sábado, 3 de setembro de 2011

A MINHA ESCOLHA



O gosto pela leitura é comum a todos. O que nos poderá diferenciar são as escolhas dessa leitura.
Se para uns, a obra de um escritor específico é determinante na escolha, para outros o interesse por temas define o que lêem. No meu caso, sou uma “vagabunda” da leitura.
Entro num livraria e passo, literalmente, as mãos pelos livros. Compro e leio livros só depois deste contacto físico. Estranho, pensarão vocês. Talvez, mas a minha memória deixa escapar títulos, nomes de escritores, enquanto que o mundo das minhas sensações, estão lá permanentemente, sentidas, vibrantes.
Assim, lá ando eu, passando as mãos e “sentindo” o mundo que está encerrado em casa livro.
A Magia dos números” passou pela minha pele e foi um contacto vibrante, flutuante. Peguei nele, acariciei-o e senti que estava ali um mundo riquíssimo para descobrir.
Quando a memória se esvazia, vivências partilhadas e emoções preenchem-na e a vida renova-se a cada dia!
Deixemo-nos, então, enfeitiçar pela “Magia dos Números” de Yoko Ogawa, em flutuações da Memória e dos Sentires.
Um abraço
EME

A magia dos números: Setembro vai ser assim...

Elsa Martins Esteves. Foi quem escolheu o livro de Setembro do ano passado. Renovado contrato, aqui está ela de novo com mais uma surpresa. Desta vez, vamos regressar à Ásia...

E com Yoko Ogawa.

O que se sabe dela? Em Portugal, para já, muito pouco...

"Yoko Ogawa nasceu no Japão, em Okayama, em 1962. Os seus mais de vinte romances, que começou a publicar em 1988, têm sido premiados, adaptados ao cinema e traduzidos em inúmeros idiomas. O seu universo e a sua escrita dão à sua obra um lugar de destaque na literatura contemporânea. Ogawa consegue dar expressão aos mais obscuros meandros da mente humana através do estudo exaustivo das suas personagens, mulheres, na maior parte dos casos. Com Hotel Íris, um dos seus romances mais traduzidos e certamente um dos mais sexualmente ousados, a Quetzal dá início à divulgação de uma obra singular e perturbadora."

Quanto ao livro, chama-se 'A magia dos números' e acaba de ser lançado nas livrarias. Paul Auster anuncia que é «altamente original. Infinitamente encantador. E sempre tão comovente.»

Veremos...


Deixo-vos, para já, um pouco do que vem aí:

"Uma empregada de limpeza começa a trabalhar em casa de um velho matemático, um homem com mais de sessenta anos, cuja carreira foi brutalmente interrompida por um acidente de automóvel, que reduziu a autonomia da sua memória a oitenta minutos.

A cada manhã, a jovem mulher deve apresentar-se como se se vissem pela primeira vez - o professor esquece-se que ela existe de um dia para o outro -, mas é com grande paciência, gentileza e muita atenção que ela consegue ganhar a sua confiança, apresentando-lhe também o filho de dez anos. Aí se inicia uma relação maravilhosa: o rapazinho e a sua mãe vão não só partilhar com o velho amnésico a sua paixão pelo beisebol, como vão também aprender com ele a magia dos números. Neste subtil romance sobre a herança e a filiação - e em que três gerações se encontram sob o signo de uma memória extraviada e fugidia - a narrativa desdobra-se com a graça e o rigor de um origami. Lapidar e profundo como um haiku, A Magia dos Números é uma pequena obra-prima.."


Resta-me agradecer a escolha da Elsa e esperar que seja mais um magnífico livro. Para já, só boas experiências neste nosso Clube. Este não vai fugir à regra, tenho a certeza.

Até breve e participem.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

No Meu Peito Não Cabem Pássaros


Há um cometa que passa, há Karl, Jorge e Fernando e tantas ou mais cidades.


KARL

Karl está em Nova Iorque, não nasceu nessa cidade, condição que faz dele emigrante.

