sábado, 17 de setembro de 2011

Saber usar as palavras...

Por Nuno Camarneiro, autor que lemos em Agosto, com No meu peito não cabem pássaros:

"As pessoas gostam de usar palavras que não são de ninguém. Todos os dias há milhões de sentimentos, de desejos, de opiniões expressas com palavras forasteiras. Quantas vezes serão os sentimentos a adequar-se às palavras, e não o contrário? Seremos tão parecidos que não precisemos de encontrar as palavras que nos sirvam?


Os artistas têm muitos nomes para diferentes azuis, os esquimós têm muitas palavras para diferentes tipos de gelo. Os apaixonados deveriam ter também muitas palavras para «amor»: o amor da manhã, o amor do fim, o amor do passado, o amor possível. Todos deveríamos ter diferentes palavras para «eu»: o eu que eu sinto, o eu que tu vês, o eu que eu não sou."

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Sonho é a Pior das Cocaínas, Fernando Pessoa


"O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma."

Poemas que dão música - Sérgio Godinho



"A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Do prémio Nobel da Paz Liu Xiaobo

A Revista Ler de Setembro traz este texto de Liu Xiaobo, dissidente chinês desde 2008, e que tem um livro recentemente chegado a Portugal pela Casa das Letras: Não tenho inimigos, Não conheço o ódio.

Liu Xiaobo foi prémio Nobel da Paz em 2010, "pela sua longa e não-violenta luta pelos direitos humanos fundamentais na China."


"As nações mais influentes do palco mundial devem prestar grande atenção ao facto de a ditadura chinesa já nada ter a ver com o totalitarismo tradicional ao modo do regime soviético; o Partido Comunista Chinês não adere ao confronto ideológico e militar, preferindo dedicar-se ao desenvolvimento da economia, a multiplicar amizades, prescindindo da ideologia, a empreender reformas de mercantilização e aplicar-se na assimilação do processo de globalização; por outro lado, no plano político, abraça o sistema ditatorial, aplicando todos os esforços na prevenção contra uma transição pacífica ao estilo ocidental. Está à vista de todos que a carteira, cada vez mais cheia, do regime chinês percorre o mundo com a sua diplomacia do dinheiro, tendo-se já tornado no balão de oxigénio de outros regimes ditatoriais; que o regime chinês, por via de negócios atractivos, mina a unidade ocidental; que usa o seu vasto mercado para seduzir e ameaçar o grande capital ocidental. Contudo, se a esta grande potência ditatorial, cujo poder económico rapidamente se fortalece, não se deparar, na sua ascensão ditatorial, uma força externa que a restrinja, se se continuar a insistir numa política apaziguadora, repetir-se-ão os erros da história, e o resultado será não só catastrófico para o povo chinês, mas afectará desastrosamente, também, o projecto de democratização e instauração da liberdade no mundo inteiro. Como tal, a fim de conter os efeitos adversos, para a civilização, da ascensão ditatorial é necessário que o mundo livre ajude as maiores ditaduras mundiais a converterem-se rapidamente em nações democráticas e livres."

Nuno Camarneiro dixit

"Uma outra vida à espera no cais. Tias engalanadas em lenços de seda e luva brancas como mãos de porcelana. Vamos lá ser menino com um sorriso que é de cara e não é de mais nada. A viagem chegou ao fim e Lisboa é o fim do mar.


Junto às tias e a esta terra, tudo volta a ser pequenino. O sufixo parece ser anterior às palavras, o menino está cansadinho, a viagem foi boazinha, está tão branquinho, coitadinho. Portugal é assim, diminutivo e manso. O que foi chegando fez-se à escala e por cá ficou, as Indiazinhas, as Americazinhas, os pretitos, pobrezinhos. Os portugueses não querem nada que não possam meter no bolso. Como é que esta gente descobriu tanto mundo?"

in 'No meu peito não cabem pássaros'

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

fiM de VerãO


E choro por não conseguir chorar,
em tardes de Setembro,
fim de amores de Verão.
Pecado controlado
que destrói todo o prazer,
sentimento coalhado,
alma ardente
num corpo a arrefecer.

E choro fumando saudade,
suspiros cinzentos de dor,
que mancham todo o presente
com memórias de um passado
vazio de solidão,
gota de água escorrendo numa mão,
beijos longos
perdidos no tempo,
como as folhas de Outono
no vento.

Raquel Serejo Martins

 

Pola Oloixarac é a escritora mais sensual de sempre?


Pola Oloixarac é argentina e contraria um pouco aquele estereotipo de que as mulheres bonitas não são, necessariamente, grandes intelectuais. Pola é uma excelente escritora, uma das melhores na língua espanhola.

