sábado, 29 de março de 2014

Meio milhão depois...


Ainda estava a pensar no que fazer seriamente com a vida e já existia o Clube de Leitores. Nascia da necessidade pessoal de marcar um ponto. Tudo isto depois de ter dado uma série de turras. Umas merecidas, outras nada. A vida tem destas coisas. Quando achamos que começa a ficar direita, aparece algo que a entorta. Com o tempo fui aprendendo a serenar o espírito. O tempo é talvez o melhor ansiolítico. Não cura tudo, não resolve muita coisa... mas pelo menos tem o dom de nos pôr mais serenos (ou nos casos opostos, ser a nossa cruz).

Havia sobretudo a revolta por não ver uma luz ao fundo do túnel. E um cansaço precoce resultante de andar a saltar de emprego precário em emprego precário. Os livros alimentavam o meu amor pelo mundo, mas não punham a mesa lá de casa. Nunca puseram, na verdade. Por vezes tenho pena que assim seja. Mas não me parece que o meu país se vá preocupar muito (ou se ocupar de mim).

Por isso parti. E parti bem. Sem olhar para trás. E nunca deixei este espaço! Isso podia ter acontecido. Quantas e quantas vezes pensamos em queimar cartas antigas, deitar fora fotografias ou enterrar o passado? O Clube de Leitores podia ter desaparecido só porque sim. Só para esquecer e passar ao seguinte. Talvez, quem sabe, aproveitar o tempo noutras coisas... Focar no próximo passo, desligar...

As pessoas que fizeram e fazem este blog nunca deixaram cair este projecto. Muito pelo contrário... Ter hoje 500.000 visitas é a prova viva que o que aqui é dito, escrito e escolhido é bom. Um sinal bem claro da alma que as pessoas emprestam, da entrega, do amor incondicional e da coragem. Quantos e quantos não estão aí escondidos? Nós não temos medo de dar voz. Quantos e quantos não desistem logo à primeira contrariedade? Desistir nunca.

Estamos aqui para ficar, estamos aqui para ser mais. Não somos donos de dogmas e de certezas. Apenas aventureiros... Só isso.

Fiquem connosco. Celebrem connosco. Leiam connosco.

Muito obrigado, profundo e sentido. Vamos continuar a crescer juntos.

Rodrigo Ferrão

Ler... o nosso manifesto!

Encontrado na página Improbables Bibliothèques, 
Improbables Librairies. A não perder por nada! 

Saibam mais sobre o livro de Banyai, «Zoom»


Este livro é muito interessante. Exclusivamente visual e sem texto, dá-nos um pormenor inicial e vai saltando para a página seguinte para planos maiores do anterior plano. A cada página, uma nova geografia, uma nova noção de espaço visual.

A Kalandraka apresenta-o assim:

“ZOOM” é um livro visual e sem texto, catalogado
como “arte sequencial”, em que cada imagem é o detalhe
de um plano geral posterior. O público vai assim ampliando
o âmbito geográfico em que decorre a história, cuja trama varia
de um leitor para outro, segundo a sua interpretação,
à medida em que as cenas se sucedem.

Trata-se de uma viagem sem palavras através de múltiplas
perspetivas, umas quotidianas, outras impossíveis.
Cada imagem vai ficando cada vez mais longínqua,
página a página, para dar lugar a novos
e não menos surpreendentes pontos de vista.

As personagens desta breve história estão encurraladas
numa espiral interminável que pode ler-se da primeira
à última página, mas onde também se pode inverter a ordem
da leitura convencional. Esta proposta teve continuidade
com outros títulos como Re-ZOOM e REM: Rapid Eye
Movement, onde Istvan Banyai transporta o leitor
até paisagens oníricas de formas versáteis
e com conexões para outros mundos."

E sobre o autor vai buscar informações a www.ist-one.com:

Istvan Banyai 
(Budapeste, Hungria, 1949) 

Estudou Belas-Artes na Universidade Moholy-Nagy de Arte e Design, em Budapeste. Em 1981 instalou-se nos EUA, onde começou a trabalhar para publicações como a Atlantic Monthly, a Time, o The New Yorker, a Playboy ou a Rolling Stone. Também se dedicou à indústria discográfica e audiovisual, desenhando capas de discos, para a Sony ou Verve Records, e realizando curtas de animação para canais como o Nickelodeon ou a MTV Europa. ZOOM, publicado pela primeira vez em 1995, foi o seu primeiro livro infantil, com edição em 18 línguas. A este título seguiram-se outros da sua autoria, bem como ilustrações para textos de diferentes escritores e poetas. Depois de ter vivido em Budapeste, Paris, Los Angeles e Manhattan, reside atualmente no Connecticut com a sua família. 

