sábado, 11 de agosto de 2012

a-ver-livros: Amado adentro com Maurício Mello

Podia por-me para aqui a poetar vagamente, em bicos de pés, com a desculpa de que homenageio Jorge Amado, cem anos desde que surgiu no mundo, sedento de histórias e recheado de palavras para as contar. Não presumo.


Avanço pela imagem adentro, uma belíssima ilustração de Maurício Mello para um trabalho ao mesmo tempo singelo e abrangente sobre o autor, a sua vida e as suas literárias criações, editado pela Educar para Crescer, ao que se assume, "um projeto sem fins lucrativos e apartidário que tem o objetivo de ampliar o conhecimento da sociedade brasileira sobre as principais questões da Educação do país", da editora Abril.

Desafio-vos a encontrar por ali a divertida Tieta do Agreste, Tereza Batista, cansada da guerra, Gabriela e Dona Flor - acompanhada, pois claro, de seus dois maridos. Ou o próprio Jorge Amado e a sua adorada Zélia, na pessoa de quem amou todas as mulheres do mundo.
Basta seguir o link educarparacrescer.abril.com.br/cem-anos-jorge-amado

É sábado, a vida espera-me, deixo-vos com este 'a-ver-livros' e talvez a citação mais bonita que conheço de Jorge Amado, um trecho de "Navegação de Cabotagem", o seu livro de memórias que não o era. "Apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei", chamou-lhe em subtítulo. Afinal, traía o pacto firmado com Neruda e Ilya Eremburg: o de nunca publicar um relato memorialístico.
"Se devoro livros até hoje, eu o devo ao pai Dumas, o mulato Alexandre, foi ele quem me deu o gosto de ler, o vício: aos onze anos encontrei abandonado no navio para Itaparica o exemplar de Os Três Mosqueteiros, contraí o vírus da leitura para sempre.
Devo a Rabelais e a Cervantes, deles nasci. Devo a Dickens: me ensinou que nenhum ser humano é todo mau, a Gorki: me deu o amor aos vagabundos, aos vencidos da vida, os invencíveis. Devo a Zola, com ele desci ao fundo do poço para resgatar o miserável, a Mark Twain devo ter soltado o riso, arma de combate, a Gogol, o nariz, as botas e o capote.
Devo a Alencar o romantismo e a selva, a Manuel António de Almeida a graça da picardia, do burlesco, na praça do povo soltei o verbo com Castro Alves, denunciei a infâmia, com Gregório de Matos aprendi a generosidade do insulto, fui boca de inferno, cuspi fogo, pela sua mão descobri as ruas da Bahia, o pátio da igreja (...).
Devo ao cronista anónimo do Mercado, ao contador de casos da feira de Água dos Meninos, ao trovador devo o arroubo, a invenção ao mestre de saveiro: namorou Yemanjá nas cercanias da ilha de Itaparica, dormiu com Oxum no leito de águas mansas do rio Paraguaçu, possuiu Euá na cachoeira de Maragogipe, derrubou-a na fonte de caracóis e pétalas de rosa. É necessário saber e inventar.
Devo ao poeta de cordel, devo."

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Comemorar 100 anos de Jorge Amado


Jorge Amado nasceu a 10 de Agosto de 1912, na fazenda Auricídia, distrito de Ferradas, município de Itabuna, sul do Estado da Bahia. Filho do fazendeiro de cacau João Amado de Faria e de Eulália Leal Amado. Com um ano de idade, foi para Ilhéus, onde passou a infância. Já em Salvador, fez os estudos secundários no Colégio António Vieira e no Ginásio Ipiranga. Neste período, começou a trabalhar em jornais e a participar na vida literária local, sendo um dos fundadores da Academia dos Rebeldes.


Publicou o seu primeiro romance, O País do Carnaval, em 1931. Casou-se em 1933, com Matilde Garcia Rosa, com quem teve uma filha, Lila. Nesse ano publicou seu segundo romance, Cacau. Em 1945, foi eleito membro da Assembleia Nacional Constituinte, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo sido o deputado federal mais votado do Estado de São Paulo. Jorge Amado foi o autor da lei (que continua em vigor até hoje) que assegura o direito à liberdade de culto religioso. Nesse mesmo ano, casou-se com Zélia Gattai. Em 1947, ano do nascimento de João Jorge, seu primeiro filho com Zélia, o PCB foi declarado ilegal e seus membros perseguidos e presos. Jorge teve que se exilar com a família na França, onde ficou até 1950, quando foi expulso. Em 1949, morreu no Rio de Janeiro sua filha Lila. Entre 1950 e 1952, viveu em Praga, onde nasceu sua filha Paloma.

