sábado, 23 de março de 2013

A Poesia que nos acompanha com Pedro Estorninho


Nas minhas deambulações por livrarias, encontrei em Londres uma colecção organizada pela BBC Radio e editada pela Phoenix, Poetry Please! É a compilação de vários poemas que são lidos por alguns actores ou declamadores durante a emissão de um determinado programa com o mesmo nome, Poetry Please! O programa consiste numa permuta muito simples, as pessoas telefonam para a estação, pedem os poemas e durante o horário de emissão do Poetry Please são lidos. Que magnífica ideia, à moda de discos pedidos mas com poesia. Estamos a falar da emissora pública, a BBC. Não querendo desviar-me do assunto, mas desvio-me, não será esta uma maneira de formar leitores, públicos através do tão falado serviço público? Este formato teve tanto sucesso quando começou em 1979 que, quando adquiri um exemplar da compilação, há dois anos, ainda estava no ar. Deste exemplar deixo-vos um poema de Leo Marks:

The life that I have

The life that I have
Is all that I have
And the little that I have
Is yours
The love that I have
Of the life that I love
Is yours and yours and yours
A sleep I Shall have
A rest I shall have
Yet death will be put a pause
Fou the peace of my years
In the long green grass
Will be yours and yours and yours

Entremos então na nossa poesia, mais uma vez confesso que me foi difícil a escolha. Tantos foram os poemas, frases, pensamentos (é verdade existe quem acredite que não, mas os poetas também pensam), etc. Que decidi-me por uma viagem de Sul para Norte, começando no Baixo Alentejo e terminando em Braga.

Manuel da Fonseca reúne na sua obra poética, alguns dos textos mais belos, simples e suados que já li. Tive o grande prazer, desde muito novo mesmo antes de ir à escola, de privar com o Manuel. Era amigo e camarada do meu avô Joaquim. A casa do meu avô em Santiago do Cacém (Cerromaior) tinha como visita constante, entre outros, o Manuel da Fonseca. Os seus livros, além do trabalho poético, são como ele era, uns fenomenais contadores de estórias. Além disto tudo era um homem de liberdade, um grande combatente anti-fascista. Dele deixo aqui umas quantas linhas, as primeiras são do início de “O fogo e as cinzas” no conto “O Largo”:

“Antigamente, o largo era o centro do mundo. Hoje, é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a vila.”

Do livro “Planície” um excerto do poema “Estradas”, para quem conhece profundamente o Alentejo, sabe bem que é assim:

Não era noite nem dia.
Eram campos, campos, campos
Abertos num sonho quieto.


Subindo agora um pouco no território paremos em Rio Maior, mais precisamente São João da Ribeira. A paragem justifica-se, aqui nasceu em 1933 o Poeta maior, Ruy Belo. Faz parte do meu manual de sobrevivência, é-me indispensável, todo o trabalho deste poeta é-me indispensável. Deixo-vos este tesouro que é o início do livro “A Margem da Alegria”

“Quando já pelos prados o orvalho
Aspergira as inúmeras pétalas das primeiras flores
e corriam as lágrimas ao longo da já longa idade
de homens onde o rio da alegria já secara há muito
talvez suponho eu no tempo dos primeiros salmos

admoestadores

em que os olhos se abriam para o medo das mensagens

mais funestas…”

Belíssimo.

Já aqui por terras do Porto escolho também outro incontornável, Alberto Pimenta com o seu livro “A sombra do frio na parede” e o seguinte poema:

Tenho um anel dentro dela
tenho dentro dela um anel

Tenho dois anéis dentro dela
tenho dentro dela dois anéis

Tenho três anéis dentro dela
tenho dentro dela três anéis

Tenho quatro anéis dentro delas
tenho dentro dela  quatro anéis

an horrible instrument of pleasure,
love combines intense passion with intense measure.


