sábado, 3 de março de 2012

Mais MEC. Está provado: é bom para ler e reler. Vezes sem conta!

Dedicado a todos os bons e verdadeiros amigos. Do livro "Os meus Problemas", editado pela Assírio & Alvim.

"Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar — todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas.


Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se gosta.

Em Portugal, a amizade leva-se a sério e pratica-se bem. É uma coisa à qual se dedica tempo, nervosismo, exaltação. A amizade é vista, e é verdade, como o único sentimento indispensável. No entanto, existe uma mentalidade Speedy González, toda «Hey gringo, my friend», que vê em cada ser humano um «amigo». Todos conhecemos o género — é o «gajo porreiro», que se «dá bem com toda a gente». E o «amigalhaço». E tem, naturalmente, dezenas de amigos e de amigas, centenas de amiguinhos, camaradas, compinchas, cúmplices, correligionários, colegas e outras coisas começadas por c.


Os amigalhaços são mais detestáveis que os piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão. O amigalhaço, em contrapartida, é o modelo mais mole e vira-casacas da moderação. Diz: «Eu sou muito amigo dele, mas tenho de reconhecer que ele é um sacana.» Como se pode ser amigo de um sacana? Os amigos são, por definição, as melhores pessoas do mundo, as mais interessantes e as mais geniais. Os amigos não podem ser maus. A lealdade é a qualidade mais importante de uma amizade. E claro que é difícil ser inteiramente leal, mas tem de se ser."

quinta-feira, 1 de março de 2012

A Cerejeira em Flor


in Histórias Para Uma Noite de Calmaria

"O camponês afeiçoou-se a uma cerejeira desde que a sua mulher faleceu. Todas as manhãs a visitava, afagando o seu tronco. No mês de em que o camponês esteve de cama, com bronquite, também a cerejeira adoeceu. Depois levantou-se e voltou a acariciá-la e a falar-lhe e, rapidamente, a cerejeira de mil folhas enfeitou os seus ramos.

Um dia, no mercado, ao comprar uma foice, o camponês sentiu um irresistível desejo de regressar aos seus campos. Parecia-lhe que a cerejeira precisava de si. Encontrou-a toda florida, sorrindo para ele.
Sentou-se, então, sob a árvore, com as costas apoiadas no tronco e, de improviso, sobre o corpo do camponês, choveram todas as pétalas da cerejeira em flor."

O poeta Zen, Han-Shan

Han-Shan, poeta chinês, viveu provavelmente no século VII e o seu nome está associado ao budismo Chan (Zen em japonês). São-lhe atribuídos 311 poemas e é uma personagem lendária na China onde é representado, acompanhado do seu amigo Shi-de, na efígie de dois rapazinhos a jogar.


Han-Shan foi traduzido e introduzido no Ocidente pela beat generation, que, não só o deu a conhecer, como foi amplamente influenciada pelo mesmo. Jack Kerouac dedica-lhe o seu romance - "Os Vagabundos do Dharma."


Ana Hatherly foi tradutora desta bela obra e afirma, no prefácio à edição portuguesa: "traduzir este livro foi o equivalente a praticar uma arqueologia de sentidos e de formas poéticas (...) O espírito da verdadeira arte é sempre exemplar, mesmo que os seus caminhos pareçam ínvios. Há afinidades electivas na criatividade que conseguem ultrapassar o tempo, lugar, gosto e diferença. Os poemas de Han-Shan (...) são património da humanidade culta. (...) as traduções modernas dos poemas de Han-Shan (...), dada a sua complexa ancestralidade, devem apenas ser consideradas como possíveis recriações poéticas, como possíveis re-invenções de textos remotos."

As montanhas acumuladas a água jorrando
A bruma nuvens rosadas envolvendo o verde iris

O vapor de água acaricia e molha a minha touca de gaze
O orvalho humedece a minha capa de palha

As minhas sandálias de peregrino escorregam
Na mão seguro um velho ramo de junco

Contemplo ainda a poeira do mundo exterior:
Na esfera do sonho que faria eu de novo?

