sábado, 31 de dezembro de 2011

Gosto de brincar com palavras e com @s amig@s

Não é bem uma declaração nem uma republicação, é uma espécie de resposta ao desafio do Rodrigo mas ao mesmo tempo gostava de assumir que o desafio do Rodrigo é para ir cumprindo por muitos mais anos.

Nesta altura do ano as pessoas dedicam-se a fazer as promessas do que querem cumprir. A passagem de um dia para o outro, de um mês para o outro, de um ano para o outro e que de repente parece ter um papel tão importante. É mais um dia, são mais umas horas. Gostava de as partilhar sempre com amigos, gosto de as partilhar durante o resto do tempo.

Hoje e pela primeira vez "saio do armário" no blogue e publico um texto da minha autoria, não de análise, de opinião ou critica mas literário. Talvez hoje e porque hoje acaba também um outro projecto valha a pena lançar raízes para qualquer coisa nova.

Reinventar as palavras, hoje só para vocês, os do blogue, seguidores, leitores, os do Facebook, colaboradores, amigos e amigas, amantes dos livros e das letras. Um obrigado grande ao Rodrigo porque nos foi juntando nesta aventura, e um obrigado aos outros e outras que nos motivam a continuar.

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As palavras só existem para lhes podermos trocar a ordem das letras.

As letras só existem para podermos brincar com elas e com as palavras.

As palavras só existem para nos podermos calar.

Os silêncios só existem quando há alguma coisa para dizer.

Busco, neste tempo que me resta algo que me faça motivar para continuar. Debaixo de uma chuva miudinha deixo-me ser molhado ao som de uma música que não me é estranha. Faz muito tempo que o sol deixou de parar por aquelas bandas. Desde que cheguei aquele sítio que tenho a sensação de estar a ser expulso pelo próprio clima, por muito estranho que isto possa parecer. Mas haverá alguma explicação viável para o facto de em pleno Verão, desde que montei o meu acampamento neste local, ainda não tenha estado um único dia de sol completo, sempre encoberto, sempre com nuvens assim até que culmina com aguaceiros e chuvas tempestuosas. Desvantagem pelo clima que não possibilita grandes passeios ou devaneios físicos, vantagem pelo facto que me obriga a ficar fechado em cafés, tascas e tenda, casa e sem lá mais onde, até as entradas das lojas ou de casas antigas servem para desta forma me ir obrigando a escrever. Pode ser aqui o fim da escrita, pode ser aqui que consiga acabar a purga interior que comecei há tanto tempo atrás. Agora só me resta saber o que vem depois, de todos passos dados o que acontece ao meu andamento. Depois de dar o último passo o que faço a seguir. Para onde vou? E já agora como vou e o que hei de fazer. Alterar de novo o meu estilo de vida, adaptar-me, readaptar-me, construir toda uma nova rede de ajustes e entrar para esse comboio desviado que está sempre em andamento.

O passo em frente, aquele derradeiro passo em que não podemos prever o que se segue. No entanto e normalmente temos quem nos acompanhe, há sempre aquele braço amigo que se estende, aquela mão carinhosa que nos afaga nos momentos mais difíceis. Aqui sentado ao frio e quase a escrever no escuro lembro-me como era bom sentir a tua mão a passear nos meus cabelos a massajarem as minhas costas e os meus braços. Não sei se sinto a falta da companhia e da atenção ou se sinto falta das confusões, de me sentir preso a algo que já quase não via como meu. Deixar-nos prender ao que gostamos e ao que odiamos e sentimos a falta de sermos maltratados quase tanto como a falta de sermos amados. Mas agora nada disso é importante porque encontrei o que precisava, não é a solução definitiva ou também não será a que me fará completamente feliz. Não existe felicidade infinita, suprema e absoluta e nada substitui o conforto de uma felicidade amena e pacifica que nos é trazida pela amizade. 

