sábado, 27 de abril de 2013

Poema à noitinha... Pedro Tamen (vs) sobre o significado de sermos 300 mil

Parabéns Clube de Leitores. Até hoje és o meu maior orgulho... Partilhado por quem já te deu voz, ainda dá e há-de dar. E por quem te espreita todos os dias. 


O Mar é Longe, mas Somos Nós o Vento

O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.

*Pedro Tamen, in Daniel na Cova dos Leões

Cronicando pela Ásia... a viagem ao largo das Phi-Phi

Ko Phi-Phi, 
26 de Abril 2009

Vou fugir da ilha, um barco espera-me. Ver peixes coloridos, nadar com eles, ir a ilhas desertas, apanhar conchas. A viagem em redor das Phi-Phi promete.

A primeira e surpreendente paragem é num rochedo de onde se espreita uma gruta. Dizem-nos que vive ali um senhor, idade avançada. Estamos na Viking Cave. Vê-se o barquinho, a roupa a secar e uma série de tralha. Do velho... não me lembro - de todo! 


O barco avança até à segunda praia mais famosa da Tailândia (a primeira é a da ilha do James Bond) e convidam-nos a mergulhar para alcançar a entrada. Temos que subir umas escadinhas por entre as rochas e andar uns metros até encontrar a areia. Há quem prefira ir de canoa, mas o calor convida-me a um belo mergulho. 

Lanço-me e espreito o fundo do mar. Nunca tinha visto nada assim. Peixes às riscas, escalares, pequenas línguas de gato a flutuar, o nemo e os amigos! O mundo dos corais é tão mágico que apetece ficar ali a viver. Agora entendo o encanto e o misticismo em torno do fundo do mar. É impossível não ficar maravilhado.


Cheguei à praia do filme onde DiCaprio entra (The Beach) e está cheia de gente. Não me deixei impressionar muito. Obviamente que a praia deserta seria um assombro... mas com tantas pessoas, torna-se um sítio bonito intransitável. Sem dúvida um sítio lindo de morrer, água transparente e quente; ideal para banhos. Com muitos trilhos de coqueiros e palmeiras, numa ilha deserta: seria o sonho ideal para viver como naufrago.

Está na hora de regressar ao barco. Os nossos amigos da tripulação atiram pedacinhos de pão ao mar para os peixes comerem à nosso lado. Parecem piranhas! 

Um dia destes continuo esta aventura, fiquem comigo. 


Rodrigo Ferrão

Meet the Writers: Stephen King

Meet the Writers é um programa conduzido por Steve Bertrand e que entrevista diversos autores. Patrocinado pelo site Barnes&Noble, aqui está uma boa forma de vender livros e dar a conhecer os escritores.

Hoje iniciamos a série com Stephen King. Stay tuned! 

Dá para acreditar? Óbidos vai ser uma vila literária

Também não queria acreditar... Mas abri a notícia do Público e pus o vídeo a correr... E de repente gostava de voltar a ser livreiro... Para a vida toda. Boa sorte e muito sucesso com este projecto. 

Carreguem na imagem para ir directamente à notícia. 


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Poema à noitinha... Alberto Raposo Pidwell Tavares

Pernoitas em Mim

pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes


*Al Berto, in Rumor dos Fogos


Como é linda a puta da vida - MEC está de volta


«O que espanta num gato é a maneira como combina a neurose, a desconfiança e o medo - para não falar numa ausência total de sentido de humor - com o talento para procurar e apreciar o conforto e, sobretudo, a capacidade para dormir 20 em cada 24 horas, sem a ajuda de benzodiazepinas.

O gato é neurótico mas brinca. (...) Mas, acima de tudo, descobriu o sistema binário da existência.
Que é: dormir faz fome. Comer faz sono. Acordo porque tenho fome.
Adormeço porque comi. Nos intervalos, faço as necessidades.»

Está aí o novo trabalho de Miguel Esteves Cardoso: um livro que reúne as suas melhores crónicas do Jornal Público. Editado pela Porto Editora, promete fazer furor entre os leitores. Fiquem com o prefácio.

1º Parágrafo: A Casa da Rússia


Numa movimentada rua de Moscovo, a menos de duzentos metros da estação de Leninegrado, no último piso de um hotel de arquitectura tão arrebitada quanto medonha, mandado construir por Estaline no estilo que os moscovitas denominam de Império durante a Peste, a primeira feira audio do British Council para o ensino do Inglês e a divulgação da cultura britânica aproximava-se do seu penoso fim. Eram cinco e meia da tarde, e fazia um tempo de Verão instável. Depois de uma série de violentos aguaceiros durante todo o dia, um sol enganador reluzia nos charcos e fazia fumegar os passeios. Quanto aos transeuntes, os mais jovens usavam jeans e ténis, mas os mais velhos aconchegavam-se ainda nos seus abafos.