Coimbra - O regresso d´A Brasileira


De passagem por Coimbra durante os próximos 10 dias, eis que é activado o modo “ imaginário de infância”:


Coimbra vai voltar a poder tomar café n' A Brasileira a partir de hoje. O clássico espaço, aberto em 1928 e encerrado há 17 anos para tornar-se um pronto-a-vestir, regressa ao destino para que nasceu. E garantem que o espírito do velho café se mantém.

O espaço onde funcionou o emblemático café A Brasileira, antigo palco de tertúlias políticas e literárias em Coimbra, reabre hoje, com o mesmo nome, na Rua Ferreira Borges. O proprietário, Lúcio Borges, promete "surpreender" quem participar na inauguração, às 17h30, mas não garante que os antigos clientes reencontrem muitas marcas do antigo café, que depois do encerramento, em 1995, já albergou uma loja de pronto-a-vestir.*


Corre sempre na memória afectiva aquela vontade de outros tempos de, um dia, “quando for grande”, ter acesso ao mesmo espírito que parece encantador! Esta “ A Brasileira” merece livros em cima da mesa, folhas soltas e lápis em riste. Porém, confesso que é melhor não criar esse cenário. Cada coisa tem o seu tempo e o seu lugar. Para já, a verdade é que a velha brasilheirinha cedeu lugar a uma neta que, como jovem e sem rugas, ainda tem que se afirmar.


*Graça Barbosa Ribeiro, ´Fugas-Jornal Público.

Registar um momento

Ontem, 28 de Fevereiro, viveu-se o 59.º dia do ano da graça de 2012. No grupo Livros no Facebook, agregado ao nosso blog, sugeri que se abrisse o livro que se anda a ler e se partilhasse uma frase da página 59. Comecei eu. Fica o registo de um momento.

Ana Almeida - ‎"Sob as botas usava muitas camadas de meias grossas." in "A Rapariga dos Pés de Vidro", Ali Shaw.

Rui Costa ‎- "Talvez o doutor tenha razão! Se calhar tenho grandes dificuldades em aproximar-me das pessoas." in "A Psicologia do Amor", Irvin D. Yalom.

Vitor Frazão - ‎"Ele está a guardá-las para um dia as pôr num livro e ela nem se dá conta disso." in "A Metade Sombria", Stephen King.

Catarina Fonseca - ‎"Um dos princípios básicos da medicina tradicional chinesa é que todo o ser humano é constituido por energia que circula pelo corpo em meridianos." Desculpa, ‘tou a ler a Activa. Mas a página 60 é bem mais interessante porque tem toda a fantástica história do Dr. Choy.

André Nuno - "E nada do que fica dito altera o facto de continuar a ser, como disse Alex, um tremendo desperdício." in “O Sentido do Fim”, Julian Barnes. :)

Catarina Noronha e Távora - "Quando a estátua foi destapada em cerimónia cuidadosamente preparada por Pombal, toda a gente pôde ver o cavalo do rei esmagando com as patas um ninho de víboras. Não havia contemplações para os seus inimigos..." in “O Último Távora”, José Norton.

Ana Paula Oliveira - A pág. 59 não tem texto, tem uma bela ilustração, um grande plano do Hugo de olhar atento e perspicaz, como predador pronto a atacar a presa. O livro é “A invenção de Hugo Cabret”, de Brian Selznick.

Cristina Cravo - “Lizzie entrou na minha vida muito cedo, sem que eu a conhecesse pelo nome .” in "Adoecer" de Hélia Correia.

Bau Pires - Se for a revisão de uma treta nossa não vale (é o que ando a ler).

Claro que vale, disse eu, desde que tenha uma página 59.

Bau Pires - Em “Cria Corvos”, deste palerma: “O brilho das coisas cega-nos o olhar; são as sombras que nos devolvem a verdadeira luz – com mais ou menos palavras, José Bernardo voltou ouvir aquela frase, aquela ideia, da boca de sua avó – um monte estará sempre bem caiado para os descuidados, a precisar de cal para os mais desvelados, mas a sua sombra todos a vão ver da mesma maneira, escura e com as formas do casario; só a sombra é sempre verdadeira, a luz é mentirosa todos os dias.”

M Paula Pimenta Pacheco - “A esperança deu lugar à melancolia, a melancolia deu lugar à serenidade.” in “Hoje Não”, José Luis Peixoto.

Ana Teixeira - “Tinham tido sopa de tomate para o jantar provavelmente três vezes por mês durante a sua vida de casados.” in “Contos de Dorothy Parker”.

