sábado, 7 de abril de 2012

The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore



Poucos serão os que ainda não viram The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore, que recebeu o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação. Pois bem, aqui ficam 15 minutos dedicados ao prazer da leitura e ao mundo encantado dos livros. Uma animação de William Joyce e Brandon Oldenburg. A não perder...

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Fuma-me!

Depois de rapper Kanye West, o tal “orgulhoso não-leitor” ter dito mal dos livros e ter publicado um (ou, vá, uma espécie de livro) [ver o post Gajas em livrarias], agora é a vez de outro rapper americano, o igualmente bem conhecido Snoop Dog, lançar um livro... que se fuma.

Na prática, a obra “Rolling Words – Snoop Dog’s Smokable Songbook” (vejam aqui o vídeo de apresentação) inclui as letras das suas canções mais populares impressas com tintas não tóxicas em mortalhas, isto é, papel próprio para enrolar tabaco – ou outras coisas... –, convenientemente picotadas para serem mais fáceis de arrancar, e a lombada serve, claro!, para acender fósforos! A capa? É de fibras de canhâmo, claro. De que estavam à espera?

Mas não se pense que foi apenas uma ideia entre o parva e o artística da parte do senhor Calvin Cordozar Broadus Junior, sim... Mr. Snoop Dog. O homem é um homem de negócios. E este livro serve, na verdade, para promover as vendas da Kingsize Slim Rolling Papers, a marca de mortalhas do próprio artista.

O livro é lançado a partir de dia 20 deste mês no festival Coachella Valey Music & Arts, nos arredores de Los Angeles, com distribuição limitada, e consta que estão a preparar também uma edição especial para colocar à venda online. A agência de publicidade Pereira O’Dell, que está a trabalhar com Snoop, também vai espalhar cartazes do livro no recinto do festival com amostras para o pessoal poder fazer uns charrinhos de teste enquanto ouvem bandas como Feist, Kaiser Chiefs ou Artic Monkeys, que vão passar por lá.

Livros que deram filme, Pela Estrada fora - Jack Kerouac


Está a chegar aos cinemas o filme baseado no romance de Jack Kerouac (On the Road, tradução portuguesa - Pela Estrada Fora, Relógio D'Água). Dirigido por Walter Salles, o filme conta com Garrett Hedlund, Sam Riley e Kristen Stewart nos principias papeis.

Além do trailer do filme, fiquem com as opiniões sobre o livro e ainda com um desejo escrito por Jack Kerouac:

«Para as adolescentes, ele foi o poeta louco, o primeiro amor que nunca esqueceram, com a sua conversa sobre boleias em comboios de carga e carros, estrada fora. Kerouac criou um herói de estilo moderno em Pela Estrada Fora; inventou a Geração Beat, originou um estilo de viver e um estilo de escrever.»

(The Guardian)

«Energia poética espontânea... celebrativa e desafiadora.»

(Malcolm Bradbury)

«A primeira exploração clara da prosa romântica americana desde Hemingway, cheia de louca comédia sexual, de belas passagens de viagem e de longas evocações líricas da infância da América e memórias de adolescência.»

Richard Holmes, The Times - Londres)


«Quero uma vida inteira a escrever sobre o que vi com os meus próprios olhos, contando tudo com as minhas próprias palavras, de acordo com o estilo que escolher, tenha vinte e um, trinta, quarenta, ou em qualquer idade ainda mais avançada e juntando tudo, como um registro de história contemporânea, para que no futuro, seja possível ver o que realmente aconteceu e o que as pessoas realmente pensavam.»

(Jack Kerouac, a seu pai Leo)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Homem que Lê, por Rainer Maria Rilke

"Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde... em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.