O seu livro publicado este ano pela Quetzal, As Teorias Selvagens, traz críticas assinaláveis:

«A prosa de Pola Oloixarac é o grande acontecimento da nova narrativa argentina. O seu romance é inesquecível, filosófico, selvagem e muito sereno.»
Ricardo Piglia

«Uma comédia com Katharine Hepburn mas sem Cary Grant. A arqueóloga Oloixarac leva a cabo uma reconstrução dos códigos de socialização dos anos 70... 90... e assim sucessivamente, de vinte em vinte anos.»
Mario Bellatin


«Um romance com vocação de obra total, um patchwork requintado da contemporaneidade escrito com uma prosa dotada de variadíssimos registos como há muito não se lia em língua castelhana.»
Carolina León

«Monstruosamente inteligente e terrivelmente divertida. Mais que um primeiro romance, parece o livro que muitos de nós passámos a vida inteira a tentar escrever.»
Javier Calvo

Pola Oloixarac nasceu em 1977 e estudou filosofia. Anda na boca do mundo literário... Porque escreve bem. Porque é uma musa. Porque é um encanto.

Ode à Paz

"Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,


Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!"

Isabel Allende na Porto Editora

Na dança dos mercados - que agora é moda - a Porto Editora foi apanhar mais um nome de peso para o seu catálogo - Isabel Allende. Sem editora, desde o desaparecimento da Difel, algumas das suas obras estavam publicadas pela Inapa, com destaque para o último romance traduzido para Portugal: A Ilha debaixo do Mar.


Aguardamos, por ora, saber se a Porto Editora vai publicar apenas 'El Cuaderno de Maya', brevemente nas livrarias. Ou se a restante obra também é transferida para o catálogo.

As estantes estão vazias... E a verdade é que Allende é uma gigante de vendas! Qualquer dia ainda ganha o Nobel. Chamem-me tolo!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Aqui na Terra, Miguel Carvalho


Miguel Carvalho é jornalista e Grande Repórter / Redactor Principal da Visão. Miguel assina a coluna A Devida Comédia, título que dá igualmente ao seu blogue - que desde já recomendo.

A Deriva Editores trouxe-nos em 2009 este livro, um trabalho muito interessante e bem escrito pelo Miguel. Histórias de coveiros ou dos que ficaram para contar a tragédia da Ponte de Entre-os-Rios. Histórias de pastores... Relatadas a partir de Fátima ou desde 'Casais de Folgosinho', na Serra da Estrela. Algumas terras mais anónimas do que outras, num verdadeiro "levantamento emocional" do estado do Portugal mais profundo - completamente desconhecido ou estranho aos cidadãos das grandes metrópoles.

São estes relatos que fazem deste livro um belíssimo achado. O leitor fica encantado com este Mundo tão simples e, ao mesmo tempo, tão português. Num país fortemente vincado pelas crenças religiosas e pelas tradições. Um Portugal tantas vezes esquecido.


A contra-capa resume as minhas palavras:

"Aqui na Terra é o retrato de um certo Portugal.
País aquém e sempre além, onde o humano e o divino moldam as circunstâncias da nossa condição.
Relatos de um País que, por vezes, não vem no mapa. Quadros e figuras que constituem uma geografia de afectos e desamores, de entregas e renúncias, de comédias humanas e tragédias colectivas.
Nestas reportagens, desenha-se um território de sombras e luzes, de martírios e pantomina, de identidade e resignação, habitado por existências vestidas do avesso e «estórias» de trazer pela mão. Um País, enfim, que levamos inscrito por dentro.
Mas sempre descrito como quem o olha de fora.
País coitadinho e honrado.
País em grande ou maltratado.
País santificado e do Diabo, onde por vezes anda tudo ligado."

Vale a pena ler este livro. Pela simplicidade das histórias. Pela escrita envolvente. Porque não há muitos livros assim, puros relatos da nossa identidade. Do ADN das nossas gentes.

(Uma pequena nota: dizer que o Miguel é companheiro de uma ex colega de trabalho na Almedina que, por estes dias, já é - ou está mesmo a ser - mãe. Do Francisco! Os meus parabéns aos pais!)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Arrependimento Imoral

"O homem a quem o arrependimento, após o pecado, impõe grandes exigências morais, expõe-se à acusação de ter tornado a sua tarefa demasiado fácil. Não praticou o que é essencial na moral, a renúncia; com efeito, o comportamento
moral ao longo da vida é exigido em função dos interesses práticos da humanidade. O homem citado recorda-nos os bárbaros das grandes ondas migradoras, que matavam e depois faziam penitência, e para os quais fazer penitência acabou por se tornar uma técnica facilitadora do assassínio."

Clarice Lispector no cinema - Meryl Streep interpreta


"A actriz Meryl Streep aceitou o convite do autor e pesquisador americano Benjamin Moser para interpretar Clarice Lispector no cinema.

Benjamin pesquisou por cinco anos a vida de Clarice e fez uma biografia completa sobre a escritora. O convite teria sido muito bem recebido por Streep, que se disse fã da autora. As informações são da coluna Gente Boa, do Jornal O Globo."



O Sonho - Clarice Lispector

domingo, 11 de setembro de 2011

O Medo

Do Prémio Camões 2011, Manuel António Pina, fiquem com 'O Medo':


'Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?'

Uma música para conhecer alguns (poucos, mas alguns) escritores...

The Divine Comedy é uma banda britânica que tem esta canção: The Booklovers

Dedicado a amantes de livros. Muitos estão esquecidos, mas o importante é conhecer os que constam do vídeo.