Pedro Ferreira





Uma brincadeira séria chamada Clube de Leitores

Desafio:

Exponham os vossos gostos.
Conquistem pessoas sem pedir nada em troca.
Quando chegarem a casa (por vezes cansados do dia de trabalho), esqueçam o corpo... e partilhem aquilo que vos move.
Não cobrem nada nem imponham à força a vossa filosofia!
Simplesmente tenham a coragem de publicar qualquer coisa.
Abram o coração e cantem o que vos vai na Alma...
Sem pretensões de qualquer espécie.
Sem procurar ser o maior, mas com a clarividência suficiente para saber que há gente que vos segue.
Não liguem às críticas destrutivas.
Construam grandes obras com as pessoas que vos acompanham. Essas podem e devem guiar-vos.
Coloquem a música aos berros quando a inveja bater à porta.
Cresçam em FORÇA quando vos atacarem ou disserem mal...
Mas não abram espaço à angústia... Para quê?
A maioria dos maldizentes não tem sequer coragem para dar a cara: são sujeitos que assistem da bancada; nunca jogam o jogo. Não sujam as mãos.
Prefiram aquele que critica mas que é, ao mesmo tempo, um bom exemplo. Sigam o que escolhe dar alternativas, não o que coloca calhaus na vossa estrada.
Falem de sentimentos. Não os guardem apenas para vocês.
Porque não partilhá-los? A vida é tão curta!
Vamos parecer ridículos? Temos medo de falar para o boneco? O que é que isso interessa?

Verdadeiramente? Nada...

Agora peço-vos: fechem os olhos. Pensem naquilo que acabei de escrever.

Reflectindo nestas palavras, ponham a tocar esta música e sejam o que quiserem... Uma ave no céu, uma ave no chão, escreve e canta outra canção. Um peixe no vasto oceano. Transportem-se para momentos de grande felicidade. Voem!

Agora dancem! Chorem. Sorriam! Sintam a liberdade de pensar...



E celebrem comigo este ano!

A esta hora precisa (02.20h) o blogue que criei foi visto 75,817 vezes. 160 pessoas são nossas seguidoras: sem qualquer convite ou insistência. 3142 pessoas dão o seu nome no grupo criado no Facebook (Livros no facebook). Somos 13 colaboradores.

A esta hora!...

Por vezes perguntam-me se fico preocupado quando há pessoas que abandonam o grupo. Normalmente respondo assim: não me interessa as que vão, mas as que ficam. Não me interessa se nunca abriram sequer uma vez o blogue para o ler. Vivo feliz pelas que estão. Pelas que comentam. Pelas que verdadeiramente se aproximam.

São vocês a minha força.

Acredito que todos os colaboradores do blogue sentem aquilo que escrevo...

Aproveito a ocasião para dizer que tenho imenso orgulho em vos ter convidado. Porque nenhum de vocês foi escolhido ao acaso ou por sorteio. Todos tiveram uma razão de ser. A mais forte delas: serem leitores, amarem o livro, partilharem o meu ideal... Sonharem e celebrarem comigo!

...E pensar que ainda não estive com toda a gente cara a cara... NÃO VOS SENTI - sequer - NUM ABRAÇO!

Mantém-se inalterado o desafio que coloquei a mim próprio e aos que acompanham esta página: "O nosso propósito é aproximar as pessoas pelas letras". Sou uma testemunha no meio de várias que esta filosofia é perfeitamente possível e compatível com as novas tecnologias. Dou por mim a discutir livros e escritos com pessoas do Algarve, de uma aldeia em Trás-os-Montes; trocando ideias com alguém da Lituânia, Rússia ou Japão.

Feliz o dia em que planeei esta aventura. Felizes ficam os dias quando abro esta página. Muito contente por não viver de votações, passatempos ou apenas colagens de textos de um lado para o outro... Não! Aqui há critério, aqui mora uma forma de estar. Corre uma filosofia.

Bom ano de 2012 para todos! Espero encontrar-vos muitas vezes. Leiam mais do que em 2011. Ou aprendam a gostar de ler.

PERCEBERAM O DESAFIO?

O futuro dos livros... E se invertêssemos as coisas?

Às vezes basta ler de trás para a frente...



Obrigado José Santos, pela partilha no grupo "livros no facebook".

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

in O Sentido do Fim



Às vezes penso que a finalidade da vida é reconciliar-nos com a sua eventual perda esgotando-nos, e provando, por muito tempo que leve, que a vida não é tão boa como se diz.

In A Comédia dos Anjos


- Eu não vou saber viver sem a mamãe.

