sábado, 30 de novembro de 2013

Pretérito Perfeito na Pó dos Livros


A week ago, Sábado dia 23 de Novembro, um Sábado frio (apontamento meteorológico para memória futura), a escritora Patricia Reis apresentou o livro Pretérito Perfeito, o meu livro (os meus problemas com pronomes possessivos) e, entre improviso e improviso, as palavras escritas, a escritora, o texto de apresentação.

Um exclusivo Clube de Leitores:
Patrícia Reis sobre Pretérito Perfeito.


Nos momentos mais estranhos.
Nos dias mais negros.
Tenho por hábito pensar e dizer alto e bom som: “vais morrer. Onde - e com quem? - queres desperdiçar as tuas energias?”

A morte é algo que se aproxima de nós com a idade e, atenção, não com a doença e respectiva traição do corpo. Não. Há um tempo em que comemoramos casamentos e nascimentos e, mais tarde, começamos a enterrar pessoas que amamos, que conhecemos uma vida inteira. Estas pessoas podem ser amigos ou família ou apenas alguém que admiramos. Ainda hoje me recordo do olhar triste do meu filho mais velho quando James Brown morreu, ou da voz quebrada do mais novo por ter de se despedir de Lou Reed.
O que tem tudo isto a ver com Pretérito Perfeito de Raquel Serejo Martins? Tudo e nada.
O livro da Raquel é a página em branco de alguém – Vasco - que sabe que vai morrer. Ciente de que a morte é um jogo impossível de viver, escreve um diário, enumera afectos e receios, uma lista de impossibilidades. Tanto para fazer, tanto para ver.
Nada está ao alcance do personagem. Assim, podemos dizer que o livro de Raquel Serejo Martins é sobre essa coisa extraordinária que nos atormenta: a identidade.
Quem somos?
O que fizemos? O que nos levou a fazer A em vez de B?
Seria diferente se...
Tantos “ses” que cabe um cachalote numa caixa de fósforos.
Escrever para lá desse lugar de silêncio e brancura as palavras podiam faltar, podiam falhar, mas pela mão da autora vamos, seguros, pela vida de alguém cuja vida termina daqui a nada.
O mais difícil?
Encontrar uma narrativa que tenha este poder de atracção, incapaz de nos deixar indiferentes. Mérito da Raquel, mas não só.
Acredito, na minha anormalidade enquanto leitora de outros, que os personagens estão vivos, têm osso e alma, coração e vontade própria. Sei que quando escrevo, as personagens permanecem num parque de entretenimento privado que é o cérebro do autor e, mesmo que se queira, não é possível escapar aos seus desejos.
O personagem principal deste Pretérito Perfeito, conjuga os últimos momentos de vida – de 8 de Outubro de 2007 a 11 de Janeiro de 2008  - mexendo com todas as cordas que temos dentro de nós, obrigando-nos a uma reflexão e eu volto à tal frase: “vais morrer, onde - e com quem? - queres desperdiçar as tuas energias?”
Todas as histórias que incomodam – a grande Agustina Bessa-Luís disse uma vez que escrevia para incomodar e eu aprecio esta ideia em especial -, todas as ficções que são perturbadoras, mas onde facilmente nos encontramos, estamos dentro desse mundo, precisam da mestria de quem as escreve. Neste caso, a Raquel é um homem do leme com perspicácia, tristeza e amor. Não nos engana.
Sabe ao que vamos e ela leva-nos pela mão para dentro da história, ou por este diário de fim de vida, até que não haja mais força para dizer ao mundo seja o que for.
Escrever.
Tememos a vertigem de pensar que é o acto mais íntimo e violento que existe, pelo que exige de nós. Exige coragem, liberdade. Exige, acima de tudo, honestidade. Honra. Valores velhos aos quais raramente conseguimos aceder por completo. A aceleração em que nos comprometemos agora é uma forma de contornar o pedestal destes valores, de prescindir em definitivo dos mesmos. Comunicamos muito para dizer muito pouco. Servimo-nos das palavras como biombos, não como fósforos frágeis que iluminam a  nudez do que somos.
