sábado, 6 de julho de 2013

Cronicando pela Ásia... Fugir de Patong e ouvir excelente jazz

Pukhet Town, 
29 de Abril 2009

Decidi fugir de Patong. A praia nada tinha a ver com a imagem idílica da Tailândia. Banal, é talvez o adjectivo possível. O mar de gente também não ajudou à festa. A praia não tem areia limpa, o mar não é de cristal. Nada se assemelha ao que tinha observado nas Phi-Phi. Resumindo: Patong é uma capital sexual, não uma praia. Uma paródia nocturna, não um paraíso.

PS INN - aqui está o nome que marca esta viagem. Este foi o pior sítio onde dormi até então... Chamar-lhe hotel é abusar do termo. Mas o melhor é verem as duas fotos que deixo. Palavras para quê?



O grande objectivo do resto da tarde, foi procurar a melhor oferta para conhecer a ilha do James Bond. O lugar deve o seu nome ao filme de 1974, O homem da Pistola Dourada - refúgio do vilão Christopher Lee. O nome original da ilha é Ko Khao Phing Kan

Final de tarde foi tempo de parar para gravar um cd com as fotos tiradas - o cartão estava cheio e era importante dar seguimento às crónicas da viagem. Estava, pela primeira vez, chateado. Pukhet foi a grande desilusão de toda a viagem. A cidade é feia e cinzenta. Não se vê a alegria de outras paragens e a cidade está deserta. Todos vão fazer negócio para a praia, mas a praia é sítio de pouco descanso.

Depois de um banho no quarto do "Hotel" e depois de matar a barata que saía do ralo do chuveiro, diverti-me a tirar fotos àquele sítio ridículo. Aquele lugar mais parecia um antigo hospício, não havia sinal de estrangeiros.

 

A surpresa veio depois do jantar! Nem tudo podia ser assim tão mau. Fui dar uma volta e descobri uma pérola... Um bar chamado Music matters, cujo o slogan Jazz cocktails captou imediatamente a minha atenção. Estávamos numa quarta feira e era dia de uma Jam session.

O que posso dizer? Momento indescritível! Apenas um estrangeiro ao saxofone. O resto da banda (vim mais tarde a saber) era composto por dois filipinos. E depois juntava-se quem soubesse tocar. Alguns tailandeses emprestaram ritmo e rapidamente senti-me transportado para um grande concerto.

Entretanto, a menina que nos servia à mesa salta para ao pé deles e começa a cantar em Inglês. Inicia com In other words de Sinatra e segue para Gabrielle, com walk on by. A noite avança ao ritmo suave e quente do Jazz. E como foi bom escutá-los...

A surpesa final - Bossa Nova. Como é possível? - pensei. Pois, a verdade é que ouvi grandes sucessos. Na voz de uma asiática. Perfeito.

Quem diria?


Rodrigo Ferrão

a-ver-poetas - com outros olhos

Na verdade, proponho-vos hoje vermos três poetas 
com os olhos do artista espanhol Sergio Albiac.

A sua arte é fazer 'auto-retratos' usando essencialmente exemplos de caligrafia das pessoas retratadas, misturando caligrafia de alguns poemas manuscritos.


PABLO NERUDA



"Não sei quem vive ou morre, quem repousa ou desperta,
mas é o teu coração que distribui
no meu peito os dons da aurora."

in "Cem Sonetos de Amor"


~*~


ARTHUR RIMBAUD



"Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens."

in "Délires"

~*~


CHARLES BAUDELAIRE




"Conduz-me o teu perfume às paragens mais belas;
Vejo um porto ideal cheio de caravelas
Vindas de percorrer países estrangeiros"


in "As Flores do Mal

~*~

Para conhecer mais sobre Sergio Albiac siga estes links:
www.sergioalbiac.com
www.facebook.com/pages/Sergio-Albiac


Os leitores escolheram «Ar de Dylan» - Enrique Vila-Matas em Julho

Foi uma votação interessante, mas Ar de Dylan venceu a corrida e foi escolhido para figurar no blog, como leitura conjunta do mês de Julho. Para trás ficaram grandes livros, com nomes como Ondjaki, Llosa, Melville e Peter Carey.