* Tradução de José Vieira de Lima

Carta a Urbano Tavares Rodrigues - por Mário de Carvalho

Querido Urbano,

Nos ritmos desencontrados do tempo é difícil encontrar as palavras próprias no momento certo.
Escolho este 25 de Abril para te dizer aquilo que por timidez ou contenção emocional foi recalcado noutras ocasiões.
Lembro-me de ti (e do Manuel da Fonseca) na antecâmara do Tribunal fascista, aonde ias, sempre solidário, abonar o carácter do meu pai. Vi-te em múltiplas -- e jamais recusadas-- intervenções nos cineclubes, colectividades e associações de estudantes, numa altura em que a exposição pública só te poderia trazer (e trouxe) dissabores. Encontrei-te no processo revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril, como paradigma de humildade, lucidez e extrema coragem, sem concessões à fadiga e às sobrecargas tarefeiras.
A tua invejável aura, Urbano. O respeito, o afecto, a amizade que todos temos por ti…
Sempre me senti tocado por essa gentileza de maneiras, pelo alcance da curiosidade, a clareza e articulação da exposição, a largueza e arrumação dos conhecimentos, a viva atenção a cada dobrar de página na cadência dos dias. Em múltiplos géneros avivam-se as personagens, os dilemas, as encruzilhadas destes tempos de que fazes a crónica aturada, talentosa e esclarecida.
Posso testemunhar a generosidade com que acolhias e encorajavas os autores mais jovens, os aconselhavas com desafectação, lhes emprestavas livros e davas as indicações que a vastidão dos teus conhecimentos sugeria. E nesta incessante procura do que de melhor havia nos outros, o teu sentido de justiça, de homem isento e indómito, levava-te a deixar de lado ideologias, opções de grupo, escolhas políticas ou famílias literárias.
São estas fugazes palavras uma nota modesta, que está muito longe dos teus méritos e pretende apenas assinalar a data de 25 de Abril de 2013, saudando em ti todos aqueles a quem, pela abnegação, desassombro, coragem e superioridade intelectual, ficámos a dever uma alegria rubra de esperança.

Mário de Carvalho


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Poema à noitinha... Federico García Lorca

Este é o Prólogo

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma...


*Federico García Lorca, in Poemas Esparsos

foto: pormenor da biblioteca do meu Pai. Sempre em construção.

David pinta... Edgar Allan Poe

David pinta... Edgar Allan Poe
*ilustrado por David Pintor

And so being young
and dipped in folly,
I fell in love
with melancholy.

A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios dohistrião literário.

*Edgar Allan Poe, in A Filosofia da Composição

1º Parágrafo: Lanterna Mágica


Quando nasci, em Julho de 1918, a minha mãe estava com gripe, o meu estado como recém-nascido não era dos melhores, e por isso fui baptizado de emergência no próprio hospital. Um dia, quando o nosso médico de família (que era um sujeito já de idade) nos visitou, olhou para mim e disse: “Esta criança está a morrer de fome.” Foi então que a minha avó me levou para a sua casa de campo na Dalecárlia. Durante a viagem de comboio, que naquele tempo levava um dia, ela alimentou-me com pão-de-ló molhado em água. Ao chegarmos lá eu estava quase a morrer, mas a minha avó encontrou logo uma ama-de-leite, uma rapariga meiga, alourada, vinda de uma aldeia ali perto, e embora eu fosse recuperando, vomitava amiúde e tinha constantes dores de barriga.


* Tradução (do sueco) e notas: Alexandre Pastor
* Revisão de texto: Anabela Prates Carvalho

a-ver-livros: abril, o novo verso e Ermelinda Duarte

Uma papoila, um grito vermelho,
um campo qualquer,
e hoje de novo a voz sufocada, 
o povo a chorar

Há que voltar a cerrar as fileiras.
Somos livres, somos livres,
somos livres de lutar


Obrigada, Ermelinda Duarte, por fazeres parte da minha memória e da memória dos que ainda a têm.


"Ontem apenas
Fomos a voz sufocada
Dum povo a dizer não quero;
Fomos os bobos-do-rei
Mastigando desespero.

Ontem apenas
Fomos o povo a chorar
Na sarjeta dos que, à força,
Ultrajaram e venderam
Esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
Asas de vento,
Coração de mar.
Como ela, somos livres,
Somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
Grito vermelho
Num campo qualquer.
Como ela somos livres,
Somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
"quando for grande
Não vou combater".
Como ela, somos livres,
Somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
Parte à conquista
Do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
Não voltaremos atrás."


