sábado, 16 de fevereiro de 2013

De 21 a 23 de Fevereiro vamos nas Correntes na Póvoa de Varzim


O evento irá realizar-se de 21 a 23 de Fevereiro, e o arranque será, à semelhança das edições anteriores, no Casino da Póvoa, no dia 21, às 11h00.
A Sessão de Abertura contempla o anúncio dos vencedores dos quatro Prémios Literários e ainda a apresentação do número 12 da Revista Correntes d’Escritas.

Entre estreantes e repetentes, estarão presentes 60 escritores, Afonso Cruz, Ana Nunes Cordeiro, Carmen Dolores, Cristina Norton, Francisco José Viegas, Ignácio Martinez de Pisón, Jesus del Campo, Lauren Mendinueta, Machael Kegler, Nuno Camarneiro, Possidónio Cachapa, Richard Zimler e Valter Hugo Mae são alguns dos nomes confirmados. Irão decorrer as habituais mesas de debate, intervenções poéticas, lançamentos de livros, cinema, sessões com o público escolar, exposições, entre outros.

Mesas de debate, lançamentos de livros, cinema, teatro, entre muitos outros momentos a não perder, até ao dia 23, com a participação de cerca de 60 escritores de expressão ibérica, sendo que doze participam no evento pela primeira vez. Entre os participantes, o Vereador da Cultura destacou nomes como António Mega Ferreira, pela 1ª vez no evento), talvez Eduardo Lourenço e o Maestro Victorino D’Almeida.

Uma das novidades desta edição são as intervenções poéticas. “Vamos ter a poesia nas ruas da Póvoa. Uma forma de aproximar ainda mais o Correntes d’Escritas à população. Estamos num restaurante, café, ou no Mercado Municipal a fazer compras e aparece um grupo a dizer poesia”, revelou Luís Diamantino, esclarecendo que os poemas serão ditos de acordo com o contexto. Haverá ainda sessões de poesia no Hotel Axis Vermar e na Casa da Juventude, onde, como habitualmente, terá lugar a Feira do Livro.

O Encontro contará com duas exposições, uma de pintura de Emerenciano intitulada "Aqui e Agora sem Palavras", realizada em parceria com a Fundação de Serralves, e que estará patente no Museu Municipal, outra de fotografias de Carlos Romero, na Biblioteca Municipal. Sobre esta última, Luís Diamantino referiu que, “sobretudo pela curiosidade, vale a pena visitá-la. Serão apresentadas fotografias dos anos 80, ou seja, da Póvoa do século passado em contraste com a actual. Carlos Romero teve preocupação em fotografar os mesmos locais do mesmo ângulo, num total de doze pares de fotografias”.


Destaque no programa, para o lançamento do 12º número da revista “Correntes d’Escritas” dedicado a Urbano Tavares Rodrigues. A revista será apresentada na Cerimónia de Abertura do Correntes, no dia 21, durante a qual também serão conhecidos os vencedores dos quatro prémios literários: o Prémio Literário Casino da Póvoa; o Prémio Fundação Dr. Luís Rainha; o Prémio Literário Correntes d’Escritas/ Papelaria Locus; e, por último, o Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes d’Escritas/ Porto Editora, para alunos do 4º ano do Ensino Básico.

Para além disso, a Cerimónia de divulgação dos vencedores da 5ª edição dos Prémios de Edição LER/ Booktailors 2013 estará integrada no Correntes d’Escritas.

Acompanhe a 14ª edição do Correntes d’Escritas – Encontro de Escritores de Expressão Ibérica no portal municipal, onde poderá também consultar o programa completo do evento (link para download em pdf).

Palavras de elogio ao trabalho de Hrabal

Prossigo a leitura do livro do mês aqui do blog, A terra onde o tempo parou, deixando algumas críticas que deixam no final do mesmo.

Espero agarrar mais uns leitores! Posso dizer-vos que o livro é um espanto.

"A terra onde o tempo parou leva Bohumil Hrabal à sua principal fonte de inspiração: a sua infância em Nymburk, aldeia da Boémia onde seu pai tinha uma cervejaria. À maneira dos heróis dos seus romances anteriores, Bohumil Hrabal, com humor e ternura, «procura o caminho do voltar atrás, afastando com a caneta toda a neve acumulada sobre o seu passado».

E descobrimos uma personagem riquíssima: o tio Pepi, que veio por quinze dias e ficou toda a vida. Frequentador assíduo de cafés e bares, desespera a família mas permite à aldeia um sopro de vida, uma alma, um humor inexprimível."

Lettre du Livre


"Parecendo remexer, escava a realidade quotidiana à procura da mais pequena partícula de beleza contida nos seres e nas coisas, Bohumil Hrabal acaba por ser um cronista malicioso e um caricaturista comovente. E assim, desencadeando o riso ou a emoção, utilizando uma escrita bem checa, é tão profundamente humano que se torna universal.

Nenhuma censura parece ser capaz de conter esta escrita, livre de qualquer dissidência etiquetada."

Libération

«Engano» de Philip Roth: fiquem com as 3 primeiras páginas do livro



No centro de Engano estão dois adúlteros no seu esconderijo. Ele é um escritor americano de meia-idade chamado Philip, que vive em Londres, e ela é uma inglesa culta, inteligente e expressiva, refém de um casamento humilhante ao qual, com trinta e poucos anos, já está nervosamente resignada, ou quase. A acção do livro é feita de diálogos - principalmente conversas entre os amantes antes e depois de fazerem amor. Esses diálogos - acutilantes, ricos, espirituosos, dialécticos - são praticamente tudo o que há neste livro, e não é preciso mais nada.

*Publicado pela Dom Quixote

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Poema à noitinha... Gonçalo M. Tavares

Pouco habituados a ler-lhe poesia...


A Grande Inteligência é Sobreviver

A grande Inteligência é sobreviver.
As tartarugas portanto não são teimosas nem lentas, dominam;
SIM, a ciência.
Toda a tecnologia é quase inútil e estúpida,
porque a artesanal tartaruga,
a espontânea TARTARUGA,
permanece sobre a terra mais anos que o homem.
Portanto,
como a grande inteligência é sobreviver,
a tartaruga é Filósofa e Laboratório,
e o Homem que já foi Rei da criação
não passa, afinal, de um crustáceo FALSO,
um lavagante pedante;
um animal de cabeça dura. Ponto.


*Gonçalo M. Tavares, in "Investigações. Novalis" - Edição Difel

"A colecção de poemas (...) «Investigações. Novalis» (...) foi vencedora do Prémio Revelação de Poesia da APE (...) Livro (que) prolonga algumas das temáticas e das estratégias formais do «Livro da Dança», mas, talvez por causa desse antecessor, já nos parece mais legível."

Pedro Mexia in DN em Julho de 2002

Uma outra forma de ler Bukowski: "The Mockingbird"

The Mockingbird: lido pelo próprio Bukowski.


The mockingbird
Charles Bukowski

the mockingbird had been following the cat
all summer
mocking mocking mocking
teasing and cocksure;
the cat crawled under rockers on porches
tail flashing
and said something angry to the mockingbird
which I didn’t understand.

yesterday the cat walked calmly up the driveway
with the mockingbird alive in its mouth,
wings fanned, beautiful wings fanned and flopping,
feathers parted like a woman’s legs,
and the bird was no longer mocking,
it was asking, it was praying
but the cat
striding down through centuries
would not listen.

I saw it crawl under a yellow car
with the bird
to bargain it to another place.

summer was over.

1º Parágrafo: O Verão Selvagem dos Teus Olhos


Os últimos dias de Abril. Há nevoeiro, fundo como um poço, com um leve cheiro a flores. Na terra onde vivemos os rododendros e as azáleas começam a florir nos últimos dias de Abril. Como algo de novo. Perturbador e novo. E sentimo-nos justificados, porque o jardim é a nossa criação, o trabalho das nossas mãos e da nossa alma, e de alguma forma parece-se connosco, tem o nosso cheiro. Quando nos encontrámos em Madrid ele disse-me que eu cheirava a alperce. E de vez em quando a tangerina. Mais tarde disse-me com uma expressão estranha no rosto que eu tinha o cheiro das azáleas, o cheiro do jardim, a parte do jardim, de que ele mais gosta, entre os relvados e o mar. Um vale tranquilo.


a-ver-livros: descalço e Nykolai Aleksander

Imagino-te assim, querido
no mundo onde hei-de encontrar-te 
um dia
pés descalços 
para não perturbares com os teus passos
o sono dos livros que dormem
contigo

* para conhecer mais sobre a artista Nykolai Aleksander
siga o link www.admemento.com

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Re-inventando o amor

Corriam os anos 80, as rádios piratas rebentavam por aí como cogumelos - e eu tinha um programa nocturno chamado "Literoterapia". Sim, o nome não era grande espingarda (a aromaterapia era a coisa da moda e eu achei que o trocadilho tinha graça, oh ilusão da juventude), mas ainda esteve uns dois anos no ar, tendo como ouvintes dos mais atentos a minha tia Helena e a população prisional do Linhó, rapazes que até me enviavam cartas com poemas deles.

Na prática, durante duas horas juntava textos ou poemas de um autor de língua portuguesa às canções de um intérprete igualmente nacional. Lembro-me bem das horas de pesquisa que fiz na Biblioteca Condes de Castro Guimarães, copiando à mão o que leria no programa dessa semana - que não havia orçamento para comprar livros a esmo. Mas perdi a cabeça e comprei "A Invenção do Amor", do Daniel Filipe.

"Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
"

E uma noite, só porque sim, mal chegara cá ainda este elogio do marketing chamado S. Valentim, li-o de fio a pavio aos microfones da rádio, emoção ao rubro, um disco de jazz instrumental como pano de fundo.
 

Anos mais tarde, em 1994, ouviria esta emissão especial da TSF dedicada ao mesmo longo poema, num projecto do carismático Fernando Alves e do Jorge Pena. E reiterei a certeza da sua intemporalidade. A celebrar 25 anos de existência, esta rádio repescou nesta data aquela emissão. Partilho-a convosco. Basta seguirem este link.
* (Se acaso for parar apenas à página inicial da TSF façam uma pesquisa pelo nome do poeta e desçam um pouco na pesquisa porque aparece.)

Prometo que retomo no final da semana o "a-ver-livros no Metro".
E costumo cumprir o que prometo.


* Daniel Filipe - Jornalista e poeta. Nasceu em 1924 em Cabo Verde, veio para Portugal (onde combateu a ditadura salazarista e chegou a ser preso e torturado pela Pide), morreu na sua Cabo Verde natal em 1964.

1º Parágrafo: O fim de Lizzie e Outras Histórias


A noite passada sonhei que tinha voltado à casa do avô. O jardim estava submerso em nevoeiro e o vento muito frio trazia-nos os sons indistintos da charneca.



* Livro composto pelos contos: Numa manhã fria, O fim de Lizzie e O sonho do Unicórnio

a-ver-livros: luz e Maria Konstantinova Bashkirtseva

Esta luz incomoda-me
como me incomoda
a sombra que este futuro deita
sobre nós. 
Inquieta-me o bailado
que faz
no passar do tempo que não pára
bule-me com os nervos
à flor destas páginas pálidas
dos dias

Para saber mais sobre a pintora ucrâniana Maria Konstantinova Bashkirtseva,
também conhecida como Marie Bashkirtseff, siga o link www.bashkirtseff.com.ar

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A história da impressão em infografia (inglês)

(Clique na imagem para aumentar)

Fonte: http://www.infographicsonly.com/

Poema à noitinha... Daniel Faria




Ausência


Fala

Ouvir-te-ei
Ainda que os segredos
As amoras me chamem

Diz-me
Que existirão lágrimas para chorar
Na velhice
Na solidão

Ainda que acordes os olhos dos deuses

Fala

Ouvir-te-ei
A coragem

Alguém de nós que já não está


*Daniel Faria, in Oxálida

1º Parágrafo: A Linguagem dos Pássaros


Ele aprendeu russo para descobrir o que acontecia aos lábios do menino no poema de Arsenii Tarkovski. Lera o poema em muitas versões, em muitas línguas, e depois ficou obcecado pela página de um livro, pelos caracteres que não conhecia e que de alguma forma tinha de desvelar. Deve tê-lo feito sozinho, comprou livros e dicionários, passou tarde inteiras no Cinema del Silenzio, vendo filmes de Andrey Tarkovski, e tempos depois fez a viagem à Rússia de que me falava de vez em quando, parecia só ter visto cúpulas de igrejas e neve, e livros, pequenas livrarias onde encontrara volumes estranhos, os que estão naquela estante. Foi também nessa viagem que comprou os ícones, a reprodução da Santíssima Trindade de Andrey Rublev, que está no quarto da torre, e os dois mais pequenos, que me deu, os dois anjos, um vestido de verde, um de azul, os meus anjos. Como ele, eu gosto de queimar incenso em frente dos ícones, de acender velas, de ficar a olhá-los durante muito tempo, os ícones são orações que engendraram uma forma visível, mas sempre orações. E não se pode fazer nada em frente de uma oração além de entregarmo-nos, nunca existiram anjos como aqueles, os da Trindade, criando um círculo à volta da mesa, envolvendo o mundo, os meus dois anjos solitários, anjo da natureza e anjo da água, anjo das plantas e anjo dos pássaros, não sei se ele alguma vez pensou nisso, mas são um pouco como nós, altos e perdidos, anjo da natureza e anjo da água, Miguel sempre foi meu anjo da água e dos pássaros, desde a primeira vez que o vi sobre as rochas, imóvel, submerso no vento e na espuma das ondas, e nos gritos das gaivotas, acho que comecei a amá-lo naquele instante.


a-ver-livros: desafio e Isabelle Arsenault

Vem, anda
esconde-te aqui comigo

só agora, vá
ofereço-te um novo universo
viaja, descansa,
atreve-te
lê-me

* para conhecer mais do trabalho da ilustradora canadiana Isabelle Arsenault
siga o link /www.isabellearsenault.com

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Uma outra forma de ler Bukowski: "The Night I Killed Tommy"

The Night I Killed Tommy: lido pelo próprio Bukowski.

1º Parágrafo: A Pantera


Numa noite de Setembro, na escuridão do Abbey Theatre em Dublin, Kate encontrou a sua personagem. Com os olhos fixos no palco, no corpo magro do actor, sentiu que o livro começava a tomar forma, as palavras e as imagens, a ternura e o terrível.


As "Anas" ganham o passatempo «O Suave e o Negro»!

Das cinco frases que o júri seleccionou para a finalíssima, duas sobressaíram. Não só pela forma simples e bonita com que falam sobre a Amizade, mas também porque foram as preferidas de quem visita o nosso espaço com frequência.

O Clube de Leitores e a QuidNovi Editora têm o prazer de anunciar que as vencedoras do livro «O Suave e o Negro» de Manuel Monteiro são:

Ana Paula Oliveira: A amizade é conjugar os verbos partilhar, compreender e ouvir no presente e no futuro do Indicativo.

Ana Cristina MartinsA amizade não se define, sente-se e faz-se sentir, respira-se, saboreia-se, cheira-se, ouve-se e faz-se ouvir. dá-se e recebe-se, não se diz. 

Muitos parabéns às duas! Temos a certeza que levam um excelente livro para casa: que foi leitura conjunta de Janeiro aqui no blog. 

P'lo Clube de Leitores,
Rodrigo Ferrão


*Como sabemos que nos seguem pelo Facebook, faremos chegar quanto antes uma mensagem privada para recolher a vossa morada.

a-ver-livros: carnavais e Harry Wolfrath

Este é um poema
mascarado de outra coisa
talvez um pleito
talvez insulto
talvez o grito que o peito não pode esconder
quem sabe o litígio
entre mim e a outra
a meio caminho de ser
talvez a maldição de reconhecer
que não há poesia em dias assim
carnavais do tempo

* para conhecer mais da pintura do alemão Harry Wolfrath
basta seguir o link www.auktionshaus-stahl.de/exponat-ansicht-303
 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

a-ver-outros-livros no Metro: viagem com Vergílio

Ler Vergílio Ferreira é como andar de Metro - encontramos inúmeras estações e em todas algo que merece ser lido, relido e citado. Só na estação do Aeroporto está de corpo, sentado no cadeirão de azulejos que lhe desenhou António, o cartoonista a quem o Metropolitano de Lisboa encomendou a decoração artística daquele apeadeiro, inaugurado em Julho passado. Dedos tocando-se. As rugas na testa de tanto pensar o que poucos pensam e menos ainda escrevem. 

Vergílio António Ferreira (Gouveia, 28 janeiro 1916 - Lisboa, 1 março 1996) fez ficção, ensaio e diário. Dos seus inúmeros livros, "Manhã Submersa" será talvez o primeiro em que se pensa, uma vez que foi adaptado para o cinema por Lauro António. Mas os seus escritos são vastos - e escolher um trecho para partilhar convosco foi, confesso-o, o cabo dos trabalhos. 

Acabei por render-me ao tema dos livros. Lê-los e escrevê-los. Apreciem. Continuação de boa viagem.

"O Livro Bem Escrito

Que ridículo e mesmo estúpido dizer-se de um livro que está bem escrito. Não é «bem escrito» que está. Está é sentido originalmente, original nas observações, inteligente na reflexão. É por isso que não se pode imitar. Pode-se é ser original de outra maneira. Há realmente livros que são apenas «bem escritos». São os livros banais, com palavras trabalhadas ao torno, frases que se pretendem «despojadas», reduzidas ao «essencial», e cruas. Mas como o que nelas está não representa um sentir originário, nem uma observação imprevista, nem uma reflexão que nos surpreenda pela justeza e profundidade, o que delas resulta é uma construção pretensiosa, estéril e quase sempre irritante. Decerto um romance (como a poesia segundo Mallarmé e como creio já ter dito), faz-se com palavras. Pois com que é que havia de fazer-se? Mas antes disso faz-se com o impulso animador a essas palavras e que assim não passa bem por elas mas por entre elas, fazendo delas apenas um apoio para passar além, como o som passa pelas cordas mas existe por entre elas e é nesse som o indizível que nos emociona. O que nos fica de um livro «bem escrito» é essa emoção que já não lembra as palavras e vive por si.

Eis porque tal livro é inimitável e apenas poderá repetir-se, ou seja plagiar-se. Imitar verdadeiramente esse livro é recompor uma emoção afim e inventar outras palavras que traduzam esse sentir, ou seja que lhe sirvam de pretexto ou estratagema para que esse sentir (e pensar/sentir) se realize como a música nas cordas de um instrumento. O escritor medíocre imagina que todo o seu trabalho deve incindir no trabalhar uma frase. Ora não é a frase que tem de se trabalhar: é aquilo que há-de passar por ela. Os autores célebres que trabalharam a frase, na realidade trabalharam apenas aquilo que haviam de exprimir; testaram na frase a realização de uma expressão. O escritor medíocre dá como já adquirido o que haveria a dizer e todo o seu esforço é secar o período, burilar ou envernizar o vocábulo. E no fim de contas, este é que «escreve bem». Mas quem assim escreve bem, escreve bastante mal. Não digo rasamente que o «conteúdo» preceda a sua «expressão». Mas o que preexiste à expressão não é um puro nada. Exprimir é operar e concretizar esse algo. Mas esse algo existe. Escrever bem, como se diz, é realizar pela escrita um «bem» que aí se revela mas que está antes e depois disso em que se revela. Escreve-se bem com o espírito e a sensibilidade - não com um dicionário. Embora seja no dicionário que está toda a obra-prima. Como na pedra está toda a melhor escultura.
"
 

in 'Conta-Corrente 4'"


"Escreve! Senta-te diante da folha de papel e escreve. Escrever o quê? Não perguntes. Os crentes têm as suas horas de orar, mesmo não estando inclinados para isso. Concentram-se, fazem um esforço de contensão beata e lá conseguem. Esperam a graça e às vezes ela vem. Escrever é orar sem um deus para a oração. Porque o poder da divindade não passa apenas pela crença e é aí apenas uma modalidade de a fazer existir. Ela existe para os que não crêem, como expressão do sagrado sem divindade que a preencha. Como é que outros escrevem em agnosticismo da sensibilidade? Decerto eles o fazem sendo crentes como os crentes pelo acto extremo de o manifestarem. Eles captarão assim o poder da transfiguração e do incognoscível na execução fria do acto em que isso deveria ser. Escreve e não perguntes. Escreve para te doeres disso, de não saberes. E já houve resposta bastante."
 

in "Pensar"

1º Parágrafo: Intimações de Morte


Quando era uma criança, e pensava como uma criança, e falava como uma criança, Jane Frost apaixonou-se pelo caçador do filme de Charles Laughton. Durante anos contou histórias à sua boneca na margem do rio, escreveu nos dedos palavras misteriosas com tinta azul, e procurou-o nas sombras do seu quarto, com medo e desejo, enquanto ao longe se ouvia o som sempre igual de uma máquina de escrever ou alguém que assobiava debaixo da janela.


a-ver-livros: a voz do azulão e Leslie Naveh

Um passarinho disse-me
que não voltas

como posso duvidar
se não te encontro a voz
no livro que leio
se não te vejo a sombra
no chão que piso

Um passarinho disse-me
que não me esqueces
e também acreditei

* para conhecer mais da pintura da norte-americana Leslie Naveh,
a viver em Israel, siga o link www.lesliesart.com

domingo, 10 de fevereiro de 2013

ComO se As NuVenS AmarelAs


Da infância, lembro-me de ti a jogar à bola.
A única menina entre os rapazes, a mais veloz, os cabelos loiros como uma nuvem, como se as nuvens amarelas.


Depois: “A menina já não tem idade para jogar à bola.”
“Mas somos todos da mesma idade!”
“Mas a menina é menina!”
“Mas…”
“Mas nada! Não discuta.”

Na escola primária, lembro-me de ti a afiar os lápis.
Parecias um jogador de bilhar, arrumavas os lápis em linha, como se um exército, os gumes afiadíssimos, como se dardos.
Depois, na escola secundária, passavas as aulas de olhos postos no mundo do outro lado da janela, uma árvore caquéctica e mirrada, uma estrada engarrafada de trânsito, entediante, e tu atenta ao tédio; passavas os intervalos a desenhar e a fumar, um lápis na mão direita, um cigarro na mão esquerda.
Teria dado um rim para ver os teus cadernos, saber o que desenhavas.
Não me matava, não penses, as pessoas vivem perfeitamente com apenas um rim, mas terias ficado impressionada, não terias?
Desenhavas como se estivesses a revolver uma ferida, movimentos curtos, a ponta do lápis no mesmo ponto do papel, como se no lugar exacto da dor.
O teu olhar sereno.
Não eram tuas as feridas.
Seriam as tuas feridas?
A menina mais bonita da turma, alheia e indiferente a tudo, ao resto da turma, aos professores, até os professores suspiravam, e o que mais suspirava, o senhor Aníbal, o contínuo, devia ter idade para ser teu avô.
Um dia ouvi-o dizer a si mesmo que o bonito era para se ver, pareceu-me bonito, o elogio, demorei muito tempo a perceber que não era bonito.
Tu, apenas indiferente, indiferente ao chão que pisavas, às nuvens no céu, ao vento que te revolvia o cabelo, como se as nuvens amarelas, indiferente.
Ou não.
O que é que eu sei, se nunca vi os teus desenhos.
Um dia apresentaram-nos. Luís: a Júlia.
Foi como se tivessem apresentado o pânico à indiferença.
Depois, desapareceste da minha vida mais de vinte anos, todavia fui sabendo o que te foi acontecendo.
Sabendo, acontecendo, lembra letra de samba, fraquinha, fraquinha!
E, corrige-me se estiver enganado.
Foste para Belas Artes. Uma universidade conceituada no estrangeiro.
Imagino que passavas as aulas a desenhar e os intervalos a desenhar e a fumar, um lápis na mão direita, um cigarro na mão esquerda.
Depois casaste, suponho que com o tipo perfeito para te fazer infeliz.
Qualquer um seria perfeito para te fazer infeliz.
Tiveste uma filha.
Não parecias ter sido feita para ser mãe.
És uma boa mãe. Não sei porque é que isto me surpreende, mas surpreende.
Assim, a vida foi acontecendo, a intervalos, enquanto não estavas a pintar, um lápis, um pincel, na mão direita, um cigarro na mão esquerda e música para abafar o mundo, quase exclusivamente Mozart, sonatas, que faziam alegria dentro de ti.
Os quadros, as encomendas, de Singapura a Los Angeles, os museus, italianos, franceses, holandeses, as leiloeiras inglesas, nova-iorquinas, as revistas da especialidade, os jornais, as televisões, a falar de ti.
Tu sem falar, nunca vi uma entrevista, um comentário que fosse, teu, que me parecesse teu.
Apenas fotografias.
Um café em Montmartre, um capuccino em Trastevere, um chá em Notting Hill, um chá tomado em pé dentro do Grand Bazaar, um passeio a pé por Tiegarten, uma cerveja no Raval, um copo de vinho em Alfama, um jantar Soho, um cigarro à porta de uma galeria em La boca, tu a sair do metro em Estocolmo, Budapeste, Atenas, Varsóvia, Viena, Zagrebe, a sair de um táxi em Pequim, Lima, Santiago, Montevidéu, Cairo, Damasco, Goa, Tel Aviv.
Tenho uma caixa de sapatos cheia de ti.
Como se a tua vida coubesse numa caixa de sapatos.
Como se o que eu sinto por ti coubesse numa caixa de sapatos.
E hoje de manhã, depois de uma noite mal dormida, de uma discussão doméstica tardia, de um sono precário no sofá, de me ter cortado em dois sítios ao desfazer a barba, o que há anos não me acontecia, as minhas mãos despassaradas, irreconhecíveis, vesti a bata, comecei a trabalhar e tu eras a última pessoa que esperava encontrar.
Mas eras tu ou era o teu corpo, os pulsos cortados, feridas feias de ver, deitada numa maca que voava pela urgência adentro.

Acordaste há mais de uma hora, há mais de uma hora que não tiras os olhos da janela, e eu há mais de seis horas que não tiro os meus olhos de ti.
Na janela a copa de uma árvore, não caquéctica e mirrada, frondosa, verde, sonora, andorinhas e pardais que não se ouvem deste lado da janela.
Fui eu que escolhi a cama, por causa da árvore na janela.
Fui eu que te cosi os pulsos.
Sou eu que estou atrás da porta, há mais de uma hora à espera que olhes para a porta, para o meu sorriso baço atrás do vidro da porta, uma porta que parece janela.
Eu a morrer de vontade de te perguntar: lembras-te de mim? 
Porque há tantas maneiras de morrer.

Raquel Serejo Martins


Descobrir Roma com Stéphane Audeguy


O premiado autor francês, chega a Portugal pela Teodolito, chancela das Edições Afrontamento, com Rom@, Stéphane  Audeguy  nascido  em  1964,  em Tours. É formado em letras modernas, com especialização em inglês. Foi assistente na Universidade de Charlottesville, nos Estados Unidos. Depois de ter ensinado durante anos história do cinema e das artes, deixou o magistério para se dedicar exclusivamente à literatura. O seu primeiro romance, "A teoria das nuvens",  está  já  publicado  em  português (Editorial Teorema, 2006),  bem  como  "Filho Único" (Editorial Teorema, 2008). Este último ganhou forte cobertura dos media franceses à época de seu lançamento, tendo recebido também acolhimento no mundo literário. A obra foi indicada ao Goncourt, além de ter sido agraciada com o Prêmio Deux Magots 2007.

“Roma:  quatro  letras  extraídas  da  lotaria  da  História.  E todos  esses  grandes  sábios  que  se  debruçaram sobre  mim, uns  declarando-me  fêmea,  loba  ou  prostituta,  outros dizendo  que  devia  o  meu  nome  ao  macho  fundador  que delimitou o meu terreno. Eu não dizia nada, naturalmente, mas  nem  por  isso  deixava  de  ter  as  minhas  próprias  ideias sobre  o  assunto.  No  pequeno  jogo  fastidioso  da  busca  da verdade,  desejava-lhes,  evidentemente,  o  maior  prazer,  e não interferia. Afinal, eu vivera, meu amor, como tu, como  todos nós – uma vida, toda uma vida e nada mais”.

Por  que  não  tomaria  a  cidade  de  Roma  a  palavra  num  romance?  Afinal  os  animais  fazem-no  nas  fábulas.  E  pode  esperar-se que uma cidade tenha tanto para nos dizer como  a maior parte dos homens. De resto, cansamo-nos de tudo, inclusive de sermos eternos.  Acontece  que  Roma  tenha  momentos  de  ausência.  E  então  passam-se  coisas  estranhas:  Audrey  Hepburn  retoma  férias romanas,  Mussolini  o  serviço  e  as  feras  saltam  de  novo  na  arena do Coliseu. Quando o tempo sai dos gonzos, não resta  aos  homens  como  às  cidades  senão  tentarem  sair  dele: chama-se a isso amor.