Vergílio Ferreira escreveu: um romance é um biombo atrás do qual a gente se despe.
Todas as palavras mentem num determinado momento. Às vezes porque simplesmente não estamos prontos para atingir a sua verdade: esbarramos nelas e não as vemos. Como nos acontece com as pessoas, a começar por nós próprios.
Raquel Serejo Martins escreve porque as palavras nunca são insuficientes, mostram tudo o que se possa saber, pensar ou sentir sobre as coisas.  Mas não mostram tudo. E é essa ideia – esconder algumas coisas – que faz com que o livro, este novo livro, seja uma dança sem um ritmo certo, vamos andando ou apenas observando os pares que estão em sintonia e a solidão que, mesmo quando não se quer, é feita de pequenos nadas e equívocos. Poderá um milagre salvar-nos? Salvar o pretérito perfeito da Raquel para algo mais mundano? Mais imperfeito? Não.
A impossibilidade de um diagnóstico traz-nos essa imagem terrível da traição do corpo. E o diário avança. O livro cheira a medo. A esperança, a ideias que ficaram por dizer. Mas, em especial, podemos dizer que transpira vida, uma vida que se desfaz dia a dia. E há mais: a cada página há um crescimento de tormento que a escrita da Raquel nos traz.
Ora, nenhum escritor pode reclamar-se virgem depois de um livro desta natureza. A autora foi invadida pela doença terrível da escrita, esse vírus que se instala e que, em alguns, é um vírus forte, com uma voz própria. Não é um sucedâneo de todos os autores que amamos na vida.
Raquel Serejo Martins tem um futuro na escrita? Essa não é a pergunta certa. A pergunta é: que mais histórias é que a autora tem para partilhar connosco? E se optar por não partilhar, será capaz de abandonar a escrita? Duvido. E ainda bem.
Muitas vezes podemos pensar que há livros em quantidades absurdas e que, como escreveu Eugénio de Andrade, as “palavras estão gastas”. Nada mais errado, desde que o Homem é Homem, as histórias são um vício, por razões distintas, mas indissociáveis da condição humana.
Como escreveu uma vez Inês Pedrosa: “basta que as palavras tragam dentro a verdade”. E acrescentou: “ A verdade existe – é difícil extraí-la do silêncio em que está presa pelo ruído das opiniões, das bombas, da burocracia, do quotidiano, da vaidade ou do medo. Muito difícil – mas, por isso mesmo, absolutamente necessário”.
Pretérito Perfeito está repleto de verdades, várias e distintas, umas estão à vista, outras escondidas. É preciso ser forte para reconhecer e enfrentar a imortalidade. O mesmo é válido para este enorme risco que é escrever, publicar, colocar o nome na capa, ter amigos e família em expectativa, o coração a bater mais forte por não se saber se as palavras que reunimos na história que se escreve, são suficientes. Importa não esquecer essa dimensão de risco que todas as publicações acarretam, como um saco de pedras extra que, no caso das mulheres, é reforçado em peso e tamanho por razões que a História explica. Raquel Serejo Martins, aparentemente uma gladiadora da escrita, sem medos, atira-se de cabeça para uma história que não é fácil de contar e ela fá-lo de forma extraordinária, tão extraordinária que até parece simples. Nada na escrita é simples. Na vida tão-pouco. E na morte? Não sabemos, pois não? Convém é saber onde e com quem queremos desperdiçar as nossas energias.
Obrigada Raquel, por este livro, por seres quem és.


E assim nós, no fim.
Sem mais palavras.
Apenas obrigada.

Quem é a Filipa?

Filipa Fonseca Silva. O nome talvez ainda não seja reconhecível à primeira. Mas se lhe falar da primeira autora portuguesa que entrou para o Top 100 dos livros da Amazon recordar-se-á certamente de ter lido, ouvido ou visto na televisão qualquer coisa sobre isso.Mas quem é então a Filipa, a autora de "Os Trinta - Nada é como sonhámos"?

