sexta-feira, 11 de março de 2011

Luma Garbin aterra em Março....

Fevereiro e Março reúne, no mesmo blogue, duas amigas que trabalharam juntas - a Cris Correia e a Luma.

Uma enorme paixão pelo que lê, foi este o motivo que me fez chegar a Luma. Pedi, como sempre faço, um pequeno texto para apresentar os escritores do blogue ao mundo.

E, para espanto meu, a Luma deixou isto:


«“Leio – logo existo”. Para mim a máxima de Descartes sempre fez mais sentido nesta versão bibliófila.

Aprendi a ler muito cedo, e desde então nunca mais parei. Como o Jacques Bonnet, embora ainda sem fantasmas na biblioteca - que também vai estendendo seus tentáculos pela minha sala de estar, com os livros aprendi que sem sair do lugar podia percorrer os quatro cantos do mundo e conhecer alguns dos meus melhores amigos (personagens que mesmo sem 3D passaram a habitar as minhas mais doces memórias).

Sou uma jovem livreira-estudante, que embora de raízes tropicais aprendeu, nas ruas e cafés de Lisboa, a ser uma genuína alfacinha. Fernando Pessoa e Eça de Queirós fizeram um bom papel em tornar a Baixa e o Chiado “os meu bairros” por excelência (confesso que às vezes ando por aquelas ruas na esperança de os encontrar ao virar da esquina, sentados numa esplanada, a fumar e ver a cidade passar através daquelas lentes redondas...).

Numa palavra, diria que sou curiosa.
E aquela vontade irreprimível de abrir um novo livro nasce daí, da deliciosa curiosidade que fervilha pensando naquilo que estará lá dentro...

Resta dizer que fico muito feliz de seguir a Cristina, com quem tive muito prazer de trabalhar e que me deixou a lembrança de horas a discutir livros, autores, bibliotecas... Paixões!

Esta sou eu.»

Parafraseando a Cris, será suficiente para ser apresentada ao mundo? :)'

Mais que suficiente, Luma! Bem vinda ao blogue. Vem aí uma viagem pela Índia... Muita curiosidade em saber como vai ser!

quinta-feira, 10 de março de 2011

A propósito de manifestações... Fernando Pessoa

A Ilusão Política das Grandes Manifestações Populares

'Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica.

Nisto de manifestações — ia eu dizendo — o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos "avançados" englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde, a quem toda a vitalidade acena.


Isto, porém, é o menos. O melhor é que, para quem pensa, o único sentido duma manifestação importante é demonstrar que a corrente da opinião contrária é muito forte. Ninguém arranja manifestações em favor de princípios indiscutíveis. Tão pouco se aglomeram vivas em torno a um homem a quem é feita uma oposição sem relevo ou importância. Não há manifestações a favor de alguém; todas elas são contra os que estão contra esse alguém. É por isso este, não o "homenageado", quem fica posto em relevo. Quanto maior a manifestação, mais fraco está o visado; maior se sente a força que se lhe opõe. Toda a manifestação é um corro-a-salvar-te de quem não pensa contribuir para a salvação senão com palmas e vivas.

É este o ensinamento que toda a criatura lúcida tira das manifestações populares.

Quando a uma criatura, que está em evidência ou regência, se faz uma manifestação que resulta pequeníssima, conte tal criatura com o apoio dum país inteiro. Se a manifestação fosse grande, tremesse então. É que os seus partidários teriam sentido, por uma intuição irritada, a grandeza da oposição a ele, e isso os chamaria em peso para a rua, para, com suas muitas palmas e vivas, aumentar a ele e a si próprio a ilusão duma confiança que enfraquece. '

quarta-feira, 9 de março de 2011

Discurso do Nobel Neruda

Quando Pablo ganhou o Nobel em 1971, foram estas as palavras que usou para agradecer.

Nasci para Nascer

'Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio.

Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia - numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde.


E digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao cruzar um rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio de uma vaca, ao banhar os pés na água purificadora das mais elevadas regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para se comunicar depois a muitos outros seres ou era a mensagem que os outros homens me enviavam como exigência ou embrazamento. Não sei se aquilo o vivi ou escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei naquele momento, as experiências que cantei mais tarde.

De tudo aquilo, amigos, surge um ensinamento que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos conduzem ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é necessário atravessar a solidão e aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar com hesitação ou cantar com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção acham-se consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de serem homens e de acreditarem num destino comum.'

terça-feira, 8 de março de 2011

O futurO


O futuro é a Primavera,
depois deste Inverno.
Os dias de sol,
depois dos dias de chuva.
Os teus sorrisos
depois do teu olhar perdido.
O regresso das andorinhas,
dos malmequeres,
às traseiras do teu quintal.
O futuro é um novo Inverno,
podia ser enorme,
como uma montanha,
podia ser contado a chávenas de chá,
das tílias do Verão que passou.

O futuro?

O futuro,
podia ser eu ao teu lado,
mas,
apenas, se tu quisesses.




A 'minha' casa de papel...


'É possível que me encontrasse sob o efeito de uma frase do prólogo daquela edição que não conseguia entregar e se tornava cada vez mais inquietante. Conrad, nas suas viagens, não conhecera Montevideu, mas para refutar uma chave fantástica da sua narrativa, afirmava: «O mundo dos vivos encerra por si só bastantes maravilhas e mistérios; maravilhas e mistérios que actuam de modo tão inexplicável sobre as nossas emoções e a nossa inteligência que tal quase bastaria para justificar que se possa conceber a vida como um acto de magia.»'

Não quero contar muito a fundo a história deste livro. Mas focar toda a atenção no pormenor espantoso de uma das personagens: o bibliófilo que constrói a casa na praia.. É ele que transforma a narrativa em pura magia.

Imaginem alguém que resolve construir uma casa com a sua própria biblioteca. Os tijolos são os livros. Tudo numa praia... Livros e cimento. As grandes obras são as paredes do seu abrigo.


'Ao longo dos anos vi livros destinados a equilibrar a perna coxa de uma mesa; conheci-os convertidos em mesas de luz, dispostos em forma de torre e com um pano por cima; muitos dicionários passaram a ferro e prensaram mais objectos do que as vezes em que foram abertos, e não poucos livros guardam, dissimulados nas estantes, cartas, dinheiro, segredos. As pessoas também mudam o destino dos livros.'

Mas mudar o destino de uma biblioteca e transformá-la numa casa?

Quero agradecer à Cristina Correia esta escolha e a análise que nos apresentou. Foi mais um livro para apaixonados por livros. Encheu este mês de alegria!

segunda-feira, 7 de março de 2011

Stalisnav Andreski

Este sociólogo polaco diz algo extraordinariamente interessante: "duas pessoas não podem estar mais de meia hora juntas sem que uma adquira uma superioridade evidente sobre a outra."

John Keegan, no seu livro 'Uma história da guerra', não se limita a expor a evolução da guerra, mas também a dar-nos assim umas frases. Vale bem a leitura.

domingo, 6 de março de 2011

A Poesia Vai, Manuel António Pina


A Poesia Vai
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar?

Manuel António Pina