sábado, 16 de julho de 2011

Eu Sou do Tamanho do que Vejo, Alberto Caeiro


'Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.'

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Kokoschka veio ter comigo...

As primeiras palavras do livro, mesmo antes da história começar:

'Certo é que a boneca foi construída e, julgo, tornou-se uma desilusão. Kokoschka acabou por matá-la. Mas adianto-me. Durante algum tempo ele fê-la viver. Uma pessoa não existe apenas por ter um corpo. Precisa de ter uma vida social. Precisa da palavra, da alma. Precisamos de testemunhos, dos outros. Por isso, Kokoschka fez com que a criada fizesse circular rumores sobre a boneca. Histórias: como se ela existisse, como se ela tivesse uma existência semelhante à nossa.'


Destaque, igualmente, para as palavras de Afonso Cruz:

'Existem doenças infames, capazes de fazer do nosso corpo uma gaiola para a alma. Parkinson plus é uma das formas mais perversas de o universo mostrar a sua crueldade medieval. Ou como disse Lao Tsé, o universo trata-nos como cães de palha.

Este livro é dedicado à minha mãe.'

A aventura começa!...

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Clube dos poetas mortos, 'O Captain! My Captain!'

"O Captain! My Captain!" é um poema metafórico, escrito em 1865 por Walt Whitman, depois do assassinato do Presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln.

É também a forma que Keating (Robin Williams, professor no filme) escolhe para que os seus alunos o sigam.


O Captain My Captain

'O Captain my Captain! our fearful trip is done,
The ship has weathered every rack, the prize we sought is won,
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring;
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up--for you the flag is flung for you the bugle trills,
For you bouquets and ribboned wreaths for you the shores a-crowding,
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head!
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.

My Captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;
The ship is anchored safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip the victor ship comes in with object won;
Exult O shores, and ring O bells!
But I, with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.'


(aproveitem para ver o vídeo e a excelente explicação da expressão 'Carpe Diem')

terça-feira, 12 de julho de 2011

A Árvore Generosa, Shel Silverstein



'Este livro é o mais conhecido do escritor e ilustrador norte-americano Shel Silverstein. O clássico, escrito em 1964, comoveu gerações com a história de uma árvore e um menino. Com poucas palavras, Silverstein fala da relação entre o homem e a natureza, onde uma árvore oferece tudo a um menino, que a deixa de lado ao crescer, ao mesmo tempo que se torna num homem egoísta. Mas para agradar ao menino que ama, a generosidade desta árvore não tem fim - ainda que isto signifique a sua própria destruição.

Duas fortes qualidades aliam-se neste livro. O facto de abordar questões fundamentais como o tempo, a morte, a vida, a relação amorosa e de amizade, tudo o que nos posiciona face aos outros e a nós próprios, assim como a aposta ao nível estético, na sobriedade narrativa e ilustrativa, com o traço simples e preciso de Silverstein.'

'A Árvore Generosa' é publicada em Portugal pela Bruaá Editora.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

aziA

Homem de palha
ressequido pelo sol.
Velho veleiro
boiando no mar.
Sol desbotado
no centro do nada.
Parafuso enferrujado,
maçã podre,
mãos enrugadas,
flores secas,
amor amargo,
bêbado trôpego,
silêncio ondulado,
silêncio pesado.
palavras vazias,
mastigadas, cuspidas,
pois provoca azia
saborear nostalgia.



Inventarei o dia onde contigo

Inventarei o dia onde contigo
e o outono corra pelas ruas.
A luz que pisamos é tão perfeita
que não pode morrer, como não morre
o brilho do olhar que te viu despir.





Eugénio de Andrade, in O peso da sombra

Infância, por Rainer Maria Rilke

Infância

Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada...
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.

E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.


E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia, oh fardo!

E longas horas, junto ao grande tanque cinzento,
ajoelhar-se com um barquinho à vela;
esquecê-lo, porque com iguais
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos,
e ter de pensar no pequeno rosto
pálido que no tanque parecia afogar-se:
oh infância, oh fugazes semelhanças.
Para onde? Para onde?

*Rainer Maria Rilke

domingo, 10 de julho de 2011

A Companhia da Literatura é Perigosa

'A companhia da literatura é perigosa, tanto que eu, por vezes, a pessoas que aprecio não vejo motivos nenhuns para lhes aplaudir que leiam muito e penetrem tanto nos livros, e o que lhes desejo é o Bem, e qualquer um que tenha lido por exemplo Kafka conhece perfeitamente «quanta angústia excessiva para nada» (como dizia Pessoa) há na literatura.

Como diz Magris: «Kafka sabia perfeitamente que a literatura o afastava do território da morte e permitia-lhe compreender a vida, mas deixando-o de fora. Assim como lhe permitia compreender a grandeza do padre judeu, modelo de homem, mas não lhe permitia precisamente sê-lo.»
Precisamente porque a literatura nos permite compreender a vida, deixa-nos fora dela. É duro, mas às vezes é o melhor que nos pode acontecer. A leitura, a escrita, buscam a vida, mas podem perdê-la precisamente porque estão inteiramente concentradas na vida e na sua própria busca.


Talvez seja a melancolia da tarde em que estou a escrever isto, mas a verdade é que estou a falar de um nó inextricável de bem e de mal, de luzes e sombras inerentes à leitura e à literatura. Tudo isto é duro, para quê nos enganarmos. Trata-se de uma dureza que, segundo Gombrowicz, a boa literatura possui como produto de um instinto de agudizar a vida espiritual. Há dias em que recomendaria ler aos meus piores inimigos.

Precisamente porque a literatura nos permite compreender a vida, fala-nos do que pode ser mas também do que podia ter sido. Às vezes não há nada mais distante da realidade do que a literatura, que nos recorda a todo o momento que a vida é assim e o mundo foi organizado assado, mas poderia ser de outra forma. Não há nada mais subversivo que ela, que se ocupa de devolver-nos à verdadeira vida ao expor o que a vida real e a História sufocam.'