sábado, 1 de setembro de 2012

Para quê apagar as velas? 70 anos de António Lobo Antunes

As tuas palavras permanecem eternas no nosso blog. E, no dia dos teus 70 anos, celebramos com elas. Parabéns António Lobo Antunes. Para quê apagar as velas? Fiquemos com a escrita. As velas apagam-se, as palavras não.


"a solidão possui o gosto azedo do álcool sem amigos, bebido pelo gargalo, encostado ao zinco do lava-loiças". - in Memória de Elefante

"O hospital em que trabalhava era o mesmo a que muitas vezes na infância acompanhara o pai: antigo convento de relógio de junta de freguesia na fachada, pátio de plátanos oxidados, doentes de uniforme vagabundeando ao acaso tontos de calmantes, o sorriso gordo do porteiro a arrebitar os beiços para cima como se fosse voar: de tempos a tempos, metamorfoseado em cobrador, aquele Júpiter de sucessivas faces surgia-lhe à esquina da enfermaria de pasta de plástico no sovaco a estender um papelucho imperativo e suplicante:
- A quotazinha da Sociedade, senhor doutor." - Primeiro Parágrafo de Memória de Elefante

"… que a multazinha deve ser paga em selos fiscais na esquadra de Santa Marta, um andar decrépito cheirando não sei porquê a almôndegas com puré de batata, onde dúzias e dúzias de polícias, sentados em carteiras escolares, tocam máquinas de escrever com um único dedo hesitante, receosos das palmatoadas do mestre-escola invisível." - in Isto


"A vida é uma pilha de pratos a caírem no chão. Vai a gente muito devagar da sala à cozinha, com aquela loiça toda de dias, de semanas, de meses em equilíbrio uns sobre os outros, a tilintarem e a tremerem, mais dúzias de garfos e facas escorregando lá de cima, no meio dos restos de comida e dos restos de infância, de espinhas de peixe de pequenas mentiras e de folhas de alface de domingos felizes, e nisto, sabe-se lá porquê, os anos entortam-se, uma saudade escorrega, a minha mãe, muito nova, escapa-se-me das mãos, e atrás da minha mãe os anos da tropa, o liceu, a esposa do farmacêutico a chamar-me do primeiro andar e eu com medo, vai a gente com aquela loiça toda, cada vez mais precária, mais vacilante, mais oblíqua a morte da minha avó por exemplo, o dentista que se enganou no molar e a meio do corredor ou então já na cozinha, já com a bancada à vista, já pensamos nós a salvo, os dias, as semanas, os meses deslizam uns a seguir aos outros, devagar primeiro, depressa depois, tudo junto por fim, e eis a vida em cacos no linóleo, um único pires completo e o resto bocadinhos, o único pires completo é alguém que não distingo a dizer-me adeus de uma varanda ou assim, um parapeito com sardinheiras, julgo que o mar ao longe, o único pires completo sou eu de bicicleta a voltar para casa." - in Minuete do senhor de meia idade

"...embora haja momentos, eu cá me entendo, em que ao meter o prato na máquina penso que, penso que gostava de companhia, isto é o prato gostava de companhia que se nota pelo modo como pinga, eu não preciso, cavalos e cavalos entre as roseiras, quando me levavam à praia imaginava-os na linha das ondas fazendo sobra no mar, lá estava a sombra mais densa que as algas, não navios, não penedos, não pássaros, cavalos, o cavalo do meu pai com a aba do chapéu a escondê-lo e a seguir eu na garupa a agarrar-lhe o casaco hesitando se o meu pai o cavalo ou a pessoa, na dúvida de quem era filha." - In Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?



Descobrir José Cardoso Pires numa rua estreita

Ainda com areia nos pés e cheiro a mar no nariz, um bocadinho das férias que decidi trazer para o blogue. Foi mesmo a passar em frente à casa que me chamaram a atenção para a placa. Foi no momento a seguir que me lembrei que tinha que partilhar isto com vocês. Descobri José Cardoso Pires numa pequena rua da Ericeira.