No Facebook, onde a sua página oficial já leva quase 7.000 amigos, ela apresenta-se assim:
"Filipa Fonseca Silva nasceu em Junho de 1979 no Barreiro, Portugal. Tem uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural pela Universidade Católica e trabalha como redactora publicitária desde 2004.
O seu sonho é ser escritora a tempo inteiro e espalhar estórias inesquecíveis por esse mundo fora. Além de escrever, adora pintar, coleccionar sapatos e comer melancia.
Vive em Lisboa com o marido, o filho e o gato Gucci.
"

Diz ter como interesses a ecologia, o bodyboard e o yoga - e a sua marca favorita é a Dior. A 5 de Novembro, o dia preciso em que atingia tão espantoso patamar literário, escrevia isto num dos seus blogs: "It's something no other Portuguese author has ever accomplished, not even the Nobel Prize José Saramago and other great authors I look up to".
Traduzido, algo como isto: "É algo que nenhum outro autor português alguma vez conseguiu, nem sequer o Nobel José Saramago e outros grandes autores que admiro". (in pipaswonderland.blogspot.pt)

Já no blog cronicasdumafashionvictim.blogspot.pt, digamos que a versão portuguesa do Pipa's Wonderland, fez recentemente uma resenha para os incautos sobre o que se pode esperar (e não esperar) do blog.

"O que esperar:
1) uma boa dose de esquizofrenia:  tanto falo de moda, como de futebol, de arte ou do estado da Nação. Não sou especialista em qualquer destas áreas, mas quando um assunto me desperta interesse, gosto de partilhá-lo e dar a minha opinião.

2) um blog pessoal: sou totalmente responsável pelo que escrevo, mas devem ter em conta que são as minhas opiniões pessoais (nem sempre politicamente correctas), que partilho ao abrigo do direito constitucional à liberdade de expressão.
3) um blog de uma mãe: é inevitável partilhar uma das partes mais importantes da minha vida, algo que faço na rubrica "Coisas que aprendi depois de ser mãe (e que ninguém nos conta)". Se não têm paciência para esta temática, não leiam os posts com este título. Embora sejam muito divertidos, mesmo para quem nunca viveu essa experiência (digo eu, mas sou suspeita).

4) um blog onde a ficção se cruza com a realidade, mesmo nos textos mais literários.
5) notícias sobre novas publicações: sim, quando tiver novos livros ou eventos que considere interessantes para os meus leitores, vou divulgá-los aqui.
6) vários posts sobre as minhas preocupações humanitárias e ambientais, porque acredito que toda a gente faz a diferença e se, com algum dos meus textos, conseguir convencer nem que seja uma pessoa a abraçar uma certa causa, já fico muito feliz.

O que não esperar:
1) posts e actualizações diárias. Não vão encontrar fotografias do meu pequeno-almoço, nem relatos sobre as horas que passei no trânsito. Para isso utilizo as redes sociais. Aqui escrevo, em média, uma vez por semana, até porque sou apologista da grande máxima que é "se não tens o que dizer, fica calada". E também odeio estar sempre a receber newsletters.
2) Passatempos e promoções por tudo e por nada. Isto não é o Groupon. Claro que não digo que, uma vez ou outra, não venha a fazer um passatempo, desde que o prémio seja algo de que eu realmente goste.

3) Publicidade gratuita. Todas as marcas, designers, artistas e produtos de que falo no meu blog são coisas que eu admiro/consumo/gostava de ter. Adoro estar a par das novidades e se alguém quiser apresentar-me um novo produto, terei todo o gosto em ficar a conhecer, mas só darei destaque neste blog se acreditar nele. Já me basta a minha profissão de publicitária onde tenho de falar de coisas com as quais nem sempre me identifico.
4) Um blog que agrada a gregos e troianos. Sei que vou escrever coisas que algumas pessoas vão adorar e outras vão odiar. É inevitável. Mas desde que escreva coisas que despertem a curiosidade e que façam os leitores dar o seu tempo por bem gasto (mesmo que não concordem com a minha opinião), sinto que o meu dever fica cumprido."