Termino esta boa punitiva em Braga com outro senhor, fez das ruas desta cidade a sua casa, Sebastião Alba. Também nas mesmas ruas nos deixou. Do livro “Noite Dividida” retiro o Poema:

“Fim de Poema”

Para que nem tudo vos seja sossegado,
Cultivai a surdina.
Eu fico em surdina.
Em surdina aparo
os utensílios,
em surdina me preparo
para morrer.
Amo, chut!, em surdina;
a minha vida,
nesga entre dois ponteiros, fecha-se
em surdina.


Pedro Estorninho

Cronicando pela Ásia... Mudança de quarto

Ko Phi-Phi, 
24 de Abril 2009

Dormir num bungalow no meio da floresta? Sim, já tinha dormido com algumas osgas, baratas e mosquitos tropicais... Mas nunca numa casa feita de madeira e folhas de palmeira.

Acordei ainda com dores nas pernas. O escaldão não estava totalmente sarado. A primeira coisa que fiz logo de manhã foi mudar as tralhas para a floresta. Na primeira noite dormira no centro da vila, em plena linha de perigo... O tsunami varreu a ilha poucos anos antes.


Lancei âncora no bar do Bob Marley. Antes mesmo de chegar à praia, ainda deu para brincar com um macaco doméstico, preso por uma corrente. Mesmo assim, não arrisquei festas. 

O dia foi um descanso. Até aqui, tinha mudado de sítio em sítio quase sempre a mil à hora. Agora era tempo para não pensar em malas ou transportes. Relaxar, relaxar... De noite exploraria a ilha.

Jantei e fui para à praia. Uns rapazes faziam acrobacias de fogo. Esta era, de facto, a principal atracção nocturna. A ilha era comedida e calma, um convite para ir para a cama bem cedo...

Amanhã a praia convida a banhos.


Rodrigo Ferrão

As reacções de um leitor

Do Brasil... 


Hope, Philip K. Dick

Palavras de um sábio. Philip K. Dick. 



Mia Couto para abrir a tarde...

Silvestre e o Idioma

Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.

Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.

Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.

É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.

Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebaptizara, vezes sem fim.

Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.

*Mia Couto, in Idades Cidades Divindades, Caminho


sexta-feira, 22 de março de 2013

Revisitei a História da Literatura Portuguesa. Óscar Lopes morreu


"Conheci" Óscar Lopes por obrigação. Uma antiga professora de português no secundário exigia que os alunos comprassem a emblemática História da Literatura Portuguesa. Obra ímpar, carregada pelos séculos da nossa identidade literária.

A. J. Saraiva e Óscar Lopes assinam, arrisco, um dos mais importantes dicionários literários da lusofonia.

Hoje dizemos adeus a Óscar Lopes.

Destaca o Público:

«Militante do Partido Comunista Português desde 1944, Óscar Lopes entrou para a política “conspirando” com Vitorino Magalhães Godinho e o grupo dos socialistas liderado por António Macedo. Autor de uma vasta e importante obra no domínio da Linguística, em que se destaca a Gramática Simbólica do Português, o ensaísta chegou tarde à docência na Faculdade de Letras do Porto devido à sua filiação política, tendo mesmo chegado a ser preso duas vezes durante o Estado Novo.

Antes de leccionar na universidade, foi um muito respeitado e acarinhado professor de liceu, lembra Isabel Pires de Lima, catedrática da Faculdade de Letras do Porto e sua amiga. “É uma perda imensa”, disse ao PÚBLICO a ex-ministra da Cultura, que entrou para a docência universitária no mesmo ano de o ensaísta, 1974. “Era uma das pessoas mais disponíveis que conheci. Certamente um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. De sempre.”

Em jovem chegou a escrever poesia e mais tarde tentou o romance. Era irmão de Mécia de Sena, a viúva do escritor Jorge de Sena.»


Quanto a História da Literatura Portuguesa, escreve o Jornal de Letras:

... uma obra seguramente das mais influentes da nossa cultura, que se calcula tenha sido já lida ou consultada por milhões de estudiosos e estudantes em Portugal e em todo o «universo da lusofonia», cujo cinquentenário da publicação se assinala no próximo ano."
"... sem dúvida a mais importante e completa que existe (...) publicada pela primeira vez, em 1955, e que já vai na 17ª edição, sempre com a chancela da Porto Editora.