Muita da escrita do José Cardoso Pires tem mar, tem proximidade com o mundo do mar. Também o seu percurso de vida foi marcado pelo mar. Nascido em São João do Peso, no concelho de Vila de Rei, foi muito cedo para Lisboa com pais, ele oficial da Marinha, ela dona de casa. Entre 1935 e 1944 frequentou o Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho, iniciando, de seguida, uma nunca terminada licenciatura em Matemáticas Superiores, na Faculdade de Ciências. Em 1945 alista-se na Marinha Mercante, como praticante de piloto sem curso, actividade que abandona compulsivamente, "suspeito de indisciplina e detido em viagem do navio Niassa".




Em "O Anjo Ancorado", uma história simples cuja acção se desenrola numa tarde, João, um homem da cidade, resolve ir fazer pesca submarina numa pequena aldeia nos arredores de Peniche, acompanhado por Guida, uma jovem com metade da sua idade, que ainda mal conhece.

Mal chegam à falésia são abordados por um rapazinho da aldeia que tenta logo fazer negócio com os forasteiros, propondo a venda de uma renda que a irmã terminará à pressa. Também um velhote que tenta caçar um pequeno perdigoto faz parte desta história, uma história repleta de contrastes. De um lado a despreocupação de João e Guida, claramente abastados, do outro lado os habitantes da pequena aldeia, vivendo à beira da miséria, dependentes dos humores do mar. Este contraste está também presente no próprio ritmo da narrativa: lento na de João e Guida, simbolizando as despreocupações, e mais acelerado na da população local, denotando a dificuldade de vida e a luta pela subsistência.

Uma história em que se destacam, 
sobretudo, as diferenças sociais e o desprezo dos abastados por aqueles que vivem privados de quase tudo.



Ou em "Jogos de Azar":

"Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na espuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.

Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem."

(...)

a-ver-livros: um sábado com Clay Olmstead

Não reconheço aos sábados o poder
de mudar a vida
sequer os sonhos

Apenas o de permitir
que a cabeça fique um pouco mais 
na almofada

e os olhos se percam 
nas páginas de um bom
livro



* para conhecer melhor o trabalho do americano Clay Olmstead é só seguir o link clayolmstead.com

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Poema à noitinha... Pedro Tamen

Só dos Mortos Devemos Ter Ciúmes

«Só dos mortos devemos ter ciúmes; acordar 
de entre as pedras doentes dolorosos
que da beira das arribas nos atirem ao porto
onde enfim se encontre a nossa angústia.
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço
em que já vertical erguemos nosso braço
em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles
nos retiram da cama de que por nós foi feita
a escolha: a macieza intensa que julgámos
eterna, que nos parecia tão cordatamente
entregue à nossa própria suma sumaúma.
Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens
por sobre o mar dos olhos: é bem feito,
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz
encaminhados pelo que vamos querendo.
Só os mortos nos mordem, nos apontam
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos
e, pois pior, só eles nos expulsam
do vero som dos sinos numa entrega
às palavras baldadas do comércio.
A luta clara que sonhada fosse
pela mão dada e limpa que nos dessem
tropeça, polvo, com misérias nossas
e enterra-te na pérfida, agoniada leira
onde dominam eles nossas bocas e o sangue
que nelas perpassasse. Só os mortos,
invisíveis, letais, pesados entes,
nos disputam a vida, e só por fim nos matam.»


*Pedro Tamen ganhou o Grande Prémio de Poesia APE/CTT e Prémio literário Casino da Póvoa, Correntes D'Escritas 2011, com «O Livro do Sapateiro», publicado em 2010 pela Dom Quixote.

1º Parágrafo: O Palácio dos Sonhos


As cortinas deixavam coar a dúbia claridade do alvorecer. Como de costume, ele puxou o cobertor para dormitar um pouco mais, mas não tardou a aperceber-se de que não o conseguiria. O pensamento de que a manhã que raiava era o anúncio de um dia excepcional foi quanto bastou para lhe tirar toda a vontade de dormir.


* Traduzido da versão francesa intitulada Le Palais de Réves
* Tradução de Germiniano Cascais Franco


a-ver-livros: o belo e o grotesco em Ray Caesar

Não sei se é o gafanhoto, as formigas enormes, as moscas que pairam,
ou se é o rosto singelo e perfeito
ou se será mesmo o tom inesperadamente romântico das rosas
em contraste com o céu de cinza

Há qualquer coisa de fascinante e grotesco neste quadro digital de Ray Caesar que me prende e me angustia, algo que me fez ir saber mais. Como num livro que não se consegue parar de ler, mesmo temendo que, ao virar da página, sejamos engolidos pelo nosso próprio medo.