- E quem disse que você vai ter que viver sem sua mãe?

Pra viver sem ela, só se você vivesse sem você mesma e a sua teimosia de mula, igualzinha à dela, e o jeito de roer a unha, que o Artur já sabe imitar também, e a mania de enlouquecer os outros, e o gosto por cachorro, gato, Vick Vaporub, livro velho, música triste, cantor francês, ator italiano, sem falar no que eu não falei. Pra viver sem ela, só se você perdesse a memória, isola três vezes na madeira, pela cruz de Nosso Senhor.

E dona Consolação bateu três vezes na madeira, e pôs a cabeça de Edith em seu colo e começou a rezar o Pai Nosso em guarani, como fazia há mais de 25 anos, desde o dia em que a menina nascera.

- Ore Rúva, yvápe ereivae, imbojeroviaripyramo nde réra marangatu toiko...


Em memória de Redol


Tivesse sido longevo, como é o realizador Manoel de Oliveira, e o escritor Alves Redol estaria hoje a soprar um bolo com 100 velas. Mas morreu em 1969, um dos expoentes máximos do neo-realismo português. Talvez não signifique grande coisa, dito assim, meio perdido já na voragem dos tempos.

Mas, para mim, mais do que o eco de uma voz com profunda consciência social e eterna defensora dos direitos do Homem, significa as tardes à sombra entregues aos primeiros livros. Significa a memória clara da capa de “Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos” entre os meus dedos, e a alma arregalada de espanto e palavras. Significa a descoberta do mundo nas entrelinhas e da vontade de escrever.

“Se algum dia alguém me perguntasse que aprendizagem deveria um jovem fazer para chegar a romancista, se o ofício se ensinasse, eu diria que enquanto a vida lhe não desse todas as voltas e reviravoltas, amores, sofrimentos, repúdios, sonhos, frustrações, equívocos, etc., etc., (...) seria avisado que o mandasse ensinar a sapateiro, não para saber deitar tombas e meias solas, porque nem para tanto ele usufruirá, às vezes, com a escrita, mas para que ganhasse o hábito de padecer bem, amarrado ao assunto durante largos anos, antes que provasse o paladar gostoso de algumas horas de pleno prazer.” Disse-o Redol, citam-no hoje. Faz sentido. Como fazia sentido para mim, nos idos de 70, este trecho de “Constantino”:

“Os animais precisam de verde, resmunga-lhe a avó. Constantino percebe o que ela quer dizer, mas entrega-se à fantasia de admitir que as vacas e as burras necessitam de comer cores, agora um bocado de verde e depois outro de amarelo ou de vermelho. E enquanto as desamarra da manjedoura, dá-se ao gosto de pensar como seria divertido levá-las a pastar no arco-íris, podendo cada uma delas escolher a cor que mais lhe apetecesse, ou misturá-las e fazer cores diferentes. Ele próprio deitar-se também sobre a faixa azul ou violeta, e depois rolar pelas outras, ficando pintado com as sete cores, às manchas. E só quando o Outono chegasse, se elas fossem vivas como as folhas, vê-las mudar para amarelo e depois para castanho, até caírem de cima do seu corpo, que só então voltaria a ser igual ao de agora. 0 pior é que as burras poderiam dar cabo de tudo, se chegassem ao arco-da-velha e se espojassem, a zurrar, como sempre fazem, mal encontram poeira no caminho para o monte, baralhando as sete cores.”

Um bónus: uma entrevista deste ano com o Constantino cuja infância Redol celebrizou.
http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=520&id=78681&idSeccao=8609&Action=noticia

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

a-ver-livros: O pai da 'república das bananas'

Se adoro livros – e já sabemos que adoro – não posso negar que quase tanto prazer me dá também cruzar-me com uma imagem que me leva para o interior de uma história. Como estas fotos, singelas diga-se, de uma homenagem escultórica em três peças ao escritor O. Henry, pseudónimo de William Sydney Potter (1862-1910), algures numa zona verde da cidadezinha de Greensboro, sua terra natal, no estado norte-americano da Carolina do Norte. Um livro seu à escala humana, uma estátua do próprio e outra do cão que entrou em várias das suas histórias, tudo com assinatura de Maria J. Kirby-Smith.