*foto retirada deste blog: http://luisablog.wordpress.com/

E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa. "

in O Livro das Imagens, Relógio D'Água

["O Livro das Imagens é uma obra que Rilke escreveu na juventude, atravessada pela escrita de algumas das suas criações mais importantes (…) é uma compilação das diferentes fases criativas do poeta, dando-lhe um carácter híbrido e algo desconcertante. (...) Trata-se de uma obra composta por quase todo o tipo de poemas escritos por Rilke e nele estão já presentes muitos dos seus temas de culto: a natureza, a noite, a religiosidade, a solidão, a morte, a angústia, o amor. Sendo uma obra de juventude, O Livro das Imagens inclui alguns dos seus poemas mais conhecidos e mais amados, invariavelmente incluídos nas antologias, como Intróito, Outono, Oração e Anoitecer e traz em si a marca de muito do que viria a ser a criação da maturidade do poeta."]

O que é retornar-se a um lugar onde nunca se esteve?

Leitura terminada, sinto-me como que saída de uma húmida viagem de machimbombo.
A carroçaria enferrujada pela maresia chiando enquanto me trazia o cheiro de uma terra de pitangas, embondeiros e palaças empalhadas, em paredes que tempos mais tarde ficariam cravejadas das balas de uma revolução que virou de pernas para o ar a vida destes personagens.


Quando cheguei a Portugal, quinze anos volvidos do Abril que mudou esta terra, da Revolução dos Cravos e do período que se lhe seguiu conhecia apenas o «Tanto Mar» que lhe dedicara Chico Buarque e a pergunta que ouviamos repetidamente “Onde estavas no vinte e cinco de Abril?”.
Duas décadas tentando colmatar essa lacuna, uma permanecera: conhecer esta fatia de povo, nem de cá, nem de lá, “gente a quem morreu a terra” - como diz Dulce, ou uma das suas personagens.
Lembrou-me dos anos de escola primária, em que meu professor, com os olhos rasos de água, nos contava que ainda se lembrava de ver as paredes da casa em Angola mutiladas por tiros de bazuca.

Duzentas e sessenta e sete páginas nos abriram uma janela para o ano de viragem na vida do Rui.
O estar num lugar onde se é branco em oposição ao preto, e chegar a outro em que se é retornado em oposição a quem nunca saiu. Um lugar que sabemos que é nosso, mas no qual parece que temos que ganhar novamente espaço. Como é ser “de cá”, quando nunca cá se esteve afinal?

O caleidoscópio montado pela Dulce Maria Cardoso me interessou por nos submergir num grande emaranhado do qual não se propõe nenhuma saída. Vemos cru o abandono daquelas pessoas, a sua inconveniência que apetecia varrer para baixo de um tapete esquecido, o seu desajuste. Tudo isto sem margem para uma visão macro daquilo que aconteceu antes, durante e depois. Assim como nas nossas vidas, nestas que ela nos apresenta também não surge espaço para uma visão distanciada, processada por uma interpretação política ou sociológica.
Os pretos os mandaram embora, os comunas acham que são uns usurpadores sem lugar na nova sociedade em nascimento... Deu maca, cada um acha que a razão está do seu lado, e a vida segue, sem espaço para aspas, com licença, faça favor, vamos ser politicamente corretos. Cambada de mangonheiros.

«A doença da mãe e esta guerra que nos faz ir para a metrópole são assuntos parecidos pelo silêncio que causam.»
Já na página 9 vem o prenúncio da teia em que nos enredamos. Nesta história, realmente, a textura da vivência pessoal de cada um é o que dá a dimensão daquilo que os rodeia. Sentimos na nuca o arrepio da guerra através das pequenas batalhas de cada um. No desmaio do Rui quando o pai é levado, no momento em que ele decide que já não pode esperar seu regresso, nos olhos da D. Glória-que-tem-aqueles-problemas se revirando na fila de espera da refeição dada pelo hotel onde se hospedam na malfadada metrópole.

Temos pormenores reveladores, como o professor de português da turma B queimando os Lusíadas como símbolo de um império que jamais deveria ter existido. Despertou a minha sensibilidade para a ideia de “culpa histórica”: se fará algum sentido, se hoje glorificarmos Camões será uma ratificação do expansionismo de um Portugal que se quis sobrepor aos outros povos, ou apenas o prazer de idealizar que uma Dinamene morreu afogada para que aqueles manuscritos fossem entregues a D. Manuel, e que nos seus hipérbatos e hipérboles, o poeta engrandecesse também esta pequena extensão de terra, que um dia almejou ser maior, como tantas outras.
Como diz o Rui pensando no João Comunista que foi para o Brasil, “espero que (…) já não tenha tanta vergonha do império nem de ser português, deve ser chato viver com vergonha de uma coisa que não se pode mudar.”