Para todos os interessados, fica a sinopse desta colectânea obrigatória:

Há quem ponha em causa a validade da história da literatura ou, o que tanto faz, a reduza a uma arrumação quanto possível cronológica de estilos, autores e obras, a uma iniciação em certos dados, necessários ao entendimento das obras, mas que nada teriam a ver com o seu valor intrínseco.

O objecto básico do nosso estudo é constituído pelas obras literariamente mais qualificadas de língua e autoria originariamente portuguesas, segundo uma perspectiva de desenvolvimento geral das estruturas formais e da matéria humana socialmente comunicável que lhes corresponde. Para designar as fases de estruturação e desagregação de uma escola ou estilo epocal, que evidentemente só poderá ter-se consumado de um modo permanentemente válido em obras individualizadas, usaremos por vezes, e como é costume, um nome evocativo do seu contexto histórico geral: Fim da Idade Média, Época Contemporânea, por exemplo. No entanto, o critério de periodização é intrinsecamente literário, pelo que tentaremos, quanto possível, distinguir as afinidades características de cada geração ou conjunto de autores que tal critério permita, de algum modo, isolar. A atenção predominante que entendemos dar às obras ou autores capitais atenuou muito neste livro a preocupação (tradicional nos manuais de história da nossa literatura) de indicar os limites cronológicos de cada época ou escola, o que sublinhava os momentos de incipiência e de decadência de cada estilo, em vez de sobretudo o ver em sua maturidade.

A Poesia - escolhidos por Pedro Estorninho


Mais uma vez começo com um pedido de desculpa aos poetas que leio, vivos e mortos. O espaço não me permite falar de todos vocês, portanto falarei de alguns e dos livros que ultimamente tenho revisitado. Os outros ficarão para uma próxima oportunidade. Charles Baudelaire e o seu “O Spleen de Paris” tem dos poemas mais belos que já li, um poema para mim de autêntica transumância:

O Estrangeiro.

- Quem é que tu amas mais, homem enigmático, diz: o teu pai, a tua mãe, a tua irmã ou o teu irmão?
- Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Os teu amigos?
- Usas uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhecido.
- A tua pátria?
- Ignoro em que latitude fica.
- A beleza?
- Amá-la-ia de boa vontade, deusa e imortal.
- O ouro?
- Odeio-o como vós odiais a Deus.
- Bom, o que é que tu amas, então, extraordinário estrangeiro?
- Eu amo as mulheres… as nuvens que passam… além… além… as maravilhosas nuvens!

“Une Saison en Enfer” de Rimbaud é outro dos livros que frequento, deixo-vos aqui um excerto que tenho, para mim, como um dos mais livres, se podemos dizer que existem textos com não liberdade em Rimbaud.

Le sang païen revient! L´Esprit est proche, pourquai Christ ne m´aide-t-il pas, en donnant à mon âme noblesse et liberté. Hélas! L´Évangile a passé! L´Évangile! L´Évangile.
J´attends Dieu avec gourmandise. Je suis de race inférieure de toute éternité.
Me voici sur la plage armoricaine. Que les villes s´allument dans le soir. Ma journée est faite; Je quitte l´Europe. Láir marin brûlera mes poumons; les climatsperdus me tanneront. Nager, broyer l´herbe, chaser, fumer surtout; boire de liqueurs fortes comme du metal bouillant, - come faisaint ces chers ancêtres autour du feux.


Pedro Estorninho

1º Parágrafo: Nascido a 4 de Julho


O sangue continuava a jorrar do buraco no ombro do meu blusão e por toda a parte à minha volta há balas que silvam e se enterram na areia. Procuro mexer as pernas mas não as sinto. Procuro respirar, mas é difícil. Tenho de sair deste lugar, tenho de arranjar uma maneira de me escapar.