Foto frase do dia: C. S. Lewis

sexta-feira, 28 de março de 2014

Pedro Guilherme-Moreira, dia 5 - Olinda (Livro sem Ninguém antes e depois dela)

dia 5: Olinda (Livro sem Ninguém antes e depois dela)
foto: Pedro Guilherme-Moreira

Por causa do que aconteceu à Dona Olinda no dia seis de dezembro, eu já não consigo estar aqui sentado com as costas vazias. Eu não sabia. Concluí a revisão do "Livro sem ninguém" na antevéspera de natal, muito depois desse dia, sem saber. Os ritmos mudam com as férias de natal dos miúdos, os treinos passam para outro horário, e ainda são os treinos do rapaz que permitem as melhores retiradas de escrita junto ao mar, faça chuva, faça sol, seja bonança ou temporal. A bem dizer, e como faço com todos os bares de praia onde escrevo, estou a deixar o Bar Azul. Honro-os, agradeço-lhes e deixo-os. Acontece sempre naturalmente. Foi assim com o primeiro, o bar-sol, aos catorze anos. Aí ia estudar e escrever projectos de poemas. Pedia um pingo clarinho - não consigo perceber como gostava disto - e uma queijada de Francelos. São as melhores queijadas que o mundo civilizado pode ter. O bar-sol era um bar de praia com uma arquitectura curiosa, linhas curvas, todo envidraçado. Eu ficava na esplanada, coisa que não faço hoje em dia. Depois demoliram o bar-sol e ficou só a areia e um muro baixinho que sempre lá esteve. Foi assim com o Titanic, construído sobre as dunas e contemporâneo do bar-sol. Este ainda existe, mas vai mudando de nome. Como fica ao nível da rua, recebe as ondas dentro no inverno. Foi assim com o Mandarim, em Coimbra, onde escrevi centenas de cartas à que é hoje minha mulher. O Mandarim foi vendido. Perdeu a coxinha de frango e ganhou o McCheese. Foi assim com o Aviz, no Porto, a quem eu prometi uma placa de mármore a assinalar os anos de estudo e escrita e tertúlia naquela mesa do canto. Não vou cumprir essa promessa. A baixa do Porto renasceu, eu deixei de lá escrever mal terminei o estágio de advocacia. Foi assim com o Paredão, onde foi escrito todo o livro "A Manhã do Mundo", lá está, durante os treinos de voleibol do miúdo no Atlântico da Madalena. E o Paredão consta dos agradecimentos do livro e foi tema de debate com a tradutora para macedónio, porque não há paredões na Macedónia, que é um país interior, e por isso não inventaram uma palavra para eles. Foi assim com o Di Mare, onde foi escrito o "Romance proibido a menores de 30", que está - e provavelmente ficará, até eu me entender com ele - inédito. É assim com o Atlântico e o Bar Azul, onde escrevi o que vai sair em Março, e que vou gradualmente deixando. Durante o Verão, vou menos aos cafés de praia, que são invadidos pelos banhistas. Estive sem aparecer uns dois meses no Bar Azul e, quando voltei, a Dona Olinda, que nunca tinha falado comigo, saudou-me. Eu pedi desculpa pela falta e lembrei, para a sossegar, que era mais cliente de inverno. Ela registou essa ideia, às vezes é bom darmos o nome às coisas perante os nosso avós, o mundo tem de ser mais simples e regrado na parte alta da vida, e sempre que lá voltei ela dizia aos demais, e eu às vezes ouvia, "este é o nosso cliente de inverno". "É muito bom cliente." Depois eu arranco com a música e já só ouço palavras escritas. Passei amiúde por mal educado, porque o filho, apesar do vozeirão, não conseguia penetrar na música e nas palavras. Mais tarde chegámos à fala e ele explicou-me que muitas vezes me cumprimentava e eu parecia ignorá-lo. Mas foi graças a essa conversa que soube que a Dona Olinda liderara uma família de trabalho nas concessões de praias, e que aquele Bar Azul era consequência dessa vida de dedicação às velhas barracas listadas. Que se vão extinguindo. Ultimanente a Dona Olinda passava os dias na mesa do fundo do Bar Azul, e daí dava as ordens e geria as contas e os negócios. Tinha sido avisada do coração fraco, mas, com a idade que tinha, preferiu o risco de vida a camas de hospitais e desapossamento. Eu deixei de ir ao Bar Azul em Novembro, quando entreguei a penúltima revisão do livro à editora. E em Dezembro o coração da Dona Olinda apagou-se sem eu saber. O filho disse-me que aquele mar cavado ficou igual, que choveu quando tinha de chover, que fez sol quando tinha de fazer sol - mas talvez se devesse registar que, em honra da Dona Olinda, este foi o outono que teve dentro o verão de são martinho mais longo de que há memória. Não sei se fazia sol no dia em que ela morreu, mas o fim da vida dela foi cheio de sol, visto em jogos de luzes sobre a espuma das ondas daquela mesa resguardada ao fundo do Bar Azul. Por causa do que aconteceu à Dona Olinda, eu tenho as costas vazias. Ela morreu no dia seis de dezembro de dois mil e treze. Eu não sabia. E mesmo sem saber deixei-lhe o agradecimento no fim do livro, como se ela estivesse viva. Agora, que remédio, estará mesmo. Viva. Apesar da mesa vazia, como as costas, ou ocupada por outros, como a vida, com papéis estranhos, diferentes, eu agradeço-lhe, dona Olinda, todos os cafés. E estou de saída, mas só por acaso. Sei que o filho não lerá este post até eu lho imprimir e entregar dobrado dentro de um exemplar do "Livro sem ninguém", que será impresso mais de mil vezes com o nome e a memória da mãe, que é o nome de um município brasileiro do estado de Pernambuco, mas isso fica completamente fora de tópico. Aposto que ela sabia. PG-M 2014

*Pedro Guilherme-Moreira - teve esta semana em destaque no Clube de Leitores. Obrigado Pedro!