“Sente-se levemente ingénuo por arriscar tanto por um dólar, depois apercebe-se de que trabalha a oitenta metros do solo e há quem pesque em alto mar, quem coma do pugilato e quem escolha a vida militar. As cidades estão cheias de gente que arrisca muito por pouco e Nova Iorque parece um congresso.”

“Quando alguém pergunta “quem és?” está na realidade a perguntar “o que fazes?””

“Há sempre uma vibração ao longe, como se cavalos passassem na rua onde mora. É muito difícil dormir com cavalos em redor da cama.”

“Sempre teve um beber triste, de chorar e lembrar o passado.”

“No banco de jardim está Karl deitado e tudo o que é seu.”

“Pensa que em poucos anos deixou de ser menino para ser desgraçado e já não brinca com ninguém.”

“A Karl repugna-lhe a caridade virada a si, mas entre a fome e os escrúpulos ganha sempre a fome.”

“- Enfia os sermões no cu, ó pregador, e tu, rapazinho, despe o casaco e arregaça as mangas, agarra-te à vassoura, que está rija à tua espera.”

“Karl não sabe nada de mulheres, pelo menos nada que seja verdadeiro ou útil. Sabe como se apresentam e como falam, sabe alguma coisa dos seus corpos e para que servem, mas não sabe mais nada.”

“Quando um homem pára e olha para cima é porque é louco ou artista, ou porque o céu está a arder.”

“Sente-se um silêncio impossível, um silêncio que desafia a cidade inteira.”

“Se o mundo acabar, que acabe, mas que nos leve de barriga cheia e nos dispense a metafísica.”

“A voz diz-lhe que procure uma mulher para poder morrer acompanhado.”

“Uma mulher há-de salvá-lo de acordar com sigo e de morrer sem nada. Quando o céu se faz inferno, os olhos precisam de fugir e uma mulher é um lugar para fugir com os olhos.”

“Pode um homem voltar pela razão exacta que partiu?”

“Todas as cicatrizes são troféus, representam vitórias contra o que nos vem de fora. Devíamos mostrá-las de cada vez que conhecemos alguém, chamo-me assim e tenho sobrevivido.”


JORGE

Jorge, ainda criança, encontramo-lo, como Karl, no mesmo lado do mundo mas no hemisfério sul.

“As histórias da avó Fanny servem-lhe as fantasias... O tão criança que é impede-o de se imaginar a si exactamente, com o seu corpo pequeno e frágil, um corpo tão incapaz de mudar homens de sítio.”

“Jorge tem medo de encher a cabeça. Uma frase ouvida muitas vezes aos adultos inquietou-o, “a cabeça não chega para tudo””.

“Há alegria nos pátios de todas as escolas e infelicidade no pátio de todas as escolas.”

“O menino triste que é Jorge observa Roberto com encanto, foragidos os dois da lógica concêntrica, olham-se e sorriem com pouco.”

“O coro continua por algum tempo, misturado com gritos e risos e o som surdo de carne contra carne, é tudo tão rápido e tão forte dentro de Jorge, o ardor dos golpes e dos insultos, a humilhação de ser riso de tantas bocas.”

“... fica a raiva muda a chorar para dentro. Algum sangue, uma camisa rasgada e por dentro tudo mudado.”

“Roberto sente duas mãos nas costas e uma força grande que vem nelas. O Seu corpo atira-se para a frente com as pernas que ficam atrás. De repente vê tudo às voltas, os degraus, o tecto, as paredes, de novo os degraus, de novo o tecto, até já não ver nada.”

“De tudo o que lhe dói são mesmo as pernas que se salvam, não lhes sente dor nem nada, são o melhor lugar de todo o corpo.”.

“Vista à distância de alguns anos e muitos quilómetros, Buenos-Aires é uma cidade infância. As ruas da cidade mediam-se em passos curtos de calções e as casas e as árvores eram gigantes que se olhavam debaixo.”

