho
Que num instantinho
Veio sem demora.

Hei-de escrever-te, minha garota do Ipanema
Quando as horas forem cruéis e duras
Quando as tuas mãos, leves e puras,
Entrelaçaram as minhas naquela noite,
Em Copacabana, no cinema.

(Lembras-te do tempo feliz naquelas noites
Em que adormecíamos nas areias das praias?)

Mas hei-de escrever-te
Hei-de escrever-te outras palavras
palavras ao som da cuíca e do piano e do tambor
Mais belas e frescas
Que acabem com esta fria tristeza
E tragam beleza e Sol à palavra Amor.



Paris, 24 Dezembro de 2011.

A Barata Patarata e o Escaravelho Trolaró - uma manhã entre amigos


Segundo volume da coleção «Livro Com Bicho». O que é que uma barata patarata e um escaravelho trolaró têm em comum? São os dois muito tolinhos e gostam de tudo muito limpinho. As suas aventuras taralhocas vão provocar gargalhadas francas e divertidas e revelar um inesperado segredo: afinal, as asneiras não são exclusivas das crianças.

Foi este o mote que me guiou às Galerias Lumiére naquela manhã. Dia para deixar o carro em casa, diria: o tempo óptimo. Mas ser convidado para conversar ao lado da Raquel sobre o seu novo livro, é uma tarefa de elevada responsabilidade. E não havia como chegar atrasado! Ao contrário dos bichinhos da história, aqui o je teve que ir à boleia do seu próprio carro.

E naquela manhã o centro do Porto não tinha lugares vagos para estacionar. E eu sem paciência para os parques caros. Lá me aventurei por ruas improváveis e larguei ali o veículo. Apontei a cara ao céu, mirei a luz do sol e pus-me a andar. Passos curtos e ritmo lento, não estava longe do destino.

A Raquel já me aguardava, com o seu ar de estrela da literatura infantil (em ascensão, leia-se) e envolvida entre familiares e amigos, sob o olhar atento de quem passava.  O editor Rui Moura esperava que os foliões se sentassem de vez. Mas os abraços e beijinhos continuaram por mais algum tempo, sempre entre os risos e a boa disposição!

Na plateia estavam crianças, criancinhas e grandes adultos (alguns eram baixotes, mas deixemos isso em segredo). Tinham estado à conversa e aguardavam agora com paciência.

Um pouco antes, toda a gente (sublinho, todos) passou pela loja da Teresa Castro, visita obrigatória nestas galerias e na cidade. A Agu agu faz-nos sonhar... e eu acho que não poderia ter sido escolhido um melhor sítio para apesentar este livro para os mais pequeninos.

Foi neste ambiente que a "autora consagrada" e o "amedrontado palrador" (sim, eu) se sentaram. As máquinas dispararam flashs e o público serenou. Silêncio constrangedor, leve troca de olhares e lá começou.

Não vos vou dizer o que se disse. Tivessem ido, seus malandros!

Depois dos agradecimentos iniciais, as perguntas sucederam-se lentamente, numa descontraída conversa de café. Eu trazia um pequeno papel para conduzir as hostes... e aquilo foi fluindo. A cena foi.

Entre as nossas timidezes, lá nos resolvemos. E fizemos a festa com os livros da Raquel - uma velha (apesar de nova) amiga dos tempos em que eu trabalhava com as letras. A Martolita (ilustradora desta história de uma barata e de um escaravelho) teve que faltar! Mas justificação aceite... andavam pelos ares as malditas gripes. Esta foi a única falha naquele dia animado.

Saímos de lá entre abraços e despedidas. E o dia continuou lindíssimo, como este livro.

Até à próxima, Raquel. E muitos parabéns! "A Barata Patarata e o Escaravelho Trolaró" é um must read. E eu já tenho o meu: assinado e tudo...

(invejosos roam-se)

Rodrigo Ferrão

Todas as fotos: Raúl Paiva

Encontradouro: Francisco Guedes leva os escritores a Sabrosa

Parabéns ao Francisco Guedes pelo que fez e faz pelo livro, pelos autores e seus leitores. Esta ideia para um festival no Douro é fantástica. Aqui vai o cartaz, em dias de homenagem a Miguel Torga.