Editado pela Teodolito, o livro apresenta-se assim:

Um prolífico escritor vai a um extravagante congresso, para o qual recebeu convite, com alguma estranheza e uma certa inquietação. No mesmo encontro, participa, em lugar do pai recentemente falecido, Vilnius, um jovem criativo com um certo ar de Dylan, que tem como objectivo último da sua vida alcançar o mais total e absoluto fracasso, tema que preside ao invulgar congresso. Mas fracassar absolutamente não é nada fácil. Que fazer? Nada? Ou pedir ajuda? O escritor, por sua vez, deseja pôr um ponto final na sua já vasta obra e atingir o mutismo radical e definitivo. Fascinado por Vilnius, segue-lhe o percurso e observa-lhe os estratagemas para chegar ao fracasso. É possível que, com a sua improvável união, rodeados e isolados por uma teia de personagens, consigam ter sucesso nas suas buscas. Talvez o sucesso não seja o que em geral se pensa. Assim, fracasso e sucesso deixariam de ser antónimos, para se transformarem numa mesma coisa.

Excerto

Vílnius evocou a recordação dum graffiti que parecia acabado de escrever por Guy Debord com a própria mão: Ne travaillez jamais (não trabalhem nunca). E Débora disse que, numa época de crise como aquela em que viviam, talvez o mais alto a que eles pudessem aspirar fosse encarnar o espírito da crise. Agiriam sempre de tal forma que, sempre que tivessem uma ideia, resistiriam a levá-la à prática. Não haveria ninguém no mundo tão consciente da desilusão que se segue a toda a obra humana, e isso faria que evitassem qualquer acção evitando assim o fracaso. Posto que havia crise, ser a própria crise podia salvá-los dela. Depois me dirás, disse Vílnius, como é que se faz para nos convertermos na crise.

Críticas de imprensa

«Ar de Dylan é um livro brilhante, talvez mesmo o melhor dos romances do seu autor.»

José Riço Direitinho, Ler

«Amavelmente ácido e deliciosamente digressivo, o romance tanto acolhe referências concretas ao meio cultural de Barcelona como acumula pontos de fuga, um acontecimento lembra Joseph Roth, outro evoca Sterne, outro ainda parece um episódio de Cheever.»

Pedro Mexia, Expresso

Quem segue connosco nesta viagem?

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Poema à noitinha... Luiza Neto Jorge

Desinferno II

Caísse a montanha e do oiro o brilho
O meigo jardim abolisse a flor
A mãe desmoesse as carnes do filho
Por botão de vídeo se fizesse amor

O livro morresse, a obra parasse
Soasse a granizo o que era alegria
A porta do ar se calafetasse
Que eu de amor apenas ressuscitaria

*Luiza Neto Jorge, in Poesia - ed. Assírio & Alvim. 

Maria Isabel Matos Pereira, África e poesia. Pequenos poemas da antologia «Laços de Palavras»

Da antologia Laços de Palavras (Editorial Minerva), saem estes versos. 

Cintilação V

Alguns vermelhos ferrugem dolorosos sentaram-se na margem
do rio.
O tempo pincelara os amarelos âmbar e os castanhos de ternura.
Da palidez da água emergiu um silêncio azul-violeta tocando um
nocturno de Chopin.

Cintilação VIII

Uma cotovia canta no pinhal.
À beira do poçu senta-se a tarde: no regaço,
meia dúzia de silêncios e um punhado de azul.

*Maria Isabel Matos Pereira
Convidada do Clube de Leitores.


a-ver-livros: sexta-feira e Alexandre Washington

A areia instala-se nas dobras
e há um cheiro a mar que ficará
nas páginas que regressarão a casa

A memória tem pegadas
que a maré não apaga

* para saber mais sobre o pintor pernambucano Alexandre Washington
siga o link www.artemaior.com.br/acervo

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Poema à noitinha... o duplo império de Pedro Mexia

Duplo Império

Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.