Filipa Araújo - “Vestido de árabe foi a Meca, matou a sede com pequenos limões persas e à sombra dos pagodes dormiu longas tardes.” in “Histórias Para uma Noite de Calmaria”, Tonino Guerra.

Rui Serra - “Como se fosse a golpes de machado por entre uma vegetação negra e pegajosa, os pára-choques do volkswagen passat abrem caminho pela selva de chuva.” in “O Manuscrito de Deus”, Juan Ramón Biedma.

Ana Maria Torrão - “Philip, o prior, sabia que era normal haver um pagamento, mas também sabia que as ordens religiosas costumavam ficar isentas. - Sim, meu senhor, eu pago... a menos que desejeis conceder-me a licença de graça... / O rei Estevão dirigiu-se a Philip encarando-o bem de frente pela primeira vez. - Sois um homem corajoso, por ficardes aqui, com o inimigo nas vossas costas, e ainda terdes coragem de regatear comigo.” in “Os Pilares da Terra”, Ken Follett.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Podem os livros ser feitos de água?

Adoro o potencial de boa resposta que advém de uma boa pergunta. Como esta: podem os livros ser feitos de água?

Basia Irland provou que sim, é possível, com o projecto “Water Library”. Professora de Arte na Universidade do Novo México, activista ambiental, escultora, escritora e realizadora de documentários, a norte-americana tenta oferecer uma visão criativa da água enquanto recurso vital e factor de desenvolvimento social.

A instalação “Ice Books” – que tem vindo a desenvolver desde 2007 em vários rios pelo mundo fora – incluiu vários livros esculpidos em gelo e ‘escritos’ com algas e sementes locais que, à medida que os livros iam derretendo, foram sendo engolidas pelas águas e, devido às suas características específicas, fazendo ‘bem’ ao rio. Os livros nas fotos que ilustram este post foram ‘libertados’ em 2009 no Rio Grande, Novo México.

Outros livros criados com outros materiais ecológicos sairam das mãos de Basia, como podem descobrir no seu site, onde há até “Receding/Reseeding”, um video muito interessante sobre este projecto específico. Que tal irem até lá espreitar?

Mário Cláudio, José Manuel de Vasconcelos e Inês Pupo ganham prémios SPA - Sociedade Portuguesa de Autores

Acabam de ser anunciados os prémios da Sociedade Portuguesa de Autores.

Mário Cláudio recebe o prémio de melhor ficção narrativa com Tiago Veiga - Uma Biografia, lançado pela Dom Quixote.


«Tiago Veiga cresceu numa aldeia do Alto Minho em 1900, e nesse mesmo lugar viria a morrer em 1988. Bisneto pelo lado paterno de Camilo Castelo Branco, e só de muito poucos conhecido ainda, Veiga protagonizaria uma singularíssima aventura poética na história da literatura portuguesa. Apesar de se ter manifestado quase sempre refractário à publicação dos seus escritos, e mais ou menos arredio dos movimentos da chamada «vida literária», não falta quem comece a saudar em Tiago Veiga a incontestável originalidade de uma voz, e o poderio impressionante que lhe assiste.

A sua biografia, redigida aqui por Mário Cláudio que o conheceu pessoalmente, não deixará de configurar de resto matéria de suplementar interesse pela relevância das figuras com que Veiga se cruzou, e entre as quais se destacam poetas como Jean Cocteau e Fernando Pessoa, Edith Sitwell e Marianne Moore, Ruy Cinatti e Luís Miguel Nava, políticos como Bernardino Machado e Manuel Teixeira Gomes, pensadores como Benedetto Croce, e até simples ornamentos do mundanismo internacional como a milionária Barbara Hutton. A isto acrescerá a crónica de um longo percurso de viajante civilizado, e testemunha de vários acontecimentos significativos do seu tempo, o que, tudo junto imprimiria à sua existência, neste livro minudentemente relatada por Mário Cláudio, uma vigorosa espessura romanesca.
A obra de Tiago Veiga, da qual se publicariam postumamente três títulos apenas, e nem sequer os de maior importância, ficará a partir de agora mais aberta à curiosidade do grande público.