No hotel de frente para o mar, “o império estava ali, (...) um império cansado, a precisar de casa e de comida, um império derrotado e humilhado, um império de quem ninguém queria saber.”

“O Sr. Belchior diz que os contentores são as sobras do império, não deixa de ter piada que estejam a apodrecer no mesmo sítio onde o império começou, (…) alguma coisa devemos aprender com isto (...).”


Um império em fragmentação repleto de dicotomias, de retornados que não foram para os hotéis que evitam os retornados dos hotéis, do “Vítor (que) acusa-nos de termos andado a explorar os pretos mas defende os irmãos e os outros soldados que andaram a matá-los”, de três pessoas sentadas numa mesa posta para quatro, onde “o lugar vazio faz as vezes do pai”. De pessoas que se enredam em lembranças de vidas que lhes escaparam, aspiradores, motas, fazendas de perder a vista...

“(...) a mãe diz que tem a certeza que as roseiras morreram de tristeza, que perderam as pétalas uma a uma até ficarem com o coração à mostra.”

E eu só penso que foram estas famílias que perderam aquilo que tinham, dignidade desfolhada aos poucos, até ficarem com o coração à mostra nestas folhas, à flor da pele. E “a metrópole é velha e já não tem um pedaço de terra selvagem onde a mãe possa inventar um coração.”

“(...) se um homem se põe a pensar a sério em tudo o que aconteceu acaba por dar um tiro nos cornos.”
Ponho-me a pensar, quantos não deram?

Outros, no entanto, voltam. “Ninguém volta da morte mas o pai está à porta do nosso quarto.” E o silêncio dele “(...) faz com que as cicatrizes contem coisas mais terríveis do que o pai poderia alguma vez contar.” Não se fala do que aconteceu, “(...) mas é como se isso sugasse todas as conversas. Todas as conversas e todos os silêncios.”

O pai do Rui voltou e encontrou-os naquele quarto que podia ser uma casa. Outros nunca chegaram. Muitos, na maior ponte aérea até então feita, regressaram para um local de onde conheciam apenas histórias, estranhos numa terra menos sua que aquela que perderam numa batalha onde a linha separando as trincheiras se esfumara muito antes.

Gostei de espreitar por esta janela, de encontrar pela frente uma história nua que agora vou vestindo com os véus da História e de tantas outras estórias. Gostei de conhecer este Rui que representa tantos mais. Fechei o livro, e no baque da sua capa dura senti que penetrara, mesmo que por instantes, na carapaça de uma ferida que ainda lateja no peito de um povo.

E o avião risca o céu a direito, partimos para outros vôos.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Amizade não se Procura, Exercita-se

Um pensamento pela filósofa Simone Weil.

É um erro desejar ser compreendido antes de se ser elucidado por si mesmo a seus próprios olhos. É procurar prazeres na amizade, e não méritos. É qualquer coisa de mais corruptor ainda do que o amor. Venderias a tua alma por amor.
Aprende a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem. É preciso recusá-la para se ser digno de a receber: ela é da categoria da graça («Meu Deus, afastai-vos de mim...»). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Toda a ilusão de amizade merece ser destruída. Não é por acaso que nunca foste amado... Desejar escapar à solidão é uma cobardia. A amizade não se procura, não se imagina, não se deseja; exercita-se (é uma virtude). Abolir toda esta margem de sentimento, impura e enevoada. Schluss!


Ou melhor (pois não é necessário desbastar-se a si mesmo rigorosamente), tudo o que, na amizade, não passe por alterações efectivas deve passar por pensamentos ponderados. É absolutamente inútil privar-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente proibido, é sonhar com os prazeres do sentimento. É corrupção. E é tão estúpido como sonhar com a música ou com a pintura. A amizade não se deixa afastar da realidade, tal como o belo. E o milagre existe, simplesmente, no facto de que ela existe. Aos vinte e cinco anos é mais que tempo de acabar radicalmente com a adolescência...

