sábado, 5 de outubro de 2013
Os 100 anos do poetinha...
Meu tempo é quando: nos 100 anos de Vinicius de Moraes
No ano em que se comemora o centenário do nascimento de Vinicius de Moraes, o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, junta-se aos eventos que têm sido organizados no Brasil e um pouco por todo o mundo, com um Colóquio de Homenagem ao Poeta e Músico que pretende celebrar a sua multímoda personalidade artística. O Encontro, que reunirá especialistas em Literatura Brasileira das várias universidades portuguesas, e ainda especialistas brasileiros na obra de Vinicius, integrará sessões académicas, musicais e cinematográficas, de modo a proporcionar uma abordagem completa de uma das obras mais decisivas – nacional e internacionalmente – da cultura em língua portuguesa do século XX.
Ramos Rosa: Vive-se Quando se Vive a Substância Intacta
Vive-se Quando se Vive a Substância Intacta
Vive-se quando se vive a substância intacta
em estar a ser sua ardente harmonia
que se expande em clara atmosfera
leve e sem delírio ou talvez delirando
no vértice da frescura onde a imagem treme
um pouco na visão intensa e fluida
E tudo o que se vê é a ondeação
da transparência até aos confins do planeta
E há um momento em que o pensamento repousa
numa sílaba de ouro É a hora leve
do verão a sua correnteza
azul Há um paladar nas veias
e uma lisura de estar nas espáduas do dia
Que respiração tão alta da brisa fluvial!
Afluem energias de uma violência suave
Minúcias musicais sobre um fundo de brancura
A certeza de estar na fluidez animal
*António Ramos Rosa, in Poemas Inéditos
leve e sem delírio ou talvez delirando
no vértice da frescura onde a imagem treme
um pouco na visão intensa e fluida
E tudo o que se vê é a ondeação
da transparência até aos confins do planeta
E há um momento em que o pensamento repousa
numa sílaba de ouro É a hora leve
do verão a sua correnteza
azul Há um paladar nas veias
e uma lisura de estar nas espáduas do dia
Que respiração tão alta da brisa fluvial!
Afluem energias de uma violência suave
Minúcias musicais sobre um fundo de brancura
A certeza de estar na fluidez animal
*António Ramos Rosa, in Poemas Inéditos
Snobidando: Wisława Szymborska
Alguns Gostam de Poesia
Alguns —
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve,
e os próprios poetas
serão talvez dois em mil.
Gostam —
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia —
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
Wisława Szymborska
(Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves)
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Alguns —
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve,
e os próprios poetas
serão talvez dois em mil.
Gostam —
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia —
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
Wisława Szymborska
(Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves)
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sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Snobidando: Ana Luísa Amaral
Ana Luísa Amaral, A mais perfeita imagem.
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Os caracóis de CaetanO
Uma solidão boca de cão
que morde até ao tutano,
atravessa o osso.
O osso do cotovelo.
O osso do coração.
Uma solidão samba canção.
Caetano a cantar Roberto.
O bar aberto,
e a tristeza chegando,
escondida,
debaixo dos caracóis dos seus cabelos.
Tu no exílio,
fechado à chuva.
Chove from nine to
five,
or untill tea time!
O mundo pontual.
Ponto.
Ordenado,
urbano,
envidraçado.
Ponto.
Engraxado,
engravatado,
penteado.
Ponto.
Mesmo se um punk!
Ponto.
O mundo cinzento.
Ponto.
Falta-te o verde
e o amarelo!
Tu desigual,
culpa de um tal,
Pedro Álvares Cabral.
Tu numa ilha.
Tu uma ervilha,
uma lentilha.
Sem solução,
mais uma canção,
espantas o mal,
salva-te o sonho,
um outro Brasil,
o teu carnaval!
Tu a fugir da tua solidão.
Talvez Sevilha!
Sidra e tortilha.
Depois Paris.
Tomar a bastilha.
O gáudio da multidão!
A tua alegria breve,
leve como um balão,
e a solidão maior,
pesada, penosa,
quase dengosa,
feita de saudades gordas
das pedras do chão da Baía,
pedras primeiras
da tua poesia.
