sábado, 8 de fevereiro de 2014

Marcos Foz e exercícios sentimentais

exercícios sentimentais assemelham-se
a desenhos primordiais de louco em terra molhada
que vão mais fundo que o esperado, e ainda mais
se a mão estiver convicta.
exercício sentimental é viver entre duas grandes guerras
numa paz dissimulada,

melhor que todas as outras.

Marcos Foz


Gustav Klimt

Snobidando: o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley

Excerto do prefácio de Admirável Mundo Novo, de e por Aldous Huxley

David pinta... e ganha mais um prémio

Parabéns David, o Clube de Leitores adora o teu trabalho!




Con una serie de caricaturas de famosos escritores he resultado seleccionado como ganador en la categoría de ilustración editorial del prestigioso certamen anual americano "Communication Arts" en su 55 edición. 4.362 participantes de todo el mundo se han presentado, de los cuales han sido seleccionados 168 en 8 categorías ( editorial, animación, publicidad, etc..) por parte de un jurado compuesto por diseñadores, editores, ilustradores y directores de arte. Con todos los ganadores se editará un catálogo con una tirada de 45.000 ejemplares que se repartirán a suscriptores, y que podrá adquirirse en mayo a través de internet. :^)

With a series of caricatures of famous writers I am a winner in editorial illustration category of the prestigious american annual contest "Communication Arts" in its 55th edition. 4,362 participants from around the world have submitted, of which 168 were selected in 8 categories (editorial, animation, advertising, etc. ..) by a jury of designers, editors, illustrators and art directors. A catalog with all the winners will be published with more than 45,000 copies. It will be distributed to subscribers, and will be available in internet in May. :^)

Foto frase do dia: Eric Roth


* A atribuição desta citação a F. Scott Fitzgerald é comum - mas errónea. Pertence, isso sim, a Eric Roth, o argumentista que fez a adaptação de "O Estranho Caso de Benjamin Button" para o cinema, conforme esclarece este post na página da Biblioteca Pública de Falmouth, no Massachusetts, EUA. 
Quem quiser ouvir o Brad Pitt a dizê-la, basta ir até ao Youtube.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Beleza em Bukowski

I met a genius on the train
today
about 6 years old,
he sat beside me
and as the train
ran down along the coast
we came to the ocean
and then he looked at me
and said,
it's not pretty.


Charles Bukowski 

Foto frase do dia: Maya Angelou


a-ver-livros: dança e Fabio Hurtado

O vento dança 
lá fora
entre a figueira nua
e a magnólia que insiste
em vestir-se de gala 
para a festa de inverno

A alma dança
cá dentro
entre o festim 
do teu corpo
e a insaciedade do meu

Ana Almeida

* para saber mais sobre o pintor espanhol Fabio Hurtado
siga o link http://www.saatchiart.com/blueprint60

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Eu poético: «Árvore»

Árvore

ontem fui ao jardim e já lá não estava.

não há tronco,
foram-se os ramos
e o ninho dos pássaros.

vejo apenas folhas caídas,
toros de madeira,
serrim
e um monte de restos lá ao fundo.

perdi a nossa sombra,
a frescura das noites de verão,
a protecção da chuva,
a chegada da primavera
e as cores de outono.

a árvore morreu,
jazem apenas pedaços.

sabes bem que preciso de matéria,
de ter algo à frente para recordar
que estou vivo.

a árvore caiu e com ela foi-se
o meu amor por ti.

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão

Foto frase do dia: Eça de Queirós

Bairro dos Livros: Ler é encontrar o Norte


10h00-13h00 @ Contagiarte (Rua Álvares Cabral)
«Um livro e um café, sff!» por Ângela F. Marques
Autora: Agustina Bessa-Luís
De janeiro a junho, aos sábados de manhã, no Contagiarte / Centro de Formação Cultural serve-se café e uma conversa em volta de um romance português. Entre as 10h e as 13h, partilham-se leituras e vagabundagens com um fio condutor: as mulheres que, na segunda metade do século XX, escreveram e se inscreveram na narrativa portuguesa.
No próximo sábado, a obra em questão é «Jóia de família» de Agustina Bessa-Luís. Sessão com o preço de 15€: inscrições até 6 de fevereiro.
13h30-18h00 @ in transit
Happening por Grupo de Estudos Lusófonos
O que faria se estivesse à espera do seu lanche e o empregado lhe servisse um poema? Durante toda a tarde de sábado, o Grupo de Estudos Lusófonos (FLUP) andará pelos cafés da Baixa a distribuir poesia de autores portuenses. Itinerário revelado em breve.
16h00-18h00 @ Livraria Papa Livros (Rua Miguel Bombarda)
Hora do conto por Adélia Carvalho e oficina de ilustração com Patrícia Figueiredo
Porque o Porto não se faz só dos autores do passado, teremos ainda uma atividade infantil com a autora e livreira Adélia Carvalho na belíssima Papa Livros para crianças dos 3 aos 12 anos.
18h30-19h30 @ XX Festa do Livro em Saldo de Calendário de Letras (Pavilhão Rosa Mota)
«O poema me levará no tempo» por Daniel Ferreira
Autora: Sophia de Mello Breyner Andresen
No penúltimo dia da vigésima Festa do Livro em Saldo, levamos ao Palácio de Cristal o projeto «Sophia 95». Daniel Ferreira apresentará este projeto, numa conversa informal sobre a autora Sophia de Mello Breyner, no ano em que se festeja o seu 95º aniversário.
21h30-24h00 @ Casa-Jardim do PINC-UPTEC (Praça Coronel Pacheco)
Lançamento de «O nome do mundo é uma janela» de Bernardino Guimarães
Encerramos a noite na nossa casa. A Bairro dos Livros, linha editorial da CulturePrint, pretende dar corpo a projetos literários únicos e cruzar muitas linguagens artísticas para comunicar as ideias do futuro e os sonhos do presente. Gostamos do livro-objecto e queremos partilhá-lo.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Poemas que dão música: D8


Foste embora cedo demais
Não matou, fortalece o que não mata
Parece um bom tema de conversa
Para iniciar esta dura carta
Não sei porque escrevo
Talvez por raiva
Medo, Desabafo, Receio
Ou simplesmente para que saibas
Que tentei compreender mas não me entra na cabeça
Porquê a distância
Para quê a dispensa
Da tua vida
Tenho uma questão
Não foste comprar tabaco
O que foste fazer então?
Seja o que for
Não voltaste depois
Foste tu, a mãe
Ou o tango dança-se a dois?
O que sentes
É amor ou ódio
Tens mulher, outro filho
Eu preencho o pódio
Bué dúvidas
O puto é que não mostra
Sempre fui durão
Hoje a minha alma é exposta
Chegava a casa do infantário
E não te via
um miúdo que tentava, não entendia
O presente do dia do Pai
Era a mulher que oferecia
Não sou de histórias encantadas
Mas no choro elas eram almofadas
Não era pouco
As lágrimas não eram saudade
Nem sabia onde tavas no meio desse povo
A mãe não entendia o motivo do choro
Havia cenas proibidas
Uma delas: o teu nome
A mesma mãe
Que sempre se esforçou
Me alimentou pra' isso, nunca descansou
E se eu não me deixo levar por outros
É porque ela me criou
Ela não seguiu o exemplo do marido que me abandonou!

Refrão
Eu sei que não estás aqui
Mas mesmo assim te digo:
Feliz dia do Pai pra ti

Foram anos
Sem um: "filho como te sentes?"
E tal como juntos
O clima entre nós é quente
Agora (damn)
Já vais tarde
Dizem nunca é tarde para mudar
 as noites que eu passei na cave
A escrever sobre o pai
Não
Não te vou chamar disso
Pai de verdade não faz promessas para iludir o filho
Pai de verdade, Só faz chorar quando é preciso
(Yeah)
As memórias que tenho de ti
É a tua ausência
Sonhava jogar à bola contigo
Perdias por falta de comparência
Custa a crer
Mas eu tolero
Dizes não luto por ti
Só luto pelo que quero
Hoje já ligas
Reclamas que não dou o braço a torcer
Nunca deste a mão
Para ver o teu filho crescer
Será que o pai cumpre as juras que faz
Trauma em jovem
O homem com dois pés atrás
Habituei-me a não ter perto
Deus separou
Por linhas tortas 
Ele escreve correto
E tal como no Natal
Quando o homem quer é dia do Pai
Cumprimentos do Diogo

P.S : Feliz dia do Pai

*D8

Fernando Lemos surge no Clube


Quando um dia estiver morto
não me chamem assim de morto
mas digam que fui um fraco
que lutei
Não digam que acabei
mas que estou iludido
Que fiz desertos com túmulos
e praias geladas ao passear doentes

Digam que está ali comigo a côr
o ar e a posse
Que fui igual e traído
Que acordei dentro do vulcão
e rompi manhãs de veludo
feito um rato
Que confundi papel com outro papel
Que troquei a mão de alguém
por outra mão
o sorriso por um desejo
a cerimónia por acto amoroso
Que troquei as horas por frases inocentes
e as rosas por actos gratuitos

Digam que cruzei mal as linhas
que rasguei papéis de valor
e soquei mulheres
Que amei os velhacos
e fui traído com amor
raiva e convicção
Que perdi oportunidades
e das melhores
Que não conheci nem a lei
nem o cheiro do crime
Que abusei da minha fôrça
na fraqueza dos outros
e da fraqueza também

Digam que fui ridículo
e até brilhante
podem dizer que não roubei
nem fui culpado nas guerras

Quando morrer não digam

Não me chamem assim de morto

                              

Fernando Lemos
Cá & Lá, Imprensa Nacional

ALA ... que é poesia XII

Talvez a versão musicada pelo Vitorino não faça jus a este pequeno poema de António Lobo Antunes. À força que vem na sua simplicidade, na ingenuidade do seu amor de pai. Mas a verdade é que todos mentimos a quem amamos. Nunca te vou deixar. Vou estar sempre aqui. Nunca e sempre podem ser segundos. Eternidades, portanto.

Ana Almeida



Canção Para a Minha Filha Isabel Adormecer Quando Tiver Medo do Escuro

Nem sombra nem luz
Nem sopro de estrela
Nem corpinhos nus
De anjos à janela 


Nem asas de pombos
Nem algas no fundo
Nem olhos redondos
Espantados do mundo 

Nem vozes na ilha
Nem chuva lá fora
Dorme minha filha
Que eu não vou embora

António Lobo Antunes

PARA VER O VÍDEO SIGA O LINK
http://www.youtube.com/watch?v=xa39gh2ilP4

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Revista de poesia - Andarilhos #1



"A SESLA vem informar que irá lançar a primeira edição da Andarilhos, uma revista de poesia livre que surge como movimento emancipatório de talento desconhecido. 
Procuramos autores de qualquer idade e estilo. 
Cada autor pode enviar até 4 poemas para andarilhos@sesla.org até 31 de Março. Os trabalhos enviados são livres no formato e na língua. Podem ser assinados com nome ou pseudónimo, desde que o conjunto dos trabalhos de uma pessoa seja assinado de igual forma. 
Os poemas de melhor qualidade estarão presentes na Andarilhos, que estará à vossa disposição em vários pontos de Coimbra ainda a anunciar. 

Boa sorte a todos e partilhem!"



É do borogodó: cegueira

OUÇA O POEMA SEGUINDO O LINK
http://www.youtube.com/watch?v=vI2fe6npq4g
CEGUEIRA 

Não tenho saudades.
Talvez porque o corpo que te deixei
Era o véu caído aos pés da incerteza
E sobre a mesa o retrato
Nunca traduziu verdades firmes.

Pensar que fomos um dia essa nuvem
Onde a noite se fustigava, custa muito
A crer. Aos teus olhos desatentos
Nunca a luz se recolheu e aos meus
O sol e o luar deram-me a cegueira.

Não tenho saudades. Na sombra
O teu nome é como o mar que seca
Sempre que se lembra de nós.

* Alexandre Honrado
lido por Penélope Martins

Foto frase do dia: Emily Brontë

Poemas cantados 5: (bem) na minha mão

 

(bem) na minha mão
Susana Félix * 

Abro os olhos e adormeço
Sem a mente fraquejar
Saio pela manhã
De passagem, coisa vã
Derrapagem
Que a viagem tem princípio, meio e fim

Enquanto vergo, não parto
Enquanto choro, não seco
Enquanto vivo, não corro
À procura do que é certo

Não me venham buzinar
Vou tão bem na minha mão
Então vou para lá
Ver o que dá
Pé atrás na engrenagem
Altruísta até mais não

Enquanto vergo, não parto
Enquanto choro, não seco
Enquanto vivo, não corro
À procura do que é certo

Presa por um fio
Na vertigem do vazio
Que escorrega entre os dedos
Preso em duas mãos
Que o futuro é mais
O presente coerente na razão
Frases feitas são reféns da pulsação


 * do disco"Pulsação", de 2007. Sabiam que Susana Félix até foi campeã de patinagem artística?