Alguém já leu o bestseller "Os Trinta - Nada é como sonhámos"?
O que acharam? Queremos saber a vossa opinião.

Enquanto ela chega e não chega, deixo-vos ainda mais uma pista para conhecer o percurso da Filipa: o vídeo que fez para conseguir o crowdfunding para traduzir este livro e fazê-lo chegar ao mercado anglo-saxónico.



Snobidando: Maria do Rosário Pedreira

Acompanhe a página da Livraria Snob no Facebook. Abre brevemente, em Guimarães. Pode lá encontrar este e muitos outros textos.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Cronicando pela Ásia... Laos, no meio do nada...

Algures no Laos,
05 de Maio 2009

Imagine-se uma aldeia no meio do nada... Uma estrada e uns cem metros de casas. Rigorosamente mais nada a acrescentar. A descrição deste lugar inóspito é simples: duas mercearias, alguns restaurantes (ente os quais um Indiano) e muitos turistas procurando um pouso seguro para passar a noite.

Estou no fim do primeiro dia da viagem pelo rio Mekong. Amanhã chego a Luang Prabang.

Tudo se negoceia. Ainda não vi as novas notas do Laos. Negociei o quarto ainda na moeda da Tailândia e 50 Bat mais barato que as inglesas que vinham no grupo.

Depois de um banho revigorante, parti para jantar. O dinheiro é muito pouco e decidi caminhar para ver a aldeia. Não há nada para fazer. Planeei o dia seguinte. A pouca moeda tem que dar para o jantar e pequeno almoço de amanhã. O que sobrar servirá para almoço.

Ninguém sabe a que horas parte o barco de manhã. Observo os estrangeiros a ir de um lado para o outro. Convenciona-se que é prudente acordar pelas 8.30 e encontramo-nos no centro da vila.


Não há sinais de grande civilização. As luzes desligam por volta das 23. Fica apenas o mínimo. Descobri a verdade: no Laos há recolher obrigatório. Electricidade? Só a gerador!

Vou dormir. Não há mais nada a fazer...

Rodrigo Ferrão

Emílio Miranda, dia 4

Foto: Cláudia Miranda

As palavras são mágicas; é preciso um mágico para entendê-las
Para tecê-las
Como se fossem teias a crescer dentro da alma
Nos recantos
Nas frinchas iluminadas pela alvorada
Nos lambris frios e graníticos
Do tempo
Onde o coração
Bate em silêncio as horas.
Chamem-lhe relógio
Maquinal invento de um outro mágico
Cujas palavras foram inventadas
Depois da criação.

A saudade é um punhal cáustico
Uma bebida ardente que nos invade
E nos encobre a luz

Diáfano

Apenas o vento conta os teus segredos
Apenas ele os espalha, apenas ele os mistura
E se um dia foram medos ou receios
São areia, fumo, miragem trémula e insegura

Cada um de mim
É apenas mais uma incógnita
Tantos são os dias quanto eus…

Desperto e sonho com o que ainda não fui
Ladrão, pulha e assassino,
Deus.


Emílio Miranda 

a-ver-livros: comparação e Jose Van Gool

Nem remota
a montanha é menor
como nem o silêncio
é menos audível
a quem escuta
com a alma

* para conhecer mais sobre a pintora holandesa Jose Van Gool
siga o link www.eastbaypictureframe.com/view_artist

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Ainda o "Negrume" de Sandra Martins

Foto de Pedro Ferreira

O prefácio não pariu a tempo...Era para ontem e, por isso, não figura o livro. Mas, ainda assim, o professor José Augusto Graça (na fotografia) escreveu umas palavras para Sandra Martins guardar eternamente. Palavras generosas, humildes e belas. Palavras que soaram, de surpresa, no lançamento de 'Negrume'.

SOBRE “NEGRUME”

1/ Há livros que melhor seria nunca terem chegado à letra de forma, ao prelo, ao escaparate da livraria e, por fim, às mãos do incauto leitor, induzido em erro, sabe-se lá, por um título enganador ou por um prefácio que nunca leu o livro que prefacia, mas que adora prefaciar. É voz corrente que se lê cada vez menos, enquanto se publica cada vez mais. Que se leia cada vez menos, é perfeitamente natural, na medida em que o caderno de encargos em que se tornou a nossa vida, constitui-se numa empreitada sem fim. Quem não se mostra minimamente sensível a esta interminável soma de horas extraordinárias em que se tornaram os nossos dias, é ele, o dia: 24horas e nem mais um minuto. Ora, tudo aquilo de que precisávamos era desse minuto, dessa hora a mais, vá lá, se o dia se deixasse ficar por mais um dia, seria precisamente aí que iríamos tocar o livro, cheirar o livro, saborear o livro, fruir o livro, adormecer com o livro e, no dia seguinte, pensar que, logo à noite, iríamos para a cama com o livro. E, provavelmente, não seria assim. De facto, por que razão os ladrões que vertem os nossos dias em alguidares de inúteis vacuidades, não continuariam a deitar mão ao resto dos nossos dias? …… Enfim, divagações, nada mais do que divagações. Para pessoas como eu, que já se habituaram a não ver luzes ao fundo dos túneis - pese embora haver gente que diz que sente-que-vê luzes ao fundo dos túneis, sente-que-ouve a harmonia das esferas celestes, fora uns calores pelo corpo acima – palpita-me que nunca houve túneis, muito menos luzes. É claro que esta minha incapacidade de ver o que tantos outros sentem-que-vêem, tem a ver com aquela frase de Sófocles, segundo a qual, «o homem nada sabe sem queimar os pés no fogo ardente». No caso em análise, será só substituir pés e fogo, por cabeça e parede. De facto, e ao fim de andar tantos anos a correr para a luz que me diziam estar lá, ao fundo do túnel, tenho de reconhecer que, ou me enganei nas coordenadas ou aquilo sempre foi parede, nada mais do que parede.

2/ Perguntar-me-ão, mas o que é que isto tem a ver com o livro da Sandra? Tem, tem: é o negrume. Hoje, é o dia em que o livro da Sandra é dado à estampa, isto é, é o primeiro dia de “Negrume”. Mas eu, que já o li vi, logo ali, um livro crescido, feito de dias intensamente vividos, de amores maduros, de dores sofridas, enfim, um livro cuja origem é mais funda que a superfície das águas chilras, a tona das águas mornas do lugar-comum, da emoção formatada, do coraçãozinho despedaçado. Perguntar à Sandra onde foi buscar a inspiração ou, em alternativa, fazer a anatomia ou autópsia dos seus estados de alma no momento do poema, é tão sem jeito como são sempre sem jeito as questões que nada têm a questionar, mas que se comprazem imenso com a irrelevante tarefa de amassar vento. Para acabar com essas inquirições a que o próprio inquirido não sabe responder, logo a páginas tantas da “Odisseia”, concretamente, no livro XXII, passagem 347-349, o poeta homérico, remata da seguinte maneira: «um deus me pôs no espírito toda a espécie de melodias. Eu saberei cantar para ti como um deus». Mas porque sempre houve perguntadores impenitentes, o poeta grego abortava o diálogo logo ali, nos seguintes termos: “nada mais tenho a acrescentar; perguntem aos deuses; enquanto poeta, por eles sou possuído, mantike entheus”.

3/ “Negrume” vai-se confrontar com concorrentes de peso, bem mais vendáveis, com mais procura e saída, com mercado: o livro do mexerico, do voyeurismo compulsivo, do diz-que-diz, fora o ‘Guia para a Felicidade Feliz em 10 lições’ e, claro, o ‘Manual do sucesso garantido para gente ousada’. Mas mesmo se um dia, ao passar numa livraria, a Sandra vir uma fila interminável para o ‘Guia da Felicidade Feliz’, enquanto o “Negrume” está às moscas, lembre-se de Montaigne, e passo a parafrasear: «Quando perguntaram ao poeta por que razão persistia tanto numa arte que não seria acessível à maioria das pessoas, ele respondeu: bastam-me poucas; basta-me uma; basta-me nenhuma» (apud Alphonse Daudet, “Memórias do meu moinho”, Porto, Civilização, 1979, p. 142)