Ermelinda Duarte

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Poema à noitinha... A poesia está na Rua (vs) Sérgio Godinho

Liberdade

Viemos com o peso do passado e da semente
esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se ataca na torrente
e a sede de uma espera só se ataca na torrente

Vivemos tantos anos a falar pela calada
só se pode querer tudo quanto não se teve nada
só se quer a vida cheia quem teve vida parada
só se quer a vida cheia quem teve vida parada

Só há liberdade a sério quando houver
a paz o pão
habitação
saúde educação
só há liberdade a sério quando houver
liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir.


*Sérgio Godinho, in Canções de Sérgio Godinho - Assírio & Alvim

Queremos a Feira do Livro do Porto!

Cancelar a Feira do Livro do Porto é simplesmente inaceitável! O Coro de Intervenção do Porto faz questão de não deixar passar em branco esta medida, usando precisamente a cultura como arma - que insistem em nos tirar! A cultura vai em resgate da cultura. A iniciativa tem como propósito a defesa da feira do livro, e é independente de qualquer conflito que tenha gerado o seu cancelamento. Estaremos em protesto na Praça da Liberdade e apelamos a todos que se juntem a nós!

Quando? Esta sexta (26/04), às 18h. 



1º Parágrafo: e os hipopótamos cozeram nos seus tanques


OS BARES FECHAM ÀS TRÊS DA MANHÃ NAS NOITES DE SÁBADO e por isso cheguei a casa por volta das 3.45 depois de tomar o pequeno-almoço no Riker’s na esquina da Christopher com a Sétima Avenida. Atirei o News e o Mirror para cima do sofá, despi o meu casaco de crepom às riscas e larguei-o em cima deles. Ia direito para a cama.


* Tradução de Telma Costa
* Revisão de João Assis Gomes

terça-feira, 23 de abril de 2013

Reflexões - Dia Mundial do Livro

Só porque é Dia Mundial do Livro, para reflectir:


"A Influência dos Livros

Não há dúvida nenhuma: se um leitor não se tem firme nos pés diante de certos livros e de certos autores, acontece-lhe como quando a gente se debruça a uma alta janela e olha com adesão exagerada para o fundo: atira-se dali abaixo. E coisa curiosa: tanto monta que o aceno venha dum clássico, como dum romântico, como dum realista, como dum futurista. Desde que a mão feiticeira que o faz saiba da sua poda, um homem, que ainda ontem era enforcado de Villon, passa a satânico de Baudelaire sem qualquer cerimónia."



Miguel Torga in "Diário" (1942)



"A Vida de um Livro 

Acredito que a vida de um livro enquanto está nas mãos do autor não é mais importante do que quando está nas mãos do leitor. O leitor é quase sempre um autor ele próprio. É ele que dá significado às palavras e por isso até acho muito interessante quando as pessoas me vêm apontar coisas que não eram minha intenção, mas que de facto estão lá. E há muitas outras coisas que foram minhas intenções e que nunca ninguém me referiu, e no entanto também lá estão. Se calhar alguém reparou nelas ou ainda vai reparar. Tudo o que um leitor leia num livro é legítimo porque nessa fase o leitor é tudo, é ele que faz o livro."

José Luís Peixoto in "Diário de Notícias" (2003)



"Os Livros Estão Sempre Sós 


Os livros estão sempre sós. Como nós. Sofrem o terrível impacto do presente. Como nós. Têm o dom de consolar, divertir, ferir, queimar. Como nós. Calam a sua fúria com a sua farsa. Como nós. Têm fachadas lisas ou não. Como nós. Formosas, delirantes, horrorosas. Como nós. Estão ali sendo entretanto. Como nós. No limiar do esquecimento. Como nós. Cheios de submissão ao serviço do impossível. Como nós."

Ana Hatherly in "Tisanas"



"A Arte de Não Ler 


A arte de não ler é muito importante. Consiste em não sentir interesse algum por aquilo que está a atrair a atenção do público numa determinada altura. Quando um panfleto político ou eclesiástico, um romance ou um poema estão a causar grande sensação, não devemos esquecer-nos de que quem escreve para tolos tem sempre grande público. Uma condição prévia para ler bons livros é não ler os maus: a nossa vida é curta."