 

"Ele passa os dias imerso no seu próprio casulo a criar figuras mirabolantes e esse é o seu antídoto para caminhar no mundo em que vivemos, transportando para o mundo real um imaginário de doces e estranhas criaturas", dizem dele no Umbigo Magazine, numa entrevista que é preciso ler para entender algo mais do que nos entra olhos dentro.

"Nasci em Londres, Inglaterra, a 26 de Outubro de 1958, o mais novo de quatro e, para grande surpresa dos meus pais, nasci cão. [...] Vivo numa casa com fachada de tijolo com a minha maravilhosa mulher, Jane, e um coyote chamado Bonnie. Gosto de comer abacate e, na verdade, não me importo de ser um cão." Assim se descreve o próprio num longo texto de apresentação digno de figurar em qualquer bom livro de contos. Vão ler também.

Aceitam a sugestão?


* para conhecer melhor o trabalho do surrealista digital britânico Ray Caesar, a viver no Canadá, é só seguir os links www.raycaesar.com ou  rusart.ca/history/caesar

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Os mercados e os filhos dos mercados a parir ratos de montanhas


Não costumo fazer muita publicidade a lojas, livrarias e outros retalhos que tal. Não gosto dos mercados em geral mas já me começa a agoniar o que se anda a fazer pelo mundo dos livros. As agonias são muitas, algumas delas já aqui partilhadas em outras situações. Seja pelo comportamento dos monstros editoriais ou pelas supostas organizações que nos deviam proteger a nós: leitores, consumidores, escritores, produtores de produto cultural... chamem-lhe o que quiserem.

Desta vez, espanto meu, ou não!
Razão tinha um amigo meu que me disse num dia destes: "só lhes falta começar a vender electrodomésticos..." e como diz o povo 'meu dito, meu feito'.

Deparei-me ontem com esta "maravilha" do marketing. A FNAC a vender as coisas que fazem falta lá para casa, mas com estilo. Electrodomésticos em design de autor, para já e ao que parece no online somente, mas quanto tempo para inundar as lojas físicas com esta bela ideia?!  

O ciclo e o modus operandi já é conhecido. Há uns anos foram as mega lojas de música. Limparam a concorrência das lojas mais pequenas e tradicionais, concorreram entre monstros e depois partiram deixando só o deserto. No meio disto apareceu a FNAC e foi compensando parte dessa perda. Também estes foram abrindo a politica de terra queimada, nos livros principalmente. O resto da história já é conhecida. Abra este, feche este, junte aquele que compra o outro... shoppings, mega lojas, chancelas e grande grupos e mexa tudo bem até levar ao forno.

Com este novo passo a FNAC está a caminhar para encostar mais umas tantas coisas, aquelas a que os mercados chamam de produtos culturais, que entre nós são conhecidas como livros, cds, dvds e por aí fora. Com este passo a FNAC prepara-se para deixar o mercado mais vazio. Para quem compra livros e música as opções vão-se esgotando e a oferta vai diminuindo. Lancem lá agora uma campanha contra a pirataria ao mesmo tempo que nos levam a opção de escolha.

Eu leio mais do que o que está nos tops de venda e ouço mais do que o que está na berra nas playlist das rádios. Vejo mais cinema do que aquele que enche salas. Têm mesmo a certeza que não querem fazer uma campanha anti pirataria? E que tal uma oferta para todos os públicos? E isto sou eu a falar a linguagem dos mercados, nem sequer entro pelo discurso do acesso ou da democracia porque isso seria um outro testamento!

Um apelo em forma de conselho: quando quiserem comprar um livro ou um cd procurem a loja que sempre esteve ali ao lado, com um funcionário que até se preocupa um bocadinho e até sabe do que está a falar. Pode ser um bocado mais caro, não tem cartão nem pontos de desconto mas a médio prazo vai fazer a diferença e compensar.