Por Sandra Gonçalves, Diário Digital

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Encontradouro: um novo festival que se quer rebelde à la Miguel Torga


O Douro está prestes a integrar o roteiro dos eventos literários portugueses. De 7 a 10 de Maio, a vila de Sabrosa irá acolher um novo festival, o Encontradouro, organizado por Francisco Guedes, mentor de outros festivais como o Correntes d´Escritas, na Póvoa de Varzim, e o Literatura em Viagem (LeV), em Matosinhos.

Francisco Guedes pretende desta vez oferecer ao público um festival transversal, com aproximação a outras artes além da literatura, nomeadamente o cinema, a pintura e a música.
O Encontradouro, nesta sua primeira edição, assume-se como uma homenagem ao escritor Miguel Torga, oriundo de uma família de Sabrosa, e cuja obra traduziu a sua rebeldia e inconformismo face às injustiças e aos abusos de poder.
A programação ainda não está fechada, mas o director já antecipou ao Diário Digital parte do ementário; como uma espécie de “amuse-bouche”. Confirmados estão já Eduardo Lourenço, o francês Olivier Rolin, Afonso Cruz, JP Simões, a angolana Ana Paula Tavares, o uruguaio Mario Delgado Aparaín, Germano Almeida (Cabo-Verde), Maria Manuel Viana, Fernando Pinto do Amaral, Valter Hugo Mãe, Waldir Araújo (Guiné-Bissau), o espanhol José Manuel Fajardo, entre muitos outros autores. Uma vez fechado o programa, a expectativa é a de ter alcançado o número redondo de 30 escritores.
Durante estes quatro dias, Sabrosa irá assistir a debates com escritores, lançamentos de livros, concertos, visitas a escolas da região, exposições e sessões de cinema. A marcar o arranque do cartaz, no dia 7, inaugurar-se-á, pelas 15:00, a exposição «Planisférios Imaginários», de Pedro Campelo. À mesma hora abre a Feira do Livro. Meia hora depois o ensaísta Eduardo Lourenço estará a conversa com José Carlos de Vasconcelos sobre Miguel Torga.
Já pelas 17:00, subordinado ao tema «A Literatura é a memória escrita», reunir-se-ão à mesa Afonso Cruz, a angolana Ana Paula Tavares, Cristina carvalho e, de Espanha, José Manuel Fajardo, num debate moderado por Carlos Veiga Ferreira. Segue-se a exibição do documentário «Os Caminhos de Jorge» (Jorge’s Paths), de Miguel Moraes Cabral, produção que esteve a concurso no Doclisboa’13.
A programação do dia 8 arranca às 11:00 com os escritores Ana Paula Tavares (Angola) e Mario Delgado Aparaín (Uruguai) na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Depois do almoço, às 15:00, e agora já no Espaço Miguel Torga, juntar-se-ão à conversa sobre «Todo o livro é uma peregrinação interior» Julieta Monginho, J.P. Simões, Francisco Duarte Mangas e Mário Máximo.
Helder Macedo dá o mote à terceira mesa do dia: «Se há alguma função na escrita é a de desordenar». Mario Delgado Aparaín, Germano Almeida (Cabo-Verde), Maria Manuel Viana e Fernando Pinto do Amaral estarão à conversa a partir das 17:30, moderados por José Carlos de Vasconcelos.             
E, entretanto, depois de algumas tertúlias, uma exposição de pintura e uma sessão de cinema, é chegado o tempo para a música. No Auditório Municipal de Sabrosa, às 21:30, subirá ao palco JP Simões.
O dia 9 amanhecerá novamente no Espaço Miguel Torga. Às 10:30, Isabel Morán Cabanas, da Universidade de Santiago de Compostela, irá dar uma conferência subordinada ao apelo de Miguel Torga para a História de Portugal e de Trás-os-Montes sob a voz de Trovador e Messias. Uma hora depois, Carlos Ervedosa será homenageado por Francisco Soares, da Universidade de Évora, com o lançamento do seu livro «Roteiro da Literatura Angolana».
                
