sábado, 22 de outubro de 2011

Vantagens em Viajar de Comboio, Antonio Orejudo Utrilla

E se um livro abrisse assim a sua história: "Imaginemos que uma mulher chega a casa e surpreende o marido a examinar a sua própria merda com um palito."

Que reacção provocava em nós? Curiosidade ou repulsa?

Vantagens em Viajar de Comboio, de Antonio Orejudo Utrilla é uma das melhores leituras que fiz este ano. A história é deliciosamente estranha, apela a manipulações e a comportamentos esquizofrénicos. Talvez ao lado mais maquiavélico e negro da nossa mente humana.

Até que ponto podemos acreditar numa história que nos contam? Aqui fica o mote.

A temática central do livro é a esquizofrenia. O enredo começa num comboio e na conversa entre duas pessoas que não se conheciam previamente. O homem, fazendo-se passar por psiquiatra, resolve falar dos seus pacientes. Foca a sua atenção num caso particular de um doente. Este afirma que há planos governamentais para controlar os cidadãos pela triagem dos seus próprios resíduos.

Numa das paragens, o suposto psiquiatra sai e deixa uma pasta. Nela estão depositados inúmeros casos clínicos que iriam servir de base a um livro que este projectava. A passageira que seguia com ele não se fez de rogada e resolveu investigar.

A restante narrativa expõe personagens que parecem ser uma coisa, mas são outra. Histórias de enganos, puras invenções de mentes perturbadas. Casos que contados, ninguém acredita... Mas não será o presumível psiquiatra um doente? Isso deixo para as vossas leituras.


Ao longo do livro vamos encontrando excertos magnificamente caracterizados. Como este que aqui vos deixo:

"Cá para mim, os passageiros de um avião que cai no oceano ou que se espeta contra o chão estão conscientes do desastre. Outra coisa, é explodir em pleno voo. Nesses casos a morte surge de improviso e os passageiros morrem no momento, sem darem por nada. São, de certo modo, mortos que não sabem que o estão. Devem ser estes mortos de surpresa os que aparecem nas lendas, os fantasmas, mortos que não conseguem assumir que o estão e vagueiam desorientados, como almas penadas, como estrangeiros em cidades desconhecidas, detendo-se em frente de cada igreja, admirando-se com todos os edifícios e consultando periodicamente um mapa onde não conseguem situar-se. Estes passageiros do avião que estão a colocar os auriculares ou a sentir o tacto cálido do chocolatinho quase regalado, quer dizer, quase derretido, já quase não se emprega o verbo regalar no sentido de derreter, e é uma pena, o chocolatinho quase regalado, quero dizer, que as companhias aéreas oferecem(1) como sobremesa, e, logo a seguir, já não o estão a fazer. Agora, sim. Agora, não. Estão mortos." (...)

(1) - Trocadilho entre regalar, oferecer, no original, e deliciar, presentear. (N.T.)

De assinalar o excelente trabalho de tradução de Jorge Fallorca, numa edição da Minotauro.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

In Bufo & Spallanzani

Apanhei na minha estante, aleatoriamente, alguns livros de escritores universalmente famosos e li as frases iniciais de cada um.

Como sabe todo colegial nesta era científica, há uma relação química muito estreita entre carvão e diamantes.

Nosso presídio estava encravado no recinto da fortaleza, ao fundo, rente aos taludes.

Não havia possibilidade de dar um passeio naquele dia.

O portão do pátio de uma estalagem da sede do distrito deu passagem franca a uma pequena carruagem de molas, uma dessas seges usadas pelos solteirões.

Sentada junto ao caminho, contemplando o carro que sobe em direção a casa, Lena pensa:

Hoje a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem.

Nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

Aqui estamos de novo sós. Tudo tão lento, tão pesado, tão triste.

Sou o médico de quem às vezes se fala neste romance com palavras pouco lisonjeiras.

Então, príncipe, Gênova e Lucca são agora propriedades da família Bonaparte.

Durante muito tempo costumava deitar-me cedo.

Era a tarde do meu octogésimo quinto aniversário e eu estava na cama com o meu catamito quando Ali informou que o arcebispo havia chegado para me ver.[1]

Por coincidência até que essas frases fazem certo sentido, o que comprova a teoria (se ainda não existe estou inventando-a neste instante) de que palavras juntas, seja de que maneira for, sempre têm um certo nexo (ver Burroughs).
Um romance, pois, pode começar como o autor quiser. Um livro que começa “Durante muito tempo costumava deitar-me cedo” pode interessar ab initio, ao leitor?