*Pedro Mexia, in Duplo Império


É do borogodó: dia de quindim

Da língua portuguesa saiba o doce mais doce,
amêndoa e gema d’ovos, suave Brisa de Lis.
Cá no Brasil, tanto sol tambor do congo,
Fez dengo a brisa, acalentou bocadinhos de coco:
maior ternura não há
nasceram os quindins de iá iá!



ps: Quindim é um termo banto (grupo linguístico que reúne idiomas de várias tribos africanas da região do antigo Congo). Na  origem africana, quindim significa dengo, encanto, é um tratamento carinhoso.

Penélope Martins

a-ver-livros: beira-água e Alireza Darvish

Quero ler Campos às carpas
e dizer Wislawa aos polvos
que se escondem nos baixios
Acompanhar golfinhos no Sado
à minha voz de O'Neill
enquanto as taínhas observam de longe
à espera de Herberto ou Al Berto
e um dia cantarei Sophia 
ou talvez Neruda às raias por aí
sessões de poesia com maré
e ondas

e espinhas

* Para saber mais sobre o pintor iraniano Alireza Darvish
siga o link:  www.animacali.com

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Poema à noitinha... Sophia!

Che Guevara

Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo
                         [dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de
                         [consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das
                         [igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece

*Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas

50 melhores capas de livros: 2012

Apenas letras pretas num fundo branco ou uma aguarela colorida. Um grafismo a fazer lembrar o poster de Saul Bass para Vertigo, de Hitchcock, ou uma ilustração inspirada em latas de sardinhas vintage - estão escolhidas as 50 melhores capas dos 50 livros com melhor design de 2012. Todos os anos desde 1924, a associação americana de design American Institute of Graphic Arts (AIGA) organiza o concurso 50 Books/50 Covers, sendo que nos últimos anos o concurso chegou à Internet. Qualquer utilizador registado do site da AIGA pode propor um livro para esta selecção, que mostra o que de melhor se faz nas capas de livros mundo fora.


Quer saber e ver mais capas? Esta é uma notícia retirada do Jornal Público. 

a-ver-livros: Sabes? e Lesley Banks

É preciso domar a saudade,
sabes,
prendê-la no arnês da liberdade
para que não corra
desenfreada
com medo de perder
o que nunca teve

É preciso amansar o coração,
sabes,
para que bata
até ao fim
em surdina
sabendo que amou

* para saber mais sobre a pintora escocesa Lesley Banks
siga o link www.lesleybanks.com

terça-feira, 2 de julho de 2013

Os Leitores escolhem a próxima leitura conjunta...

Vamos eleger aqui, no grupo Livros no Facebook e na página; a leitura conjunta do mês de Julho. Deixo convosco as sinopses de 5 grandes livros, para que analisem e votem com calma. Daqui a uns dias vemos quem ganha!

Segue a lista:

Billy Budd
Herman Melville
Biblioteca Editores Independentes / Relógio D’Água

Publicado em 1924, este livro iniciou uma autêntica redescoberta do autor de 'Moby Dick', o norte-americano Herman Melville (1819-91), que morrera no ostracismo literário. Ao longo da narrativa, o personagem Billy incorpora a figura do 'Belo Marujo', jovem que à rara beleza pessoal e força física combina a 'inconvencional retidão dos seres humanos íntegros, esses indivíduos aos quais ainda não foi ofertada a suspeita maçã do conhecimento'. O marinheiro é recrutado por uma belonave inglesa que parte em direção ao Mediterrâneo no verão de 1797, poucos meses após a irrupção de duas graves revoltas no interior da armada.

Os da Minha Rua
Ondjaki
Editorial Caminho

Há espaços que são sempre nossos. E quem os habita, habita também em nós. Falamos da nossa rua, desse lugar que nos acompanha pela vida. A rua como espaço de descoberta, alegria, tristeza e amizade. Os da Minha Rua tem nas suas páginas tudo isso.