É do borogodó: pão com manteiga

Os fios prateados compunham estrelas no chão. Narciso deitara ali mesmo, saciado de amor, fervido carnavalesco. Dolores sentada ao pé da cama retirara da bolsa a carteira de cigarros.
- Você fuma?
- Tu num sabe nada de mim, mas eu num fumo não, já fumei, hoje passeio no cigarro vez por outra pra relaxar.
Narciso soltou riso desconcertado, como uma criança diante dos seios vigorosos da mãe, ou mesmo um pecador ajoelhado pagando sua derradeira penitência.

fotopoema – luzes – de Penélope Martins
Narciso era aquele homem de corpo imenso portando aquela sempre delicada alma transbordante em cetim macio e fios de prata. Deixou-se amarrotar por Dolores.
Dolores era o estandarte, as pernas musculosas da mulata que se apresentavam escondidas na máscara de meias arrastão. Dolores ereta e obscura, uma ave tensa de canto grave, triste; os olhos maquilados de rímel barato insistiam tingir a face além dos cílios.

- Tem fome?
- Talvez. Respondeu ela, evasiva de puro orgulho.
- Vou arranjar alguma coisa.
Dolores apanhou os cabelos com as mãos e arrumou um penteado com eles deixando o pescoço a mostra. Ainda sentada na cama, vestida com sua nudez, brincava com os raios de sol que atravessavam as frestas da janela. Narciso teimou com seu desejo se vestindo as calças do pierrot para apanhar algo na rua que pudesse servir de amparo à fome de sua rainha.
- Espera aqui, formosa.
- Não espero, não (gargalhou) vou sair assim mesmo nas ruas, a louca nua.

E foi nesta gota de ironia a primeira fisgada no peito que sentiu Narciso. O doce desfeito, a agonia das horas, o desespero dos dias, as trevas que esconderiam o amor que nele crescia sem freios.
O apartamento de Dolores era um cômodo vazio. Um cômodo vazio não compunha os sonhos de Dolores.
Narciso virou a chave na porta, desceu as escadas com pés descalços, pediu café e pão na chapa, pagou a fatura e subiu de volta, virou a chave na porta com o coração palpitante, as horas escorrendo sem que ele nada pudesse fazer.

Dolores vestia um robe branco de algodão com algumas florinhas que quase faziam crer esperança.
- Linda.
- O que você trouxe, aí?
- Café e pão com manteiga na chapa.
- Nossa, um banquete – disse ela, em desdém pela própria vida.
- Por que tanta amargura, Dolores? Num foi boa nossa noite?
- Oh meu querido, foi a melhor.
Disse isso e sentou no colo de Narciso, entre um gole de café e um beijo amanhecido, tocou a face dele com as costas da mão, depois envolveu o rosto do homem entre seus ombros naquele receptáculo de deleite e aflição que lhe chamavam colo.

E então pierrot levantou sua amada, novo golpe de abraço naqueles quadris, levou-a até a cama, mordeu coxas, apertou nádegas, envolveu peitos com beijos enlouquecidos e fez rasgar gemidos agudos que se soavam chamados.
Embrenhou-se nela, debochando do tempo e do fim do jogo, fez o revirar dos olhos dela em investidas ritmadas, um samba com mais linda poesia até o ponto alto, acorde de um gozo satisfeito.
- Toma, Dolores, teu banquete que não é só pão com manteiga. Toma aqui, mulher gostosa, sente dor de tanto prazer porque eu também sei fazer tua agonia…

Deram-se pelo domingo vadiando cama, ducha, cozinha e o chão fagulhado de purpurina, fios de prata e sonhos desfeitos.
Narciso sabia do pouco, o muito que lhe convinha.
Dolores não tinha nenhum espaço em silêncio, apenas a falta latejante esperneando e ruindo suas paredes.
Narciso era pobre demais.
Dolores era infeliz.