* Tradução de Ana Paula Curado

a-ver-livros: o rio e Tim Gates

A noite foi de águas

e há um rio que eu fui
e ainda sou

pertenço às suas margens
e à energia que corre
em direcção ao dia
que há-de chegar

* para ver mais arte do pintor Tim Gates
siga o link www.galleryad.com/art/archives

quinta-feira, 21 de março de 2013

Mais três etapas da viagem com Pedro Estorninho

Avancemos agora para a Ibéria. Cervantes e o seu fantástico par. São cento e vinte e seis capítulos que se dividem em duas partes, penso que a primeira escrita em 1605 e a segunda em 1615. Cada vez que dou por mim a pensar ou a afirmar “Isto é provável”, de imediato vem-me à cabeça o engenhoso fidalgo D. Quixote e Sancho Pança, para mim o sonho e a realidade estão ali personificados. Como o caso dos gigantes e dos moinhos, é certo que existiam os dois, óbvio que existiam os dois. Os primeiros porque D. Quixote os criou e colocou lá, a partir do momento em que o Cavaleiro da triste figura, esse poeta, pensou neles, os imaginou e os viu lá no alto, eles passam a existir. Mas também existiam os moinhos, porque Sancho Pança os estava a ver mais às suas velas, e ele sabia que eram moinhos, estavam à sua frente a laborar sem forma de ameaça alguma. É esta a genialidade de Cervantes, existirem moinhos e gigantes, entre outras aventuras deliciosas na empresa destes dois amigos. Este é o termo que encontro, talvez único e quero acreditar que o único para os definir, amigos.


Fernão Mendes Pinto “Minto?”. Li-o pela primeira vez, ainda muito novo, numa edição (suponho que da Sá da Costa) para jovens. Uma edição reduzida ou se quiserem uma versão reduzida. Recordo-me perfeitamente de brincar ao Fernão Mendes e de me aventurar com amigos, e penso que primos, por Malaca, pelo Japão e por aí fora. Anos mais tarde (não muitos) li a versão integral da peregrinação, mais maravilhado fiquei ainda. Anos ainda mais tarde, já na profissão, confronto-me de novo com os textos de Fernão Mendes na companhia de teatro A Barraca, aquando da minha passagem por lá. É um livro histórico, poético à sua maneira, político e literário essencial. Também mais um texto que nos deixará sempre na dúvida, terá alguma vez saído da sua casa no Pragal o bom do Fernão Mendes Pinto “Minto”? Se não saiu, fez com que nós tenhamos saído das nossas.






Padre António Vieira perpétuo migrante. Sei certamente que parte do que tenho de português e de história portuguesa, devo-o ao Padre António Vieira. Entre os sermões que tenho como predilectos estão “Sermão da Sexagésima”, “Sermão do Bom Ladrão” (que tanto deveria ser lido nos dias de hoje) e “Sermão de Santo António aos Peixes”. Para além da sua escrita, foi também uma figura ou persona non grata no nosso canto, certo que com o apoio da Santa Inquisição. Pouco o país quis saber de tal homem, teve grande sucesso no exterior, principalmente nos anos que passou em Roma, o que lhe salvou a vida. Ao escrever estas últimas linhas sinto que falo de 2013, porque será? Certamente que os seus sermões me têm vindo a acompanhar e continuarão a fazê-lo.

Pedro Estorninho

1º Parágrafo: Amigos até ao Fim


No dia em que o seu destino se apresentou para o reclamar, Ted Mundy ostentava um chapéu de coco e estava empoleirado num caixote de madeira, num dos castelos do rei Luís, O Louco, na Baviera. Não se tratava de um chapéu de coco clássico, era mais género Bucha e Estica, do que Savile Row. Nem sequer era um chapéu britânico, apesar da bandeira da Union Jack bordada em seda oriental num lenço colocado na algibeira do peito do seu decrépito casaco de tweed. A marca do fabricante do chapéu, um tanto sebosa, fixada no cós interior, proclamava ser este obra dos Srs. Steinmatzky & Filhos, de Viena.



