quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A poesia de Tomaz Falcão


EM VÃO
Impaciente
Aguardas
Uma palavra que alimente
A tua falsa esperança
E a cada segundo
Frustrado
Porque aumenta
O silêncio
Ignorando
Penhoraste a tua vida
Num amor
Que não existia
Sofrias
Por quem não te amava
E na ilusão
Sujeitaste-te a ser negado

FALCÃO, Tomaz
in A SOMBRA DA ESPERANÇA
Colecção Poesia, 4
propagare | edição

Gonçalo Viana de Sousa - o flâneur das Sensações




De Nicosia para o mundo, surge mais esta impressão de Gonçalo Viana de Sousa.


"Dias nocturnos"


Desço a escadaria do hotel num trote fácil, pautado e travadinho. É de manhã e o sol , entre tantas coisas, é cinzento e surge por detrás de uma cansada neblina.
Assobio para dentro uma ária qualquer, não sei se de Mozart ou Donizetti. Não interessa. Na recepção do hotel: o maître d’hôtel e uns quantos funcionários de farda.
Saio pela porta principal como quem se esquece da vida. Num passo assertivo, frontal, vertical. A manhã surge depois da porta e dos pensamentos. Na rua, uns quantos passeantes, flâneurs, touristes, que, como eu, observam e absorvem a neblina, a manhã e o cheiro a pão quente fresco, acabado de sair de um forno que só existe nas sensações.
Toda a manhã, todas as manhãs são, em Nicosia, sensações distorcidas, longínquas, distantes, que não traduzem o mundo real dos ocupados afazeres do quotidiano.
A dulceza da banalidade e dos pormenores são deixados de lado, sozinhos, divagando pela ordem natural das coisas: o ser ordinário, entediante, desinteressante.
Efraim, no quarto do hotel: o rigor, a destreza e a competência de um Smith semita. Pudesse eu, como meu bisavô, ter conhecido Carlos Fradique Mendes!
Mas o tempo passa e o silêncio olímpico das coisas primeiras é ensurdecedor. A manhã em Nicosia: flores frescas regadas pelo orvalho nocturno, o pão quente, o barulho das tendas de fruta e das barracas do peixe e de crustáceos. Fortes homens de fartos braços carregam sacos e cestas com legumes e galinhas e especiarias. E o ar de Nicosia é um porto aberto à Europa e ao Oriente que só existe na cabeça de alguns Álvaros de Campos. As cores da canela, do caril, da noz-moscada, do cravinho, das pimentas e dos alperces e damascos é uma folie de can can!
O verde acastanhado é amarelo fresco, duma cor que tenho a certeza de ser um vermelho que se esconde num laranja negro de branco, líquido, seco e sedoso. Pós de todas as cores e de todos os portos, com gente dentro, do mundo.
Dez dias depois, sim, dez dias depois, saio do meu quarto de hotel e vejo pela primeira vez Nicosia. Isto se for possível falar em ver as coisas com este nevoeiro estranho e quase sebástico.
A manhã, em Nicosia, são as minhas impressões escritas depois, no meu quarto de hotel, durante noites mais ensolaradas que as manhãs de Agosto nesta capital mitológica de um país navio.
A realidade é a minha impressão, um post-script onde não interessam as formas, mas sim aquilo que a realidade de uma caneta não consegue apreender.
Efraim, que foi que fizemos dos dias, das noites que passamos, passei, neste quarto, como quem passa uma vida inteira sozinho?
Efraim não me responde, enche-me o copo de uma sede seca, sólida, lamacenta.
As manhãs em Nicosia são as minhas impressões nocturnas. Vivo o presente sempre depois. O dia tem duas noites e a verdade tem destas coisas.

            

Foto frase do dia: ensinamento de Buddha

Escritos de Patrick Modiano

 "Pour que tu ne perdes pas dans le quartier" - Patrick Modiano

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

terça-feira, 21 de outubro de 2014

a-ver-livros: arrumações

Arrumo-te pela ordem 
desordenada 
do medo
de não conseguir
o desapego
algures entre o livro
das horas perdidas
e o dos erros ganhos
para o rol 
das lições

Arrumo-te sem pressa.
Mil vezes lida
a nossa história.

Ana Almeida

* para saber mais sobre a pintora Nom Kinnear King
siga o link http://nomkinnearking.com/

É do borogodó: farol

"
cheia de si, alto brilha.
atravessa montes
perfuma os vales
envaidece os rios
faz corar neblina.

mas seu homem
tem pálpebras cerradas
não vê no céu
formosa prateada
farol que o ilumina.

são sete dias de dor,
são sete noites vazias,
são sete nuvens negras
vestindo a viúva
enquanto mingua…
"

Penélope Martins


Uma questão de perspectiva

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

Foto frase do dia: Vinicius

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Pawel Kuczynski: disabled

 

a-ver-livros: ilusão

Que não iluda
o falso verão

A figueira está quase nua
e a magnólia já desponta
Soçobra a macieira 

da fruta que já nem os pássaros desejam

E, na noite, 
os meus pés nus
já sentem a falta 
dos teus

Ana Almeida

* para saber mais sobre  Fred Cress
siga o link http://www.buratti.com.au/#!fred-cress-estate/cqu8