Retornando ao Brasil em 1955, afastou-se da militância política, embora tenha continuado nos quadros do Partido Comunista. Dedicou-se, a partir de então, inteiramente à literatura. Em 6 de Abril de 1961, foi convidado para a cadeira de número 23, da Academia Brasileira de Letras, que tem por patrono José de Alencar, e por primeiro ocupante, Machado de Assis. A obra literária de Jorge Amado conheceu inúmeras adaptações para cinema, teatro e televisão, além de ter sido tema de escolas de samba em várias partes do Brasil. Os seus livros foram traduzidos em 49 idiomas, existindo também exemplares em braille e em formato de áudio-livro.


O romancista morreu em Salvador, no dia 6 de Agosto de 2001. O corpo foi cremado e as suas cinzas enterradas no jardim de sua residência, na Rua Alagoinhas, no boémio bairro do Rio Vermelho, no dia em que completaria 89 anos.

A obra de Jorge Amado recebeu diversos prémios nacionais e internacionais, entre os quais se destacam: Stalin da Paz (União Soviética, 1951), Latinidade (França, 1971), Nonino (Itália, 1982), Dimitrov (Bulgária, 1989), Pablo Neruda (Rússia, 1989), Etruria de Literatura (Itália, 1989), Cino Del Duca (França, 1990), Mediterrâneo (Itália, 1990), Vitaliano Brancatti (Itália, 1995), Luís de Camões (Brasil, Portugal, 1995), Jabuti (Brasil, 1959, 1995) e Ministério da Cultura (Brasil, 1997).

Recebeu também títulos de Comendador e de Grande Oficial, nas ordens da Venezuela, França, Espanha, Portugal, Chile e Argentina, além de ter sido feito Doutor Honoris Causa em 10 universidades, no Brasil, Itália, França, Portugal e Israel. O título de Doutor pela Sorbonne, na França, foi o último que recebeu pessoalmente, em 1998, em sua última viagem a Paris, quando já estava doente. O escritor tinha um carinho especial pelo título de Obá, posto civil que exercia no Ilê Axé Opô Afonjá, na Bahia.

O programa De Lá Pra Cá, apresentado por Ancelmo Gois e Vera Barroso, da TV Brasil, homenageou este autor com o programa que podemos ver aqui em duas partes na altura do 10º aniversário da sua morte. Participam deste programa o cineasta Bruno Barreto, o embaixador Alberto da Costa e Silva e a directora da Fundação Casa de Jorge Amado Myriam Fraga.




1º Parágrafo: E o burro viu o anjo


Foi o seu irmão quem rasgou a membrana da coisa, na manhã do nascimento de ambos, e como se esse simples acto de asserção houvesse de estabelecer um precedente invertido para a inércia na sua vida vindoura, Euchird, então anónimo, cerrou os punhos em torno dos calcanhares de irmão e derramou-se no mundo com toda a glória de uma visita inesperada.


* Tradução de Vasco Gato
* Revisão de Manuel Eugénio Fernandes
* Nick Cave é Nick Cave, cantor, compositor, artista, guionista, romancista
* E o burro viu o anjo foi o seu romance de estreia


a-ver-livros: a negro com The Heads of State

Para ti, o livro é uma parede de tijolo preto
um enorme buraco negro onde receias perder-te

Na ausência de cor perdes um amigo por receares
o seu lado lunar?


* para conhecer melhor o trabalho dos The Heads of State, na verdade a dupla de ilustradores americanos Jason Kernevich e Dustin Summers, é só seguir o link theheadsofstate.com


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

50 anos depois da sua morte, a diva e os livros


Há o mito das louras burras e depois há louras para o desmentirem.

No passado dia 5 de Agosto completou-se os 50 anos da morte de Marilyn Monroe. Para desmitificar as louras nada melhor que a diva das divas. Conhecida pela sua inteligência para além da beleza, durante a sua vida cruzou-se com várias referência culturais e cientificas com as quais gostava de manter longas conversas. A sua biblioteca pessoal contava com mais de 400 títulos e não foram raras as vezes em que se fez fotografar com livros.