* Tradução de Helena Ramos e Artur Ramos

Dia Mundial da Poesia... José Carlos Ary dos Santos e «Retrato de Amigo»




Retrato de Amigo

Por ti falo. E ninguém sabe. Mas eu digo
meu irmão minha amêndoa meu amigo
meu tropel de ternura minha casa
meu jardim de carência minha asa.

Por ti morro e ninguém pensa. Mas eu sigo
um caminho de nardos empestados
uma intensa e terrífica ternura
rodeado de cardos por muitíssimos lados.

Meu perfume de tudo minha essência
meu lume minha lava meu labéu
como é possível não chegar ao cume
de tão lavado céu?

*Ary dos Santos, in Fotosgrafias

quarta-feira, 20 de março de 2013

Apresentação do livro “Onde [in]escrevo os Amigos” de Pedro Estorninho


Dia 21 de Março (Quinta-feira) de 2013, 19h
Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto
(Rua Rodrigues Sampaio, nº 140, Porto)

Apresentação: Nuno F. Santos (Jornalista)
Música: Companhia da Bruma
Poemas Lidos por: Inês Leite, Paulo Oliveira, Pedro Carvalho, Valdemar Santos


“Onde [in]escrevo os Amigos” trata e trata-se exactamente de uma inscrição. Não sei se lhe posso chamar poesia, nem, confesso, foi uma preocupação a forma com que escrevi este último livro. Preocupei-me sim em (in)escrever momentos, pessoas e ilações que vou tirando do que por mim passa, tem passado.

Insisto na palavra (in)escrever, pois parece-me que a inscrição é muito mais forte e profunda.

É como uma tatuagem interior, como se pudéssemos tatuar-nos por dentro, tatuar o coração, os músculos, os ossos, quem sabe, tatuar a alma. Porque (in)escrever amigos é certamente muito mais forte e terno do que escrevê-los.

Passeando-me, agora mais com as revisões e tratamento do livro, por estes escritos vejo-o como uma inscrição minha na pedra, talhando-a e efectivamente colocando lá, acima já o referi, pessoas, acontecimentos, estórias, etc.

Se são poemas? Poderão ser, quem sabe.

Pedro Estorninho

Aniversário: Alice Vieira e a trindade poética

Setenta anos merecem comemoração. Setenta anos com a alegria de viver, a energia inacreditável e o talento da escritora Alice Vieira merecem ainda mais. 

Foto: ana almeida
Mas quanto mais se merece a comemoração mais singela esta deve ser. E eu, que tenho o prazer e a honra da sua amizade, não me vou meter em elogios emocionais, palavras que outros saberão dizer melhor do que eu que me embaraço sempre quando falo de amizade.

Limito-me a convidar-vos a celebrar também, oferecendo-vos poesia. A trindade de Alice, como podem entender vendo primeiro este vídeo "Ler Mais, Ler Melhor". 


Por fim, também a poesia de Alice - que, absolutamente, não é apenas autora de prosa juvenil.

~~~~~~

"Povoamento

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
"

Ruy Belo in "Aquele Grande Rio Eufrates"

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"A estrada branca

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
Podia morrer por uma só destas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate.
"


José Tolentino Mendonça in "A Noite Abre Meus Olhos [Poesia Reunida]"

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"Amo-te no Intenso Tráfego

Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento.
"


Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

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foto: ana almeida

"Poema

Envelhecemos com as palavras ou elas
connosco
digo amor e já não corro precipitadamente
pela escadaria de pedra com enormes
anjos de facas sobre as nossas cabeças
que me levava ti nas manhãs em que o desejo
(a que evidentemente dávamos
outro nome mais brando )
e nos rebentava o corpo como o pólen
das árvores na primavera

e ainda não sabíamos sequer
que transportávamos em nós
a doença incurável das noites que não iriam ser as que esperávamos

já não sigo no teu corpo os sulcos
largados pelos meus dedos na hora apressada do regresso a casa
nem abafo na amurada de todas as partidas
o gesto com que não soube prender a tua fuga

digo amor e estão muito longe
as maneiras subtis de te levar escondido
entre cadernos e camélias e dilacerados sorrisos
de fim de festa

pior do que isso:

nem sequer preciso de dizer amor
para que ele se desfaça nos terrenos baldios
do meu sangue onde os teus passos
durante tantos anos
o procuraram

-- e ilumine as horas em que o eco da tua voz
traz consigo as espadas que os anjos de pedra
então nos apontavam
"

Alice Vieira in "O Que Dói Às Aves"

Parabéns, minha querida camarada Alice!