Raquel Serejo Martins
Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, foi composta em 1971 por Roberto
Carlos e Erasmo Carlos e dedicada a Caetano Veloso, no exílio em Londres desde
1969, deportado pela Ditadura Militar.
a-ver-livros: sementes e Kestutis Kasparavicius
Leva no bico
a sorte de ser
sob a asa guarda
a certeza de ter
fome de palavras
e sabores a saber
prosas sementes
de outras árvores
a sorte de ser
sob a asa guarda
a certeza de ter
fome de palavras
e sabores a saber
prosas sementes
de outras árvores
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* para saber mais sobre o ilustrador lituano Kestutis Kasparavicius siga o link www.kestutiskasparavicius.com |
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
Escritaria 2013 Penafiel na rota dos festivais de livros
A escritora Lídia Jorge, o ator Carlos Avillez e o humorista Ricardo Araújo Pereira vão participar no Festival Literário Escritaria, em Penafiel, que este ano homenageia Mário de Carvalho.
Além destas personalidades, a organização confirmou à agência Lusa as presenças de Pedro Vieira, das "Produções Fictícias", Gonçalo M. Tavares e Mónica Baldaque, escritores, José Carlos Vasconcelos, jornalista, José Fanha, arquiteto, e Marie-Hélène Piwnik, tradutora francesa.
O festival literário vai decorrer de 04 a 06 de Outubro, estando anunciado o lançamento do novo livro de Mário de Carvalho. A obra chama-se "A liberdade de Pátio" e reúne sete contos inéditos. São, segundo a organização," Sete contos, sete histórias que representam a multiplicidade de registos na escrita inigualável de Mário de Carvalho".
A apresentação vai ser feita por Paula Morão, no dia 04, às 21:30, no Museu Municipal de Penafiel.
No programa, destaca-se também, no dia 05, às 15:30, a conferência "Mário de Carvalho, vida e obra". No dia 6, às 15:30, será apresentado um livro que reproduz os melhores momentos do Escritaria de 2012, que foi dedicado a António Lobo Antunes. Nos três dias de evento, a cidade contará com obras de arte de rua alusivas à obra e à vida do autor.
Teatro de rua, conferências e apresentações de livros são outras atividades incluídas naquele festival literário organizado pela Câmara de Penafiel. Nas edições anteriores do Escritaria foram homenageados os escritores Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa Luís, Mia Couto e António Lobo Antunes.
Além destas personalidades, a organização confirmou à agência Lusa as presenças de Pedro Vieira, das "Produções Fictícias", Gonçalo M. Tavares e Mónica Baldaque, escritores, José Carlos Vasconcelos, jornalista, José Fanha, arquiteto, e Marie-Hélène Piwnik, tradutora francesa.
O festival literário vai decorrer de 04 a 06 de Outubro, estando anunciado o lançamento do novo livro de Mário de Carvalho. A obra chama-se "A liberdade de Pátio" e reúne sete contos inéditos. São, segundo a organização," Sete contos, sete histórias que representam a multiplicidade de registos na escrita inigualável de Mário de Carvalho".
A apresentação vai ser feita por Paula Morão, no dia 04, às 21:30, no Museu Municipal de Penafiel.
No programa, destaca-se também, no dia 05, às 15:30, a conferência "Mário de Carvalho, vida e obra". No dia 6, às 15:30, será apresentado um livro que reproduz os melhores momentos do Escritaria de 2012, que foi dedicado a António Lobo Antunes. Nos três dias de evento, a cidade contará com obras de arte de rua alusivas à obra e à vida do autor.
Teatro de rua, conferências e apresentações de livros são outras atividades incluídas naquele festival literário organizado pela Câmara de Penafiel. Nas edições anteriores do Escritaria foram homenageados os escritores Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa Luís, Mia Couto e António Lobo Antunes.
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Ricardo Araújo Pereira
É do borogodó: balada de um amante solitário
estendida tua pele convida plácido dourado morno abraço (perambulava a
fome, castigava a sede, maltratava o vazio); o cheiro do sal saliva a
boca ao toque convida - quase serena quase tímida quase grata –
estendida tua pele esboça sorriso malicioso envolvente tal mecha de
cabelo cisma curva do pescoço (ósculo desvelo de erupção instantânea);
estendida tua pele embriaga sentidos festejam cores ardores exalam
sabores ranhuras tenras (grãos de pólen desassossegam narinas brotam nos
olhos imensos girassóis); o amor jamais confortável no sacrifício de
plena entrega da tua pele alva e estendida: aportei-me em mim, doce
promessa para dias melhores, aportei-me em mim, fui flagrado suspenso no
ar ao tempo exato em que faria proposta
Penélope Martins
Penélope Martins
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fotografia de José Espada Feio |
a-ver-livros: o traço e Fred Cress
Na sombra
observa-se a luz
solar amplexo
luzir sereno
polvilhado desse perfume
que libertam gardénias
No traço o rasto
do carvão
ausência negra
do olhar
Na palavra
eco reflexo
da batida rítmica
do que nunca chegaste
a dizer
observa-se a luz
solar amplexo
luzir sereno
polvilhado desse perfume
que libertam gardénias
No traço o rasto
do carvão
ausência negra
do olhar
Na palavra
eco reflexo
da batida rítmica
do que nunca chegaste
a dizer
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* para saber mais sobre o pintor Fred Cress siga o link www.buratti.com.au/#!fred-cress-estate |
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
livro do mês: Outubro é Júdice
Vão perguntar-me porque escolhi uma obra de Nuno Júdice para livro do mês aqui no Clube.
Vão perguntar-me porque escolhi um livro de prosa, mais concretamente de contos, em vez da poesia que tantos lhe conhecemos.
Vão perguntar-me o que acho do livro.
Respondo-vos já e começo pelo fim.
Escolhi "A Ideia do Amor e Outros Contos", publicado pela Dom Quixote, e sobre o livro não acho nada. Ainda. Ainda não acho nadinha. Quero partilhar convosco o processo da leitura. Está na minha prateleira dos a-ler há uns anos, nem sei como foi lá parar, e agarrei-o agora. Acho que chegou a sua hora de ser lido.

Porque admiro Nuno Júdice - acabo de descobri-lo - é mais complicado de explicar. Mas há qualquer coisa na forma discreta de estar deste algarvio de 64 anos que me cativa e me leva a admirá-lo. E acho que vão gostar de descobrir-lhe a prosa neste Outubro. Venham daí.
Ana Almeida
Ramos Rosa: «A Palavra»
A Palavra
Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina
e a alegria aviva-se em redonda ressonância.
O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cílios.
Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em círculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma língua na língua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.
O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.
*António Ramos Rosa, in Volante Verde
e a alegria aviva-se em redonda ressonância.
O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cílios.
Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em círculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma língua na língua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.
O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.
*António Ramos Rosa, in Volante Verde
Snobidando: PICAFLOR, Pablo Neruda
PICAFLOR
II
(Sephanoides II)
EL COLIBRí de siete luces,
el picaflor de siete flores,
busca un dedal donde vivir:
son desgraciados sus amores
sin una casa donde ir
lejos del mundo y de las flores.
Es ilegal su amor, señor,
vuelva otro día y a otra hora:
debe casarse el picaflor
para vivir con picaflora:
yo no le alquilo este dedal
para este tráfico ilegal.
El picaflor se fue por fin
con sus amores al jardín
y allí llegó un gato feroz
a devorarlos a los dos:
el picaflor de siete flores,
la picaflora de colores:
se los comió el gato infernal
pero su muerte fue legal.
*Pablo Neruda
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II
(Sephanoides II)
EL COLIBRí de siete luces,
el picaflor de siete flores,
busca un dedal donde vivir:
son desgraciados sus amores
sin una casa donde ir
lejos del mundo y de las flores.
Es ilegal su amor, señor,
vuelva otro día y a otra hora:
debe casarse el picaflor
para vivir con picaflora:
yo no le alquilo este dedal
para este tráfico ilegal.
El picaflor se fue por fin
con sus amores al jardín
y allí llegó un gato feroz
a devorarlos a los dos:
el picaflor de siete flores,
la picaflora de colores:
se los comió el gato infernal
pero su muerte fue legal.
*Pablo Neruda
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terça-feira, 1 de outubro de 2013
Ramos Rosa: «Mediadora do Vento»
Mediadora do Vento
Ligeira sobre o dia
ao som dos jogos,
desliza com o vento
num encantado gozo.
Pelas praias do ar
difunde-se em prodígios.
Tudo é acaso leve,
tudo é prodígio simples.
