A página não oficial de Pedro Paixão, no Facebook, que descobri há algum tempo, está recheada de mimos para os fãs do escritor.
Como este, ao que percebi um texto inédito do próprio PP, que hoje partilho convosco, fã assumida.
"Hoje o
Pedro deixou-nos um pequeno texto para vocês. Tem a ver com aquilo que
ele sente quando escreve. Esperamos que gostem deste mimo :-)
"Alguém escreve como quem morre.
Quando acaba de escrever atinge-o uma aflição. Ao lavar
a loiça, por exemplo, uma pessoa sabe o que está a fazer, conhece os gestos que
faz, tem o cuidado preciso para não deixar cair um copo de vidro no chão.
Quando está a escrever, não. Há uma parte de
si, a parte preciosa, que não sabe o que está a fazer, não acompanha o que as
mãos vão escrevendo, espanta-se com o que lê. As palavras vêm de muito longe e
partem para muito longe. Num instante passam por ele e desaparecem para sempre.
Já os antigos sabiam que as palavras têm asas e voam sem nunca se deixarem
aprisionar. Nenhuma palavra fica quieta onde está.
Quando acaba de escrever senta-se no sofá e olha
fixamente em frente como se estivesse a olhar para uma coisa que não está lá e
sente a aflição a chegar.
Quando julga saber o que vai escrever, nada
escreve. Quando quer achar por onde começar, nada começa. Quando quer dizer uma
coisa de uma maneira, escreve-a de uma outra maneira, aquela pela qual nunca
previu começar. Quando quer continuar pára até desistir e só então pode
continuar. Quando quer acabar, os dedos persistem em trabalhar até que o que se
impunha a ser escrito se esgotar. Ninguém sabe o que faz uma pessoa quando está
a escrever. Em primeiro lugar para o que escreve. Para ele isso é uma certeza.
Escreve sem razão, para ninguém, sem nada esperar. Escreve como quem morre.
Sentado no sofá aguarda que a aflição que lhe morde
o corpo inteiro o largue. Pode demorar mais tempo ou menos tempo. É outra coisa
que ele não consegue controlar. Levanta-se para ir buscar um copo com álcool.
Senta-se com ele na mão. Leva-o à boca e dá um pequeno gole. O sabor do álcool
ocupa-lhe a boca. Quando desaparece leva de novo o copo à boca e dá um mais um
golo. Continua assim até acabar o álcool que o copo continha. Continua a olhar
em frente fixamente. Com um ligeiro esforço, um aumento de atenção ao seu
corpo, procura saber se a aflição ainda lá está. O melhor seria tomar uma
aspirina, um ansiolítico, e um indutor do sono. Engolir tudo ao mesmo tempo. Ou
então nada disso. Ele já devia estar habituado, só que está cada vez mais frágil,
mais sensível à mais pequena perturbação do espírito.
Depois de escrever entra numa zona perigosa, de
fronteiras instáveis. É que não sabe onde esteve e agora não sabe onde está.
Levanta-se do sofá e carrega num botão. Há meses que a música é a mesma. Não
encontra razões suficientes para mudar de disco compacto. A música é sempre
igual e diferente. Depende da forma como se sente, da maneira como a ouve.
Agora só presta atenção ao violoncelo, agora aos violinos, agora à flauta.
Sempre gostou mais de reler do que de ler, voltar a ouvir do que ouvir pela
primeira vez, voltar a ver do que ver pela primeira vez, regressar ao mesmo
lugar do que descobrir um outro lugar. Volta a sentar-se no sofá e ouve a
música como se fosse pela primeira vez. Pouco a pouco regressa ao espaço entre
as coisas, as coisas voltam a ser o que eram e a terem o peso que tinham, o
tempo começa a passar, primeiro muito devagar e depois a correr como se nunca
mais voltasse a asfixiar. Há pouco que se possa mudar.
Sente-se cansado. Vai-se deitar. Desliga a luz que
está sobre a mesinha de cabeceira do seu lado esquerdo. Subitamente vem-lhe uma
frase não sabe de onde. Uma frase imperiosa. Acende a luz e escreve-a num
papelinho que encontra. Apaga a luz. Sabe que quando acordar vai encontrar uma
frase que a noite consumiu por completo e não vale de nada. Pede a si próprio
cinco minutos em que não seja incomodado por nenhum pensamento, nenhuma
memória, má ou boa, o que lhe é concedido. Depois adormece a pensar que não
consegue adormecer.
No dia seguinte vai ter de reescrever tudo de
novo."
* Se quiserem também visitar o site oficial do escritor Pedro Paixão é só seguirem o link www.pedropaixao.net