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Jijina - O poder da arte ou o efeito borboleta

Para um "a-ver-livros", quase no final do ano, escolhi ao acaso numa pesquisa da net um quadro com livros, era da pintora russa Marina Jijina - e dali parti para mais um pequeno poema, como quase todos os dias. De alguma forma ela deu com o post e partilhou-o na sua página de facebook. Por mero acaso dei com a partilha. E assim chegámos à fala. 
a-ver-livros: suspensão e Marina Jijina
pára tudo
suspende os dias
o curso dos rios
trava as marés
no seu vai-vem
detém a respiração 
dos plátanos
interrompe os sonhos
sustém o passo estugado
do tempo

há um amor e uma tragédia
à espera na esquina
e quero saborear 
a expectativa


Marina lamentou não entender português. Traduzi-lho. Ela acabou por fazer um post especial no seu facebook e no seu blog.


"Happy New Year to all !
For me the beginning of 2014 has been marked with an unusual and fascinating discovery : while doing a daily art related research on internet I came across a poem written in Portuguese dedicated and inspired by one of my earlier paintings called 'University Student Resting'. The poem was written in December 2013 and was featured along with the image of the painting by a Portuguese literary blog.:
http://www.blogclubedeleitores.com/2013/12/a-ver-livros-suspensao-e-marina-jijina.html

A little later I learnt that the author of the poem Ana Almeida is a Portuguese journalist, writer and a poet, she started ''a-ver-livros'' project a year ago for a literary blog called 'Clube de Leitores''. Each day Ana Almeida chooses a painting on the theme of books and uses the painting as a starting point for writing a poem. As I don't speak Portuguese Ana Almeida kindly translated her poem in English for me:


"Stop everything

suspend the days
the course of the rivers
halt the tides
that come and go
hold the breath
of the sycamores
interrupt all dreams
hold the paced steps
of time

There is love and tragedy
awaiting on the corner
and I want to savour
the anticipation"

I asked Ana Almeida why she chose this particular work for her inspiration, and this is what she replied: ''When I looked at your painting I felt like stopping in time and just enjoy anticipation of something either good or bad, for both are part of our lives''.


I feel honoured that my work inspired another artist for creating a work of art; it connected two people that didn't know each other and wouldn't have met otherwise across the countries borders, foreign language barriers, and cultural differences.
What an amazing power of art!"


Obrigada, Marina Jijina - pela tua arte e pela tua sensibilidade!
Thank you, spasibo Marina - for your art and your sensitiveness!

* quem estiver pelo Reino Unido (onde ela vive actualmente) e tiver oportunidade, vá espreitar a
Oxford International Art Fair, na câmara municipal de Oxford, em que ela estará presente de 7 a 9 deste mês.

Recordando Thomaz Ribeiro "A Judia"

Corria a branda noite; o Tejo era sereno;
a riba, silenciosa; a viração subtil;
a lua, em pleno azul erguia o rosto ameno
no céu, inteira paz; na terra, pleno Abril.


Tardo rumor longínquo; airoso barco ao largo
bordava áureo listão do Tejo ao manto azul;
cedia a natureza ao celestial letargo;
traziam meigos sons as virações do sul.


Ó noites de Lisboa! Ó noites de poesia!
auras cheias de aromas! esplêndido luar!
vastos jardins em flor! Suavíssima harmonia!
transparente, profundo, infindo, o céu e o mar...

Se a triste da judia ousasse ter desejo
de pátria sobre a terra, aqui prendera o seu
um bosque sobre a praia, um barco sobre o Tejo,
o eleito da minh’alma um coração só meu!...

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Corria branda a noite; imersa em funda mágoa
fui assentar-me triste e só no meu jardim:
ouvi um canto ameno! e um barco ao lume d’água
vogava brandamente. A voz dizia assim:


“Dormes? e eu velo, sedutora imagem,
grata miragem que no ermo vi:
dorme  - Impossível -  que encontrei na vida!
dorme, querida, que eu descanto aqui!


Dorme! eu descarto a acalentar-te os sonhos,
virgens, risonhos, que te vêm dos céus:
dorme, e não vejas o martírio, as mágoas
que eu digo às águas e não conto a Deus!