Como num filme, sempre me acontecia isso: eu olhava as coisas e imaginava uma música triste; depois quase conseguia ver os espaços vazios encherem-se de pessoas que fizeram parte da minha infância. De repente um jogo de futebol podia iniciar ali, a bola e tudo em câmara lenta, um dia eu vou a um médico porque eu devo ter esse problema de sempre imaginar as coisas em câmara lenta e ter vergonha de me dar uma vontade de lágrimas ali ao pé dos meus amigos.

A escola enchia-se de crianças e até de professores, pessoas que tinham sido da minha segunda classe, da terceira...

Quando alguém me tocava no ombro, as imagens todas desapareciam, o mundo ganhava cores reais, sons fortes e a poeira também. - ondjaki


Ar de Dylan
Enrique Vila-Matas
Teodolito


Um prolífico escritor vai a um extravagante congresso, para o qual recebeu convite, com alguma estranheza e uma certa inquietação. No mesmo encontro, participa, em lugar do pai recentemente falecido, Vilnius, um jovem criativo com um certo ar de Dylan, que tem como objectivo último da sua vida alcançar o mais total e absoluto fracasso, tema que preside ao invulgar congresso. Mas fracassar absolutamente não é nada fácil. Que fazer? Nada? Ou pedir ajuda? O escritor, por sua vez, deseja pôr um ponto final na sua já vasta obra e atingir o mutismo radical e definitivo. Fascinado por Vilnius, segue-lhe o percurso e observa-lhe os estratagemas para chegar ao fracasso. É possível que, com a sua improvável união, rodeados e isolados por uma teia de personagens, consigam ter sucesso nas suas buscas. Talvez o sucesso não seja o que em geral se pensa. Assim, fracasso e sucesso deixariam de ser antónimos, para se transformarem numa mesma coisa.

O Japão é um lugar estranho
Peter Carey
Tinta da China

Escrito com a destreza narrativa de um romancista de créditos firmados (vencedor do Booker Prize por duas vezes), este livro traz em si, também, a urgência da reportagem e a capacidade de observação do melhor jornalismo. Revela-nos aquilo a que muita gente ainda não terá dado a atenção necessária: que há uma nova geração de adolescentes ocidentais a crescer, nesta primeira década do século XXI, sob a influência da cultura popular japonesa. Peter Carey conduz o filho e é conduzido (levando-nos a nós também nessa viagem) pelos labirintos de uma cultura cheia de códigos mais ou menos impenetráveis para um estrangeiro. Uma cultura bem mais transparente para um adolescente familiarizado com os universos da manga e do anime do que para um adulto à procura de uma chave que se revela quase sempre "lost in translation".

*Carlos Vaz Marques

O Falador
Mario Vargas Llosa
BIS / Leya

Romance de dois mundos e duas linguagens, O Falador, de Mario Vargas Llosa, é uma obra que de novo arrasta os leitores para o interior do universo de magia e exotismo próprio do grande escritor peruano. Trata-se de uma ficção que sistematicamente contrapõe os ambientes da selva e da cidade, espelhando desse modo duas atitudes opostas face à vida e aos seus valores. Um narrador moderno e racional e o contador de histórias de uma tribo amazónica asseguram e estruturam em alternância o desenvolvimento do relato.

*(os resultados saem quando concluirmos a leitura conjunta de Junho - o livro de Clarice Lispector). 

É do borogodó: quintaneando

“Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz.” Assim se definiu Mário Quintana, poeta sulista brasileiro, nascido no começo do século XX e já desabrigado da vida no mundo.

Já tive um doido a me dizer que faço poesia e eu, orgulhosamente, respondi que nunca, “ao contrário, eu escrevo bobagens”, porque afinal de contas eu sou boba e ao responder assim eu me 'quintaneio' um pouquinho.

Sou da geração que recebeu na escola a coleção “Para Gostar de Ler”. Por lá experimentávamos Vinícius de Moraes, Cecília Meireles e Mário Quintana.