Editora PruX Táta: Doutor Divago

Novidade PruX:
"Doutor Divago" de Boss Pasternata


Trata-se de um livro e não de um poste de electricidade, até porque postes de electricidade e livros não combinam. Eu não sei de que ano é que vocês são, mas eu sou de outro em antes do vosso. E neste ano ao qual pertenço, as pessoas (e eu, também) tinham o hábito de levar ao poste os aniversariantes. Não levavam o aniversariante na totalidade ao ...poste - apenas as suas partes baixas.
Trata-se de uma prática que promove a humildade do parabenizado, uma espécie de: "Ai estás todo enchufado de orgulho e importância por todos falarem contigo neste dia! Então, toma lá, um pedaço de metal nos testículos! Só para não te armares em importante no teu dia anos!"

 Ora, o que sucede é que as pessoas (eu, nem tanto) sempre tiveram a tendência para serem maiores do que eu, impossibilitando-me de praticar a ida ao poste na óptica do utilizador, quando era já um veterano na óptica do utilizado. 

 Foi aí me lembrei: e se eu levar as minhas personagens de ficção favoritas ao poste? Nunca irão ripostar!

 Erro crasso!

 No passado dia 6 de Janeiro, levei o "Cão dos Baskervilles" à rua, com o intuito de levar o aniversariante Sherlock Holmes ao poste. Estava a chover copiosamente e eu não reparei em dois pormenores: 

 Primeiro, o livro era antigo e as páginas haviam sido reparadas com agrafos.
Segundo, era um poste de alta tensão.

 Resultado: Apanhei o choque mais literário da história da Humanidade. Tive tremores nas mãos até à última semana de Setembro; por outro lado, não foi preciso ligar a televisão à corrente até à última semana de Setembro.

 Moral da história: As decisões aleijam - os postes também.


*Acompanhe a Editora PruX Táta em: https://www.facebook.com/groups/374405188554/

Poesia em matéria fria: Chacal

Siga a página no facebook: https://www.facebook.com/poesiaemmateriafria

domingo, 19 de outubro de 2014

Poema à noitinha... Matilde Campilho

Matilde Campilho, em Jóquei – edição Tinta-da-China.

Matilde escreveu este livro entre as suas viagens de Lisboa a Rio de Janeiro.

RIO DE JANEIRO – LISBOA

um dia você
adora meus óculos
adoro os teus óculos
no dia seguinte
não quero que venhas na fazenda
três dias antes
você ia adorar este lugar
você quer vir até à fazenda?
um dia eu rasgo
o tecido celular do rosto
realizo um sorriso constante
que atravessa o morro
o ponto mágico do morro
rasgão alegre que fulmina
o veio mínimo da folha
de amendoeira
e pelo feixe de luz tropiquente
vai parar na cara de João
vendedor de suco no leblon
em ricochete João grita açai!
qualquer dia eu vou e chego

no outro dia
a cidade se aborrece
desdignificada pela
gigante roleta
que se chama medo
o urubu fica empoleirado
na trave enferrujada
daquilo que já foi suporte
ao cartaz que anunciava
o novo mundo das piscinas
fosforescentes
o pássaro suspenso
olhando a via rápida
e catando caca
debaixo da unha
temendo o gira girar
da pequena roda
que circula sorte e azar

um dia você
escreve para seus pais
falando sobre o amor
quarenta dias depois
teus pais te escrevem
falando sobre redes de pesca
e o perigo das redes de pesca
um dia você me envia uma carta
depois a outra
o rasgão explode
recordando ainda outra carta
de alguns meses antes
o postal eterno que dizia
still crazy (after all
these years)
faço voto de silêncio
mas na sacrilização
horária das avenidas
eu penso que você
sua mãe e seu pai
conversam muito
sobre peixes
e isso mantém quieta
a roleta negra
e que isso mantém aparada
a unha do urubu
e que isso faz homenagem
a João e à fruta espessa
que brilha vermelha
em cada copo da minha cidade

um dia você diz que me a****
eu a****-te
no dia seguinte
a amendoeira se expande
e floresce cinco folhas mais
nesse dia reparo
que estamos contribuindo
você e eu
para o florestamento
da cidade
de duas cidades
faço votos de silêncio
mas na sacrilização horária
da respiração eu penso
que apesar da sala de casino
abrigo da gigante roleta do medo
apesar dos golpes de gmt -3
apesar da fita de seda que fica
ondulando sua medida de 7800 km
estamos dando utilidade ao amor
alargando os braços dos jacarandás
partindo as inúteis linhas de fronteira
e fazendo do mundo
a gigante floresta.

Snobidando: Poemanifesto

Acompanhe a página da Livraria Snob no Facebook. Já abriu, em Guimarães. Pode lá encontrar isto e muito mais.

Do Teatro para a vida

"Mudar e ser mudado
e lembrar-se,
ver e rever,
sonhar e esquecer e rir,
saber e já não saber nada,
e encontrar e duvidar
e estar presente."


                                
Retirado do hall do Teatro Maria Matos

Apanhei-te a ler... dia 24

Marilyn Monroe

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada!