sexta-feira, 1 de maio de 2015

Snobidando: Manoel de Barros

PÊSSEGO

Proust
Só de ouvir a voz de Albertine entrava em
orgasmo. Se diz que:...
O olhar de voyeur tem condições de phalo
(possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a fonte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da carne grita.
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.

 
 
Manoel de Barros
 
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Sem Culpa... Judith Teixeira


*Judith Teixeira, in Poesia e Prosa
Organização de Fábio Mário da Silva e Cláudia Pazos Alonzo

Dom Quixote, 2015

Grant Snider - Ban this Book

Encontrado na página For Reading Addicts

Daqui a uns anos...

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quinta-feira, 30 de abril de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José

Cá continuo eu, por Paris, deambulando, vagabundeando como se pede a quem por flâneur tem o cunho e a realidade.

Enviei por correio expresso as tais caixinhas daquele Chambertin positivamente divinal!
Aproveite-o, beba-o e depois escreva-me. (Mas escreva-me sob o efeito do néctar, não quero cá escritas feitas em cima de um joelho sóbrio e com laivos de embrião académico).
Não lhe envio nem memórias nem apontamentos, nem poemas libertários, nem testamentos. Hoje não vai publicar nada para além das palavras desta missiva escrita debaixo de um maravilhoso Sol, num banquinho de jardim ao pé do antigo Museu Napoleão.

Terá tempo, portanto, para as suas coisas e tolices. (Para quando é que habemus esse Infinito e penoso Doutoramento terminado?) Conte-me, com tinta do rouge Chambertin que propósitos são esses e que ideias têm povoado a sua estação de caminhos-de-ferro oitocentista, ainda que para dentro? Efraim anda relendo Le Spleen de Paris. Comprou uma edição da Hachette naquelas barraquinhas na margem Sul do Sena, ao lado de Nôtre-Dame. Não pagou mais que três euros! Veja lá isto, jovem dos vendavais românticos! Na cidade dos poetas e dos artisas e dos boémios sai mais caro um bom prato de queijo do que um pacote de livros dos grandes clássicos da literatura francesa! Pelo demo! Que cultura! Que civilização! A mente antes do estômago! Nem os gregos chegaram tão longe. Até o velho Sócrates, de branca toga e brancas barbas ensinava na clássica Atenas que primeiro devemos viver e depois filosofar!

Chego, pois, a uma conclusão: Paris não é para viver, Paris é, positivamente, para filosofar. (Amar nesta cidade sai caro. Já Papa John mo dissera)

Têm sido dias maravilhosos, estes que por aqui temos passado, jovem frenético. Tenho lido menos do que tenho comido e bebido, é certo, mas com a minha idade também é urgente aproveitar estas pequenas grandes maravilhas que os deuses nos oferecem. Ando a ler Céline, pois há que tempos que o Antunes me chateia para que o leia, no francês, não na nossa pátria língua. 

Antes de me despedir, peço-lhe que, na próxima semana, publique dois poemas sobre o "Brasil lindo e trigueiro", pelo simples motivo que estarei ausente e incontactável. Já sabe como é a minha primeira semana de Maio (…). (…), é escusado dizer-lhe muito mais.

Efraim enviou-lhe, juntamente com as caixas do Chambertin, umas quantas caixinhas de macarons, positivamente deliciosos! Coma e beba (estude menos, ou então, estude mais!)
Abraço cosmopolita e parisiense 

Seu

Gonçalo V. de Sousa.

a-ver-livros: book me

Livra-me, água
da sede de mim
que não me encontro
na corrente 
no leito
esperar a represa
do peito

Poupa-me, fogo
às cinzas
ilusão que chama
bolo ao pão
no calor do lume

Dá-me ar
asas, voo
que o medo cerra-nos 
e eu quero rasar
de leve as nuvens

Aguarda-me, terra
que a ti voltarei

Ana Almeida

Arte de Xavier Cortada
http://cortada.com/

Bai'má Benda: Feliz dia mundial do sorriso porra!

Feliz dia mundial do sorriso porra!