Pequena e magnífica
no seu amor volante
propaga sem destino
surpresas e carícias.
Pátria, só a do vento
de tão subtil e viva.
Azul, sempre azul
em completa alegria.
*António Ramos Rosa, in Mediadoras
ao som dos jogos,
desliza com o vento
num encantado gozo.
Pelas praias do ar
difunde-se em prodígios.
Tudo é acaso leve,
tudo é prodígio simples.
Pequena e magnífica
no seu amor volante
propaga sem destino
surpresas e carícias.
Pátria, só a do vento
de tão subtil e viva.
Azul, sempre azul
em completa alegria.
*António Ramos Rosa, in Mediadoras
É do borogodó: eu sou a lâmpida
Quanu a perfessora dizê ao sinhô que é muito importante concorda os
artigo com os sujeito, num faça feio e corrija sua gramática porque as
moça num vão querê namorá cum sujeito anarfabeto que num sabe nem fazê
os plural!
A não quer que o sinhô seja um tipo de lâmpida que as muié fica arrodeando, arrodeando, arrodeando…
* este samba paulistano do Mestre Adoniran Barbosa mostra como a língua falada desenha as características de uma cultura e contam a história.
João Rubinato nasceu na Cidade de Valinhos, em 1908, no interior do Estado de São Paulo, depois morou em Jundiaí e em Santo André para, mais tarde se estabelecer na Capital. Filho de imigrantes italianos e com pouca instrução, João Rubinato foi recusado pelo teatro, mas felizmente caiu no samba e chamou atenção em programa de rádio interpretando uma figura que se apoderou da sua própria existência: Adoniran Barbosa.
O pai do samba paulista reúne sucessos como “Trem das Onze” e “Saudosa Maloca”. Gravou “inté” com Elis Regina sua canção “Tiro ao alvaro”, uma declaração de amor a moda dele.
Para quem não sabe, o plural na língua italiana não se faz com uso de “S” como em português, por isso ficava ainda mais difícil que os imigrantes italianos aqui chegados utilizassem com perfeição a gramática da língua portuguesa.
A música de Adoniran faz repensar os ditos “erros gramaticais” dentro do contexto cultural. A língua carrega consigo movimentos históricos e geográficos, nela podemos investigar a miscigenação e as raízes ancestrais de um povo.
De forma alguma quero refutar o bom uso da gramática, mas não sou tola em desmerecer tesouros preciosos da nossa cultura por conta de uma regra de concordância.
Penélope Martins
A não quer que o sinhô seja um tipo de lâmpida que as muié fica arrodeando, arrodeando, arrodeando…
* este samba paulistano do Mestre Adoniran Barbosa mostra como a língua falada desenha as características de uma cultura e contam a história.
João Rubinato nasceu na Cidade de Valinhos, em 1908, no interior do Estado de São Paulo, depois morou em Jundiaí e em Santo André para, mais tarde se estabelecer na Capital. Filho de imigrantes italianos e com pouca instrução, João Rubinato foi recusado pelo teatro, mas felizmente caiu no samba e chamou atenção em programa de rádio interpretando uma figura que se apoderou da sua própria existência: Adoniran Barbosa.
O pai do samba paulista reúne sucessos como “Trem das Onze” e “Saudosa Maloca”. Gravou “inté” com Elis Regina sua canção “Tiro ao alvaro”, uma declaração de amor a moda dele.
Para quem não sabe, o plural na língua italiana não se faz com uso de “S” como em português, por isso ficava ainda mais difícil que os imigrantes italianos aqui chegados utilizassem com perfeição a gramática da língua portuguesa.
A música de Adoniran faz repensar os ditos “erros gramaticais” dentro do contexto cultural. A língua carrega consigo movimentos históricos e geográficos, nela podemos investigar a miscigenação e as raízes ancestrais de um povo.
De forma alguma quero refutar o bom uso da gramática, mas não sou tola em desmerecer tesouros preciosos da nossa cultura por conta de uma regra de concordância.