Dele sabia pouco mais do que o nome, apenas a fama de autor de contos – na senda do meu adorado Somerset Maugham e de Mark Twain. Sei hoje que foi homem de mil profissões – de marçano na botica do tio, em adolescente, a farmacêutico, pastor, rancheiro, cozinheiro, baby-sitter, desenhador técnico, caixa de banco, jornalista...

Descubro que, aos 20, era puto a modos que enfermo, que parte com o tio para o Texas para ver se escapa a uma tosse persistente. Recupera e dedica-se, nos tempos livres, a cantar, tocar e fazer teatro. É nessa fase que conhece Athol Estes, rapariguinha de 17, tuberculosa e podre de rica, com quem foge para casar. Curiosamente devia ser mesmo amor – e não interesse. É ela que, ao mesmo tempo que lhe dá um filho (que morreria poucas horas após nascer) e logo em seguida uma filha, o encoraja a escrever..

O entusiasmo paternal e literário deve tê-lo distraído – William é um bocado trafulha e é afastado do banco onde trabalha então por suspeitas de desfalque. É nessa altura que dá o salto para os jornais, com uma coluna humorística que lhe ia grangeando popularidade. Diz-se que arranjava ideias para os seus escritos passando horas sentado na entrada de hotéis a observar e a falar com as pessoas com que se ia cruzando.

Neste meio tempo uma auditoria no banco confirma o desfalque de que andava suspeito e William é engavetado. O sogro, já aceite que estava o casamento à sorrelfa, chegou-se à frente e pagou a fiança para lhe tirar os costados da cadeia. Mas no dia em que era suposto aparecer para o julgamento, o réu deu às de vila-diogo, primeiro para Nova Orleães e depois para as Honduras. Pois foi precisamente por lá, imagine-se!, refundido num hotel manhoso de Trujillo, entretido a escrever “Cabagges and Kings”, que lhe surgiu a expressão “república das bananas” – que, se em determinada altura se referia apenas a pequenos e instáveis países da América Latina, hoje serve para meio mundo que nem sonha de onde a dita surgiu.

Adiante na história: Athol e a filha, se estão a interrogar-se, tinham ficado a viver com os pais dela. Mas quando a saúde da mulher se deteriora de vez e surge prenúncio de morte, William volta para o Texas e entrega-se. O sogro volta a pagar fiança e permite-lhe assim que acompanhe Athol nos últimos dias. Ela morre em Julho de 1897 e, meio ano depois, ele vai passar cinco na penitenciária. Tanta sorte que, consta que graças à sua anterior profissão de farmacêutico, acaba por arranjar trabalho lá dentro e até lhe dão um quarto na ala hospitalar. Nessa fase da cadeia publica cá fora 14 contos sob vários pseudónimos, um deles ganhando força: O. Henry.

Três anos cumpridos, corria 1901, o escritor sai por bom comportamento, junta-se à filha, então com onze anos e convencida de que o pai tinha estado fora em trabalho, e muda-se para Nova Iorque. É nesta cidade que vive a sua fase mais prolífica: 381 contos, um por semana para o New York World Sunday Magazine, com grande êxito. Em 1907 volta a casar-se, agora com Sallie, uma namoradinha de infância que reencontra numa visita à Greensboro natal. Mas, bebedor cada vez mais inveterado, saúde a definhar, ela abandona-o no ano seguinte, a escrita começa a esboroar-se e ele morre no verão de 1910, com apenas 47 anos.

Talvez vos deixe uma pulga atrás da orelha literária se vos disser que um dos seus contos mais conhecidos, “Ransom of Red Chief”, conta a história de dois homens que raptam um miúdo de dez anos tão reguila que, no final, são os raptores que pagam aos pais para o aceitarem de volta. Se isso não é o enredo-base do filme “Sozinho em Casa”, macacos me mordam. Ah, e o pseudónimo por que ficou conhecido: O. Henry. O escritor deu várias explicações para a origem do nome. Esqueçam, provavelmente nenhuma é verdadeira, vindas como vinham de um tipo cujo talento maior era contar histórias. Acho muito mais divertido revelar-vos que existe um O. Henry Hall, edifício administrativo da Universidade do Texas, e que anteriormente era, imagine-se, o tribunal onde foi condenado por desfalque. Que tal, como curiosa ironia do destino?