«A viagem: contributo para o conhecimento do Homem» assinala o início da quarta mesa do Encontradouro, às 15:00, com Ana Margarida Carvalho, Jorge Sousa Braga, Waldir Araújo (Guiné-Bissau) e Miguel Miranda.
Manuel Sobrinho Simões, João Luís Barreto Guimarães e Olivier Rolin (França), moderados por Vergílio Alberto Vieira, subirão ao palco às 15:00 para falar em torno de «Literatura, Gente e Bichos».
Segue-se a apresentação do projecto «Mátria», às 21:30, interpretado pelo coro Mezza Voce e pelo Ensemble Mistério da Cultura (piano, clarinete, voz), com música de Fernando C. Lapa.
Como já referido, o cartaz ainda não está completo, pelo que o Diário Digital continuará a acompanhar as novidades.

Os escritores e o álcool

Encontrado na página For Reading Addicts

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Como estás tu meu filho?


Eu estou bem, escrevo-te da tua secretária. Está o teu quarto na mesma, em nada o mudei. Em nada que é como quem diz, vou mudando a roupa da cama uma vez por mês, o tempo cura tudo menos hábitos de mães para filhos. Já o teu irmão me iniciou nas coisas das internets, ainda assim não há melhor maneira de falar do que por cartas, tenho-lhe dito. Ele tem falado contigo pelos computadores? Disse-me que sim no outro dia, fiquei contente. Estamos todos bem.
Por aqui continua tudo na mesma, os dias cada vez mais iguais. Lavo roupa estendo roupa, faço comida e ponho a mesa, ainda ontem fiz sopa de cação e tanto o teu pai se deliciou nos sabores dela. Continua ele a trabalhar na oficina, manhãs tardes e noites é certo, madrugadas é consoante as vontades do patrão. E aí? Vai bem o trabalho? Já conheces os cantos à cidade? Toma cuidado que ouvi dizer que no estrangeiro são perigosas as ruas, muita ladroagem deve haver, toma cuidado, toma cuidado.
Quando cá voltas? Vi ontem o ministro dizer que vai haver mais trabalho no nosso Portugal. Depois dele veio outro também lá das políticas dizer exatamente o mesmo, com certeza terão verdade aquelas palavras. Vi-lhes vontade no dizer meu filho, pareceu-me saberem do que falam. Temos saudades. Vivem agora connosco os teus avós. Já andavam doentes, tu sabes, agora já nada sozinhos fazem. Dormem na sala, comprámos um sofá cama dos grandes numa promoção que houve há dias na loja ao fundo da rua. Sabes quem lá trabalha agora? A Maria, foi da tua turma no liceu, teve que deixar os estudos para trabalhar, o curso ficou a meio, diz que aquilo não anda nada bem lá em casa. Pediu-me para te entregar saudades, cá estão elas.
No caso de nunca voltares tentamos nós ir aí visitar-te. Faz o teu pai um ano de madrugadas e é capaz de haver dinheiro para a viagem. Tens sítio para dormirmos? É que já caro há-de ser o avião, para hotéis nem com dez anos delas.

Com muitas saudades,
Da tua mãe.


Gonçalo Naves

                                                              Foto tirada daqui: http://www.tugas.ch/2014/03/13/portugal-e-o-segundo-pais-da-ue-com-maior-percentagem-de-emigrantes/

a-ver-livros: chuva

O monstro
imóvel
esconde-se do medo

O rio
correndo
grita-lhe que salte

O livro 
aberto
ensina-lhe o amor
e incendeia-lhe o peito, 
não fora a chuva

Ana Almeida

* para saber mais sobre o ilustrador Lee Harrison
siga o link http://www.artflakes.com/en/shop/mr-marzipan

Snobidando: M. G. Llansol

Das nossas estantes bonitas (overdose Llansol)

"Principio a recorrer às palavras que anunciam a realidade:
-- Por que brincas? Por que não brincas? Por que brincas sozinha?
-- Por necessidade de conhecer. De conhecer-te -- respondo....
-- Entraste no reino onde eu sou cão. Pesa a palavra.
-- Eu peso.
-- Desenha a palavra.
-- Eu desenho.
-- Pensa a palavra.
-- Eu penso.
-- Então entraste no reino onde eu sou cão - concluiu ele."