Livro do mês de Abril - Contos de São Petersburgo, de Nikolai Gogol

Fonte: Blog Clube de Leitores


Acabada a nossa doce Dulce, o Clube do Livro SESLA lança-se destemidamente e sem atrasos no livrito do próximo mês. 
Venham com a gente conhecer a São Petersburgo do grande Gogol, onde é normal os narizes irem beber uns copos sozinhos e os retratos mágicos abundam. 

a-ver-livros: o rio

Na curva do meu corpo
o correr do teu rio
regato regaço
de seixos rolados
suor desaguado na minha foz
entre líquenes e saudade
suave fluir do curso
dos dias

Ana Almeida

* para saber mais sobre a pintora americana Sandra Jones Campbell
siga o link www.pacificedgegallery.com/pages/bio

quinta-feira, 27 de março de 2014

Pedro Guilherme-Moreira, dia 4 (a manhã do mundo dele)


dia 4: a manhã do mundo dele

O pai aprendera a conquistar a calma e a serenidade apesar dos prazos da advocacia, mas quando viu o primeiro livro publicado uma especial azáfama contendeu com a brisa que dirigia os ramos do imponente diospireiro, o diospireiro que inaugura o pomar caseiro onde, entre a laranjeira, a tangerineira, a macieira e o limoeiro, o pai quis que se plantasse uma pequena magnólia. Porque o pai é o pai. O filho ouviu o pai na rádio, viu o pai e o livro do pai, "A manhã do mundo", em dezenas de jornais e revistas e até nas televisões, mas nada mudou, nem sequer lhe pareceu uma pessoa especial, o pai continuava a ser o pai, um homem grande e forte a quem se podia atirar vezes sem conta sem um ai, o colo largo e insistente, o equilíbrio dos beijos chatos, ora os dele ao pai, ora os do pai a ele, os indispensáveis beijos chatos. O livro, numa primeira fase, andava em todas as livrarias, ele ainda o tentou ler porque quis, um dia chegou e disse a si próprio "vou ler um livro" e pegou no do pai como podia ter pegado noutro qualquer. E leu-o. Leu-o quase todo. O pai nunca lhe perguntou o que achava. Ele nunca achou que lho devia. Passaram-se assim os meses e as coisas voltaram à normalidade sem que, entre ele e o pai, alguma coisa tivesse mudado. O diospireiro ainda balouçava, a magnólia sobrevivia no centro do pomar, e assim os frutos. O pai dizia muitas vezes, na brincadeira, que era graças ao desprezo caseiro que se mantinha focado. O pai continuou a engordar. O filho a crescer. A mãe a ficar mais bonita. No princípio do ano lectivo ele tinha dito aos pais, sem detalhar o quê e o porquê, que tinha tirado uma nota alta na disciplina artística lá da escola. Era a primeira vez. Os pais perguntaram "ai sim?" e o jantar prosseguiu. No fim do primeiro trimestre ele trouxe uma nota mais alta do que o habitual. Os pais pensaram que devia ser mesmo uma obra singular, mas tornaram à vida, habituados ao filho que, como é costume em casas regulares, se ama para lá de todas as forças e no qual se encontra sempre o génio. Os pais sabiam que isso era o equívoco normal do amor. E em conversas evitariam falar tanto dos dotes, como dos defeitos do rapaz, até porque longe viria o tempo em que o seu menino pudesse ser comparado aos monstros sem pescoço de Tenesse Williams *, os putos do Gooper, como ele pai e a mãe não podiam ser comparados aos próprios Gooper e Mae, até porque o seu menino estava crescido, tinha pescoço, era bonito. Mas eis que ele traz a obra para casa no final do ano lectivo. A obra era a capa decorada da própria disciplina. Mostrou-a ao pai, que, perdido noutros afazeres, disse que estava bem sem ver. Por isso se colocou o miúdo entre o pai e o afazer com um sorriso cúmplice e o pai reparou de raspão no tema. É sobre o 11 de Setembro, que engraçado, disse o pai. Mas continuou a não ver. A vida seguiu e a capa ficou em cima do aparador. Um dia à noite o pai olhou com outras armas para a obra e resplandeceu. Viu naquela colagem - logo o pai, que nunca gostara de colagens - uma espécie de verso daquele dilacerante final d"O Túmulo dos Pirilampos", de Isao Takahata, em que se vê os pedaços de solidão da menina, o pai viu a vida que o filho vivia apesar dele, o pai viu que estava todo dentro dela. Aquela colagem não era uma lembrança do 11 de Setembro. Aquela era a lembrança que o filho tinha do pai e que brilhava tanto que não se continha em casa, onde a vida era temporal e os ritmos os de sempre. Mas o pai não quis mostrar a "obra" por causa dessa comoção. O pai quis mostrar a obra por ser mesmo boa e por poder, como não pode - ou não quer - mostrar a um meio de que desconfia a sua maior obra, o próprio filho, agora maior do que a mãe. O pai queria mostrar a fotografia que lhe tirou este fim-de-semana e em que reparou que ele está mesmo um homem. Um homem bonito. Um homem que lhe vai tomar o lugar como os pais bons sonham que os filhos bons tomam - não a mesma profissão, não a mesma arte, mas as coisas boas só dele. O momento em que um pai olha para um filho e vê, não a cria, não a entidade frágil que tem de proteger a todo o custo, mas o homem que fez com os braços. Com apoio das mãos. Com choro, com raiva. É um rapaz bonito. A alma parece descansar, o corpo serena, não é bem já não precisar de cuidar de si: o pai percebe apenas que a velhice pode avançar com justeza, pode fazer o seu percurso, porque aí está a obra. A manhã do mundo dele.

