Há estórias que a História engole na voragem do tempo. Cruzamo-nos com elas sem querer, por exemplo quando se fica fascinado com a luz e a cor num quadro de um pintor que só descobrimos porque também incluiu livros nas suas telas.
Foi assim que me aconteceu com o britânico Frederic Leighton. As primeiras informações explicavam algo simples: foi um homem riquíssimo, filho único de uma família importante ligada à medicina e à importação e exportação, que andando pelo mundo lhe deu uma educação de topo, incluindo a oportunidade de estudar e viver nas grandes capitais europeias. Só em 1860, já com 30 anos, voltaria a viver em Londres – onde se deu com os melhores da Bretanha vitoriana, incluindo a rainha Vitória, que lhe comprou algumas obras.
A história deste artista torna-se curiosa quando se descobre que, um ano depois, é escolhido por Robert Browning – amizade que fez quando viveu em Roma – para desenhar o túmulo que, em Florença, Itália, acolheria Elizabeth Barrett Browning, sua mulher. Sim, a poetisa que escreveu os “Sonetos dos Portugueses” – vejam lá se não é verdade que isto anda tudo ligado... [*]
Pela sua personalidade cosmopolita e exuberante, que os alunos elogiavam com intensidade, e pela pintura assente em cores luminosas e figuras deliciosamente bem desenhadas, capturando a nostalgia vitoriana e as ‘saudades’ da era helénica, Leighton depressa se tornou uma eminência nas artes britânicas. Ascenderia em 1878 a presidente da Real Academia. Aprecie-se que sobe a tal ponto que se torna o primeiro pintor do Reino Unido a receber um título nobiliárquico – apesar até dos rumores que o davam como homossexual, nunca confirmados devido à forma secretiva como geria a sua vida privada. Ainda assim, o barão Frederic Leighton só veria o seu baronato constituído oficialmente a 24 de Janeiro de 1896, incluindo a propriedade de Holland Park, em Londres, onde é hoje o Leighton House Museum.

Mas a vida tem voltas que não lembram ao amnésico – e, apesar de toda a sua pujança artística e social, Frederic morre no dia seguinte, solteiro e sem descendência, vencido por uma angina de peito. Do primeiro e único barão de Leighton, detentor do mais curto baronato da história britânica, ficou a pintura. E caramba, se há para ver.
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(*) E só porque ela entra nesta história e tinha os portugueses no coração, termino este post com um soneto de Elizabeth Barrett Browning, o 43, talvez o mais conhecido. Escolho a versão da tradutora brasileira Thereza Christina Rocque da Motta.
“De quantas formas eu te amo? Deixa-me contá-las.
Amo-te profunda e largamente, e tão alto quanto
Alcança a minha alma, quando perco de vista
Os propósitos do Ser e os ideais da Graça.
Amo-te tanto quanto às menores necessidades
Do dia-a-dia, seja à luz do sol ou à luz de velas.
Amo-te livremente, como os homens lutam pelo Direito;
Amo-te puramente, como rejeitam o Elogio.
Amo-te com a paixão que tenho pelas
Minhas tristezas mais antigas, e com minha fé infantil.
Amo-te com um amor que pensei ter perdido
Com os santos que perdi… Amo-te com o alento,
Sorrisos e lágrimas de toda a minha vida! – e, se Deus quiser,
Irei amar-te ainda mais depois de morrer.
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[How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of everyday's
Most quiet need, by sun and candlelight.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee purely, as they turn from Praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood's faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints, - I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life! - and, if God choose,
I shall but love thee better after death.]