Em diários e escritos inéditos, a actriz revela admiração por escritores como Samuel Beckett, Walt Whitman, James Joyce, Tennessee Williams, Ernest Hemingway, Francis Scott Fitzgerald e John Steinbeck, entre outros. O de Ulysses da sua biblioteca chegou a ser vendido por quase 10 mil dólares num leilão promovido pela Christie’s em 1999. Esta vasta biblioteca incluiu biografias, literatura americana, antologias, arte, clássicos, literatura francesa, as obras de Freud, sátira e livros de humor, música, peças de teatro, poesia, política, psicologia, literatura russa, literatura de viagem...


Norma Jeane Baker, a mulher por trás do sex symbol, estudou literatura na Universidade da Califórnia e foi também por cinco anos, a fraqueza do escritor, intelectual e dramaturgo Arthur Miller. Poucos sabem que Monroe passou muito tempo a ler e apreciar literatura, especialmente poesia. Talvez isso a tenha inspirado a escrever em revistas e em livros um monte de poemas nostálgicos, muitos só conhecidos após a sua morte. Num livro publicado em 2010, Stanley Buchthal explora um pouco esta faceta de Monroe.

Para quem quiser espreitar mais sobre esta biblioteca, a loura e os seus livros pode visitar o site que recolhe informações e as dá a conhecer ao público e em especial aos seus fãs.


"A sex symbol becomes a thing. I just hate to be a thing." - Marilyn Monroe

1º Parágrafo: O Lado Selvagem


Desde que saíra de Fairbanks , Jim Gallien tinha percorrido sete quilómetros quando avistou uma pessoa a pedir boleia, de pé no meio da neve, à beira da estrada, de polegar erguido, a tremer de frio no amanhecer cinzento do Alasca. Não parecia ter muita idade: dezoito anos, talvez dezanove, no máximo. Embora uma espingarda espreitasse da mochila do jovem, aparentava ser bastante amistoso. Um rapaz a pedir boleia com uma semiautomática Remington não é o tipo de coisa que dê que pensar a um motorista do quadragésimo nono estado. Gallien encostou o camião e convidou o miúdo a entrar.


* Tradução de Maria Helena Palma
* Jon Krakauer é jornalista e alpinista.
* O livro foi adaptado ao cinema com argumento e realização de Sean Penn



a-ver-livros: a alegre casinha de Klaas Verplancke


Moro na casa que li.

É o chão 
e o tecto de mim. 




* para conhecer melhor o ilustrador belga Klaas Verplancke é só seguir o link  www.klaas.be

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

mArgAridA


Preparava umas saladas estupendas e umas péssimas costeletas de carneiro.
Em termos visuais as costeletas eram irrepreensíveis, empratadas com distinção, de aspecto contraditório, entre o estaladiço e o suculento, no ponto!
Enfim, irrepreensíveis e intragáveis.
Todas as Quintas, sem excepção, apresentava-me costeletas de carneiro.
Eu atravessava a porta e um cheiro a louro e a alecrim que o meu nariz passou a detestar. Em casa proibi a utilização de louro e alecrim, aleguei dificuldades digestivas. Estranharam mas, fizeram-me a vontade.
Sei que ouviu dizer que era o meu prato preferido.
Não sei onde ouviu dizer, nunca foi o meu prato preferido.
Não sei se saberia dizer qual o meu prato preferido.
Gosto de bacalhau. Sim, também de sardinhas, nada de mais, sou português.
Quanto às costeletas de carneiro, comoveu-me o gesto, o seu cuidado, o gosto em fazer-me feliz.
Assim, disse-lhe que sim, que gosto muito de costeletas de carneiro, mais, que era capaz de comer costeletas de carneiro todos os dias.
O que eu fui fazer!
Estávamos no nosso oitavo ou nono “jantar”, e desde então, todas as quintas-feiras, durante vinte e dois anos jantámos costeletas de carneiro, sempre irrepreensíveis no aspecto, sempre intragáveis.
Não sendo ovelha ou grilo e incapaz de tocar em mais uma costeleta de carneiro que fosse, fingia que comia, passava o jantar a queijinhos de cabra e copos de whisky on the rocks.
Até que acabámos.
Eu acabei.
Não por causa das costeletas de carneiro mas por causa das costeletas de carneiro.
Duas úlceras gástricas que levaram o meu médico a proibir-me a bebida.
À segunda é de vez, sentenciou com modos de juiz.
Senti-a aliviada.
Senti-me aliviado.
Os amantes também envelhecem.
Os dois envelhecemos. As mãos com rugas e sinais. Os olhos.
Amantes que não amavam.
Eu chegava e não um beijo, apenas um sorriso, a mesa já posta, jantávamos, quase sempre em silêncio.
Ela já não contava das coisas da sua vida, do seu marido, dos filhos, do chefe no escritório.
Eu já lhe contava coisas da minha vida, da minha mulher, dos filhos, do chefe no escritório.
A previsibilidade da matemática.
A última novidade tinha quatro meses, eu ia ser avô.
Depois víamos um filme, repetíamos filmes, os dois gostávamos de cinema francês e italiano. Filmes quase sempre a preto e branco.
Quando no quarto, a televisão sempre ligada, outras vozes na casa, a Sophia, o Mastroianni, a Mónica Vitti, a Masina, a Deneuve, o Delon, a Isabelle Huppert.
O que eu gostava e gosto da Isabelle Huppert!
Fizemos tantos planos de viagens.
Paris, Nice, Roma, Veneza, Cannes.
Fizemos viagem nenhuma.