* da peça "Gata em telhado de zinco quente"
PG-M 2012
foto do autor
*texto e fotos são replicação feita a partir do blog Ignorância: http://ignorancia.blogspot.pt/2012/06/manha-do-mundo-dele.html
*Pedro Guilherme-Moreira - esta semana em destaque no Clube de Leitores

Eu poético: «Pilhas»

Pilhas

pediste-me para pegar num bisturi
e te abrir ao meio.

procura o coração - disseste.
respondi a pronto: para quê esse trabalho?

aí só encontro
ódio,
rancor,
inveja,
ciúme,
raiva.

já não consigo lembrar quem foste,
o que sonhaste
e o que queres.

não vislumbro
alma,
sonho,
desejo.

és sinal stop.
já não és sentido único.

acabou.
estou farto de adormecer abraçado a fantasmas.

a verdade é que tens tripas
(no
lugar
onde
devia
bater
qualquer
coisa).

aí não pode haver espaço para a emoção.
és fria como um ditador,
distante daqui à lua,
gelada como o fim do mundo,
inóspita,
seca.

és como uma máquina qualquer -
só sobrevives porque és alimentada
»»»
»»
»
a
pilhas.

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão

Vencedores do passatempo «O escândalo Modigliani»

P.V.P.: 13,41 € 
Data de Edição: 2014
Nº de Páginas: 224
Editora: Editorial Presença


Parabéns Filipa Monteiro, José Vieira e Angel. Cada um dos três vai levar para casa o livro O escândalo Modigliani , de Ken Follett - uma cortesia da Editorial Presença.

O que têm que fazer agora? Contactar o blog para sabermos a vossa morada! Procurem-nos no facebook (na página ou no grupoou enviem email para: blogueclubedeleitores@gmail.com

O que se pedia era relativamente simples, responder às seguintes questões -  Se fosse um detective, que pintor investigava? Porquê?

E estas são as frases vencedoras, com grande mérito. Parabéns!

~~__~~

Filipa Monteiro

Investigaria o Van Gogh, por todo o mistério inerente à sua vida.
Começando com as suas deslocações desde muito cedo por diferentes cidades e países, as suas várias casas... passando pelos seus estilos díspares de pintura que se metamorfosearam ao longo do tempo... o facto de, apenas ter vendido um quadro em vida... culminando... com a sua... auto-mutilação.
O porquê de tê-lo feito.
Porquê a atitude de depois de, cortar a própria orelha, (após um episódio menos bom com Gauguin), a foi entregar a uma prostituta, dizendo-lhe que a guardasse como se esta fosse o seu bem mais precioso... O porquê de, passado um ano e meio após esse famoso incidente se ter suicidado?
Algo de tão radical e vindo de uma pessoa com uma vivência tão misteriosa, faz-me pensar se se terá mesmo suicidado, ou se não estaria envolvido em algo que o ultrapassou...
Fica ainda outra pergunta por desvendar. . . Porque é que a relação com Gauguin o afectou tanto?
E ainda a frase proferida nos braços do irmão mesmo antes de morrer: "A tristeza durará para sempre". . .

José Vieira

Sem dúvida, a minha investigação recairia sobre Eugène Delacroix, o pai do Romantismo francês na pintura! O facto de poder vislumbrar as grandes paisagens e acontecimentos que este retratou seria como ter um síndrome de Sthendal! De facto, "La mer a Dieppe" ou "La liberté guidant le peuple" são quadros de um alcance imenso. Saborear cada traço das suas cores quentes e sonhadoras que surgem num grito grande, bom, belo e justo que afirma: liberdade. O reviver o Romantismo por meio do pincel de Delacroix seria experimentar esse culto da natureza, o subjectivismo exacerbado, a sensibilidade sonhadora e, por outro lado, esse grito de revolta de um povo que quer pão e justiça! Investigar Delacroix seria investigarmo-nos enquanto povo que luta por uma identidade nacional e pan-nacional! Seria vaguear entre as revoluções de Julho de 1830 e as de 1848, mais conhecidas como a "Primavera dos Povos"! Oh, como seria estupendo seguir na alçada de Delacroix e ao mesmo tempo ir conhecendo outros artistas como Courbet, músicos como Bizet e Berlioz, escritores como Victor Hugo, pois não nos esqueçamos que Hugo, Berlioz e Delacroix foram sempre conhecidos como a tríade romântica francesa! Investigar Eugène Delacroix iria, sem dúvida, desembocar, naquela famosa expressão horaciana "ut pictura poesis", que não é mais que a ecfrasis entre pintura e música ou literatura. Como seria belo navegar nessas sinestesias ardentes e silenciosas, regadas com um fundo de céu azul que clama: verdade, velejando ideias e pensamentos que jamais algum sonhador almejara!
Enfim, investigar Delacroix seria investigar o Homem e o seu papel no mundo, pois, como disse Antero de Quental, "A Arte é a coisa santa da humanidade"!

Angel

A investigação recai sobre Joan Miró.
Em todos os seus quadros Miró deixa uma mensagem secreta, pontos e linhas com mais cor ou reduzido aos pretos e brancos Miró passa mensagens.
A quem se destinam? O que querem dizer?
Assim se inicia uma longa investigação que pode pôr em causa a existência do blog Clube dos Leitores.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Pedro Guilherme-Moreira, dia 3 (um poema)

dia 3: um poema

Hoje almoçamos sem ti, e eu quero que a manhã
siga lenta, e nunca chegue
a hora de contar
os pratos

Hoje almoçámos sem ti, e eu tentei disfarçar
a tua ausência, mas a mão
ia sempre descansar
no lugar onde comias.
A altura do naperon ao chão
e o fingimento
e a tristeza na boca
e a vida,
tudo parecia
igual


E levantou-se a mesa e o teu lugar
estava limpo, mas eu
vim sacudir as migalhas
que fingi
dentro do punho fechado

Hoje o sol deteve-se nos telhados e o frio veio
das ombreiras, porque almoçámos

sem ti.