1º Parágrafo: Mayombe


O rio Lombe brilhava na vegetação densa. Vinte vezes o tinham atravessado. Teoria, o professor tinha escorregado numa pedra e esfolara profundamente o joelho. O Comandante dissera a Teoria para voltar à Base, acompanhado de um guerrilheiro. O professor, fazendo uma careta, respondera:
- Somos dezasseis. Ficaremos catorze.


* Pepetela, aliás Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em Benguela, em 1941. Frequentou o Instituto Superior Técnico em Portugal. Participou na guerrilha angolana e, depois da independência de Angola, ocupou o cargo de vice-ministro da educação do seu país.


a-ver-livros: a sereia em Rafael Lopez

Lias-me trechos da profecia da sereia,
canto dez, promessas de feitos
que ainda não fiz
será que farei

mas enquanto descubro 
encontro-me no mar 
reflexo de mim

escamas de ouro e prata e sonhos




* para conhecer melhor o trabalho do mexicano Rafael Lopez é só seguir o link www.rafaellopez.com

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Uma voz

Rodrigo Ferrão…

«Conheci o Rodrigo há uns anos, quando ele trabalhava na livraria Leitura, no Shopping Center Cidade do Porto. Como sempre acontece, na minha carteira há vários papelinhos com listas de livros que vou atirando para lá à medida dos assuntos que vou tendo que trabalhar ou pesquisar. Nesse dia, foi ao Rodrigo que entreguei uma das minhas listas de livros… poesia, creio. À medida que lia a lista, o jovem sorria por detrás dos óculos encavalitados no nariz. Franzi o sobrolho e indaguei para mim mesma que raio estaria a pensar o jovem alto e magro para sorrir assim… "Não tenho estas obras aqui na livraria mas farei tudo o que estiver ao meu alcance para as conseguir."

Percebi de imediato que conhecia os autores e possivelmente até mesmo as obras. De repente, tinha diante de mim alguém que não era simplesmente um vendedor de mercadoria mas, e também, um conhecedor. Alguém que gostava de livros com toda a certeza. Há quarenta e seis anos que calcorreio livrarias e alfarrabistas e nunca encontrei ninguém do outro lado do balcão como o Rodrigo. Encontrei muitos vendedores de livros mas nunca um livreiro. O Rodrigo é um livreiro.

E ao longo dos últimos anos tem sido o Rodrigo a localizar os livros de que tenho precisado, o que foi permitindo que nos tornássemos amigos. Este contacto com ele, permitiu-me também ir descobrindo a pessoa que existe por detrás do livreiro. Um jovem invulgarmente culto, assertivo e educado. Mas também alegre e divertido, com uma razoável capacidade de liderança. É das raras pessoas que encontrei que procura cultivar os quatro saberes: saber/saber – saber/fazer – saber/estar – saber/ser.

Mas o Rodrigo é também um curioso das terras e dos povos deste planeta, gosta de viajar. E gosta de partilhar conhecimentos, não os guardando só para si. E aprende-se imenso com o Rodrigo. Ele é também um inventivo-criativo. Não sei se o Rodrigo tem defeitos mas lá terá com certeza as suas imperfeições. Mas, e como dizia um professor meu: "Meus senhores, cada um de nós é perfeito nas suas imperfeições!" Tudo isto para dizer que sou uma privilegiada em ter o Rodrigo como amigo.»

Isabel Matos Pereira


*A foto é da livraria Almedina Arrábida Shopping.

1º Parágrafo: A Duração dos Crepúsculos


Gi, era como lhe chamavam as pessoas amigas. E também os filhos, o Luís e o Lopo, que andaram comigo no Instituto Superior Técnico. Tinham ambos grande admiração pela mãe. O resto da família, porém, apagara-a da sua linhagem.


a-ver-livros: navegando com Quint Buchholz

Encho o barco de livros e zarpo
que já nada me prende ao cais

nem o teu olhar
nem a voz dos pinhais
nas noites de vento

nem a lentidão das horas 
à sombra da figueira velha

Esperam-me o alto mar
e aventuras de piratas e medusas
sereias mais ou menos obtusas

navegar


* para conhecer melhor o trabalho do pintor alemão Quint Buchholz é só seguir o link www.quintbuchholz.de

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Hoje deixei de ser livreiro...