 
 
Desenhos a Lápis com Fala
-Amar um Cão-
M. G. Llansol e Augusto Joaquim
Assírio & Alvim
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Foto frase do dia: Pessoa


segunda-feira, 13 de abril de 2015

a-ver-livros: um mês

Escapou-se-me um mês
de vida e a magnólia
voltou ao verde
a figueira já dá 
sombra
e há nêsperas a pedirem
braços longos
e apetite

O tempo faz-se
da renovação do espanto
de sentir-me mais
próxima da terra
- e dos bichos, 
que não do que bate, distraído, 
no teu peito

Ana Almeida






Morreu Eduardo Galeano

Avança o Globo:

13/04/2015 09h43 - Atualizado em 13/04/2015 09h54

Escritor uruguaio Eduardo Galeano morre aos 74 anos

Jornalista, historiador e ensaísta morreu nesta segunda em Montevidéu.
Ele é autor da obra 'As veias abertas da América Latina'.


Escritor e ativista uruguaio Eduardo Galeano durante debate em Porto Alegre (RS), em 2005. (Foto: Agliberto Lima/Estadão Conteúdo/Arquivo)
O escritor uruguaio Eduardo Galeano morreu aos 74 anos em Montevidéu, nesta segunda-feira (13), segundo o Huffington Post. A notícia foi confirmada pela Radio Nacional de España.
Nascido em Montevidéu no dia 3 de setembro de 1940, Eduardo Galeano começou muito jovem no jornalismo e nos mais variados gêneros literários como o ensaio, a poesia e a narrativa.
Ensaísta, historiador e ficcionista, ele é autor da obra "As veias abertas da América Latina", em que denunciou a opressão e amargura do continente e que foi traduzido para dezenas de idiomas. Sua trilogia "Memória do fogo" recebeu em 1989 o American Book Award.
O escritor recebeu todo tipo de reconhecimento, desde ser declarado Cidadão Ilustre pelo Comitê de Representantes Permanentes do Mercosul, à Medalha de Ouro do Círculo de Belas Artes de Madri, entre outros.

Günter Grass deixou-nos

Informa o Público, em notícia de Cláudia Lima Carvalho


O escritor alemão Günter Grass morreu aos 87 anos, informou nesta segunda-feira a sua editora Steidl. O Prémio Nobel da Literatura morreu na cidade de Lübeck, na Alemanha.
Günter Grass, que recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1999, era considerado um porta-voz da sua geração. Defensor de causas de esquerda e que se manifestou por exemplo contra as intervenções militares no Iraque, o escritor alemão foi durante décadas considerado uma espécie de "consciência moral" da Alemanha. Em 2012 foi considerado persona non grata por Israel, depois de ter comparado a acção deste país com os regimes ditatoriais. Ficou proibido de entrar naquele estado, tendo recebido até críticas dos próprios alemães. Houve mesmo um pedido à Academia Sueca, que foi rejeitado, para que fosse retirado o Nobel da Literatura ao escritor.

Também em 2012, o escritor publicou um poema de apoio à Grécia. Chamou-lhe A Vergonha da Europa e não se conteve nas críticas à atitude da chanceler alemã Angela Merkel. O Nobel da Literatura lembrava a história da Grécia, a quem a Europa muito deve. “Tu vais definhar privada de alma sem o país que te concebeu, tu, Europa”, escreveu Günter Grass, num poema com 12 estrofes de dois versos cada.
Membro da Academia das Artes de Berlim, Günter Grass, que ganhou o reconhecimento internacional com O Tambor de Lata, publicado em 1959, recebeu, além do Nobel, distinções tão importantes como o Prémio Literário Príncipe das Astúrias, o Prémio Internacional Mondello ou a Medalha Alexander-Majakovsky.
Em 2006, o escritor contou a sua história numa polémica autobiografia, na qual confessou que se alistou nas Waffen-SS, uma unidade de elite da Alemanha nazi, quando tinha 17 anos. Descascando a Cebola aborda a vida do escritor entre 1939 e 1959 e foi publicada em Portugal pela Casa das Letras em 2007. Grass relembra aqui a sua adolescência numa Alemanha devastada pela guerra, o seu trabalho como mineiro e a decisão de fugir para Paris, em França, onde escreveu O Tambor de Lata.
Este título é o primeiro volume da chamada "Trilogia de Danzig" (os outros são O Gato e o Rato e O Cão de Hitler), em que Grass recria com ironia e humor cáustico o ambiente da sua cidade natal, Danzig (actualmente a cidade polaca de Gdansk), antes e durante a II Guerra Mundial.
Depois de Descascando a Cebola, o escritor alemão escreveu A Caixa (Casa das Letras, 2009) para continuar a falar da sua vida, agora focando-se mais no campo familiar e não no político. Günter Grass escreveu aqui sobre o período entre 1959 e 1999, ano em que lhe é atribuído o Nobel, por retratar “a face esquecida da história”. Para a Academia Sueca, Günter Grass concedeu um novo começa à literatura alemã, “depois de décadas de destruição linguística e moral”. Seguiu-se um terceiro volume, Grimms Wörter, este ainda não publicado em Portugal e que reflecte sobre todas as épocas da história alemã a partir do século XIX, acompanhando o surgimento do nazismo, a Segunda Guerra Mundial, a divisão da Alemanha e sua reunificação em 1990.
"Pareceu-me que a parte da minha biografia que não aparecia emDescascando a Cebola A Caixa, a parte relativa à minha actividade política e social, podia encontrar lugar numa história sobre os irmãos Grimm", disse na altura o escritor numa entrevista, revelando que terminava então a sua actividade literária, pelo menos em termos de romances. “Falta-me o ânimo para escrever. Acabou o meu prazo de validade. Já escrevi tudo. Na minha idade, já se começa a ficar surpreendido quando chegamos à próxima Primavera. E eu sei o tempo que um livro pode demorar a escrever.” 