PG-M 2011

fonte da foto


*este poema pode ser visto no blog Ignorância - http://ignorancia.blogspot.pt/2012/11/hoje-almocamos-sem-ti.html?m=1
*Pedro Guilherme-Moreira - esta semana em destaque no Clube de Leitores

Emílio Miranda, dia 15

Não acredites na dor do poeta;
Ele gosta de sofrer
Só a dor lhe alimenta
O prazer de escrever.

Não procures sofrimento
Naquilo que lhe lês
Tudo é fingimento
Olha para além das nuvens
O que antevês?

Emílio Miranda 

Foto: Cláudia Miranda

Poesia que passa ao lado #5

Quero encalhar.
Meio em água repousar.
Parar,
soletrar lentamente
- mas tão lentamente -
o mar,
que as aves em seus
riscos subtis,
me acordem, devagar.



José A. Coelho, "Anuário de Poesia", A.N.P., 1987

ALA... que é poesia XVI

Há poemas que não falam para mim. Mas parece que falam comigo. Dizem-me coisas que me espantam ou me amolecem. Coisas que eu talvez não adivinhasse. Como o conceito de abraçar "como o traço de um açoite". Se fazem sentido? Talvez. Fazem sentido para si?

Assim continua a compilação dos poemas de Lobo Antunes, espalhados por aí, principalmente na música. Como este "Fado Isabel", que surge no disco "A Canção do Bandido", de 1995, do Vitorino. 

Ana Almeida


Fado Isabel 

Que dia tão mais noite que esta noite
onde a lua de Outubro amanhecia
que dia tão mais noite que esta noite
que noite tão mais dia que este dia
 

que abraço como o traço de um açoite
marcado a sangrar na carne fria
que dia tão mais noite que esta noite
a raiva que de ti me despedia
 

ó meu amor que noite tão de noite
como a noite que em nós de noite havia
era de noite e foi de noite
 

que a lua em mim nascida em ti morria
que a noite tão mais noite que esta noite
que dia tão mais dia que este dia

António Lobo Antunes

PARA ASSISTIR AO VIDEO SIGA O LINK:
http://www.youtube.com/watch?v=SBxbXe65bQI

terça-feira, 25 de março de 2014

you will find me if you want me in the garden

 Untitled, de Gregory Crewdson, 1998
Fonte: Pinterest

"a Dora também não devia ter perdido tempo a implorar-me que não vendesse a casa, nunca falámos da mesma casa, não vendi a casa de que a Dora fala, essa casa nem a conheço, nunca estive no quintal onde o avô lhe ensinou a diferença entre as folhas da laranjeira e do limoeiro, onde todos os anos apanhava o primeiro figo para lhe oferecer, a figueira foi a única árvore que se deu bem com o abandono, tomou o quintal todo, cumpriu a sina dos que sobrevivem, tomou tudo, no fim de cada verão o cheiro dos figos apodrecidos e a figueira cada vez maior, o empregado traz-nos o vinho, encho os copos, proponho um brinde,

                             à venda de uma casa velha"

Os Meus Sentimentos, Dulce Maria Cardoso

É do borogodó: sem papel

temos um papel no mundo e o mundo tem papel na nossa vida também. nascemos e ganhamos um primeiro papel de nascimento. algo que diz ser mesmo verdade que somos nascidos e que temos um nome com apelido de família, assim como uma mãe com nome de mãe e seus pais, nossos avós. com sorte, o papel leva o nome do pai e dos pais do nosso pai. digo com sorte porque muita gente nasce e fica com o papel incompleto, faltando coisa para preencher. outros nascem e não ganham o papel algum, nem mãe, nem nome. mais pra frente na vida de quem tem papel de nascimento, vem outro papel com fotografia e número de registro de identificação que vale mais do que o nome ou tanto quanto. é difícil compreender tanta coisa em papel para dar valor a uma pessoa de carne e osso. logo depois mais papel para permitir colocar dinheiro que a gente mesmo trabalha duro para ganhar em um lugar chamado banco, onde todas as coisas são pagas e a gente nem sabe o que está pagando – além de ter um monte de papel para colocar nossos montes de números de registros, nome e assinatura.

mas penso mesmo nas crianças sem papel algum. elas cresceram e não podem ir para longe porque não possuem um mísero papel. elas não tem papel para ir a escola, não tem papel de trabalho e nem papel para colocar dinheiro em banco. falta para elas um papel com endereço de uma casa para morar, também um papel com nome do médico que cuida delas quando adoecem.

a gente não come papel, mas fica difícil comer para quem não tem papel.

pior de tudo é ver o horror nos olhos de muita gente quando cruza na rua com gente sem papel.
parece difícil compreender a situação quando se tem papel, registro numerado, casa própria, geladeira cheia, escola, cobertor, tênis para botar nos pés, mãe e pai e família. parece difícil entender como causar temor a outro alguém.

mas tente olhar para o mundo e ver essas pessoas sem papel. elas são capazes de nos lembrar que somos mais do que nossos papeis. elas são capazes de nos lembrar que o nosso papel no mundo é ser humano – com ou sem papel.