Há mais de um mês recebi um telefonema que vai mudar o curso profissional da minha vida. Isso implica deixar de ser livreiro e sair da actual loja onde trabalho: Almedina Arrábida Shopping.

Passei pela Leitura, pela Fnac, pela Almedina. Todas muito diferentes. Em objectivos, em filosofias e métodos de trabalho. E, claro está, em públicos.

Um dia gritei sobre o que é ser livreiro, profissão que amei, mas que é bem mais difícil do que as pessoas imaginam: http://www.blogclubedeleitores.com/2012/03/o-grito-do-livreiro.html

Não tenho muito a acrescentar ao que escrevi na altura. Mas tenho que falar um pouco das pessoas e experiências que tive.

Dizer apenas que conheci pessoas fascinantes por todos os sítios onde passei. Fiz mais amigos do que conhecidos. Aprendi imenso com os mais experientes e ajudei o melhor que podia / sabia a quem chegou de novo. Tive momentos muito bons e momentos maus. Mas o saldo é muito mais positivo do que negativo.

Sou um misto de várias influências. Adorava saber 1/10 do que sabe o Sérgio Pereira que trabalhou na Leitura de Ceuta. Ter o espírito e a visão comercial do Bruno Henriques da Leitura do Bom Sucesso. Ter lido tantos livros como o José Duarte Pereira da Fnac de Guimarães - para mim o melhor livreiro com menos de 30 anos a trabalhar no Norte de Portugal. Liderar uma equipa como o Pedro Leal da Almedina - mais que conhecimento, é um 'Ás' na gestão emocional das equipas.

São alguns exemplos (entre outros) de pessoas que amam o que fazem. Que sabem o que estão a vender. Que lêem e estudam. Que praticam (ou praticaram) a "arte de ser livreiro". E que sentem real prazer no que fazem. Se posso dizer que tenho modelos, sem dúvida que estes 4 foram os que me marcaram mais.


A melhor equipa será sempre a que abriu a loja Leitura do Bom Sucesso - que mais tarde integrou outros elementos. Ainda hoje lhes ligo, apareço, conservo verdadeiras amizades.

Já estive em casa de muitos deles. Sempre tentei (nos outros sítios por onde passei) repetir a fórmula da "amizade" no local de trabalho. A Leitura foi a minha grande escola e eu carreguei alguns hábitos do que aprendi. Procurámos sempre resolver os conflitos de forma directa, pensar a loja em conjunto, celebrar os resultados alcançados. Ajudar com palavras amigas, criticar quando tem que ser.

A Guimarães, sempre que posso, regresso e faço quilómetros para lhes dar um abraço. Tanto aos livreiros como aos restantes colegas de outros departamentos. Só lá vivi 2 meses e meio. Mas a cidade marcou-me e adoptou-me. As minhas raízes familiares cruzaram-se com a possibilidade de lá trabalhar. Assinei um contrato de abertura de loja e não me arrependo nada em ter ido. 

Na Almedina guardo bons amigos. Visitei quase todas as lojas (de Norte a Sul). Encontrei grandes profissionais e gente que percebe imenso disto. Nunca trabalhei tanto como neste grupo. Não só "trabalho de loja", mas também a pensar a empresa. Mérito do Pedro Leal que sempre espevitou e procurou desenvolver a minha capacidade criativa. Muitas coisas ficaram por fazer. Felizmente algumas passaram.

Fiz de clientes... verdadeiros amigos! Alguns transitaram comigo de aventura em aventura. Emocionei-me ao despedir-me de certas pessoas e lojas. Tenho quem siga os meus passos. Levo livros a casa de pessoas e familiares. E os livros unem-nos. Sempre será assim.

Foi uma honra trabalhar como livreiro. Foi um prazer vestir a camisola de cada sítio. E agora chegou a hora de deixar a profissão e abraçar algo totalmente diferente...

Não morre o amor pelos livros. Não morre a vontade de falar deles. Não desaparece a vontade em lutar pela sua sobrevivência num mundo cada vez mais tecnológico. Sentimentos intocados.

Saí hoje. Comprei o «50 Poemas» de Tomas Tranströmer (Relógio D'Água). Foi a última compra enquanto profissional. Amanhã passarei a cliente.

Obrigado por tudo.