[1] Livros e autores, pela ordem dos parágrafos:
Vitória, Conrad; Recordações da casa dos mortos, Dostoievski; Jane Eyre, Bronte; Almas mortas, Gogol; Luz em agosto, Faulkner; O estrangeiro, Camus; O leopardo, Lampedusa; Morte a crédito, Céline; Consciência de Zeno, Svevo; Guerra e paz, Tolstoi; O caminho de Swann, Proust; Earthly Powers, Burgess. São todos estrangeiros e mortos (com exceção de Burgess). Alguns não são autores da minha predilecção. Não estão incluídos autores de língua portuguesa de propósito, conquanto a literatura de língua portuguesa nada deva à dos autores referidos, isto é, inglesa, russa francesa e italiana. Repito, após a preliminar exclusão, a selecção foi aleatória, livros apanhados na estante ao acaso. Para mim não existem nem as dez, nem as cem, nem as mil obras-primas da literatura universal.

Anagramas de Garcilaso de la Veja

Do livro Vantagens em viajar de comboio, de Antonio Orejudo Utrilla, retiro este curioso anagrama.

"Garcilaso de la Veja tinha saído de Toledo contrariado, para acompanhar Carlos V por Itália e França. (...) Garcilaso disseminou total ou parcialmente, anagramaticamente, a palavra Toledo: aqui TO, ali LE, além DO ou TLE ou ELT, ou integralmente, TO-LE-DO, para persuadir o Imperador a voltar, para que não se esquecesse daquela cidade.(...)


Tú, que ganaste obranDO
un nombre en TODO EL munDO
y un grado sin segunDO,
agora estés atento solo e daDO
al íncliTO gobierno deL EstaDO
albano, agora vueELTO a la outra parte,
respladeciente, armaDO,
representanDO en terra EL fiero MarTe:
espera, que en TornanDO
a ser restituiDO
al ocio ya perdiDO,
LuEgo verás ejercitar mi pluma
por la infinita, innumerabLE suma
de Tus, virTuDes y famosas obras,
antes que me consuma,
faltanDO a ti, que TODO EL munDO sobras.


(...)
-E agora? Notaste a palavra TOLEDO?
- Não.
- Al íncliTO gobierno deL EstaDO (...)"

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Se tu me esqueceres - Pablo Neruda


Quero que saibas
uma coisa
Tu sabes como é:
se contemplo
a lua de cristal, os ramos rubros
do outono lento da minha janela,
se toco
ao pé do lume
a implacável cinza
ou o corpo enrugado da lenha,
tudo a ti me conduz,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
em direcção às tuas ilhas que me esperam.
Ora bem,
se a pouco e pouco deixas de amar-me
deixarei de amar-te a pouco e pouco.
Se de repente
me esqueceres,
não me procures,
que já te haverei esquecido.
Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que percorre a minha vida
e decidires
deixar-me à margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
nessa hora,
levantarei os braços
e as minhas raízes irão
procurar outra terra.
Mas
se em cada dia,
em cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável.
Se cada dia em teus lábios
nasce uma flor que me procura,
ai, meu amor, ai, minha
todo esse fogo em mim se renova,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor do teu amor se nutre, amada,
e enquanto viveres continuará nos teus braços
sem abandonar os meus.

Pablo Neruda, in Os versos do capitão

Justa homenagem a Dulce Maria Cardoso


Dulce Maria Cardoso é capa da revista Ler deste mês. Muito se tem falado sobre este livro, João Bonifácio deu 5 estrelas na edição do «Ípsilon». O mais interessante é ser a primeira autora lusófona no género ficção a ser publicada pela Tinta da China.

Quanto ao tema, trata dos Retornados de África. Fiquem com a sinopse e um trailer de promoção.

"1975, Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras. Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos nao têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles. 1975. Lisboa. Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia. A adolescência torna-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança. África sempre presente mas cada vez mais longe."

Agostinho da Silva: Palavras sábias


Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutor

sobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende mal

todos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem ler

teriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro dura

e tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber vale

até para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opinião

que hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneira

alfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insulto

se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia

deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.


Agostinho da Silva, in 'Poemas'

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Apontamento


    A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
    Caiu pela escada excessivamente abaixo.
    Caiu das mãos da criada descuidada.
    Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

    Asneira? Impossível? Sei lá!
    Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
    Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

    Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
    Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
    E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

    Não se zanguem com ela.
    São tolerantes com ela.
    O que era eu um vaso vazio?

    Olham os cacos absurdamente conscientes,
    Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

    Olham e sorriem.
    Sorriem tolerantes à criada involuntária.

    Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
    Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
    A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
    Um caco.
    E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

    Álvaro de Campos, 1929

a-ver-livros: Dobrar com arte

A um livro não se arrancam capas nem rasgam folhas, não se dobram esquinas, não se escreve, risca, sublinha ou anota. Pronto, os da escola não contam. Cresci a ouvir estes mandamentos como se o livro fosse um altar.