Anjo sem pátria, branca fada errante,
perto ou distante que de mim tu vás,
há-de seguir-te uma saudade infinda,
hebreia linda, que dormindo estás.


Onde nasceste? onde brincaste, ó bela;
rosa singela que não tens jardim?
Em Jafa? em Malta? em Nazareth? no Egito?...
mundo infinito, e tu sem berço?! oh! sim,


folha que o vento da fortuna impele,
vitima imbele que um tufão roubou!
flor que num vaso se alimenta, cresce,
ri, desaparece, e nunca mais voltou!


Filha dum povo perseguido e nobre,
que ao mundo encobre o seu martírio, e crê:
sempre Ashevero a percorrer a esfera!
desgraça austera! inabalável fé!


porque há-de o lume de teus olhos belos,
mostrar-me anelos d’infinito ardor?
porque esta chama a consumir-me o seio?
Deus de permeio nos maldiz o amor!..


Peito! meu peito, porque anseias tanto?
pranto! meu pranto, basta já, não mais!
é sina, é sina! remador voltemos;
não n’a acordemos... para quê, meus ais?...


Dorme, que eu velo, sedutora imagem,
grata  miragem que no ermo vi:
dorme -  Impossível -  que encontrei na vida!
dorme, querida,  que eu não volto aqui!” -


Sumiu-se a barca e eu chorava
debruçada sobre o Tejo:
a aragem trouxe-me um beijo
que nos meus lábios tomei…
ergui-me cheia d’afecto;
vi cintilar ainda a esteira
da barquinha feiticeira,
e disse às auras: “Correi!
trazei-mo! quero contar lhe
o fundo tormento enorme
da judia que não dorme
a penar d’ignoto amor!
Voai! trazei-me o seu nome,
o seu retrato, o seu canto,
uma baga do seu pranto
que venha o meu trovador!…


Ai, não! que há na minha história
que lhe suavize a tristeza?
Nasci na triste Veneza,
onde perdi minha mãe;
acalentaram-me lágrimas
que derramava a saudade,
na desgraçada cidade
que não tem pátria também
Cresci; meu pai uma noite
Disse-me: “É já tempo agora;


ergue-te ao romper da aurora
vamos partir amanhã;
vamos ver as terras santas,
sepulcros de teus monarcas;
a pátria dos patriarcas,
desde o Egipto ao Chanaan,,
Fui; corri o mapa imenso
das montanhas da Judeia;
ai pátria da raça hebreia!
ai, desditosa Sião!
que extensos montes sem relva!
que paragens sem conforto,
onde se estende o Mar-Morto
e onde serpeia o Jordão!…


Aqui, de Hemor os vestígios;
de Sife, além o deserto,
longe, o Sinai encoberto;
d’Horeb o morro, ainda além;
deste lado, o Mar Vermelho;
daquele... nada! uns destroços:
ruínas, campas sem ossos,
e, ao fundo, Jerusalém.


Meu pai chorava, e eu chorava,
vendo morta e sem prestígio,
terra de tanto prodígio,
maldita agora de Deus.
Tudo silencioso, estéril
tudo vastos cemitérios
onde ruínas d’impérios
ficaram por mausoléus!


- “Meu pai - disse eu - tenho sede…
-“Vê , filha, a aridez do monte:
só Deus dava ao ermo a fonte
em que bebia Ismael.”
 “Pai, cansei; mostra-me a pátria
quero dormir sem receio…,
“Filha, encosta-te ao meu seio,
que não tem pátria Israel….

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Em rodo o mundo estrangeiro,
toda a vida peregrina!
Vede se há mais triste sina:
Ser rica e não ter um lar!
Sempre a lenda do Ashevero!
sempre o decreto divino!
sempre a expulsar-me o destino,
como Abraão à pobre Agar!


Que pode valer à hebreia
sentir n’alma chama infinda,
como a linda Ester ser linda
e amada como Raquel?
Se o coração da judia
se entreabre do amor aos lumes
não lhe dá tempo aos perfumes
o seu destino cruel.


Ai, trovador nazareno,
não voltes! tenho receio.
Dizes que é Deus de permeio?
não, blasfemaste: Deus, não.
Pôs o mundo esse impossível
entre o desejo e a ventura;
o amor chama-lhe — loucura,
e o preconceito razão


Deus é Deus, e um só existe;
cego é o mundo, e vária a crença;
mas esta cúpula imensa
é tecto de todos nós:
este ambiente que respiro,
da lua e do sol os brilhos,
hão-de ser de nossos filhos,
foram de nossos avós.