Penélope Martins

 

Pedro Guilherme-Moreira, dia 2 (sobre "O meu pé de laranja lima")

dia 2: O meu pé de laranja lima

"Relendo "O meu pé de laranja lima", envergonhado. O meu primeiro livro "a sério", não infantil nem juvenil, que eu levava pelos corredores do colégio para ter força e me sentir menos sozinho aos doze anos. O Zezé era o meu tronco e falava comigo. Tenho vergonha de não ter relido antes, porque está cá tudo, e até parece simples. Comove e faz rir a cada página. Eu não sabia chorar como crescido antes do Mauro mo ter ensinado. Tem um poema ao pai que é uma merda, dizia o pai. Eu queria concorrer com ele a um concurso literário que também era para crescidos. Era preciso passar à máquina, mas o pai negou, que o poema era uma merda. Eu lia e relia e parecia-me bem, eu era um rio e o pai estava na foz. Passei-o à mão com o joelho no paralelo e a folha sobre um banco de cimento e pedi ao júri dispensa de forma. As lágrimas corriam, eu pensava que ainda eram lágrimas de menino, mas o Mauro, o Zezé e, principalmente, o tio Edmundo, disseram que era direito fundamental, que qualquer homem choraria nessa circunstância. Não quero contar muito mais, para já. Apenas que quem ganhou aquele concurso literário de crescidos foram dois meninos ex-aequo: um de treze anos que se chamava Paulo Rangel, e um de doze que se chamava eu. Eu levava "O meu pé de laranja lima" na mão quando fui receber o prémio."

*Pedro Guilherme-Moreira - esta semana em destaque no Clube de Leitores


Ismael, o caso Sério...


"No dia 22 de março, o aluno Ismael Sério foi distinguido com uma Menção Honrosa, na categoria do ensino secundário do concurso Faça Lá Um Poema, que tem por objetivo incentivar à leitura e à escrita de poesia, numa iniciativa conjunta do Plano Nacional de Leitura e do Centro Cultural de Belém (CCB). 

O poema foi um dos 18 poemas premiados entre 600 poemas a concurso, enviados por cerca de 400 escolas de todo o país. O poema premiado, intitulado “19 Invernos”, descreve a experiência de vida de um jovem, com uma maturidade incomum e uma força nas palavras que tem provocado as mais diversas reações a quem lê o poema. A candidatura foi feita pela professora de português, Vanda Fino, que apostou no potencial deste jovem, o único do distrito de Coimbra a ser selecionado.

A cerimónia de atribuição de prémios foi realizada no âmbito da comemoração do Dia Mundial da Poesia e teve lugar na sala Sophia de Mello Breyner, no CCB, contando com a apresentação de Madalena Wallenstein. Durante a cerimónia, cada um dos premiados teve oportunidade de ler os seus poemas perante o público presente e de assistir a um pequeno espetáculo no qual foram apresentados poemas musicados de ilustres poetas portugueses. A cerimónia encerrou com as intervenções do diretor do CCB, Dr. André Dourado, o Sr. Comissário do Plano Nacional de Leitura, Dr. Fernando Pinto do Amaral, a presidente do Júri, Professora Maria Alzira Seixo e o Secretário de Estado da Cultura, Dr. Jorge Barreto Xavier.

O jovem, que escreve desde os 12 anos sem que ninguém nunca tivesse reparado, estava maravilhado com esta experiência, ficando particularmente sensibilizado pelas palavras da Professora Maria Alzira Seixo, ao afirmar que o poema do Ismael a “agarrou logo na primeira leitura, por ser muito forte e intenso”. A professora jubilada da Faculdade de Letras de Lisboa, incentivou o Ismael a continuar a escrever pois evidencia um forte potencial que deve desenvolver e no qual deve acreditar."
Ainda se lembram do maravilhoso poema? - http://www.blogclubedeleitores.com/2014/03/ismael-serio-19-invernos.html

segunda-feira, 24 de março de 2014

Destas 6 frases, 3 ganham um livro - passatempo «O Escândalo Modigliani»

P.V.P.: 13,41 € 
Data de Edição: 2014
Nº de Páginas: 224
Editora: Editorial Presença

Qual é a frase que escolhem para ser a vencedora do passatempo O Escândalo Modigliani - de Ken Follett?

Estas são as seis melhores frases a concurso. E vão agora a uma grande final que decorre até dia 27. As três mais votadas ajudam o júri a decidir os vencedores - basta comentarem este post (aqui no blog, na página do facebook ou também no grupo). 

Boa sorte!

~~__~~

 Se fosse um detective, que pintor investigava? Porquê?

Sílvia Vicente

Se fosse detetive, eu investigava Vincent Van Gogh porque, não só me podia perder num maravilhoso roteiro que incluiria cada umas das encantadoras cidades por onde ele passou ao longo da sua conturbada existência, começando por Amesterdão, passando por Paris, Londres, Bruxelas, entre outras, como também me poderia perder no enigmático e colorido mundo das suas pinturas. Debruçar-me-ia sobre a sua obra, divagando ora sobre a importância do amarelo para o seu criador, ora sobre a influência dos transtornos e dores da sua mente e perceber se a riqueza das suas pinturas será apenas um reflexo das suas inquietações e experiencias marcantes, ou um vasto ponto de escape do pintor, que terá ajudado ou não a conduzi-lo a um ponto de libertação. Será que a “tristeza durará para sempre” ?

redonda

Picasso. Porque viveu durante muitos anos e teve muitas paixões. Quer pelo tempo, locais onde esteve e personalidades que conheceu, quer pelas paixões que teve e terá inspirado, haveria muito para investigar.