~~~~~
 

ADENDA

A vida é feita de timings - e as coincidências tornam-na deliciosa. Acabei de fazer e publicar este post dedicado a Alice Vieira e saí para passear a Vodka (sim, a minha canita).
Aproveitei para ir ver o correio.
E, lá dentro, um envelope com o novo livro da Alice, "O Mundo de Enid Blyton", que estará nas livrarias já no dia 25. Inclui uma dedicatória linda.
É impressionante! Ela é que faz anos e eu é que recebo o presente! ♥

Prometo ler e falar-vos dele mais adiante.


1º Parágrafo: Reconstrução


A história começa com o bispo Frederick a levantar-se da cama e a pedir um banho perfumado. Ajudado por uma complacente e disposta beneditina que acaba de entrar ao seu serviço, o bispo Frederick submerge-se na água tépida com um estremecimento de prazer. Pede à jovem monja que o deixe sozinho. Fecha os olhos e abandona-se aos seus sentidos. Sente-se como o pai que espera o filho que regressa, ou mais exactamente como o artista que dá a conhecer pela primeira vez a sua criação ao público. De certo modo, Bernd é a sua obra. É também a sua esperança. E a encarnação do seu desejo, um prolongamento de si mesmo, uma dádiva. O bispo Frederick não será Papa, como sonhou num dado momento da sua vida, mas chegou longe e pode morrer satisfeito. Bernd é um dom que lhe é oferecido na última etapa da sua vida; a possibilidade de ir um pouco mais além. Um suplemento.


* Tradução de Carlos Aboim de Brito

a-ver-livros: coordenadas e Jean-Louis Mendrisse

De onde és
para onde vais.
Ponto final

Pouco interessa quem sejas
para fazer o caminho

Que hoje serás quem não foste ontem
e amanhã quem nunca sonhaste ser

* para conhecer mais sobre o pintor francês Jean-Louis Mendrisse
siga o link http://site.artactif.com/mendrisse/presentation

terça-feira, 19 de março de 2013

Pedro Estorninho apresenta... Os Cinco


Não nos deixemos enganar pelo título. Efectivamente despertará algumas recordações, mas não falamos de literatura juvenil que, sem ser por acaso, é boa. Trata-se sim de cinco livros que considero incontornáveis, embora alguns deles contenham em si verdadeiras bibliotecas.

Pois vamos lá então, e os nomeados são: A Bíblia, Ilíada, D. Quixote, A Peregrinação, Sermões de P. António Vieira. Aqui mais uma vez gostaria de incluir outros dois, as Confissões de Santo Agostinho e as Crónicas de Fernão Lopes. Em relação a estes dois últimos não me pronunciarei mais. Mas aconselho-os vivamente.

Passemos aos nomeados. Quando me refiro a serem incontornáveis, não me debruço somente sobre o seu valor literário, mas sim, e também, ao seu valor histórico e à percepção do que somos ou podemos ser hoje. E claro a relação política que tiveram e continuam a ter. Na Bíblia inclino-me sobretudo para o antigo testamento, embora o novo tenha escritos impressionantes, dedicando especial atenção aos livros sapienciais, de entre os quais destaco dois: Eclesiastes ou Qohélet e o Cântico dos Cânticos ou Cantíssimo. Estes são dois textos (livros) que acima de tudo (e apesar do que atrás invoquei) me impressionaram pelo seu valor poético, filigrana pura.