1º Parágrafo: O Último Cais


Saímos de Quelimane na canhoneira Mondovi, com direcção à ilha de Moçambique, no dia 4 de Setembro de 1879, pelo meio dia. A partir do dia 5, tivemos vento e corrente contrários e só pudemos chegar à ilha no dia 9, pelas 7 horas da manhã. Adoeceu um marinheiro com febre intermitente. Nenhum navio suspeito.


* Filha de pais madeirenses, Helena Marques nasceu em 1935 em Carcavelos.
* Foi jornalista. Recebeu o Prémio Jornalista do Ando de 1986
* Em 1992 aposentou-se do Diário de Notícias.
* O Último Cais foi o seu primeiro romance



a-ver-livros: o verde do senhor Branco (John White Alexander)

Os verdes de João Branco Alexandre têm o condão de fazer viajar. 
Olhos postos neles vou à S. Miguel de que a memória tem saudade.
Vagueio nos campos de Doolin, que provavelmente nunca irei conhecer.
Acabo por sentar-me num cantinho de Brigadoon, a trautear 'Waitin' for my Dearie',
lendo mais umas páginas de um romance daqueles que faz suspirar.

Estou assim hoje. Verde. Esplendorosamente verde.
Nos traços de John White Alexander.


* para conhecer melhor o pintor norte-americano John White Alexander é só seguir o link www.artmagick.com/

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Tudo vai de férias... até o marcador de livros

As pessoas vão de férias, alguns livros vão connosco e os que ficam em casa? E se de repente um marcador de livros ganhasse vida?

"Much Better Now" uma curta de Philipp Comarella e Simon Griesser. Um marcador de livros num livro esquecido, que um dia é levado pelo vento. O que acontece de seguida?

1º Parágrafo: O Tempo Envelhece Depressa


“Perguntei-lhe por aquele tempo, de quando éramos ainda realmente jovens, ingénuos, arrebatados, patetas, incautos. Alguma coisa ficou, a juventude não – respondeu.”


* Tradução de Gaetan Martins de Oliveira
* Tabucchi considera Portugal a sua segunda pátria e um dos seus romances mais reconhecidos internacionalmente, Requiem, editado em 1991, foi escrito em português, e adaptado ao cinema pelo realizador Alain Tanner.


a-ver-livros: azul, quase roxo, ou René Magritte

Gosto de azuis assim, intensos.
Gosto de livros assim, intensos. 

Gosto de Magritte e gosto de xadrez, embora não saiba mais 
do que distinguir as peças no tabuleiro
e imaginar uma imensa orgia de reis, rainhas, peões e cavalos
algures na torre 
sob o olhar invejoso dos bispos 


* para conhecer melhor René Magritte é só seguir o link www.magritte.be 

[Magritte pintou este óleo sobre tela em 1928. Inspirou-se num postal que tinha visto, uma fonte de inspiração comum a muitos Surrealistas, como Dali e Eluard. É suposto representar uma mulher chocada com a leitura de uma alegada novela erótica.]

Poema à noitinha... Pero Garcia Burgalês

Hoje fui, pela primeira vez, à feira Medieval de Santa Maria da Feira. Por esse motivo, parti à procura de uma Cantiga Trovadoresca. Como gosto especialmente das Cantigas de escárnio e de maldizer, aqui vos deixo o poema de Pero Garcia Burgalês*.