Penélope Martins
a-ver-livros: a seco e Allen Tucker
Não há pingo
de estro
no corpo em chamas
espaço vazio
no peito
alma vácuo
algia avulso
Não há gota
essência primeira
de poesia
de estro
no corpo em chamas
espaço vazio
no peito
alma vácuo
algia avulso
Não há gota
essência primeira
de poesia
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* para saber mais sobre o pintor americano Allen Tucker siga o link www.artcyclopedia.com/artists/tucker_allen |
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Ramos Rosa: «A Partir da Ausência»
A Partir da Ausência
Imaginar a forma
doutro ser Na língua,
proferir o seu desejo
O toque inteiro
Não existir
Se o digo acendo os filamentos
desta nocturna lâmpada
A pedra toco do silêncio densa
Os veios de um sangue escuro
Um muro vivo preso a mil raízes
Mas não o vinho límpido
de um corpo
A lucidez da terra
E se respiro a boca não atinge
a nudez una
onde começo
Era com o sol E era
um corpo
Onde agora a mão se perde
E era o espaço
Onde não é
O que resta do corpo?
Uma matéria negra e fria?
Um hausto de desejo
retém ainda o calor de uma sílaba?
As palavras soçobram rente ao muro
A terra sopra outros vocábulos nus
Entre os ossos e as ervas,
uma outra mão ténue
refaz o rosto escuro
doutro poema
*António Ramos Rosa, in A Nuvem Sobre a Página
doutro ser Na língua,
proferir o seu desejo
O toque inteiro
Não existir
Se o digo acendo os filamentos
desta nocturna lâmpada
A pedra toco do silêncio densa
Os veios de um sangue escuro
Um muro vivo preso a mil raízes
Mas não o vinho límpido
de um corpo
A lucidez da terra
E se respiro a boca não atinge
a nudez una
onde começo
Era com o sol E era
um corpo
Onde agora a mão se perde
E era o espaço
Onde não é
O que resta do corpo?
Uma matéria negra e fria?
Um hausto de desejo
retém ainda o calor de uma sílaba?
As palavras soçobram rente ao muro
A terra sopra outros vocábulos nus
Entre os ossos e as ervas,
uma outra mão ténue
refaz o rosto escuro
doutro poema
*António Ramos Rosa, in A Nuvem Sobre a Página
Snobidando: Millôr Fernandes
Poesia Matemática, Millôr Fernandes
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
*Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.
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Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
*Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.

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a-ver-livros: nevoeiro e Daniel Romero Castillo
Há um mundo
inteiro
pr'além do nevoeiro
Há um rio que corre
e uma lágrima
que se engole
Há uma mão
que se estende
à passagem dos astros
e um sorriso que se apaga
e que renasce
num acto de gentileza
que o nevoeiro
descobre adiante
inteiro
pr'além do nevoeiro
Há um rio que corre
e uma lágrima
que se engole
Há uma mão
que se estende
à passagem dos astros
e um sorriso que se apaga
e que renasce
num acto de gentileza
que o nevoeiro
descobre adiante
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* para saber mais sobre o artista espanhol Daniel Romero Castillo siga o link jorgedanielromerocastillo.blogspot.pt |
domingo, 29 de setembro de 2013
Handwritten Manuscript Pages From Classic Novels: George Eliot
Já alguma vez pensou ver George Eliot desta forma? Então fique com uma das páginas de Middlemarch, escrita pela própria.
Visite o site http://flavorwire.com para encontrar mais.
Siga o link directo.
Cronicando pela Ásia... Chiang Mai em fotos
Snobidando: Angélica Freitas
às vezes nos reveses,
Angélica Freitas in Rilke Shake (2007)
penso em voltar para a england
dos deuses
mas até as inglesas sangram
todos os meses
e mandam her royal highness
à puta que a pariu.
digo: agüenta com altivez
segura o abacaxi com as duas mãos
doura tua tez
sob o sol dos trópicos e talvez
aprenderás a ser feliz
como as pombas da praça matriz
que voam alto
sagazes
e nos alvejam
com suas fezes
às vezes nos reveses
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Angélica Freitas in Rilke Shake (2007)
penso em voltar para a england
dos deuses
mas até as inglesas sangram
todos os meses
e mandam her royal highness
à puta que a pariu.
digo: agüenta com altivez
segura o abacaxi com as duas mãos
doura tua tez
sob o sol dos trópicos e talvez
aprenderás a ser feliz
como as pombas da praça matriz
que voam alto
sagazes
e nos alvejam
com suas fezes
às vezes nos reveses
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