"O Retorno", de Dulce Maria Cardoso, foi eleito por um painel de críticos literários e jornalistas como o livro do ano de 2011.


"O Retorno", de Dulce Maria Cardoso, foi eleito por um painel de críticos literários e jornalistas como o livro do ano de 2011. Com base na experiência real, vivida em 1975, a autora escreveu um romance sobre os que chegaram a Portugal, nesse ano, vindos de África.


Vejam a reportagem da SIC. Vale a pena.

terça-feira, 3 de abril de 2012

in Isto

António Lobo Antunes

… que a multazinha deve ser paga em selos fiscais na esquadra de Santa Marta, um andar decrépito cheirando não sei porquê a almôndegas com puré de batata, onde dúzias e dúzias de polícias, sentados em carteiras escolares, tocam máquinas de escrever com um único dedo hesitante, receosos das palmatoadas do mestre-escola invisível. Como têm a cabeça descoberta parecem-me nus. Como o alfabeto lhes é difícil e o desamparo me comove ajudo-os na gramática visto que, entre o sujeito que são e o complemento directo que não sabem o que é, não possuem predicado que os salve. Pertencem à massa de que se fazem os secretários de Estado, passo seguinte da vagarosa evolução da espécie que conduz estas larvas disléxicas a insectos perfeitos de deputados: a banalidade deixa de gaguejar tornando-se veemente mas a atávica ausência de predicados permanece intocada. As minhas crises de dúvida em relação a Deus articulam-se quase sempre com o facto de ter criado o homem à sua imagem e semelhança: a ideia de ser recebido à entrada do céu por um guarda-republicano...

Registar um momento II

De vez em quando surge uma interrogação – e esta deriva numa partilha saborosa entre os frequentadores da nossa página Livros no Facebook, agregada ao blog. Assim aconteceu esta semana, quando acordei pela fresca com a ideia peregrina de que todos nós deviamos ter um retrato nosso com um livro na mão. E a pergunta: e tu, com que livro escolherias ser retratada/o para a posteridade?

Para variar comecei eu, que quem atira as achas também deve acender a fogueira. E a resposta, por tantas razões e todas elas tão subjectivas que nem vale a pena enumerar, é simples: “Os Cavalos Também se Abatem”, de Horace McCoy.

Conceição Carvalho – “A Cor do Olhar”, de Alda Cabrita.

Luís Ferreira – Eu ficava com um dos meus. (...) Direi que pela simbologia do projecto que estou a desenvolver neste momento, que fosse retratado o próximo livro. Em relação aos já editados, escolhia “O Céu Também Tem Degraus”, imortalizando assim o caminho.

Maria Júlia Pacheco – Talvez porque o li há muito pouco tempo e ainda paira em mim, “A História do Amor”, de Nicole Strauss, que aconselho vivamente, claro.

E achas que é um livro que vai continuar a ser importante para ti daqui a vinte anos, quando te vires retratada na parede de um museu, Maria Júlia?, quis eu saber. Respondeu-me: ‘Adoro a ideia: retratada na parede de um museu! Pois, talvez não, um outro dia daria outra escolha, mudamos todos os dias até ao dia desse hipotético retrato. A mudança é mesmo o melhor da vida, acho eu!’

Alexandre Lemos – Acho que teria de ser o “D. Quixote” [Cervantes]. Combater moinhos de vento é a minha especialidade.

Silvana Roque – Ai Jesus... deixa-me pensar! Difícil, Ana. Revejo-me em tantos... “Marley e Eu” [John Grogan].

Marta Plácido – “Do Amor e Outros Demónios”, de Gabriel Garcia Marquez (assim à primeira vista). Queres que escolha um para ti?

Engoli em seco. Amigas há anos, arrisquei. “O Silêncio dos Amantes”, de Lya Luft, atirou-me. Nunca li, foi direitinho para a lista dos a-ler. ‘Vais gostar. Vais ver-te nele’, garantiu. Ou irei ver-me como tu me vês? Uma interrogação que me fica para outro dia.