“Os meninos de Genebra não tomam banho no lago, foi o primeiro espanto. Afinal, as infâncias não são todas iguais e há lagos sem meninos a nadar. Pareceu-lhe um desperdício de lago ou de infância. Depois percebeu que as vidas suíças são cheias de tudo, dinheiro, livros, beleza, jardins, pastéis e licores. Com tanto tudo, às vezes não apetece fazer nada.”

“Quantos anos pode uma cidade existir sem ser vista?”

“A beleza é a moeda de troca da humanidade. Nenhum homem é recordado pelo que comeu ou fodeu, mas alguns são-no pelo que pensaram ou criaram.”

“As cidades recuperam a virgindade com os anos de ausência, se é que Buenos Aires alguma vez foi virgem.”

“Os pés a descobrir caminhos e memórias de caminhos, a infância a voltear-lhe os passos como um cão que revê o dono.”

“Em quase todas essas milongas alguém se levanta numa hora favorável e, com a voz arrastada, pede à orquestra o Tango de los mal vividos.”

“Por fim lá se chega à idade de ver a vida pelo que não chegou a ser. O presente é terrivelmente condicionado pelo passado e por tantas leviandades cometidas sobre o tempo. Tudo a que um dia se brincou acaba por ser só memória e caminho, degrau de uma escada sempre a estreitar. Depois um homem senta-se à mesa e escreve por vingança contra si mesmo – para viver outras vidas, como dizem alguns.”


FERNANDO

“A viagem chegou ao fim e Lisboa é o fim do mar.” E encontramos Fernando.

“Fernando não foi nada durante a viagem, apenas olhos de ver e uma cabeça de inventar filosofias.”

“Viver num sítio é ser esse sítio, emprestar-lhe uma alma e receber outra em troca. As biografias deviam ordenar-se por lugares, e não por datas. Nesta rua fui assim, numa outra fui diverso. Ninguém sabe descrever uma cidade, são as cidades que nos descreve a nós.

Lá fora vai um mundo de outros que fazem milhares de gestos necessários: caminham, comem respiram e vivem as vidas que podem viver. A vida é uma dádiva que requer manutenção, precisa de gestos pequenos como dar corda ao relógio ou sorrir a quem passa.”

“Fernando não sabe que espantalho afugentou tanto pássaro, se o médico, se o padre, se um espantalho maior do que todos os outros. Vem-lhe à cabeça um sacrilégio de fazer rir, Jesus Cristo espantalho na cruz. Muito medo hão-de ter tido os pássaros. Deve ter sido um ano bom de azeite e de fruta, não há porque enjeitar um milagre se tiver serventia.”

“O professor fala com voz de também não estar ali. As palavras saem-lhe umas atrás das outras, postas em fila há muito tempo.”

“Fernando passou o resto do dia a encontrar sinédoques para onde quer que olhasse. “Como toda a gente” pensou. “A vida é dura”, “Um homem não é de ferro”, “Deus é grande”. Mas há quem não tenha uma vida dura e seja de ferro e tenha um deus pequenino.”

“O senhor é sem dúvida dotado de uma finíssima inteligência, não há como negá-lo. O estilo refinado da sua escrita eleva a prosa e dá cor e alma a tudo o que trata. O senhor Fernando tem mão e cabeça de poeta, mas infelizmente deixa que seja a poesia a tomar conta de si, e não o contrário, como seria desejável.

O mundo, senhor Fernando, é para ser entendido, não inventado.”

“Como pode alguém domar a poesia?”

“A tia diz-lhe que sim e acena com a cabeça já longe. Um quarto, um emprego, um sobrinho a querer ser grande, o menino Fernando a deixar-lhe a vida como ela a tinha, uma vida de tia a fazer renda.”

“Em casa não há muito à sua espera, um caldo por aquecer deixado pela dona Aurora, uma garrafa de vinho, silêncio e horas.”

“Fernando falta-lhe uma mulher pela vida. Faltam-lhe muitas mulheres pela vida, diurnas, nocturnas, quotidianas, esporádicas. Tal é a carência.”

