sexta-feira, 17 de junho de 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Uma parte de mim que hoje vos desperta

Uma parte de mim são livros
Uma parte de mim são letras
Uma parte de mim escreve enquanto a outra lê
Uma parte de mim ama o cheiro das páginas enquanto a outra lhes passa a mão sentindo texturas

A propósito das boas e das más leituras. A propósito do fim do período das feiras do livro em Lisboa e no Porto. A propósito dos editores e livreiros que mentem sobre os resultados das feiras porque têm medo da verdade. A propósito da hipocrisia e da incompetência que toma cada vez mais partes deste país. A propósito da cultura que já quase não é transformada em coisas mais glicodoces como lazer, desporto ou tempos livres.

De propósito com propósitos.
O jogo das palavras que todos os dias nos são impostas. A intoxicação dos termos. Crise, défice, macro e micro economias, FMI, BCE, Troika e destroika... parece que toda a gente sabe de tudo, sabemos de todas as matérias, das guerras, às doenças, aos desastres naturais e outros menos naturais e na economia e finança. No entanto no dia-a-dia os governos continuam a tratar-nos como imbecis.

É cultura oh parvo! Pois é... e anuncia-se o fim do Ministério da Cultura, anunciam-se coisas graves como se anuncia uns chuviscos no fim de uma tarde de Verão. No Porto durante esta semana decorre a Evocação ao Fazer a Festa - Festival Internacional de Teatro. Este ano sem dinheiro para o ser. Este ano a acontecer com muitos amigos que se juntam e oferecem trabalhos para que aconteça. Cortes a torto e a direito justificados na semana passada pelo Presidente da Câmara com um simples toque de requinte pacóvio. O que traz alegrias a esta cidade são as corridas de carros, porque as pessoas em tempo de crise precisam de boa diversão - crime disse ele. Pão e Circo tentou mas já nem para o circo há dinheiro!

Mas porquê falar de tudo isto num blogue de livros?
Teatro, música, cinema, tudo são livros. Partituras, textos, argumentos. No fim tudo são livros, somos livros. Resistimos, passam anos e anos, governos, politicos e militares, guerras e paz, levantam impérios e caem impérios. Nós e eles resistimos. Podem calar pessoas mas não calam um povo, podem pensar que nos adormecem mas haverá sempre alguém atento. Hoje este texto é esse grito.

Acordai!

UMA PEQUENINA LUZ, Jorge de Sena

Dito por Catarina Guerreiro.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Boa e Má Literatura

Excertos da obra 'Da Leitura e dos Livros', Schopenhauer.

'O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda a parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão.

Eis a razão do número incalculável de livros maus, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De facto, eles arrancam tempo, dinheiro e atenção do público - coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e aos seus nobres fins - e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuraram firmemente.'

(...)


'Como as pessoas lêem sempre apenas as novidades em vez das melhores obras de todos os tempos, os escritores permanecem no âmbito restrito das idéias circulantes, e a época afunda-se cada vez mais na sua própria mediocridade.

Por isso, no que concerne à nossa leitura, a arte de não ler é de máxima importância. Ela consiste no facto de não se assumir a responsabilidade por aquilo a que todo o instante ocupa imediatamente a maioria do público, como panfletos políticos e literários, romances, poesias e similares, que são rumorosos justamente naquele determinado momento, e chegam até a atingir várias edições no seu primeiro e último ano de vida. É preferível então pensar que quem escreve para loucos encontra sempre um grande público, e que o escasso tempo destinado à leitura deve ser exclusivamente dedicado às obras dos maiores espíritos de todos os tempos e de todos os povos, que sobressaem em relação ao restante da humanidade e que são assim designados pela voz da glória. Apenas estes instruem e ensinam realmente.