Penélope Martins
*Em conexão com o blog: http://todahoratemhistoria.wordpress.com

a-ver-livros: sésamo e Josef Nassy

Lê devagar
as linhas com que coses
a alma, soletra
as palavras
mais difíceis,
oferece as palavras
com a generosidade
dos que nada têm
e nada esperam

Um dia descobrirás
a caverna de tesouros
que abriste

* para saber mais sobre o pintor Josef Nassy, do Suriname,
siga o link repeatingislands.com/2011/07/19/josef-nassy

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Gina Matos e São Bernardes são as vencedoras do passatempo «O livro do Universo - a revelação do Cosmos e a procura do Outro»

Parabéns Gina Matos! Parabéns São Bernardes!

São as vencedoras do passatempo «O livro do Universo - a revelação do Cosmos e a procura do Outro». Cada uma vai receber um exemplar. Basta entrarem em contacto com o Rodrigo Ferrão por mensagem no facebook.

As frases vendedoras foram as melhores respostas à pergunta e também foram as mais votadas pelos seguidores do blog: Imaginam a existência de vida além do planeta Terra e, se sim, que argumentos encontram nesse sentido?

Mais uma vez... Parabéns!

Gina Matos: Neste Livro do Universo, há poemas escondidos, à espera de encontrar mundos de seres, com uma nova forma de vida, uma nova maneira de pensar, uma nova maneira de ser..... Lá onde a imaginação alcança, diferente deste mundo onde vivo, já tudo repetido, sem mais descobertas a fazer, dum viver não mais vivido, de uma mente adormecida de tanto querer e não ter....


São Bernardes: Na estrada do Universo, as estrelas iluminam o caminho. Passo a passo, cada ser descobre o seu mundo, o seu lugar, cada vida encontra outra vida e assim se vai disseminando como pequenas folhas douradas pela brisa outonal. Vida? O que é a vida? É tudo e tudo é um universo imenso que nos rodeia!

Emílio Miranda, dia 3

Foto: Cláudia Miranda

Morri e não queiras saber o silêncio que se pôs
Ninguém sabia que tinha vivido em mim
Mais do que a ideia que de mim tinhas…
Ninguém sabia que de amor tinha morrido
No dia em que te conheci! Imaginas?
Então diz; diz que fui mais do que uma invenção;
Que fui a brisa nos teus dias e a canção que ouvias
Diz que fui a água que bebias, nas noites em que acordavas
Sedenta de vida… Diz para que o escrevam:

Um epitáfio também pode ser uma declaração de amor!

Emílio Miranda

Manifesto do dia!!

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

INTRODUÇÃO - «Lisboa, A Cidade Vista de Fora, 1933-1974», Neill Lochery

Este livro vale mesmo a pena. Apaixonei-me pela introdução feita por Neil Lochery, da qual vos deixo o primeiro parágrafo. Espero que gostem.

INTRODUÇÃO

Na ampla foz do rio, que segue calmamente o seu curso através de Espanha e Portugal ao longo de mais de mil quilómetros, situa-se a cidade das sete colinas. Lisboa, a «cidade da luz», é a última passagem do rio antes de desaguar no oceano que exploradores portugueses de séculos passados navegaram para descobrir grande parte do Novo Mundo. Lisboa e o Tejo como se fundem fisicamente, dando a impressão de que a cidade se agarra à margem enquanto as águas do rio descrevem o seu derradeiro percurso antes de se juntarem ao oceano com uma violenta colisão de correntes. Lisboa está localizada no extremo ocidental da Europa e, todavia, a sua história, tanto a antiga como a moderna, colocou-a em pleno centro dos palcos europeus e mundial. Na base da importância da cidade está a sua localização, com boas ligações ao mar Mediterrâneo e ao Atlântico Norte e Sul. A sua situação geográfica privilegiada permitiu aos portugueses explorar o mar e estabelecer relações comerciais entre uma parte considerável do Novo e do Velho Mundo. Em virtude da sua relevância estratégica, a capital portuguesa acolheu muitos visitantes, provenientes tanto de lugares próximos como distantes, muitos dos quais se sentiram inebriados com os seus ventos brandos, noites amenas e clima temperado durante todo o ano.