“Há que fugir e levar as ideias para fora, fugir das casas e dos carros, da gente e das avenidas, tirar aos olhos o que conhecem e já não sabem ver.”

“O dinheiro que eu te dou diz-me que tu existes, que eu saí de casa em vez de sonhar.”

“ A verdade é que todos têm medo, quase todos sentem que devem ter medo, do fim ou da falta dele.”

“Fernando queria ser a engomadeira que se benze ou o sapateiro que corre para casa, mas é o homem que já sabia e que dobra o jornal em quatro.

O cometa será uma grande desilusão, um desperdício de espanto...”

“É ele quem lhe fala, não tenhas medo, diz, não é hoje que se acaba o mundo.”

“Não é fácil dormir com uma mulher. Não é sequer fácil dormir com a ideia de uma mulher.”

“... e a casa vazia de uma mulher. A cama feita, a louça lavada, nada ficou da sua passagem.”

“É muito frágil a ordem da poesia.”

A minha opinião:

Foi um livro muito bom de ler.

Simpatizei com todos os personagens, bem apresentados, bem estruturados.

Não deixo de perguntar-me, talvez um dia de perguntar-te, porque motivo chamaste Fernando ao personagem que vive a passagem do cometa em Lisboa? J

E gostei da forma e da poesia.

Gosto sempre da poesia na prosa, fundamental, imprescindível.

Uma vez ouvi um poeta (não me lembro qual) dizer, que a poesia é a arte de escolher palavras.

Parece-me que o Nuno Camarneiro soube escolher muito bem as palavras que usou.

Depois, quanto à trama, ficou a apetecer-me mais, mais densidade, mais volume, talvez mais história para contar.


O Erro de Descartes está de volta...

A Temas e Debates re-edita a obra mais famosa de António Damásio. Damásio é provavelmente o maior neurologista, neurocientista português. Para quem não conhece o teor do livro, deixo a sinopse. Chega hoje às livrarias.


"O Erro de Descartes conduz o leitor a uma viagem de descoberta desde a história de Phineas Gage, o famoso caso oitocentista de alteração comportamental após lesão cerebral, até à recriação moderna do cérebro de Gage; e das dúvidas de um neurologista sobre uma hipótese testável relacionada com as emoções e o seu papel fundamental no comportamento racional humano. Com base nas suas experiências em doentes neurológicos afectados por lesões cerebrais, António Damásio demonstra como a ausência de emoções pode prejudicar a racionalidade. Ao explicar como a emoção contribui para a razão e para o comportamento social adaptativo, Damásio oferece-nos também uma nova perspetiva do que as emoções e os sentimentos realmente são: uma perceção direta dos nossos próprios estados físicos, um elo entre o corpo e as suas regulações que visam a sobrevivência, por um lado, e a consciência, por outro. Tão profundo no seu humanismo como no aspeto científico, O Erro de Descartes leva-nos a concluir que os organismos humanos estão dotados, desde que nascem, de uma apaixonada inclinação para fazerem escolhas que a mente social utiliza para criar comportamentos racionais. Escrito com clareza e elegância, este livro provocou animadas discussões e mudou para sempre a visão que temos da relação entre mente e corpo."

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O que é um pseudónimo, por Afonso Cruz

"(...) um pseudónimo, descobri recentemente, é um autor incontactável. Sabe, é como aquelas coisas que se penduram nas maçanetas do quadro do hotel para manter as empregadas da limpeza longe da nossa cama desfeita. É um sinal de ocupado, mantenha-se longe, é isso que é um pseudónimo. Sabemos que a pessoa está lá dentro daquele nome, mas nem pela fechadura dá para espreitar.'


in 'A boneca de Kokoschka'

Maior Prazer Dar que Receber


'Uma das leis cómicas da vida é a seguinte: é amado não quem dá, mas quem exige. Quer dizer, é amado aquele que não ama, porque quem ama dá. E compreende-se: dar é um prazer mais inesquecível do que receber; a pessoa a quem damos, torna-se-nos necessária, quer dizer que a amamos.