Ana Paula Oliveira – Vou ser egoísta e escolher o meu primeiro livro, “Do Cinzento ao Azul Celeste”. E mais: não poderia colocar o quadro em casa, teria de ficar exposto num lugar público para lembrar quem já esqueceu que o cinzento está a regressar...

Filipa Araújo – Desafio tramado, Ana Almeida. Talvez “Amar um Cão”, da Maria Gabriela Llansol. Mas talvez pudesse ter o meu retrato pintado por vários artistas plásticos e assim pudesse escolher vários livros.

Catarina Noronha e Távora – O meu livro para ser retratada seria “O Alquimista”, de Paulo Coelho, dado que quando era mais novinha andava sempre com esse livro.

João Vilhena começou por dizer: “A La Recherche du Temps Perdu” [Proust]. Muito tempo depois viria corrigir-se: “O Retrato de Dorian Gray”, de Wilde, parece-me mais apropriado.

Cristina Correia – O meu livro mais querido é “Amor nos Tempos de Cólera” [Gabriel Garcia Marquez]. Esse seria o eleito para ser retratada.

Rodrigo Ferrão – “Anna Karenina” [Tolstoi]. Dava-me um ar de grande poder!

Esmeralda Cardoso e Silva – “Os Lusíadas” [Camões], não porque me tenha marcado mais do que muitos outros, mas porque volto a ele com muita frequência.

Ana Maria Torrão – Eu quero contribuir, mas não consegui ainda escolher o livro, pois muitos me marcaram. Já me desloquei para junto da minha estante e estou muito indecisa. Assim que ‘puder’, respondo.

À 'hora de fecho' deste Registar um Momento II ainda aguardamos que Ana Maria consiga decidir-se. Mas acredita-se que não esteja a ser nada fácil.

Pôr os miúdos a dançar com livros...


Foi no dia 7 de Março de 2012 que a Academia de Dança e a Rede de Bibliotecas Escolares de Matosinhos se uniram e foram para a rua comemorar a Semana da Leitura, frente à Câmara Municipal. Com crianças, dança e livros! Acho uma óptima ideia; uma outra forma de pôr os mais pequenos em contacto com a leitura. E de fazer passar uma imagem: os livros não são coisas de "nerds"...

Não consegui encontrar o vídeo da rua (produto final) para o partilhar, mas deixo os ensaios. No dia de ontem comemorou-se mais um dia Internacional do Livro Infantil. Aproveito para deixar as palavras que a Ana Almeida escreveu no grupo livros no facebook e a ilustração que escolheu:

"Porque hoje é dia internacional do livro infantil.
Porque não há melhor missão do que ler para miúdos ou ajudá-los a ler.
Porque os putos merecem.
Porque nós temos o dever de partilhar com eles este prazer e esta janela para o mundo.
Porque, se ainda nunca o fez, este é um bom dia para começar.
Pois. Bom dia! E boas leituras, pois claro."




* Um medley de ilustrações de livros infantis. Susan Mitchell, Shelley Dieterichs e Stephen Lewis.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Três mulheres, quatro grandes romances. A Relógio D' Água lança Harper Lee, Clarice Lispector e Virginia Woolf


«nelas abertas para o jardim, a falar da fossa. O conselho do condado prometera fazer chegar a água à aldeia, mas não o fizera. Mrs. Haines, casada com o senhor da quinta, uma mulher com cara de gansa e olhos protuberantes como se vissem na valeta alguma coisa que engolir, disse num tom afectado: — Mas que assunto de conversa para uma noite como esta! Depois, fez-se silêncio; uma vaca mugiu, e isso levou-a a dizer como era estranho que, em pequena, nunca tivesse tido medo das vacas, mas só dos cavalos. Com efeito, uma vez, em criança, quando estava no seu carrinho, um grande cavalo de tiro rasara-a, passando, a menos de uma polegada do seu rosto. A sua família, dizia ela ao velho sentado na poltrona, vivera, durante séculos, nas proximidades de Liskeard. As sepulturas no cemitério podiam prová-lo. Ouviu-se um pássaro chilrear lá fora. — Um rouxinol? — perguntou Mrs. Haines. Não, os rouxinóis não chegavam tão a norte. Era uma ave diurna que a substância e a suculência do dia, os vermes, os caracóis e os grãos faziam chilrear até durante o sono.»