O Clube de Leitores e a Editorial Presença estão a oferecer 3 exemplares do livro. Veja o nosso passatempo em: http://www.blogclubedeleitores.com/2013/11/passatempo-lisboa-cidade-vista-de-fora.html

Consulte o livro no site da editora? http://www.presenca.pt/livro/lisboa-1933-1974/

É do borogodó: POEMINHA PARA HORA DO SONO

POEMINHA PARA HORA DO SONO 

Na hora de dormir
peço a mãe uma história,
depois outra pequenina.
A mãe lembra a história,
os versos, a cantiga
e eu de novo a pedir:
- Outra história, mãe,
fica aqui mais um pouco.
Olha que eu não demoro a crescer…
 

- Penélope Martins -



*Em conexão com o blog: http://todahoratemhistoria.wordpress.com

Emílio Miranda, dia 2

Foto: Cláudia Miranda

Ninguém jamais te ofereceu uma flor
Como esta
Que perdura…
Jamais uma flor perdura
A um amor
Que não morre!
Jamais morre o que ama
Para além da morte
Quando mais forte é o amor

Do que a saudade…

Emílio Miranda

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Quem é Malala Yousafzai?


O Clube de Leitores tem andado a descobrir quem é esta heroína. “Eu, Malala – A minha luta pela liberdade e pelo direito à educação”, da editorial Presença, está em destaque no blog. Venham conhecer a sua história. 

Porque não compra o livro já no site da editora? http://www.presenca.pt/livro/nao-ficcao-e-ensaio/politica/eu-malala/

Emílio Miranda, dia 1

Foto: Cláudia Miranda

Esqueci-me de todas as palavras;
Recusei-me a visitá-las no lugar de sempre
Para que as minhas noites fossem desprovidas de memórias

Mas a alma não esquece a fonte onde a sede mora…
Não se engana a fome com a demora

E o silêncio mata!

Emílio Miranda

a-ver-livros: palavras à boca e Ian Darragh

Sustém as palavras
à saída
entretém-nas com variações
e tempos verbais
menos comuns
pode ser que se esqueçam
de dizer 
da dor
e da ausência
tudo o que escrevem a fogo
entre o peito e a boca

Suspende-as
com firmeza
morrerão geladas
se passarem os lábios
que tremem
no turbilhão dos dias

* para saber mais sobre o pintor irlandês Ian Darragh
siga o link www.ian-darragh.com/

domingo, 24 de novembro de 2013

Passatempo «Lisboa, A Cidade Vista de Fora, 1933-1974»


Editorial Presença tem três exemplares para oferecer aos seguidores do Clube de Leitores - do livro Lisboa, A Cidade Vista de Fora, 1933-1974 de Neill Lochery.

Para participar, basta responder ao seguinte: O que faz de Lisboa uma cidade única?


As melhores respostas enviadas em comentário a este post (tanto aqui no blog, como na página do facebook ou ainda no grupo) vão a uma finalíssima de 3 dias a ser votada pelos membros do blog e seguidores. 

O concurso é válido para Portugal continental e ilhas e o envio das frases deve ser feito até Domingo, dia 01 de Dezembro. No dia seguinte, anunciaremos as respostas que vão seguir para a finalíssima.

Boa sorte!

Consulte o livro no site da editora? http://www.presenca.pt/livro/lisboa-1933-1974/

Cronicando pela Ásia... As crianças mais pobres da Ásia

Entre a Tailândia e algures no Laos,
05 de Maio 2009

As crianças saúdam-vos! Directamente do país mais pobre da Ásia. Onde uma família sobrevive com pouco mais de um dólar por mês. Um retrato fotográfico do Laos... na minha viagem no barco, subindo o Mekong acima.







Rodrigo Ferrão