Dar é uma paixão, quase um vício. A pessoa a quem damos, torna-se-nos necessária.'

in 'O Ofício de Viver'

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Poemas que dão música - Chico Buarque



"Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país

Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?"

O Japão No Femininino - I - Tanka - a continuação...

Prossegui a leitura do livro 'O Japão no Feminino - I - Tanka, séculos IX a XI', publicado pela Assírio & Alvim.

A segunda parte está entregue a Izumi Shikibu: "(...) sabe-se que era filha de um grande senhor e que veio para a corte no auge da época Heian. Embora casada com um oficial e mãe de uma filha, começou uma ligação apaixonada com um enteado da imperatriz que daria um escândalo e um divórcio, reprovado pela família."


Shikibu escreve desta forma, espero que apreciem tanto como eu:

3
'Neste nosso mundo
amor não tem qualquer cor -
contudo o meu corpo
como está profundamente
manchado com a cor do teu!'

19
'Uns passam a Porta
do Amor e outros não.
Se não sois o guarda
nada vos dá o direito
de lançar uma censura.'

34
'As tuas palavras
por muito amáveis que sejam
só causam tristeza -
a luz da lua não pára
em braços tintos de luto.'


53
'Este coração
de tanto te desejar
vai-se quebrando
em milhares pedacinhos -
mas nem um só vou perder.'

61
'Mesmo quando um rio
de lágrimas atravessa
e molha este corpo,
não chega para apagar
todo o fogo do amor.'

87
'O que eu anseio
é o som da tua voz.
Esse teu rosto,
que vejo tão claramente,
não diz uma só palavra.'

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Japão No Femininino - I - Tanka, Século IX a XI


Este livro traz-nos duas escritoras de um período áureo para a poesia japonesa, numa belíssima viagem por este país e os seus costumes. A capa, só por si, é um hino. Mais uma excelente compilação organizada pela Assírio & Alvim e por Luísa Freire.

"As duas autoras presentes neste volume viveram no período mais florescente da história literária e artística do Japão - a era Heian - que durou cerca de 400 anos (794-1185). Ambas são figuras centrais dessa Idade de Ouro, durante a qual as mulheres escritoras tiveram um papel decisivo na fixação do japonês como língua poética e também na divulgação de uma forma principalmente feminina - o tanka - que mais tarde foi dando lugar ao haiku, inicialmente masculino e (talvez por isso) mais cedo conhecido e divulgado no Ocidente. Ono no Komachi (834?-?) e Izumi Shikibu (974?-1034?) foram as grandes representantes na poesia japonesa de todos os tempos que, ao longo dos séculos, se foram tornando uma lenda e uma referência."


Ainda não o terminei, pelo que hoje deixo só alguns pensamentos de Ono no Komachi.

3
'O meu desejo de ti
é forte para contê-lo -
assim ninguém vai culpar-me
se à noite for ter contigo
pela estrada dos meus sonhos.'

12
'Este amor será
real ou um sonho apenas?
Como hei-de sabê-lo,
se a realidade e o sonho
existem sem existir?'

16
'Terá o amor
de acabar em escuridão,
sem que vislumbremos
esse rasgão entre as nuvens
onde o luar enche o céu?'

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

"livros de verão? Não conheço"

Luma Garbin partilhou esta opinião do Jornalista Eurico de Barros, ao Diário de Noticias, 20 de Agosto.

'Desculpem-me se sou snobe ou culturalóide, mas sempre embirrei com aqueles artigos, inquéritos a "personalidades" e dossiers que a imprensa gosta de fazer nesta época do ano, do género "Livros para o seu Verão", "Que livros vai levar nas malas este Verão?", "Os livros que não pode deixar de levar para a praia", e quejandos.
Isto porque sou uma ave (cada vez mais) rara, um tipo que lê livros 365 dias por ano, nem que seja um par de páginas por dia, nem que chegue a casa como se tivesse acabado de ser pisado por uma manada de cavalos selvagens, mesmo que me deite às tantas da matina. Dia em que me deite sem ter passado os olhos por umas páginas impressas não é dia. Por isso é que a ideia da cegueira é a que mais me aterroriza. Não poder ler nunca mais, horror supremo, pesadelo monstruoso!