Mas tal como nunca consegui acreditar num qualquer deus,
dei por mim de lápis em riste, outras vezes uma definitiva Bic Cristal, a ameaçar poesia nas margens de Pessoa e Gomes Ferreira, a sublinhar citações de Lobo Antunes e Pedro Paixão, a arriscar correcções cheias de pontos de exclamação nos rodapés de traduções que me eriçavam os pêlos da nuca. Sempre sem hesitar, como quem pratica um crime de lesa pátria sob um estado de insanidade muito pouco temporária.

Amo os livros – mas não os aceito como deuses sagrados de papel, intocáveis, a venerar, cobertos do pó dos tempos, sinais exteriores da nossa riqueza cultural. Acredito que o que importa ficar dos livros que lemos é aquilo que nos fizeram pensar e sentir, mesmo que já não recordemos enredos ou nomes de personagens. E não sendo o caso de edições raras ou com alguma particularidade que as torne especiais – seja um autógrafo, o ter vindo das mãos de alguém
que nos é caro ou querermos guardá-lo para passar a outro alguém – nada como entregá-los nas mãos de outras artes e vê-los renascer.

É capaz de ser boa altura para confessar que, apesar de tudo o que fica dito para trás – rebelde de pacotilha! –, jamais consegui ou conseguirei dobrar os cantos a um livro. Não foi em vão que me tornei coleccionadora de marcadores. Mas Isaac Salazar, um contabilista de El Paso, no Texas, USA (que é o primeiro a admitir que achava não ter um ossinho criativo para amostra no respectivo corpinho), dobra. Dobra aqui e ali. Dá um pequeno golpe com x-acto numa página e dobra acolá. E nascem palavras e, ao que consta, nesta fase também já símbolos. E sabe-se lá o que pode surgir a seguir.


Nestes quatro exemplos, nascem verbos. Amar. Sonhar. Criar. Ler.

São dos mais bonitos que conheço.

Referências: http://www.flickr.com/people/bookofart/

Julian Barnes ganha Man Booker Prize 2011


“The Sense of an Ending” foi a obra vencedora deste importante prémio - ainda não está publicada em português, mas sairá pela Quetzal brevemente.

O escritor Britânico de 65 anos já tinha sido finalista em três ocasiões. E desta vez vê o seu trabalho reconhecido.

Em Portugal, temos obras publicadas. Infelizmente, algumas com edições esgotadas. Disponíveis estão: Nada a Temer (Quetzal, 2011); A Mesa Limão (Asa, 2008); Arthur & George (Asa, 2007); O Papagaio de Flaubert (Quetzal, 2010); e, sem garantia, Amor & Companhia (Quetzal, 1998).

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Entrevista de António Lobo Antunes à RTP

Para quem ainda não teve oportunidade de ver. Nas redes sociais foi amplamente divulgado. (ver link)


Cultura - Entrevista de António Lobo Antunes à RTP - RTP Noticias, Vídeo

Poema de um funcionário cansado



Partilhado por MFernanda Dos Reis Tapada. Hoje é o seu aniversário.

"A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida num quarto só."

António Ramos Rosa

Por fim, Ana Almeida...

Não é fácil escrever sobre amigos, é mais profundo sentir a amizade que temos por eles. No calor de um abraço, na voz que nos atende do outro lado do telefone, nos passeios de carro e sem destino...

E viver com a Ana Almeida é ter uma garantia vitalícia de alegria, excelentes momentos, boa disposição, brincar com as coisas absurdas à nossa volta, saltar e sorrir. É sentir um abraço cheio e sincero. É sentir um conforto, um abrigo - como se uma árvore velasse e protegesse a nossa noite de sono. E sacudisse tudo o que há de negativo à nossa volta neste mundo...

Se não fossem os livros, não tinha chegado à Ana há uns anos atrás: um conhecido nosso levou-me ao seu encontro. E não posso jamais esquecer o dia em que nos sentamos na mesma mesa. Disse para os meus botões: "mas afinal quem é esta?!" E não demorei a perceber que "esta" se ia tornar numa das mais honestas e espantosas amizades que tenho. Sim, talvez não entendesse imediatamente naquele dia que a Ana ia ser especial. Até porque ela teve um pneu furado no carro... Mas não levou muito tempo a render-me e a agarrar a evidência: tinha encontrado mais um tesouro!


Muito recentemente lembrei-me que a podia encaixar como uma luva neste blogue. Pelo seu sentido de humor, pelas coisas engraçadas que descobre, por aquilo que lê. E comecei a visualizar um espaço próprio, só dela. Para dar azo à sua criatividade e à sua forma de ser. E estou muito contente por ela ter aceite. Foi fácil.