«Em O Lustre, de 1946, Virgínia mantém um relacionamento incestuoso com o irmão, Daniel, com quem faz reuniões secretas em que experimentam verdades, na condição de iniciados especiais. Os protagonistas Virgínia e Daniel fazem experiência com o mal, ora como agentes (beneficiários), ora como vítimas. Nas brincadeiras de infância entre os dois irmãos, o menino exercita sua maldade com jogos perversos que denunciam o abuso do poder de que se sabe possuidor. Virgínia é o instrumento de obtenção daquele prazer que no romance anterior parecia poder levar ao êxtase a jovem Joana: a fascinação pelo mal, o prazer advindo da percepção - e, neste caso, do uso - da inerente maldade humana. Para o menino, o mal metamorfoseia-se em perversidade, exige relação, necessita de um outro para se completar: pratica o mal pelo mal, convertendo-se o meio em fim.»


«Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor- -a-ti é abstrato como o instante. É também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras — e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.»

Quando Nelo e Idália falam de Florbela Espanca e outros poetas... dá nisto!

in Tristano morre

Respondi-lhe que o tique-taque me enerva, mas não se deu por vencida. Com a redoma de vidro não se ouve, diz, nem um tísico ouviria. Um tísico não, mas eu sim, eu ouço tudo... de noite, o caruncho faz um ruído insuportável a roer o armário, parece uma voz numa caverna... é um armário de castanho, os carunchos adoram o castanho, e quanto mais seco estiver mais o apreciam, eu de caruncho sei umas coisas... disse-lhe mesmo assim, eu de caruncho sei umas coisas...

domingo, 1 de abril de 2012

Lenda Árabe sobre o Perdão

Diz uma lenda árabe que dois amigos viajavam pelo deserto. Num determinado ponto da viagem discutiram e um deu uma bofetada no noutro. Este, profundamente ofendido, sem dizer nada, escreveu na areia: “Hoje o meu melhor amigo deu-me uma bofetada”.

Continuaram o trajecto e viram um oásis. Mortos de sede, ambos correram e o primeiro que chegou atirou-se para água sem pensar e, em seguida, começou a afogar-se. O outro amigo atirou-se para a água para salvá-lo. Assim que melhorou, pegou numa faca e escreveu numa pedra: “Hoje o meu melhor amigo salvou a minha vida.” Intrigado, o amigo perguntou: “Porque é que, depois de eu te ter feito mal, escreveste na areia e agora escreves numa pedra?”


Sorrindo, o outro respondeu: “Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever a ofensa na areia, porque o vento do esquecimento a leva; por outro lado, quando nos faz algo notável, devemos gravá-lo na pedra da memória do coração, onde nenhum vento do mundo poderá apagá-lo”.

Queria que fosse mentira, Mário

Era mentira mas morreu. Era mentira, só podia ser mentira, era 1 de Abril de 1996. Mas estava morto. Mesmo morto, apenas 47 anos, roubado pela doença a que chamavam do século. Poeta declamador, homossexual assumido, polemista convicto, actor apaixonado, Mário Viegas dava vida às palavras de quem as escrevia pela calada e num dia das mentiras calou-se.

Para sempre na minha memória afectiva, deu corpo e voz a Mário-Henrique Leiria, de quem eu lia “Contos do Gin-Tónico” e depois os “Novos Contos do Gin” como uma bíblia do sarcasmo, do humor negro, da irreverência. A Mário-Henrique – que também partiu, em Janeiro de 1980, não dando nem tempo para ver o Viegas dizer-lhe as palavras – voltarei em breve, prometo. Sou-lhe tão fiel quanto o Vodka, juro.

Por agora deixo-vos os Mários, juntos, num medley de contos. Aposto que, juntos, andam a fazer belos estragos lá pelo além.