Bisneto de Camilo Castelo Branco, e autor de uma obra poética fragmentária, mas originalíssima, Tiago Veiga (1900-1988) constitui caso singular na literatura portuguesa. Europeu por vocação, e interlocutor de Fernando Pessoa, Edith Sitwell, Jean Cocteau, W. B. Yeats, Benedetto Croce, José Régio, Marianne Moore, ou Luís Miguel Nava, o homem aqui biografado ficará certamente como invulgar testemunha do século em que viveu.»


Na poesia foi distinguida a obra de José Manuel de Vasconcelos publicada pela Assírio & Alvim: A mão na água que corre.


«O ODOR DAS ALFAVACAS

Meu pai falava do odor das alfavacas
e eu corria ao dicionário («Planta labiada, semelhante
ao manjericão…»), logo decepcionado
Imaginava uma vaca primordial
depositária de bíblicos segredos
capaz de mudar o curso das coisas
de ser fundamental, talvez, na minha vida
mas nada disso: havia-as de caboclo, de cobra, dos montes,
do campo, de cheiro (certamente as do meu pai)
e nenhuma referência à cornuda que apascentava
a minha imaginação
Aprendi assim a desconfiar das palavras
e da realidade
a ver como ambas nos enganam
sem qualquer piedade»


Por último, A Casa Sincronizada de Inês Pupo, Gonçalo Pratas; e ilustração de Pedro Brito. Publicado pela Caminho.


«Imagine-se uma casa em que todos os habitantes estão sincronizados. Vivem inspirados pelo tempo — que é de todos. Têm confiança na vida, nas pessoas e no mundo. Imagine-se que a confiança é inabalável, mesmo quando tudo muda.

A Casa Sincronizada conta uma história musical de amor e mistério, que nos questiona a todos: perante o inesperado, como reagimos? O CD que acompanha o livro contém a história musicada e interpretada de forma original.»

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Por hoje... algumas fotos da apresentação do livro "O Santo Guloso." Em breve sai texto!

Por hoje, ficamos com algumas imagens! Em breve sai artigo completo desta aventura! Obrigado à Ana Paula Oliveira, à Helena Veloso e ao Francisco Madruga pelo dia encantador...







Os livros também podem ser fantásticos


O Fantasporto não é só cinema. Já não o é desde uns anos para cá, desde que a organização decidiu introduzir temáticas paralelas ao festival em si. A 32ª edição traz literatura.

São histórias de Portugal, do Brasil e de Moçambique, e representam três continentes com visões bem distintas do que ainda está para acontecer.Foi hoje apresentado durante a tarde a "Antologia de Ficção Científica Fantasporto", organizado por Rogério Ribeiro conta com a participação de pessoas que foram seleccionadas em concurso, com mais de cem participantes e pessoas que foram escolhidas à partida. Conta com nomes como António Carloto, vencedor do concurso, António de Macedo, Afonso Cruz, Madalena Santos e a própria directora do festival Beatriz Pacheco Pereira. O vencedor, professor no Instituto Politécnico de Beja, não podia espelhar melhor essa tendência. Em “Uma Alforreca no Quintal”, o narrador depara-se, ao sair de casa com uma alforreca “do tamanho de uma almofada grande”, no quintal. Certo dia a criatura, já fazendo parte da mobília, vai vingar a morte do seu melhor amigo Timóteo.

Durante a apresentação foram trazidos à conversa os percursos de escrita dos vários autores e as formas de inspiração. Uma conversa informal que durou o tempo suficiente para não entediar, pelo meio a tentativa de lançamento do repto de passarem as histórias para o cinema, talvez em forma de curtas.

Na contra capa do livro: "O Fantástico nasce da mente e imaginação humanas e encontra campo fértil de expressão nas mais diversas formas artísticas. Tem sido esse o espírito do Fantasporto, e foi aqui objectivo da 1001 Mundos trazê-lo para a literatura. Esta antologia é fruto dessa colaboração e do trabalho do organizador, Rogério Ribeiro."



Apresentação do livro no Rivoli e entrega de prémio simbólico ao organizador da antologia.

Fotos: Pedro Ferreira

Rubem Fonseca é o "homem literário" do momento

Atravessou o Atlântico, ganhou o prémio do melhor romance do Correntes D' Escritas na edição deste ano e falou assim...