Para quem não conhece a Ana, também não vou alongar-me muito. Vive em Carcavelos e é jornalista. Assinou muitos anos jornalismo em revista e deu um saltinho na televisão. É uma mente carregada de imaginação e com imensos projectos. Este é mais um - e que a mim já me está a apaixonar!

Bem vinda Ana!

domingo, 16 de outubro de 2011

"OutonO em BerliM"

Em Berlim não caminhamos... pedalamos... a cidade é tão grande que nos obriga a ser rápidos e velozes, sob pena de não nos dar tempo, sob pena de nos esgotar... assim que, imitando os berlinenses, aluga-se uma bicicleta.

Há um tempo na vida em que andamos de bicicleta quase todos os dias.

Depois, há um tempo na vida em que deixamos de andar de bicicleta e é nesse tempo que, quando voltamos a pôr os pés nos pedais de uma bicicleta, coisas há em nós que mudam, e mudam como que instantaneamente...

…o peso do corpo, o estado da alma, o desenho dos lábios... será porque os pés deixam de tocar o chão?

As ruas fazem-se numa espécie de voo planado, os edifícios não muito altos, cinco, seis, sete andares, as avenidas largas, os enormes passeios, as árvores, os pássaros.

Os pássaros?

Uns pássaros negros que no grasnar lembram as gaivotas que às vezes encontramos perdidas, ou talvez não, por Lisboa.

Depois o frio... um frio excessivo... que, talvez pelo excesso, acorda os corpos e lhes transmite essa estranha e rara alegria que vem do frio...

…porque não chove e o céu é mesmo azul, porque estamos de cachecol e luvas, porque pedalamos uma bicicleta...

…assim que, um dos meus amigos não resistiu e começou a assobiar a música do verão azul... será porque, apesar de ser Outubro, estão 30º em Lisboa.

Imagino as gaivotas na praia e... mais uma vez... me questiono que pássaros estes que voam pelos céus de Berlim.

E depois da bicicleta, um parque, Berlim tem vários parques, mas nós tinhamos encontro marcado no Mauer Park.

Estacionámos as bicicletas com dificuldade, não por falta de espaço mas por excesso de bicicletas, e entrámos no parque.




E dentro do parque uma energia evidente, densa, palpável. Um parque cheio de gente, parecia que todos os berlinenses no parque... Quantos habitantes tem Berlim?

Num anfiteatro à pinha um mega karaoke... tu que cantas tão bem é que te devias inscrever... oiço, em tom de provocação... canto mesmo muito mal, mas só os amigos conhecem esta minha qualidade... e mais, pessoas de skate, de patins, a jogar com bolas de basket e outras bolas, outros jogos.

E depois, na relva, aglomerados, os grupos, maiores, mais pequenos, solitários, muitos com grelhador, obviamente a grelhar salsichas... a fazer de tudo de forma simples, a conversar, a beber a óbvia cerveja, a jogar às cartas ou outros jogos, a dançar, a ouvir música, a tentar tostar sob um sol sem calor, a ler um livro indiferentes a este mundo, a fumar uns cigarros mal amanhados com um aroma adocicado a lembrar tília ou camomila.



Até que quase anoiteceu... e o frio também... deixámos o parque ainda cheio de gente... Quantos habitantes tem Berlim?... e a pedalar regressámos a casa.

Estávamos longe... a utilidade de uma bicicleta em Berlim.

Assim o primeiro dia em Berlim, a primeira fotografia... quanto aos pássaros, descobri depois com surpresa: são corvos.




Livros que deram filme: Precious de Sapphire


Melhor Actriz secundária (Mo'Nique), melhor argumento adaptado para Precious, um filme de 2009.

"Precious Jones, dezasseis anos, corpo de mulher e coração de menina, está à espera do segundo filho. É negra, pobre, obesa, analfabeta e está muito só. Violada pelo pai, que é também o pai dos seus dois filhos, e abusada pela mãe, que encontra sempre novas formas de explorar a filha a vários níveis, Precious perde o seu último vínculo com a realidade ao ser expulsa da escola. Sozinha nas ruas de Harlem - o reino dos sem voz - Precious fica muito próxima do abismo, vencida pela raiva e pelo desespero. Até ao dia em que é admitida numa instituição para crianças desfavorecidas e encontra na sua nova professora o estímulo para não desistir. Pela mão de Blue Rain, Precious descobre a magia das letras que formam palavras e frases, e encontra na leitura e na escrita a porta para o mundo que ela julgara estar definitivamente fechada. A menina de Harlem descobre que tem sentimentos, tem sonhos e, mais importante do que tudo, tem uma voz só sua. Este livro fala por si."