«Roi Queimado morreu con amor
en seus cantares, par Sancta Maria,
por ũa dona que gran ben queria:
e, por se meter por mais trobador,
porque lhe ela non quis ben fazer,
feze-s'el en seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia!

Esto fez el por ũa sa senhor
que quer gran ben, e mais vos en diria:
por que cuida que faz i maestria,
enos cantares que faz, á sabor
de morrer i e des i d'ar viver;
esto faz el que x'o pode fazer,
mais outr'omem per ren' nono faria.

E non á já de sa morte pavor,
senon sa morte mais la temeria,
mais sabe ben, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for,
e faz-[s'] en seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria.

E, se mi Deus a mim desse poder
qual oj'el á, pois morrer, de viver,
já mais morte nunca temeria.»


*Pero Garcia Burgalês foi um poeta trovador nascido em Burgos, Espanha. Frequentou a corte de Afonso X, rei de Castela e Leão de onde Burgalês provinha, portanto, o escritor possuía origem castelhana. Provavelmente também conviveu com a corte de D. Afonso III, em Portugal, onde teria mantido relações com os trovadores Lourenço e Rui Queimado, consideraedo seu rival, chegando a escrever uma cantiga de escárnio para ele. 
(fonte: wikipedia). 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

1º Parágrafo: A Confissão da Leoa

Deus já foi mulher. Antes de se exilar para longe da sua criação e quando ainda não se chamava Nungu, o actual Senhor do Universo parecia-se com todas as mães deste mundo. Nesse outro tempo, falávamos a mesma língua dos mares, da terra e dos céus. O meu avô diz que esse reinado há muito que morreu. Mas resta, algures dentro de nós, memória dessa época longínqua. Sobrevivem ilusões e certezas que, na nossa aldeia que, na nossa aldeia de Kulumani, são passadas de geração em geração. Todos sabemos, por exemplo, que o céu ainda não está acabado. São as mulheres que, desde há milénios vão tecendo esse infinito véu. Quando os seus ventres se arredondam, uma porção de céu fica acrescentada. Ao inverso, quando perdem um filho, esse pedaço de firmamento volta a definhar.


* Mia couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista e professor, sendo actualmente biólogo e escritor.
* Foi galardoado com o Prémio Virgílio Ferreira em 1999 e com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas em 2007

a-ver-livros: Amarelo ou Franz Kupka

Olhas-me por entre o amarelo
e só vejo o teu olhar

Algures mais tarde
no tempo
avisto o livro
nas tuas mãos



* para conhecer melhor o pintor checo Franz Kupka (1871–1957) é só seguir o link
serdar-hizli-art.com/modern_painting/kupka


domingo, 5 de agosto de 2012

Poema à noitinha... Pedro Mexia


«Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pó acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.»


*Pedro Mexia nasceu em 1972. É cronista, critico literário, ensaísta e poeta.

"A menina que não gostava de ler" de Manjusha Pawagi


Meena odeia livros. Os pais têm livros em todos os lugares - os livros estão sempre no seu caminho - empilhados em armários, nas gavetas, pelas mesas e móveis da casa, no chão e até mesmo no sofá. Os pais compravam livros e não paravam de os trazer para casa, emprestados, da biblioteca, nunca paravam de entrar em casa.

Um dia Meena vira um monte muito alto de livros infantis que ao caírem deixam sair das páginas uma incrível variedade de personagens: princesas, fadas, sapos e coelhos. Nenhum deles sabe a que livros pertence e para ajudá-los a encontrar o seu caminho de casa, Meena tem que ler! Enquanto ela lê os livros um por um, acaba por desenvolver gosto pelos livros e torna-se uma leitora assídua.

O livro está traduzido em 15 línguas e tem sido um sucesso entre as crianças e adultos. Apesar disso não encontrei nenhuma edição de uma editora de Portugal. Usado como instrumento motivacional, o conto foi adaptado para animação e também dobrado em português (Brasil). Presta primariamente a função de incentivar os mais jovens ou não alfabetizados. Pode ser usado como material para discussão em sala de aula, para qualquer grupo etário ou nível de aprendizagem.

a-ver-livros: sobre a preguiça e Lena Reznik

Dormi. Dormi mais horas do que pensei que precisava.
Dormi pela noite fora e pela manhã dentro.
Dormi até acordar.
Acordei de tarde. E então?
Agora vou ler. É domingo.


* para conhecer melhor a pintora Lena Reznik, um russa que escolheu viver nos Estados Unidos, é só seguir o link  www.lenareznik.com