Angel

A investigação recai sobre Joan Miró.
Em todos os seus quadros Miró deixa uma mensagem secreta, pontos e linhas com mais cor ou reduzido aos pretos e brancos Miró passa mensagens.
A quem se destinam? O que querem dizer?
Assim se inicia uma longa investigação que pode pôr em causa a existência do blog Clube dos Leitores.


José Vieira

Sem dúvida, a minha investigação recairia sobre Eugène Delacroix, o pai do Romantismo francês na pintura! O facto de poder vislumbrar as grandes paisagens e acontecimentos que este retratou seria como ter um síndrome de Sthendal! De facto, "La mer a Dieppe" ou "La liberté guidant le peuple" são quadros de um alcance imenso. Saborear cada traço das suas cores quentes e sonhadoras que surgem num grito grande, bom, belo e justo que afirma: liberdade. O reviver o Romantismo por meio do pincel de Delacroix seria experimentar esse culto da natureza, o subjectivismo exacerbado, a sensibilidade sonhadora e, por outro lado, esse grito de revolta de um povo que quer pão e justiça! Investigar Delacroix seria investigarmo-nos enquanto povo que luta por uma identidade nacional e pan-nacional! Seria vaguear entre as revoluções de Julho de 1830 e as de 1848, mais conhecidas como a "Primavera dos Povos"! Oh, como seria estupendo seguir na alçada de Delacroix e ao mesmo tempo ir conhecendo outros artistas como Courbet, músicos como Bizet e Berlioz, escritores como Victor Hugo, pois não nos esqueçamos que Hugo, Berlioz e Delacroix foram sempre conhecidos como a tríade romântica francesa! Investigar Eugène Delacroix iria, sem dúvida, desembocar, naquela famosa expressão horaciana "ut pictura poesis", que não é mais que a ecfrasis entre pintura e música ou literatura. Como seria belo navegar nessas sinestesias ardentes e silenciosas, regadas com um fundo de céu azul que clama: verdade, velejando ideias e pensamentos que jamais algum sonhador almejara!
Enfim, investigar Delacroix seria investigar o Homem e o seu papel no mundo, pois, como disse Antero de Quental, "A Arte é a coisa santa da humanidade"!


xana.mpf

Investigaria Edvard Munch porque no seu quadro 'Grito' o pintor mostra uma profunda angústia e desespero existencial que pode ser fruto de um segredo obscuro, quem sabe até de um crime guardado a sete chaves no seu subconsciente.

Filipa Monteiro

Investigaria o Van Gogh, por todo o mistério inerente à sua vida.
Começando com as suas deslocações desde muito cedo por diferentes cidades e países, as suas várias casas... passando pelos seus estilos díspares de pintura que se metamorfosearam ao longo do tempo... o facto de, apenas ter vendido um quadro em vida... culminando... com a sua... auto-mutilação.
O porquê de tê-lo feito.
Porquê a atitude de depois de, cortar a própria orelha, (após um episódio menos bom com Gauguin), a foi entregar a uma prostituta, dizendo-lhe que a guardasse como se esta fosse o seu bem mais precioso... O porquê de, passado um ano e meio após esse famoso incidente se ter suicidado?
Algo de tão radical e vindo de uma pessoa com uma vivência tão misteriosa, faz-me pensar se se terá mesmo suicidado, ou se não estaria envolvido em algo que o ultrapassou...
Fica ainda outra pergunta por desvendar. . . Porque é que a relação com Gauguin o afectou tanto?
E ainda a frase proferida nos braços do irmão mesmo antes de morrer: "A tristeza durará para sempre". . .

*Os vencedores terão que enviar-nos a sua morada. Em caso de não o fizerem, o Clube atribuirá o livro a outro(a) finalista. Fiquem atentos!

Pedro Guilherme-Moreira, dia 1 (sobre o ofício e sobre mim)