1º Parágrafo: A Tia Julia e o Escrevedor


Nesse tempo remoto, eu era muito jovem e vivia com os meus avós numa quinta de paredes brancas da Rua Ocharán, em Miraflores. Estudava em San Marcos, Direito, creio, resignado a mais tarde ganhar a vida com uma profissão liberal, ainda que, no fundo, tivesse gostado mais de chegar a ser um escritor. Tinha um trabalho de título pomposo, salário modesto, apropriações ilícitas e horário elástico: director de Informação da Rádio Pan-Americana. Consistia em recortar as notícias interessantes que apareciam nos jornais e maquilhá-las um pouco para que fossem lidas nos noticiários. A redacção, sob as minhas ordens, era um rapaz de cabelo empastado e amante de catástrofes chamado Pascual. Havia noticiários de hora a hora, de um minuto cada, excepto os do meio-dia e das nove, que eram de quinze, mas nós preparávamos vários ao mesmo tempo, de modo que eu andava muito na rua, a tomar cafezinhos na Colmena, às vezes ia às aulas, ou então estava nos escritórios da Rádio Central, mais animados que os do meu trabalho.


* Tradução de Cristina Rodriguez


a-ver-livros: na relva com Vladimir Dunjic

Deixa-me morrer assim, estiraçada na relva, descalça, olhos postos nas nuvens. 
Deixa-me morrer assim, um livro aberto numa página bonita
- espero que não se levante o vento e a mude,
baralhando a minha última vontade
e testamento final.

Deixa-me morrer assim, a achar que vão recordar-me
e sentir vagamente a minha falta quando,
em dias assim quentes e húmidos,
avistarem alguém estiraçada na relva, descalça, olhos postos nas nuvens
e um livro aberto.

Quem sabe numa página bonita


* para conhecer melhor o trabalho do pintor sérvio Vladimir Dunjic é só seguir o link vladimirdunjic.com

É difícil esquecer... A receita de Miguel Esteves Cardoso

«Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?


As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução?

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.»

*in Último Volume, Assírio & Alvim. Foto: Angkor Wat, Cambodja - 2009.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Paródia ao "Fifty Shades of Grey"

Só podia vir do programa Saturday Night Live... (Commercial of Amazon Mother's Day). O livro que vende à tonelada em todo o mundo - Fifty Shades of Grey de E. L. James. A paródia é bem elucidativa do género... Atenção, tem bolinha vermelha.


As Cinquenta Sombras de Grey é "o início da trilogia de que todas as mulheres estão a falar... discretamente."

Publicado em Portugal pela Lua de Papel, é assim anunciado pela crítica:

“De um dia para o outro, As Cinquenta Sombras de Grey tornou-se sensação entre o círculo das mães jovens e atraentes e chegou ao top dos bestsellers do New York Times. Este romance erótico pôs as gravatas cinzentas no primeiro lugar da lista de compras de muitas esposas, na esperança de que os respectivos maridos viessem a imitar a personalidade obsessiva, imperiosa e intimidante de Grey, com muitas a admitirem que o livro lhes despertou um desejo intenso por sexo com os companheiros.”

The Daily Mail


«As Cinquenta Sombras de Grey é um romance obsessivo, viciante e que fica na nossa memória para sempre.

Anastasia Steele é uma estudante de literatura jovem e inexperiente. Christian Grey é o temido e carismático presidente de uma poderosa corporação internacional. O destino levará Anastasia a entrevistá-lo. No ambiente sofisticado e luxuoso de um arranha-céus, ela descobre-se estranhamente atraída por aquele homem enigmático, cuja beleza corta a respiração. Voltarão a encontrar-se dias mais tarde, por acaso ou talvez não. O implacável homem de negócios revela-se incapaz de resistir ao discreto charme da estudante. Ele quer desesperadamente possuí-la. Mas apenas se ela aceitar os bizarros termos que ele propõe... Anastasia hesita. Todo aquele poder a assusta - os aviões privados, os carros topo de gama, os guarda-costas... Mas teme ainda mais as peculiares inclinações de Grey, as suas exigências, a obsessão pelo controlo… E uma voracidade sexual que parece não conhecer quaisquer limites. Dividida entre os negros segredos que ele esconde e o seu próprio e irreprimível desejo, Anastasia vacila. Estará pronta para ceder? Para entrar finalmente no Quarto Vermelho da Dor? As Cinquenta Sombras de Grey é o primeiro volume da trilogia de E. L. James que é já o maior fenómeno literário do ano em todos os países onde foi publicado.»

