sábado, 24 de setembro de 2011

Poemas que dão música - Tom Jobim

Águas de Março foi em 2001 'nomeada como a melhor canção brasileira de todos os tempos numa pesquisa de 214 jornalistas brasileiros, músicos e outros artistas do Brasil, conduzida pelo jornal Folha de São Paulo.'

"A letra assemelha-se a um fluxo de consciência, referindo-se a seres como pau, pedra, caco de vidro, nó na madeira, peixe, fim do caminho e muitos outros. A metáfora central das "Águas de março" é tomada como imagem da passagem da vida cotidiana, seu motocontínuo, sua inevitável progressão rumo à morte - como as chuvas do fim de março, que marcam o final do verão no sudeste do Brasil. A letra aproxima a imagem da "água" a uma "promessa de vida", símbolo da renovação."



Escreve Tom Jobim. Que aqui interpreta junto a Elis Regina.

"É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o MatitaPereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
pau, pedra, fim, caminho
resto, toco, pouco, sozinho
caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração."

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Recordar Neruda no dia da sua morte


Pablo Neruda nasceu em Parral, em 12 de julho de 1904, como Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto. Era filho de José del Carmen Reyes Morales, um operário ferroviário, e de Rosa Basoalto Opazo, professora primária, morta quando Neruda tinha apenas um mês de vida. Ainda adolescente adotou o pseudônimo de Pablo Neruda (inspirado no escritor checo Jan Neruda), que utilizaria durante toda a vida, tornando-se seu nome legal, após ação de modificação do nome civil.

Tenho mil irmãs para amar sem palavras - José Luís Peixoto

Dito por Raquel Patriarca.



"Tenho mil irmãs para amar sem palavras.
Tenho aquela irmã que caminha encostada
às paredes e sem voz, tenho aquela irmã de
esperança, tenho aquela irmã que desfaz o
rosto quando chora. Tenho irmãs cobertas
pelo mármore de estátuas, reflectidas pela
água dos lagos. Tenho irmãs espalhadas por
jardins. Tenho mil irmãs que nasceram
antes de mim para que, quando eu nascesse,
tivesse uma cama de veludo. Agradeço com
amor a cada uma das minhas irmãs. São mil
e cada uma tem um rosto a envelhecer. As
minhas mil irmãs são mil mães que tenho.
Os olhos das minhas irmãs seguem-me com
bondade e, quando não me compreendem,
é porque eu próprio não me compreendo.
Tenho mil irmãs a esperar-me sempre, com
silêncio para ouvir-me e para proteger-me
no inverno. Tenho aquela irmã que é uma
menina que sai de casa cedo para chegar cedo
à escola e tenho aquela irmã que é uma
menina que sai de casa cedo para chegar cedo
à escola. Tenho irmãs como música, como
música. Tenho mil irmãs feitas de branco.
Eu sou o irmão de todas elas. Sou o guardião
permanente e incansável do seu sossego.
Eu tenho de ser feliz pelas minhas irmãs.
Eu tenho de ser feliz pelas minhas irmãs."

José Luís Peixoto, in Gaveta de Papéis

Como li o romance de Nuno Camarneiro, No meu peito não cabem pássaros

"... Nos dias em que o céu pegou fogo, estavam vivos os protagonistas deste romance - três homens demasiado sensíveis e inteligentes para poderem viver uma vida normal, com mais dentro de si do que podiam carregar. (...) Mas, enquanto o seus contemporâneos se deixaram atravessar pela visão trágica dos cometas, estes foram tocados pelo génio e condenados, por isso, a transformar o mundo. Cem anos depois, ainda não esquecemos nenhum deles."

Já todos devem ter percebido que em 1910 passaram dois cometas pela Terra. E o livro aprofunda 3 vidas. Separadas geograficamente por uma grande distância. Três pessoas distintas, mas brilhantes. No seu tempo e na posteridade.

Não posso dizer de onde são as pessoas. Nem quem são. Apenas posso referir que me foi mais ou menos fácil chegar a duas delas. Outra nem tanto, mas uma pesquisa pela internet revelou-me. Talvez por não ser tão evidente, talvez por não estar tão presente na minha órbita cultural. Confesso que não cheguei lá e, talvez, seja um ponto fraco a assinalar.

Mas há uma que me pareceu, desde cedo, bastante próxima. Talvez por ser tão nossa e por Nuno Camarneiro a descrever com acutilância. Outra também não é difícil concluir quem é. Um pouco de cultura literária é suficiente.


Quanto ao livro, pareceu-me inteligente. Acima da média, se falarmos de "romances" de estreia. Vejo potencial no escritor para se afirmar no panorama literário português. Sobretudo gostei de algumas tiradas que Nuno Camarneiro utiliza para contar a sua história.

Este livro entretém. Talvez porque há alguns toques de enigma, numa dose suave. O secretismo em torno de quem são as personagens, de facto, prende-nos à narrativa.

Vamos ficar atentos aos próximos trabalhos do Nuno. É interessante o facto do seu primeiro livro ser publicado pela prestigiada Dom Quixote.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Poemas que dão música - Vinicius de Moraes, Tom Jobim

Música: Eu Sei Que vou Te Amar
Autoria: Vinicius de Moraes e Tom Jobim
Canta: Maria Creuza e Vinicius de Moraes



Maria Creuza:

"Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente

Eu sei que eu vou te amar
E cada verso meu será pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida"


"Soneto da Fidelidade"
Declamação por Vinicius de Moraes

"De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
ao seu pesar e ao seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive)

Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Eu sei que vou sofrer
a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu por toda a minha vida."