Arthur Schopenhauer in "Aforismos"






1º Parágrafo: Pastoral Americana


O SUECO. Durante os anos da guerra, quando eu ainda era um menino de escola, este era um nome mágico no nosso bairro de Newark, mesmo para os adultos separados há apenas uma geração do velho gueto de Prince Street e ainda não totalmente americanizados para caírem de cangalhas com as proezas de um atleta de liceu. O nome era mágico; também o era a sua cara esquisita. Dos poucos estudantes judeus loiros do nosso liceu preponderantemente judaico, nenhum outro tinha nada que se parecesse, nem de perto nem de longe, com aquela fria máscara Viking, de maxilares bem marcados, daquele rapaz loiro e de olhos azuis nascido na nossa tribo e que se chamava Seymour Irving Levov.


* Tradução de Maria João Delgado e Luísa Feijó
* Revisão de Álvaro Marques

a-ver-livros: momento e Kathryn Freeman

O mundo passa ao longe
e não toca o que resta
da pele com que te amei
suspensa do tempo e do vento
das mudanças que não chegam 

Abro o livro 
e espero que as palavras
me saltem para o colo

* para conhecer mais sobre a pintora Kathryn Freeman
siga o link www.kathrynfreeman.com


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Venham ajudar a construir esta biblioteca



Uma iniciativa do Bairro dos Livros e a CulturePrint com e para o Hospital de Santo António. Numa altura em que a cultura padece de tantas doenças é uma boa forma de mostrar que há muitas outras coisas que nos podem ajudar a melhorar a vida. Nem só de pão vive o Homem, não é?


1º Parágrafo: A Mancha Humana


Foi no Verão de 1998 que o meu vizinho Coleman Silk – que, antes de se reformar dois anos atrás, fora professor, de estudos clássicos no Athena College durante vinte e tal anos, alem de ter servido dezasseis como reitor da faculdade – me confidenciou que, aos 71, tinha um caso com uma empregada de limpeza de 34, que trabalhava na universidade. Duas vezes por semana também fazia a limpeza no posto dos correios rural, uma pequena construção de madeira que poderia ter abrigado uma família Okie dos ventos da Dust Bowl nos anos 30 e que, solitária e desamparada defronte da estação de serviço e do armazém-geral, hasteia a bandeira americana no cruzamento das duas estradas que assinalam o centro comercial desta cidade da encosta da montanha.


* Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues

a-ver-livros: escassez e Paul Honatke

Hoje não tenho
poesia para ti
há barcos no mar sem peixe
e sombras no chão sem árvores
e sandes despidas de queijo

E a nespereira carregada de fruta
foi trucidada por quem não 
distingue o maduro do verde
e há um cão que gane na minha rua
como se lhe tivessem roubado
os sonhos

Não sobra poesia no bolso
onde guardo a vida

* para conhecer mais sobre o pintor americano Paul Honatke siga
o link  www.facebook.com e espreite os vários álbuns de pintura

domingo, 21 de abril de 2013

Marguerite Duras, ontem e hoje e a permanência da actualidade


"En rachâchant" é uma curta-metragem francesa lançada em 1982, baseada num conto de Marguerite Duras. O enredo de "Ah! Ernesto", escrito pela autora e de "O amante em 1971", conduziu o rumo das lentes do casal de realizadores Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. A dupla traça uma crítica ao sistema de ensino arbitrário e conservador.

Eis a versatilidade de Marguerite Duras. Desta vez, o conflito começa quando um menino não quer ir à escola, pois lá ensinam coisas que ele não compreende. Um quotidiano familiar comum: uma conversa com os pais e o menino canta docemente o seu problema. De repente, a cena é transferida para uma sala de aula onde a família se une ao professor – figura que, a priori, parece calma, mas logo se revela impetuosa diante da questão proposta pela criança.

A critica presente em "En rachâchant" está também no livro de Pierre Bourdieu intitulado "A reprodução", e até mesmo nos trechos de “Another brick in the wall”, canção dos Pink Floyd – “Hey! Teachers! Leave those kids alone!”. Não foi ao acaso que Danièle Huillet e Jean-Marie Straub escolheram filmar "En rachâchant", pois esta discussão possibilita produções incomuns perante aos tradicionais filmes com vistas mercadológicas. E, sobretudo, é mais uma oportunidade de repensarmos a nossa educação.




Os dias bons... Miguel Esteves Cardoso

Os Dias Bons

Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.


Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.

O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. 

Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude. É como o «nunca mais é domingo». Se não sentirmos, todos os dias, que nunca mais é domingo, quando chegar o domingo parecer-se-á com outro dia qualquer.

Os dias bons não são os que ficam para lembrança. São aqueles que se esquecem, porque se repetem na mais estúpida felicidade mas que, todos juntos, servirão para um dia eu poder dizer «sim, eu já fui feliz».

*in Jornal Público