Nessa vida, que é louca e curta, seguimos a procurar a semelhança sem saber onde. Encontrei Joel Costa Mar, meu parceiro musical, e dele colhi uma canção para Quintana. Melhor do que biografias, fica o poema intitulado “auto-retrato”, de Mário Quintana, seguido da canção brincante de Joel, porque quintanear é sempre boa feita.

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...


às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...


e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,


no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!




 http://www.youtube.com/watch?v=FSvP_MDitzo


 Penélope Martins

a-ver-livros: menina mulher e Martin M. Cassity

Entre a espertina e o sono
o sonho
Entre a fome e a saciedade
o corpo
Entre ti e mim
a respiração rasgada 
e o suor que a pele não esconde
entre páginas

* para saber mais sobre o pintor Martin M. Cassity
siga o link www.sprucehillstudios.com

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Poema à noitinha... Saramago

Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.


*José Saramago, in Os Poemas Possíveis.

David pinta... Simone de Beauvoir

David pinta... Simone de Beauvoir
Na quinta-feira dia 24 de Outubro de 1963, às quatro da tarde, encontrava-me eu em Roma, no meu quarto do Hotel Minerva; devia regressar a casa de avião no dia seguinte, e estava a arrumar uns documentos quando o telefone tocou. Bost ligava de Paris: “A sua mãe teve um acidente”, disse-me ele. Pensei: foi atropelada por um carro. Ela estava a içar-se penosamente da calçada para o passeio, apoiando-se na sua bengala, quando um carro a atropelou. “Caiu na casa de banho; fracturou o colo do fémur”, acrescentou Bost. Ele morava no mesmo prédio. Na véspera, por volta das dez da noite, enquanto subia a escada com Olga, tinham reparado em três pessoas que os precediam: uma senhora e dois agentes da polícia. “É no segundo andar e meio”, dizia a senhora. Tinha acontecido alguma coisa à Senhora de Beauvoir?. Sim, uma queda. Durante duas horas, ela tinha rastejado no chão até alcançar o telefone; tinha pedido a uma amiga, a Senhora Tardieu, para arrombar a porta. Bost e Olga tinham acompanhado o grupo até ao apartamento.

*excerto de Uma Morte Suave, Ed. Cotovia.

David Pintor em:
Bloghttp://www.davidpintor.blogspot.pt/
Facebookhttps://www.facebook.com/pages/David-Pintor-ilustraciones/197902626909227

Guilherme de Melo - os leões choram esta noite



Porque ontem já não consegui, deixo-vos esta manhã, em vez do 'a-ver-livros', a memória de Guilherme de Melo, que partiu este fim-de-semana. 

"O jornalista e escritor Guilherme de Melo morreu hoje [ontem] aos 82 anos no hospital de São José, em Lisboa, onde estava internado há três semanas devido a um cancro, disse à agência Lusa o afilhado Guilherme de Sousa.
Nascido em Lourenço Marques no dia 20 de janeiro de 1931, Guilherme de Melo iniciou a sua carreira de jornalista em Moçambique e terminou-a no 'Diário de Notícias' para onde foi trabalhar depois de se ter mudado para Lisboa em outubro de 1974.

In memoriam: Guilherme de Melo
"A Estranha Aventura: contos" (1961) é o primeiro da dezena e meia de livros que escreveu, entre os quais se encontram igualmente "Menino Candulo, Senhor Comandante" (1974), "Os Leões Não Dormem Esta Noite" (1989), "Gaivota: um olhar (por dentro) da homossexualidade" (2002) e "Crónicas de Bons Costumes" (2004).
Guilherme de Melo estava reformado "há mais de 10 anos" e "já não escrevia há muito tempo", adiantou Guilherme de Sousa."
 in Agência Lusa