Homero e a sua Ilíada que nos fala do último ano da guerra de Tróia impressionou-me sempre pela construção da palavra, pelo forte sentido poético e criativo (imaginativo), sem soluções fáceis portanto. Se a guerra de Tróia aconteceu ou não, deixemos isso aos historiadores, mas Homero credita-a literariamente. Consigo perfeitamente ver a bela Helena, Aquiles, Agamémnon, Heitor (Héctor), entre outros.

Pedro Estorninho

1º Parágrafo: A Bíblia de Barro


Chovia em Roma quando o táxi se deteve na Praça de São Pedro. Eram dez da manhã.


* Tradução de Manuel Barreiros

a-ver-livros: palavras e Tim Ashkar

Que quer dizer esta palavra
esta aqui
com tantas letras quantos os sorrisos
e as lágrimas

Que quer dizer este bater
do coração
que ouço mesmo sem te ter corpóreo
a cheirar a Old Spice

Que quer dizer 
esta saudade?

* para conhecer mais do trabalho do artista Tim Ashkar
basta seguir o link www.ashkarstudios.com

segunda-feira, 18 de março de 2013

Clube de Leitores COM_vida Pedro Estorninho

Por entrelinhas

Falar sobre a literatura que me tem construído é uma verdadeira odisseia. Também será, deveras, injusto para muitos pois certamente deixarei de fora autores que me têm feito crescer. Não por vil intenção, mas por o propósito destas linhas terem o seu condicionamento de espaço. Portanto não é mea culpa.

Tentando então, ao máximo, essa inevitabilidade, vejo-me aqui na minha secretária, local de inscrição, rodeado de alguns exemplares que, com muita dificuldade, fui recolhendo das minhas estantes na última semana. Dividi as seguintes observações em quatro temas: Poesia, Ensaio, Romance/Novela/Ficção e Teatro.

Tendo um tema, se assim podemos denominar, extra, os cinco livros ou textos que penso serem de leitura obrigatória (sem medo algum da palavra obrigatória), já lá iremos. Arrumada então esta escolha e questão, difícil escolha e difícil questão, avancemos.

Pedro Estorninho
Durante esta semana acompanhamos esta viagem do Pedro Estorninho com uma surpresa pelo meio. Curiosos? Não deixem de vir espreitar o Clube.

1º Parágrafo: As Madonas de Leninegrado


Por aqui, fazem favor. Estamos na Sala da Clarabóia Espanhola. As três salas da clarabóia foram projectadas de modo a conterem as telas de maior dimensão da colecção. Olhem para cima. A abóbada e o friso gigantescos, com arabescos modelados e pintados a ouro, fazem lembrar um bolo de noiva. A luz que jorra sobre os soalhos de parquete tem cor de trigo e as paredes estão pintadas de vermelho vivo a imitar o revestimento de tecido original. Cada uma das salas da  clarabóia está ornamentada com vasos requintados, candelabros de pé e tampos de mesa feitos de pedras semipreciosas segundo a técnica do mosaico russo.


* Tradução de Helena Lopes
* Revisão de Luís Abel Ferreira

a-ver-livros: magnólia 2 e Violeta Lopiz

De que te serviu a pressa
diz lá,
que morreste jovem
e a tua vida não deu
para mais que um poema
ou dois

De que te serviu a pressa
se já não viste o entardecer
e a sombra da magnólia no chão
onde o gato aproveita
para lamber os restos
da juventude

* para conhecer melhor a ilustradora espanhola Violeta Lopiz
siga o link violetalopiz.blogspot.pt

domingo, 17 de março de 2013

Poema à noitinha... Johann Wolfgang von Goethe

Propriedade

Sei que nada me é pertencente
Além do livre pensamento
Que da alma me quer brotar,
E cada amigável momento
Que um destino bem-querente
A fundo me deixa gozar.