Nunca se chegará a ler um número muito reduzido de obras más nem obras boas com muita frequência. Livros maus são um veneno intelectual: estragam o espírito. A condição para ler obras boas é não ler obras más, pois a vida é breve, e o tempo e as forças são limitados.'

terça-feira, 14 de junho de 2011

Olhando os pássaros

Existe um mundo de escritores que nunca publicaram um livro. A minha amiga Ana Almeida faz parte desse grupo. Esperemos que por pouco tempo!


Olhando os pássaros

'Há pássaros que voam
cá dentro de mim
Asas que rasgam
os meus céus de azul
Voos rasantes
nos planos de relva
acabada de cortar

Há pássaros que voam
cá dentro do peito
Piruetas acrobáticas
que me fazem sorrir
Cantando em harmonia
canções que o poeta
ainda não inventou

Há pássaros que voam.
Asas e voos.
Piruetas e música.
E há o teu olhar
olhando-me
enquanto os olho
de olhos fechados.'

Pessoa nasceu neste dia

Será Fernando Pessoa o maior português de sempre?


Cansaço

'O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...'

Álvaro de Campos

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Bastaria um poema para nos fazer felizes antes de morrer


"Gosto de pensar que trato a editora como quem trata uma vinha"

"Às vezes, tenho a sensação de que a edição é outra forma de escrita, é uma maneira de escrevermos um livro maior"


"Precisávamos de ter várias vidas, não é?, para acertar com uma. Esta é muito pequena. Mesmo que a tenha vivido intensamente"


Manuel Hermínio Monteiro, um nome que marca a literatura portuguesa. Do amor aos livros e à escrita associado a uma enorme capacidade de descoberta e redescobertas das coisas fez da Assírio & Alvim uma marca de qualidade na edição em Portugal. Mais que uma editora um pólo cultural de referência. Excelência na selecção de um catálogo que consegue abranger tantas áreas. A coragem de publicar o que ninguém sonhava publicar pouco depois da Revolução de Abril. Pôr nas ruas artes, poesia, cinema num país onde a maior parte da população era analfabeta ou quase analfabeta... o cenário hoje ainda é desolador.

O último gesto deste senhor foi provavelmente um culminar que mesmo para ele era já esperado. Uma antologia de poesia de todo o mundo. Um objecto único nas literaturas de topo. Tem tudo e de todo lado. "Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro", publicado em parceria com a Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura. Monumental colectânea de escrita da poesia de todos os tempos e lugares dos homens, esse, na sua humildade, não reconheceria grande valor à sua escrita (nunca tendo publicado nada para além de colectâneas e pequenos textos). E contudo era senhor de uma prosa cristalina e serena. Escrevia num português suave, ocultamente culto, discreto e perfumado, onde as muitas leituras, o convívio assíduo com o processo de escrita dos outros, que sabiam descobrir com tanta perfeição. As raízes transmontanas que se sentem, mas nunca se impõem aos textos que, aqui e ali, publicava.


Em 2004, o “Independente”, na colecção Horas Extraordinárias, edita "Urzes", colectânea de textos do editor, onde é manifesta a intervenção de Vasco Rosa e de Manuela Correia, sua companheira até ao fim. Tudo tem um fim: a vida de um grande homem, o projecto de um jornal que (para o bem e para o mal) era diferente; um projecto editorial que conheceu uma vitalidade de que agora apenas podemos começar a sentir nostalgia.

Hoje no dia em que se comemora o aniversário de Fernando Pessoa a homenagem é para aqueles, este em particular que são também responsáveis por aqueles que escrevem. A maior homenagem ao Hermínio só poderia vir em forma de poesia. Com as palavras de Luíza Neto Jorge: “O poema ensina a cair/sobre os vários solos/desde perder o chão repentino sobre os pés como se perde os sentidos numa queda de amor…”.

Bastaria o poema ensinar a cair e estaria o dia completo.

Momento fotográfico - Feira do Livro do Porto


Terminou a aventura - por este ano.

Registo uma foto, tirada pela organização. Eu e os meus colegas: Nuno Moreira e Gonçalo. A bebé, rainha da foto, é a Maria da Paz - filha da minha prima Aninhas.