Júlio Resende


Um homem do Porto e das artes. Também de ilustrações de livros. Que deixa um portefólio vastíssimo, presente em algumas obras literárias que compilaram o trabalho do mestre. Muitas delas, infelizmente, esgotadas.


Hoje presto homenagem ao grande artista e homem que foi Júlio Resende. Hoje Portugal perdeu uma enorme figura.



21 de Setembro: Luís Miguel Rocha, autor de "A Mentira Sagrada", às 21h na livraria Almedina - Arrábida Shopping

O autor nascido no Porto vai estar presente para uma sessão de autógrafos do seu bestseller "A mentira Sagrada", livro lançado este ano pela Porto Editora. Luís Miguel Rocha é o primeiro português que se pode orgulhar de ter tido um livro na difícil lista do prestigiado New York Times.


Fica o convite, que podem ver no site Almedina.

Aproveitem para dar uma espreitadela aos outros eventos que a Almedina anda a preparar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Não Pode Existir Amor Sem Verdadeira Troca

"Não te lembras de ter encontrado na vida aquela que se considera um ídolo? Que havia ela de receber do amor? Tudo, até a tua alegria de a encontrares, se torna homenagem para ela. Mas, quanto mais a homenagem custa, mais vale: ela saborearia melhor o teu desespero.

Ela devora sem se alimentar. Ela apodera-se de ti para te queimar à sua honra. Ela é semelhante a um forno crematório. Ela, na sua avareza, enriquece-se de várias capturas, julgando encontrar a alegria nessa acumulação. E não acumula mais do que cinzas. Porque o verdadeiro uso dos teus dons era caminho de um para o outro, e não captura.

Ela verá penhores nos teus dons e abster-se-á de tos conceder em paga. Na falta de arrebatamentos que te satisfariam, a falsa reserva dela far-te-á ver que a comunhão dispensa sinais. É marca da impotência para amar, não elevação do amor. Se o escultor despreza a argila, terá de modelar o vento. Se o teu amor despreza os sinais do amor a pretexto de atingir a essência, o teu amor não passa de um palavreado. Não descuides as felicitações, nem os presentes, nem os testemunhos.Serias capaz de amar a propriedade, se fosses excluindo dela, um por um, como supérfluos, porque particulares demais, o moinho, o rebanho, a casa? Como construir o amor, que é rosto lido através da urdidura, se não há urdidura sobre a qual escrever?


Sem cerimonial de pedras, não haveria catedral.

Nem haverá amor sem cerimonial em vistas do amor. Eu só atinjo a essência da árvore se ela modelou lentamente a terra segundo o ceriomonial das raízes, do tronco e dos ramos. Nessa altura, ela é una. Tal árvore e não uma outra.

Mas aquela acolá desdenha as trocas, que a haviam de fazer nascer. Ela procura no amor um objecto capturável. E esse amor não tem significado algum.
Ela julga que o amor é presente que ela pode fechar nela. Se tu a amas, é porque ela te conquistou. Ela fecha-te nela, convencida de enriquecer. Ora o amor não e tesouro a conquistar, mas obrigação de parte a parte, fruto de um cerimonial aceite, rosto dos caminhos da troca.

Jamais essa mulher nascerá. Só de uma rede de laços se pode nascer. Ela continuará a ser semente abortada, poder por empregar, alma e coração secos. Ela há-de envelhecer funebremente, entregue à vaidade das suas capturas.
Tu não podes atribuir nada a ti próprio. Não és cofre nenhum. És o nó da diversidade. O templo, também é sentido das pedras."

O Poeta Pede a Seu Amor que lhe Escreva

'Meu entranhado amor, morte que é vida,
tua palavra escrita em vão espero
e penso, com a flor que se emurchece
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem a sombra conhece nem a evita.
Coração interior não necessita
do mel gelado que a lua derrama.

Porém eu te suportei. Rasguei-me as veias,
sobre a tua cintura, tigre e pomba,
em duelo de mordidas e açucenas.

Enche minha loucura de palavras
ou deixa-me viver na minha calma
e para sempre escura noite d'alma.'

domingo, 18 de setembro de 2011

Meia Noite em Paris - porquê chamar Woody Allen a um blogue de literatura?



O trailler não ajuda a entender bem o que tem de especial este filme. O segredo está nas viagens loucas que o actor principal - Owen Wilson - faz ao passado da cidade de Paris, mais concretamente aos anos 20.

Para vos ajudar um pouco, o filme é sobre um guionista (a procurar escrever e aperfeiçoar o seu primeiro romance) que, à hora marcada, abandona a sua vida presente e passa agradáveis noites no passado agitado de Paris. Cidade que, por essa altura, fervilhava de vida. Nela circulavam figuras tão importantes como o escritor F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway ou T. S. Eliot. Heróis literários do nosso personagem, que ele não acredita estar a conhecer.

O elenco não inclui apenas grandes escritores. Por lá passam, também, artistas como Pablo Picasso, Degas ou Salvador Dali. O cineasta Luis Buñuel ou o grande músico Cole Porter.

O resto, é história que não posso contar. Para as pessoas que se identificam com os livros, escritores, arte, com a grande época dos anos 20 (e o fervilhar Parisiense) ou, simplesmente, com Woddy Allen; convite obrigatório para irem ao cinema mais próximo. Uma comédia inteligente, comandada pelo mundo encantado e mágico de um grande cineasta.