Snobidando: Rainer Maria Rilke

NOTAS SOBRE A MELODIA DAS COISAS
Rainer Maria Rilke
Licorne

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domingo, 12 de abril de 2015

«O Outro», Judith Teixeira


*Judith Teixeira, in Poesia e Prosa
Organização de Fábio Mário da Silva e Cláudia Pazos Alonzo

Dom Quixote, 2015

Era aquele o homem que não se conseguia ouvir.


Era aquele o homem bom que não conseguia escutar as palavras que a própria boca cuspia. Devia-se isso a causa incerta, deficiência nos tímpanos ou desfasamento entre espetros de audição e de voz. Imagine-se então os dizeres dele. Baboseiras, histórias de credo, bajulo para cá e para lá, tantas letras desperdiçadas e sempre o próprio como único personagem. Já várias vezes sozinho falava ele, sou eu isto, fiz eu aquilo, acolá estive, tantas boas palavras que podia delicadamente libertar mas afinal só cuspidelas desta triste categoria. E assim viveu e falou, assim quase sozinho andou e assim continuou, a si próprio igual, cada dia o mesmo homem que nos anteriores.
Teve então esse homem a bênção de se conseguir ouvir. Por um momento escutou-se mas mais não foi preciso que a brevidade desse instante. Arregalou-se-lhe a espinha, franziu-se o nariz que então tão cerrado e seus olhos viraram desilusão escorrendo que nem cascata. A fim de sobreviver à dureza desse choque teve ele que apoiar o traseiro no chão, outra forma e tinham-lhe as tonturas tomado partido da fraqueza. Nesse impasse mais de meia hora ficou, manápulas amparando o peso vindo dos olhos e quase a vergonha a enterrá-lo, quase o cérebro a virar poço cheio de desgosto, quase o coração a cessar atividade.
Tomou finalmente o homem bom decisão resoluta; para sempre se calou e para o mesmo sempre os companheiros escutou. E assim viveu em harmonia antes nunca experimentada o tempo que lhe restou.

Gonçalo Naves

Foto tirada daqui: http://memoriasdeumesquizofrenico.blogspot.pt/2013/11/esquizofrenia-e-egocentria.html 

Foto frase do dia: Paul Auster


O Viajante

O Viajante

O viajante vem para a rua, é um viajante perdido. Aonde irá?
Que lugares irá visitar? Que outros deixará de lado, por sua deliberação ou impossibilidade de de ver tudo e falar de tudo? E que é ver tudo? 
Tão legítimo seria atravessar o jardim e ir ver os barcos no rio como entrar no Mosteiro dos Jerónimos.

Ou então, nada disto, ficar apenas sentado no banco ou sobre a relva, a gozar o esplêndido e luminoso Sol. Diz-se que barco parado não faz viagem. Pois não, mas prepara-se para ela. O viajante enche de bom ar o peito, como quem levanta as velas a apanhar o vento do largo, e ruma para os Jerónimos.
José Saramago, Viagem a Portugal (1981)
    

Marta Antunes, 2015