*Johann Wolfgang von Goethe, in "Canções"
Tradução de Paulo Quintela


Cronicando pela Ásia: de Krabi às Phi-Phi

Krabi »» Ko Phi-Phi, 
23 de Abril 2009


Ko é a palavra para ilha. Existem inúmeros oásis destes espalhados pelo mar da Tailândia. E do que vi, posso dizer que conheci várias formas de encarar o paraíso. Praias de areia fina e branca, águas de azul transparente, com coqueiros por todo lado, bungalows para dormir, comida fabulosa, um calor que nos embala...

Parti de barco. Krabi ficou para trás e esperava-me uma viagem de duas horas e meia. Nesse bocado, o meu pequeno grande acidente. Como o bote avançava a uma velocidade razoável e corria um bom vento, esqueci-me do sol... Num país tropical, isso é sinónimo de fatalidade.


Ter a visão de estar a atracar nas Phi-Phi é um sonho. A máquina fotográfica bem queria ter disparado mais, mas a bateria não deu para muita coisa. Fui a correr comprar pilhas.

O porto estava cheio de pessoas à espera de estrangeiros, como qualquer outro sítio por aquelas bandas. Ofereciam quartos, mergulho, expedições para outras ilhas, águas e sumos... uma grande balbúrdia! O melhor a fazer é fugir.


Aquelas ilhas formidáveis tinham sido devastadas pelo tsunami. Havia um vídeo e algumas fotografias a recordar a tragédia. Talvez por isso, existem várias rotas que indicam escapatórias (em caso de haver um novo) e umas luzes que piscam e estão preparadas para qualquer alerta. Basta subir uns 50/100 metros para estar completamente fora de risco.

Sentei-me num bar com a bandeira do Bob Marley. Toda a tarde foi dedicada à fotografia. Mesmo a meu lado, duas águias domesticadas, presas por uma corrente.

Passeio pela praia, percorri-a de uma ponta à outra. Mas já começava a sentir o efeito do escaldão nas pernas. Isto mesmo depois de ter posto umas calças e aplicado factor 50 por todo o corpo. A única solução foi beber muita água e pôr-me à sombra.


Não viria a ter mais escaldões na Ásia, mas este custou-me imenso. Logo a seguir ao jantar fui para o quarto. Pus creme hidratante e apontei a ventoinha para mim. Quase chorava de dores, nunca tinha sentido um escaldão tão forte na vida. Dava um passo e doíam-me as pernas por todo o lado. Felizmente só foi mau neste dia. No seguinte, a pele já tinha respirado o suficiente para começar a regenerar...

Rodrigo Ferrão

I read, therefore I am. Harold's Planet

"Harold’s Planet is a great daily cartoon."
Uma paragem obrigatória para quem gosta de ilustração. O seu trabalho faz lembrar um pouco o do argentino Mordillo. Não no tipo de humor, mas no desenho do boneco.

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«La lluvia lenta» - Gabriela Mistral


La lluvia lenta.

Esta agua medrosa y triste,
como un niño que padece,
antes de tocar la tierra
desfallece.

Quieto el árbol, quieto el viento,
¡y en el silencio estupendo,
este fino llanto amargo
cayendo!

El cielo es como un inmenso
corazón que se abre, amargo.
No llueve: es un sangrar lento
y largo.

Dentro del hogar, los hombres
no sienten esta amargura,
este envío de agua triste
de la altura.

Este largo y fatigante
descender de aguas vencidas,
hacia la Tierra yacente
y transida.

Llueve... y como un chacal trágico
la noche acecha en la sierra.
¿Qué va a surgir, en la sombra,
de la Tierra?

¿Dormiréis, mientras afuera
cae, sufriendo, esta agua inerte,
esta agua letal, hermana
de la Muerte?


*Gabriela Mistral


Gabriela Mistral, pseudónimo escolhido de Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga (Vicuña, 7 de Abril de 1889 — Nova Iorque, 10 de Janeiro de 1957), foi uma poetisa, educadora, diplomata e feminista chilena.
Foi agraciada com o Nobel de Literatura de 1945.