dia 1: sobre o ofício e sobre mim

"Abrando aqui quase todos os dias, neste café, à espera de alguém que depois levo para casa e assim fica o dia dividido em dois, do lado de cá a separação e a solidão (a solidão boa, deus me livre da outra, que quando me tenta visitar eu espanco com palavras bonitas) e o trabalho antes do lado de lá, o regresso aos meus, a reunião. Gosto de vir a este centro de lojas, gosto de passar pelas pessoas e de vê-las passar por mim, gosto de me encostar aos vidros dos elevadores e de entender os corpos num esforço de adequação ao espaço e os olhares num esforço de adequação ao silêncio, chego e peço sempre um café comprido com adoçante e um copo de água e abro o portátil e arranco a música nos ouvidos e, quando não tenho tempo para trabalhar mais um bocadinho, escrevo coisas assim. Tenho andado com a literatura à cintura, como uma daquelas bolsinhas fora de moda, tenho andado mais calado do que falante, mais com os dedos em suspenso sobre o teclado do que caindo sobre ele, tenho lido tanto, ouvido tanto, olhado tanto para as pessoas que passam para as cidades delas, para os momentos delas, tenho conhecido tanta gente sem livros e de rebarbadora e de cana de pesca e de chave de parafusos na mão a quem falo sempre de livros, elas perguntam o que é que eu faço e se eu digo que sou advogado sou consultado, se digo que sou escritor sou olhado de lado, uns sorriem, outros continuam como se eu não tivesse dito nada, e eu vou falando do que está dentro do livros e depois à noite aproximo-me da mancha do meu filho, que é o bastante para o reter, e penso que sempre que ele escreve, e é quase nunca, escreve melhor do que eu e então pergunto pela literatura que eu quero para ajudar a levantar aquelas rebarbadoras, aquelas canas de pesca, aquelas chaves de parafuso, porque eu sei que há livros para nada mas tenho a certeza de que há livros que são tudo e sei, hoje sei, cada vez mais sei, que tenho de comunicar a literatura para dentro daqueles olhos duros e daqueles corpos doridos, fazê-los parar e escrever no ar para eles, pegar nas frases que já estão feitas e os confortam e tirar-lhes um verbo, aplicar-lhes uma luz, um cheiro, um botão, um barulho que os faça acordar durante alguns segundos e depois voltar à função e levar na boca, para o café, para este café, umas horas mais tarde, a inquietação que eu lhes dei, como eu trago tudo deles para aqui, que nunca nenhum me provocou o tédio que me provocam as pessoas importantes todos os dias. Estamos perto, estamos perto, filho."

*Pedro Guilherme-Moreira - esta semana em destaque no Clube de Leitores


a foto é tirada do seu mural do facebook

A história comovente de Raimundo Arruda Sobrinho


domingo, 23 de março de 2014

Cronicando pela Ásia... o dia em Vang Vieng

Vang Vieng,
09 de Maio de 2009


Depois de uma noite de conversa e das histórias dos amigos feitos no dia anterior, acordo e vou tomar o pequeno almoço. O meu "resort" inclui um breakfast americano, mesmo ali à beira-rio.

Acordei com as vacas a pastar mesmo ao lado da cabana. Tinha chovido um pouco ontem ao fim-da-tarde e hoje o céu parecia querer rebentar a qualquer momento. Vou ao banho - de mangueirada, como deve ser. Reparo no curioso intruso que já lá está, mesmo ao lado do sabão. É uma pequena rã que chama por outra.

Bem, se calhar o intruso sou eu...

Na Ásia, a vida animal dorme connosco. Além das inconvenientes baratas e mosquitos, temos as osgas. E é deixá-las estar, mal se mexem e são nossas amigas. Comum também é a existência de uma mosquiteira nos quartos. Os mosquitos são uma grande praga e existe um risco pequeno de apanharmos malária.



A manhã passa num ápice, ao som das fábulas dos grandes aventureiros que me acompanham. Ouço mais uma vez relatos da Índia e convenço-me que tenho de lá ir um dia. Tenho de ver com estes olhos aquilo que ouço...

Um deles, o Ângelo, vende colares e brincos. Passa a manhã a fazê-los com a sua namorada. É assim que se sustentam e viajam. Vida mais simples é impossível.

Mais tarde oferece-me um pendente. Ainda hoje o guardo.


Depois de uma sesta logo a seguir ao almoço, decidimos ir ver uma gruta lá ao fundo nas montanhas. Mas estava tudo fechado. Nada a fazer, resolvemos dar meia-volta e ir ver a vila.

Qual o meu espanto quando, de repente, vejo carros alegóricos por todo o lado. Cada um traz foguetes gigantes e muita malta lá pendurada. Um ou outro vai mascarado de mulher - o que é comum ver aqui nesta região da Ásia. Os foguetes são verdadeiros petardos. São lançados até uma enorme distância e estouram com enorme violência.

No fim deste mini Carnaval, cruzei os meus olhos com um casamento. Foi fantástico... Os casais dançam sem se tocar, apenas andando à volta um do outro, com as mãos a cruzar umas nas outras. Mas sempre sem se tocar! Tudo isto acompanhado com uma música muito simples e calma.

Acabei de presenciar ritual, não haja dúvida. E imagino que seja muito antigo.


Foi mais um dia de emoções fortes. O fim-da-tarde traz muita chuva e o dilúvio é um convite ao descanso, ali na cabana. Enrolo uma manta e vou para a cama de rede. Adormeço a ler as aventuras de Pepe Carvalho, herói literário de Manuel Vázquez Montalbán. E depois durmo.

Amanhã volto a sair do Laos, rumo novamente à Tailândia. 

Rodrigo Ferrão 

Higor Fabrício de Oliveira lança e-book

Das insatisfações – ou súplicas – de um motorista de ônibus na cidade de Campinas, ao surto de loucura que acomete um homem às vésperas da aposentadoria; a angústia de uma mulher insegura que se vê diante do desafio de manter o emprego de secretária em um escritório de advocacia; o caso raro de um idoso que se encontra no limiar entre passado e futuro sem saber o quê, afinal, devia ter feito de sua vida, ou, ainda, a violência de uma "quase revolução", na qual se envolvem um pai determinado a mudar o mundo e um filho carente do reconhecimento paterno. Nos seis contos reunidos em Um caso raro, são narrados seis distintos olhares sobre a vida cotidiana, protagonizados por personagens como o inimaginável Bartolomeu José Cláudio, o misterioso Hermes ou a infeliz Deise – que percorre sites de relacionamento na internet em busca de uma resposta à suas angústias. Seis breves estórias que compõe o primeiro volume de uma inédita série de contos, estreia ficcional de Higor Fabrício de Oliveira.