1º Parágrafo: A Última Dona


Sou testemunha de que antes de se atingir as praias e o caos, a poente dos cruzamentos que conduzem a Duas-Pias, deixando para trás a velha linha do telégrafo que ainda delimita a zona do sossego, A Casa do Leborão é um local da Terra e existe. Se não existisse aí não teria chegado o Engenheiro Geraldes ao cair duma noite de fim de Inverno, acompanhado por uma rapariga a quem chamavam Anita Starlet, para desfrutar com serenidade de cinco dias de bom lazer. E bem merecidos, já que sempre tinha sido um cultor da ciência e da técnica, um estudioso, e ultimamente um administrador de reputação assinalável, sem que jamais a desordem o tivesse visitado com sua vassoira de lenha. Mas algumas vez a fragrância da aventura haveria de lhe bater à porta e agora ali estava ela, imperiosa, levando-o para um local secreto, uma casa disfarçada, a que a sua recordação no futuro haveria de recorrer sempre que necessário, com seu passinho de aranha ou de serpente. “Meu Deus, como existia essa casa!” – Recordaria depois.



a-ver-livros: o encontro com Susana Rosique

Encontrei-te
e foi amor ao primeiro livro

depois vieram as primaveras
os verões sonolentos
os outonos coloridos

e quando chegou o inverno
das nossas vidas
partimos juntos
nas páginas rascunhadas
de um livro por revelar



* para conhecer melhor o trabalho da ilustradora espanhola Susana Rosique é só seguir o link  susanarosique-ilustradora.blogspot.pt

Poema à noitinha... (e.)dward (e.)stlin cummings

Mergulha nos Sonhos

«mergulha nos sonhos
ou um lema pode ser teu aluimento
(as árvores são as suas raízes
e o vento é o vento)

confia no teu coração
se os mares se incendeiam
(e vive pelo amor
embora as estrelas para trás andem)

honra o passado
mas acolhe o futuro
(e esgota no bailado
deste casamento a tua morte)

não te importes com o mundo
com quem faz a paz e a guerra
(pois deus gosta de raparigas
e do amanhã e da terra)»


*e. e. cummings foi um poeta, ensaísta, dramaturgo e pintor americano. Gostava de assinar com o nome abreviado e em minúsculas. 

Muito Sonho neste Jardim

(ao domingo) Letras Focadas

“Na ponta da pena, soltam-se letras conjugadas, bem focadas, para serem percebidas”

Em cada gesto...
câmara lenta

Tempo que passa
e não se sente

Melodias salgadas
em rocha quebrada

Asas abertas
liberdade sonhada

Metamorfose
corpo que se perde

alma que parte
Para lugar incerto.

Foi o Sonho que passou
E eu fiquei aqui
Neste banco de jardim .

Elsa Martins Esteves

Foto:  José Oliveira

domingo, 26 de agosto de 2012

Ela leu "Crepúsculo" e...

Se há livro polémico é "Crepúsculo" - "Twilight" no original, primeiro volume da saga de vampiros adolescentes de Stephenie Meyer - que ou se ama ou se odeia. 

O amor de Bella e Edward é motivo de chacota para uns, de adoração para outros. Justificou artigos arrasadores como este, do crítico Iann Robinson. E outros entusiasmados, como este, de Rachel Weight. E o mesmo aconteceu em outros pontos do planeta, como Portugal, obviamente, e em outras línguas. 

Não há consenso. Mas há um video muito divertido de Alyssa May Gold, fazendo uma divertida confissão musical - "I read Twilight and I liked it" / leu "Crepúsculo" e gostou... - tendo como base o tema "I Kissed a Girl", de Katy Perry.

E você? Amou ou odiou? 




a-ver-livros: um momento com Suwannee Sarakana

Um momento de abandono
entre uma página e a outra

tempo de ler um livro
diferente
que o livro que leio

tempo de ler o domingo


* para conhecer melhor o trabalho da tailandesa Suwannee Sarakana é só seguir o link  www.rama9art.org/suwannee