P.S: Amazon, here I come! Em inglês, uma excelente selecção dos melhores contos. http://www.amazon.com/Short-Stories-Henry-Modern-Library/dp/0679601228

Para quem preferir ler em português, há que comprar via Brasil, onde há vários livros, nomeadamente publicados pela editora Hedra. http://hedraonline.posterous.com/48698774

Não conheço qualquer edição da obra deste autor em Portugal. Corrijam-me caso esteja enganada. - e pronto, fui corrigida. Existem, pelo menos, "A Teoria e o Cão/Os Caminhos que Tomamos" da Assírio & Alvim, e também "Polícias e Ladrões", na colecção Vampiro, da Livros do Brasil. Muito obrigada, Redonda e Ubik!

Tomas Tranströmer lido em dose tripla

Conheçam poemas do mais recente Prémio Nobel. Lidos desta forma...





segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

a-ver-livros: Da contemplação ao assombro


Porque os livros também se vêem e hoje ando com estes nos olhos, partilho-os.

E têm autor. O octogenário Warren Dennis, professor de Arte reformado, quatro filhos, seis netos, nasceu no estado norte-americano do Mississipi em 1927 e vive hoje com a mulher, Mary Kate, em Boone, nas montanhas da Carolina do Norte.


Sobre a sua pintura, disse: "A figura humana é, obviamente, a factor central do meu trabalho. Estas figuras e rostos resultam de anos de esforço – um aprimorar cuidadoso, por meio de tentativa e erro, para conseguir um determinado efeito. A esta altura, estas pessoas são todas minhas. Confrontam-se umas com as outras, ficam sós em contemplação ou assombro, por vezes estão apenas adormecidas. A minha preocupação é mostrar dignidade e humor e inocência e a forma como nos afectam, bem como os gestos robustos e absurdos que fazem
os para nos revelarmos. De costas voltadas ou olhos nos olhos, nós mostramos ou tentamos esconder os nossos sentimentos.”

Sobre os livros que lê, sei nada. Mas sei que fazem parte da sua vida. Basta olhar para estas telas.

http://www.carltonartgallery.com/warren_dennis_gallery.htm

domingo, 25 de dezembro de 2011

Cinco Natais a vender livros

Ontem fiz o meu quinto Natal na profissão de livreiro. Cinco são as lojas por onde passei, mas o dia 24 de Dezembro foi vivido em três cidades diferentes: Porto, Guimarães e Vila Nova de Gaia.

Nunca deixei de trabalhar neste dia. Há magia sempre que se faz mais um embrulho! Na verdade, não é apenas mais um livro... Lá dentro carregam-se histórias, sonhos. Há alguém que pensa em nós.

Quero acreditar que quando se dá um livro não se dá apenas o objecto. Dão-se momentos únicos, dá-se um "significado". Daí o meu aplauso a todos os clientes que cuidadosamente pensam nos livros que se adequam à personalidade ou à idade do presenteado. Ou aqueles que se guiam pelas histórias que marcaram a sua vida e, com elas, querem contagiar mais alguém (pelo menos tenta-se que assim seja).

Parabéns! Vocês são responsáveis por uma corrente muito forte. Aquela que elege uma história - seja ela em imagens ou letras - que vos pode unir de uma forma especial, para o resto da vida, a outra pessoa.


Por isso, este ano (agora falando como cliente que também sou) continuei a dar livros. E todos eles ou estão no meu ADN ou foram pensados de forma a nunca serem trocados ou esquecidos num canto para fazer de peça decorativa. Os livros não servem para encher estantes. Servem para nos pôr a pensar.

A todos os que não lêem, descubram-no. Aos que repetidamente todos os Natais se lembram deste bem cultural, O-B-R-I-G-A-D-O. Vocês mantêm a minha profissão. É com a vossa vontade que acredito comemorar mais dias como este. Façam o favor de trazerem mais alguém. Conquistem as pessoas com o vosso gosto.

Espero que todos tenham tido um Bom Natal. Lembrem-se que há muita gente no Mundo que não tem direito a qualquer prenda ou sequer sonha o que é um livro.