No "Diário de Notícias":
"Todos os que conviveram com ele não lhe esquecerão o profissionalismo exemplar, a coragem desassombrada, a imensa camaradagem, a capacidade de fazer amizades instantaneamente, a boa disposição permanente e aquele rasgado e malicioso sentido de humor que contaminava toda a gente. Durante duas décadas, a sua presença e as suas palavras enriqueceram a Redação, as páginas e os leitores do DN.
Autor de quase 20 livros de ficção e não--ficção, Guilherme de Melo dizia que a sua escrita literária tinha por escola a escrita jornalística e que era incapaz , em si, de dissociar o jornalista do escritor.
Entre as suas obras, destaca-se A Sombra dos Dias (1981), "uma autobiografia escrita na terceira pessoa", que ganhou o concurso do Círculo de Leitores para obras inéditas e na qual o autor assumia frontalmente a sua homossexualidade, ao mesmo tempo que tratava o tema de forma romanesca, facto praticamente inédito na literatura portuguesa."

Cruzei-me menos de meia dúzia de vezes com ele, é verdade. Mas a jornalista e escritora Alice Vieira foi sua camarada e amiga. É dela o depoimento que vos deixo aqui a terminar. Além dos factos, a emoção. 

"Faz hoje exactamente 35 anos que me casei [com Mário Castrim]. Nunca festejei a data porque foi apenas um assunto burocrático -- e sempre festejei, isso sim!, o dia 21 de Maio, em que tinha ido viver, dez anos antes, com o homem que escolhera. Mas pronto, havia os filhos, e lá casámos. Eu saí do "Diário de Notícias ", o Mário saiu do "Diário de Lisboa" e lá fomos ambos ao registo da Rua Barata Salgueiro. Se eu hoje recordo a data é por causa do Guilherme de Melo . Nessa manhã em que eu ia casar, tinha na minha mesa de trabalho este poema que ele fez para mim:

" A NOIVA

Nem branca nem radiante:
igual a todos os dias
--nos olhos duas estrelas
no riso um sino em repique
no vestido que vestir
a mesma simplicidade
com que em cada dia estende
à vida, sem medo, a mão

(Só que no peito, invisível,
seja amanhã mais vermelha
a papoila que em si traz
no lugar do coração...)

Sem rendas, véus, caudatários,
terá nos filhos que a seguem
olhando-a num espanto fundo,
essa maravilha rara
de neles junto a si sentir
as crianças deste mundo."

Obrigada, amigo"

Os leões choram esta noite, Guilherme.

~~~~~~~~~~~~

Para quem não o conhecia, alguns links de descoberta:
- Uma entrevista, a propósito do lançamento de 'O Homem que Odiava a Chuva'
- O enquadramento com a realidade gay
- Um estudo sobre Guilherme e a temática homoerótica


domingo, 30 de junho de 2013

Não há Feira, mas há escritores - a reportagem da RTP

"Protesto de Escritores" no Porto




Vários escritores juntaram-se na Praça da Liberdade, no Porto, para contestar a ausência de uma feira do livro na cidade. Numa iniciativa designada "Não há feira, mas há escritores" autores e público-leitor juntaram-se para reclamar o direito à cultura.

Veja a reportagem:

Handwritten Manuscript Pages From Classic Novels: Edith Wharton

Conhece The House of Mirth de Edith Wharton? Esta é uma das suas páginas, escrita pela própria.
Visite o site http://flavorwire.com para encontrar mais. 
Siga o link directo.

Maria Isabel Matos Pereira, África e poesia. Pequenos poemas da antologia «Há Qualquer Coisa, poesia a catorze»

Da antologia Há Qualquer Coisa, poesia a catorze - editada em 2001, saem estes versos. 

Crepúsculo XIII

O roxo do granito estreita a luz do entardecer
que desce a serra em sobressalto.
No rio, salpicado de vermelho, tombam as silhuetas dos pinheiros.

Crepúsculo XIX

Todos os sons de um silêncio oiro-violeta despertaram.
Laços vermelhos descem pelos montes e atam a alma 
da noite aos pinhais.

*Maria Isabel Matos Pereira
Convidada do Clube de Leitores.