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Foto frase do dia: Beckett


quarta-feira, 29 de abril de 2015

Maria Carla

Maria Carla prometo-te que um dia vais deixar de ser a mulher mais infeliz do mundo.
Prometo-te que um dia arranjo trabalho, já falei com o meu primo, ele vai conseguir-me qualquer coisa lá no banco, só não sabe quando. Disse-me que vou começar por baixo, a ganhar pouco e a trabalhar muito, mas que se me esforçar vou subindo e subindo e vou passar a ganhar muito e a trabalhar pouco. Nessa altura mudamo-nos, vamos para o centro, compramos uma casa com quintal para plantares as tuas flores e próxima do shopping. Maria Carla prometo-te que passo os Sábados e os Domingos contigo nas compras. Podes ver o que quiseres, roupa sapatos e decorações, prometo que vou andar atrás de ti a interessar-me, vou fazer perguntas e elogiar-te o vestido e os sapatos, prometo que não vou pedir para te despachares.



Maria Carla prometo-te que um dia vais deixar de ser a mulher mais feia do mundo.

Prometo-te que vamos a uma daquelas clínicas que fazem as mulheres mais bonitas do mundo e fazes tudo de uma vez. Já vi onde há uma, não é longe e a estrada é boa. Arranjas os dentes que tens tortos e o da frente que te falta, eles fazem isso tudo, é só questão de irmos com tempo, vi numa revista. Fazes aquela operação ao nariz que me falaste, isso há-de ficar mais bonito, não é que esteja feio, nunca disse que estava feio, é apenas esquisito. É só questão de explicares ao Doutor o que queres. Eles também devem conseguir tirar-te essa mancha castanha que tens a ganhar terreno no pescoço, não sei o que é, não faço ideia, mas está a ficar maior, estou preocupado. Descansa Maria Carla descansa, prometo-te que um dia vais ser a mulher mais bonita do mundo.



Maria Carla prometo-te que um dia vais deixar de ser a mulher mais ignorante do mundo.

Prometo-te que vamos ver todos os museus e monumentos do mundo, eu sei que tu queres, tens visto na televisão, não precisas de negar. Compro-te a melhor máquina fotográfica do mundo Maria Carla, vais poder tirar fotografias melhores que as do teu irmão, prometo que vamos visitar o teu irmão. Prometo-te que te compro todos os livros que quiseres, prometo que te ensino a ler. Se não quiseres aprender não faz mal Maria Carla, compreendo, eu leio para ti, faço tal e qual a minha mãe me fazia em pequeno. Quando adormeceres eu desligo a luz da cabeceira. Prometo que vamos ter luz na cabeceira, nas duas cabeceiras, prometo que vamos ter duas cabeceiras. Prometo que às Sextas te levo ao teatro, vemos aquela peça que anunciam nos reclames, eu vou para lá cedo a fim de conseguir os bilhetes mais à frente e tu ficas em casa a arranjares-te Maria Carla, prometo que te vou buscar no nosso carro, prometo que vamos ter um carro, um carro descapotável da cor que quiseres, pode ser amarelo, pode ser rosa, pode ter ursinhos, não te preocupes Maria Carla.


Gonçalo Naves


Foto tirada daqui: https://siteits.wordpress.com/category/its-you/page/2/

a-ver-livros: a fuga

Olhar preso 
no chão
alma aérea - em fuga
e sede
uma sede desvairada
de estradas abertas
e vento no rosto
e vodkas com cola 
à beira-amor
e só há chão
calçada calcada 
no passo lento do abandono
no fogo apagado
de ser feliz

Ana Almeida

foto: ana almeida 2015

Snobidando: Almeida Faria

A PAIXÃO

"(...) entrando pela terra dentro consigo arrastando a amante, para dentro desse túmulo, para dentro do amor da noite, para a longínqua loucura dum profundo amor noturno, para o sonho que se entra uma só vez e do qual nunca mais os homens voltam ou se voltam é nas formas do pesadelo ou auréola intermináveis (...)"

Almeida Faria

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terça-feira, 28 de abril de 2015

argamassa


urge o silêncio
acção do reboco sobre
o cimento na parede

vedem-se os lábios
que a palavra
há-de ver a luz
por si mesma.


Helder Magalhães

Agafia Polynchuk - Polaroid Photography

É do borogodó: panela de cozido (a teimosia de Maria)

Teimo ser tua Maria mesmo que eu não carregue com esta sina o nome cravado na certidão. Diz lá outra coisa, não importa, teimo ser tua Maria, um ventre amplo onde se multiplicam ilusões açucaradas para multidões ensandecidas.