E quantos saberão lê-lo?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Gotta Keep Reading

Bom Natal!

Um Alegre Natal

"NATAL

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia."

Manuel Alegre

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Estado e Cultura, por Sophia de Mello Breyner Andresen


"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."

in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'

Livros que deram filme: A Toupeira, John Le Carré

Tinker Tailor Soldier Spy (A Toupeira) é um filme baseado no livro de John Le Carré. Dirigido por Tomas Alfredson, conta com as participações de Gary Oldman, Colin Firth, Tom Hardy, John Hurt Toby Jones, Mark Strong, Benedict Cumberbatch e Kathy Burke.

Estreado nos Estados Unidos em Setembro passado, estará em breve nos cinemas portugueses.



Quanto ao livro que origina o filme, diz a editora que o publica - Dom Quixote:

"O primeiro livro da trilogia de Smiley, a série que o tornou famoso em todo o mundo e consagrou John le Carré como um dos grandes mestres da literatura de espionagem.
Smiley e a sua gente deparam-se com um extraordinário desafio: uma toupeira, um agente duplo dos soviéticos, conseguiu infiltrar-se e ascender ao mais elevado nível dos Serviços Secretos britânicos. A sua traição comprometeu já algumas operações vitais e as melhores redes.

A toupeira é um dos seus. Mas quem?"


As críticas que são feitas à obra de Carré enumeram-se:

«A sua gente é constituída por indivíduos verosímeis, sólidos, sendo as personagens secundárias tão vigorosas como as personagens principais... Uma história assombrosa.»

The Wall Street Journal

«John le Carré é o grande mestre das histórias de espionagem... O fluxo constante de emoção coloca-o não só acima de todos os modernos escritores de romances de suspense, como acima da maioria dos romancistas actualmente em actividade.»

Financial Times

«Um grande thriller, o melhor que Le Carré escreveu.»

The Spectator

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Imaginem o paraíso... E a sua livraria!

Foi em 2009 que vi o paraíso pela primeira vez. Fica nas Ilhas Phi-Phi, Tailândia. E tem uma livraria...









Boas leituras fiz naquela praia...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um português, uma francesa, dois brasileiros

Algures alguém recordava que passam hoje mesmo 96 anos sobre o nascimento de Edith Piaf. Recordo um poema que ouvi um dia, de Jorge de Sena, sobre ela.


"
A Piaf

Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do “Ça ira”,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.

Quem tinha assim a morte na sua voz
e na vida. Quem como ela perdeu
toda a alegria e toda a esperança
é que pode cantar com esta ciência
do desespero de ser-se um ser humano
entre os humanos que o são tão pouco."

Os brasileiros Luís Maffei e Marcelo Gargaglione fizeram um versão musical deste poema. Deixo-a aqui também, porque não... Piaf e Sena iam gostar, aposto.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=QfrqtW7bkaU#


a-ver-livros: Malfatti em amarelo

"Eu tinha 13 anos, e sofria porque não sabia que rumo tomar na vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade. [...] Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da educada estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura."

Quem o escreveu, em registo autobiográfico, emotivo, foi Anita Malfatti, pintora brasileira, paulista, que viveu entre 1889 e 1964. Se começou por ser algo incompreeendida na sua paixão pela arte, até porque portadora de uma atrofia congénita no braço direito que a obrigou a aprender a usar a mão esquerda para tudo o que fazia, acabou reconhecida como expoente da pintura brasileira, mais concretamente do movimento modernista. Ao ponto de, neste momento, ter acabado de ser lançado um livro para crianças sobre a sua vida. No Brasil apenas – embora possa chegar facilmente a Portugal - , integrado na colecção Crianças Famosas, da editora Callis, e assinado em parceria por Carla Caruso e Angelo Bonito.

É só mais uma coincidência daquelas que, num dia de navegações pela net, bata com o olhar no amarelo generoso da blusa da menina que lê e, no dia seguinte, imagine-se, na notícia da edição do livro? Ou deveria dizer – mais uma vez – que não há coincidências?

Fica o quadro. Para ver muitas vezes – mas em especial nos dias como o de hoje, tão frio - em que apetecer imaginar o sol sambado de São Paulo, uma sombra relaxante e um bom livro.