Mas se a crença nos separa
e o mundo exige o suplício,
dê-se o amor em sacrifício,
deixando se o pranto à dor;
eu, cerro o peito à ventura;
tu, esmaga o teu desejo;
não mais virei junto ao Tejo...
não voltes mais, trovador!



Tomás António Ribeiro Ferreira (Parada de Gonta, Tondela, 1 de Julho de 1831 — Lisboa, 6 de Fevereiro de 1901)

Foto frase do dia: Francis Scott Fitzgerald

 

* A atribuição desta citação a F. Scott Fitzgerald é comum - mas errónea. Pertence, isso sim, a Eric Roth, o argumentista que fez a adaptação de "O Estranho Caso de Benjamin Button" para o cinema, conforme esclarece este post na página da Biblioteca Pública de Falmouth, no Massachusetts, EUA.
Quem quiser ouvir o Brad Pitt a dizê-la, basta ir até ao Youtube.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

O escritor Truman Capote volta a morrer

Ator norte-americano foi encontrado morto no seu apartamento em Nova Iorque. As autoridades estão a investigar, mas o 'New York Post' avança com uma "aparente overdose" de substâncias ilícitas.

Segundo o Wall Street Journal, o ator que em 2006 venceu o Óscar de Melhor Ator graças ao filme Capote foi encontrado morto no seu apartamento em Manhattan, Nova Iorque.
New York Post refere que a morte poderá ter sido de uma overdose. Philip Seymour Hoffman terá sido encontrado por um amigo, por volta das 11.15 (hora local) "na casa de banho do seu quarto com uma agulha hipodérmica ainda no braço", refere o mesmo jornal.
O site TMZ avança que o ator sofria de dependência de drogas e, depois de 23 anos sem consumir, acabou por ter uma recaída em 2012. No ano passado, em maio, deu entrada numa clínica de reabilitação para vencer o vício em heroína.
O ator tinha 46 anos, era pai de três filhos, e foi nomeado quatro vezes para os Óscares. A primeira vez que foi nomeado acabou por vencer, na categoria de Melhor Ator, pela sua interpretação do escritor Truman Capote. As restantes vezes foi nomeado para Melhor Ator Secundário, pelos filmes Jogos de Poder (2007), A Dúvida (2008) e O Mentor (2012).
Este ano deverão chegar às salas dois filmes em que participou, nomeadamente God's Pocket, de John Slattery, e A Most Wanted Man, de Anton Corbijn. Este último adapta o livro Um Homem Muito Procurado, de John le Carré.
*Notícia do DN, por João Moço. 

Cronicando pela Ásia... manhã em Luang Prabang

Luang Prabang,
06 e 07 de Maio 2009

Luang Prabang - lugar mágico onde aterrei. Ainda havia sol quando cheguei à Guest House. Um sítio muito pacato e acolhedor, com umas camas de rede na varanda. Depois de pousar a tralha e tomar um banho, saio para jantar. A cidade tem forte presença francesa e isso revela-se na arquitectura e gastronomia.

Fui ao bar Jungle beber algo e às 23.30h em ponto, tenho a confirmação daquilo que já suspeitava: o Laos tem recolher obrigatório. O bar era mesmo uma selva, com plantas exuberantes e muito bambu. Super bem decorado e com bom ambiente. 

Nada a fazer. A luz desapareceu das ruas, permanecendo apenas na avenida principal. Ainda espreitei o Chelsea-Barcelona que passava numa tv de um hostel e segui para a cama. 




Acordei cedo e começo a caminhar. Como pode o país mais pobre da Ásia ter uma cidade fantástica? Além da presença francesa, conserva imensos templos Budistas. E são dos mais antigos do mundo. Não é em vão que Luang Prabang é património mundial da Unesco. Percebe-se bem pelas fotos que tiro.












Entro em templos milenares. O respeito aqui parece mais cerimonial. Em qualquer templo Budista temos que nos descalçar. Na minha caminhada, entro em tudo o que vejo. Os olhos têm alguma dificuldade em acompanhar tantos pormenores. As paredes retratam a vida de Buda e os seus ensinamentos.


O almoço está perto. Regresso a casa e planeio a visita a uma cascata ali perto. Mal sabia que ia voltar uma vez mais ao paraíso... 

Rodrigo Ferrão