O conceito de "livros de Verão" sempre me foi totalmente alheio, porque os livros, para mim, não têm estações do ano para serem lidos.

No tempo em que passava as férias grandes fora de Lisboa (e se eram grandes, três meses dava para ler muita coisa...) no campo, em casa da minha avó materna, ou então na praia, com a família, não me lembro de alguma vez ter metido livros na mala a pensar "estes são mesmo bons para ler na praia ou no jardim". Eram os livros que na altura me apetecia ler, e mais nada, fossem mais "sérios" ou mais "leves".
Quase tão mau como isto dos "livros de Verão", só aquela pergunta: "Que livros levaria para uma ilha deserta?" A minha resposta favorita é a do grande jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues: "O Manual do Construtor de Barcos".'

Eurico de Barros

domingo, 28 de agosto de 2011

Enquanto houver poetas, o mundo tem salvação...

Uma longa entrevista dada por Maria Teresa Horta ao portaldaliteratura.

Deixo-vos um trecho.

"(...) O mundo de hoje é um mundo muito complexo, porque é um mundo muito desencantado. As pessoas olham com um olhar muito desencantado e eu tenho muita dificuldade em olhar para um olhar desencantado. É uma grande tendência para encontrar algo positivo sempre e ir atrás da luta. Eu tenho um passado de luta muito grande. Não só antifascista como tenho um passado de luta feminina. E um lutador nunca pode cair no desânimo. Eu sou tudo menos uma mulher depressiva. Não sou. A primeira coisa que eu faço ao chegar ao fundo é vir logo cá acima, nem dou por ter estado no fundo. Tenho uma grande tendência em tentar entender aquilo que de vez enquanto me é difícil de perceber.


E ao mesmo tempo que digo “que época horrível, que época estranha”, onde os valores não existem, onde o ideal praticamente está diluído no meio de uma grande violência, onde as pessoas já não acreditam em nada, onde os valores são os valores do dinheiro, disto e daquilo, mas depois eu acho que os poetas continuam neste mundo. E eu acredito que enquanto o poeta existir no mundo, o mundo está salvo. O poeta quer dizer o sonho. O poeta é o alquimista do futuro. E é o alquimista porquê? Porque tudo o que o poeta toca, não transforma em ouro, não, transforma em sonho. E enquanto o homem e a mulher sonharem, é possível viver. E isto não é só o que o Egídio Gonçalves dizia. É como poeta. Não, é verdade. O poeta transforma o mundo. Enquanto o homem tiver no seu seio e a mulher tiver no seio da sociedade o poeta, enquanto ele for um ser que existe, enquanto houver asa, enquanto houver possibilidade de se sonhar, há possibilidade de sobrevivência. Mas tem que se ter um grande cuidado. Agora você pergunta-me: «Como é que vê o mundo?» Com um olhar que eu considero sobre o perigo. Há um grande perigo que pesa neste momento sobre a humanidade. Há o grande perigo de realmente o grande poeta desaparecer. Do sonho, do ideal, do sentido da coerência, da dignidade, dos valores não serem só os valores monetários. Há valores muito mais importantes dentro de nós que temos que manter. Porque senão isto pode-se transformar num grande circo romano, onde os mais fracos são completamente aniquilados permanentemente pelos mais fortes. E isso é um grande perigo. Acho que a sociedade está neste momento numa época em que vive no perigo de uma grande fissura, em que na realidade os valores e o ideal estão a desaparecer... É preciso agarrar isso. Agora se você diz “completamente desencantada”, de maneira nenhuma, não sou uma mulher desencantada, para mim existe esperança, porque se não existisse esperança eu já não existia. Não, não pode ser. Nós todos temos que ter esperança. Faz parte do ser humano. Porque senão não é possível viver. Nós vivemos porque acreditamos."