Deito-me na cama e do meu umbigo brota uma imensa árvore. Ganha céu, jequitibá. Floreia nuvens, ipê. Margeia a serra, manacá. A copa imensa estende abertos braços que acolhem teu regresso, figueira. Encorpadas de satisfação chovem folhas, sibipiruna.

desenho em nanquim – José Elffer

A primeira mensagem, as linhas formais, o vocabulário rebuscado que derramava uma timidez sedutora, eu respondi sem saber. Mas, confesso, senti vibrar algo inusitado ali, naquele fraco instante em que não éramos mais do que bilhetes vagos e menos do que os velhos carimbos postais. Faltava um pedaço, mas havia todo o resto.

Teimo ser tua Maria mesmo que as linhas tenham se desintegrado antes de constituir tua caligrafia. Antes do sim, antes do não.

Paira no teto do quarto uma teia de aranha cuja trama fina é indecifrável. O pequeno inseto que ali ficou atrelado, tramas de linhas, esperou ser devorado por uma aranha imensa, linda de tão feroz; mas a aranha nunca veio ter com ele o encontro prometido. O inseto morreu desgostoso daquela insignificância. Ficou chorando dias e dias ali no canto da parede e das lágrimas dele brotaram manchinhas escuras de bolor. Um dia veio o vento, a chuva, o aguaceiro e nunca mais se ouviu falar deles.

Respondi para que tuas aflições fossem diluídas nas minhas. Entreguei uma alma antiga, daquelas empoeiradas que não temem as vicissitudes da vida (que é efêmera, sobretudo).
Cresci num terreiro de chão batido e bem varrido por vassourinhas de palha de milho. No canto norte uma fartura de arruda, no canto sul capim cidreira. Despiu-se em mim fagulha de fogueira, atabaques e preces silenciosas. Os profetas, os deuses, os bárbaros, os pagãos (principalmente os pagãos), todos eles foram me habitar.

É preciso saber agradar para fazer um bom cozido. Saber da colheita, saber do preparo, saber do sabor. Saber da honestidade que a simplicidade nos impõe. Inhame, aipim, maxixe, couve-manteiga, moranga e batata doce e baroa.

Teimei ser tua Maria porque eu sabia que poderia ser tua simplesmente e eu saberia a hora de cada pequeno broto, cada raiz, as folhas verdes espessas que podem tudo suportar. As saudades se escondem na panela de ferro, cozinham em fogo brando.

Sonhei fadas prenhas, elefantes brancos e pequenos príncipes indianos enrolados em finas sedas. Camaleões se embrenhavam nos travesseiros, faziam amor entre as plumas. Ouvi chiados de fêmeas em gozo. Vi libélulas arrasarem voo em duo. Toquei em mim uma valsa elegante, estendi as cordas do violão e degustei lembranças eréteis.

Uivei pedindo abrigo à Lua tantas eram as nuances da minha ode onírica, mas o Tempo veio – com a faca nos dentes e os olhos flamejantes de labaredas gélidas azuis – e sem dizer nada que me consolasse, ceifou minha alegria.

Emaranhei-me nas teias das palavras gravadas no espaço e ali morri sem nunca ter sido por tua gana devorada. Morri no desgosto da semelhança que era avessa. Morri no fel que não se conhece das travessuras adolescentes. Extinguiram-se em mim tuas promessas vazias.
Insisti ser tua Maria na nuvem grossa de areia que turvava minhas retinas.

Caiu o sereno, passou o vento, as calhas cantaram. A rua se espelhou úmida nas miracemas vulgares que hoje mais parecem brilhantes únicos, verdadeiros.

Penélope Martins

A felicidade aos molhos

Encontrado na página For Reading Addicts

In Sem Destino


Toda a gente me pergunta só pelas vicissitudes, pelos "horrores": todavia, no que me diz respeito, é talvez essa a experiência mais memorável. Sim, é disso, da felicidade dos campos de concentração, que eu lhes falarei na próxima vez, quando me perguntarem.
Se é que perguntam. E se eu próprio não me esqueci.


segunda-feira, 27 de abril de 2015

Poema à Noitinha: Ruy Belo

Quanto Morre um Homem

Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?

*Ruy Belo, in Aquele Grande Rio Eufrates

Estranha obsessão

Encontrado na página For Reading Addicts

Snobidando: José Tolentino Mendonça

A JANELA ILUMINADA

Não chames ao mundo morada, não lhe dês um nome
pois falhas a tua Primavera
as sugestões atmosféricas tornam as paisagens equívocas...
e nunca chegamos a perceber
como avança uma história
ou uma tempestade

Diante da janela iluminada
acredita apenas na duração
do amor

José Tolentino Mendonça, in «Estação Central». Ed. Assírio & Alvim.
Fotomontagem de Hannah Höch, 1930


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