segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Clube de Leitores COM_vida: Jorge Silva Melo


UM RAPAZ DE FLORENÇA

Entrei no novo alfarrabista de Campo de Ourique (ai, que já lá não moro!) e encontrei quase todos os livros da minha juventude, quase. Aqueles que já empacotei, já ofereci, já doei, já perdi. Claro, quem anda a morrer agora é gente do meu tempo, os lotes que chegam aos alfarrabistas são de senhores da minha idade, é natural que nessas lojas volte a haver, fúnebre, o perfume da minha juventude, os livros por abrir, os muitos lidos. Sexta feira, entrei e olhei: UM RAPAZ DE FLORENÇA de Vasco Pratolini, o METELLO. 300 páginas operárias, dilaceradas numa Florença marcada pelos anos do Duce, andanças, amores, conspirações, pulmões corroídos pela tuberculose, uma torrente de vida, um realismo plebeu, aquilo com que cresci. Quando comprei, pelos meus 20 anos, era um livro caro, dos de vinte e cinco escudos, é grande. Agora custou-me uns poucos euros (cinco?) e agarrei-o logo (embora tenha cá o meu exemplar). É que no meu teatro um dos meus actores gosta de ler inutilmente (ou seja, gosta de ler livros que não têm a ver com a peça que se está a fazer, nem com a época, ler porque sim). E tem vinte e três anos. E comprei para lho dar, é uma parte grande de mim que fica com ele, neste outono que para mim é soturno mas para ele tem de ser mais belo do que todos os Boticelli de Florença - e da outra margem do rio.

Jorge Silva Melo
(Convidado do Clube de Leitores)

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